Seca, ratos e poder estrangeiro

Colônia Militar cenográfica do filme “A Saga”, de Manaoos Aristides

O Paraná sofria um desastroso final da primeira década de 1900. Como se não bastasse a tensão no Sul conflitado, a seca de 1909 foi a pior de todos os tempos.

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“Ela atingiu os taquarais, existentes em profusão na região dos Campos Gerais e cujos frutos de trinta anos serviam para alimentar os suínos. (…) Com a seca dos taquarais vieram os ratos, que destroem as plantações e as reservas de víveres. Ressecadas, as taquaras logo foram presa de longos sinistros, que duravam semanas, dominando florestas imensas, sendo somente combatidas pelas chuvas” (José Bischoff, Sombras do Passado, 1973).

Foi uma destruição impressionante: pinhais inteiros e incontáveis imbuias, de preciosa madeira, viraram carvão. O solo fertilíssimo torrou, passando a deserto.

“Só brotou mato denso e sobreveio a catanduva. A criação invade as matas devassadas pelo pisoteio contínuo, formam-se os faxinais, nascendo samambaias e pragas” (Bischoff).

Em 1910, a expansão ferroviária se definia como uma das questões mais importantes do País, um símbolo de povoamento e facilidade para o transporte da produção. Nesse vácuo, a Companhia Mate Laranjeira construiu a ferrovia Guaíra−Porto Mendes, de 60 quilômetros, destinada ao seu exclusivo transporte de erva-mate e madeiras de lei.

A iniciativa revela com clareza o crescimento do domínio estrangeiro na região. Em março de 1911, com uma segunda compra junto ao Estado (a primeira data de 1907), a Compañia Maderas del Alto Paraná completava o grande latifúndio da Fazenda Britânia, origem de Toledo e futuros municípios desmembrados da empresa Maripá.

O vale atormentado

O governo do Estado e os latifundiários se lançam a iniciativas próprias ou combinadas para conhecer melhor o Oeste do Paraná, cuja exploração econômica vai compensar o Estado pela contestação do território a Sudoeste.

Uma das principais iniciativas é a de Manoel Mendes de Camargo (1864−1943), com o propósito de abrir uma estrada por onde pretendia trazer gado desde o Mato Grosso para invernar na região de Campo Mourão.

O topógrafo Edmundo Mercer (1878−1938) partiu em 1911 para a região do Rio Piquiri, onde fará o primeiro levantamento da área que o cronista da expedição, o também topógrafo Carlos Alberto Coelho Júnior, qualificará de “extenso e atormentado vale” em seu livro Pelas Selvas e Rios do Paraná.

Para essa expedição foi reunido um grupo de 40 desbravadores, somando aos peões de Camargo os pioneiros mourãoenses interessados nos negócios que a integração traria.

O outro Rio Cascavel

A equipe técnica, além de Mercer e Coelho Júnior, trazia também o agrimensor polonês Otto Trompczynski, que no futuro viria a ser prefeito de Foz do Iguaçu. É a origem da histórica Estrada Boiadeira.

A Companhia São Paulo–Rio Grande voltou a requerer o direito de construir uma estrada de ferro até Foz do Iguaçu em 1911, em troca das terras localizadas às suas margens. Com os entendimentos entre a Brazil Railway e o governo brasileiro, Manoel Francisco Correa retoma um projeto esboçado ainda no Império ao obter, em abril de 1912, permissão para construir essa ferrovia.

Esse projeto, como os anteriores, também não vingará. A via férrea partiria de Guarapuava e depois de atravessar os rios Cascavel*, Coutinho, Lageado Grande, Campo Real, seguiria “às cabeceiras do Cavernoso, fraldeando daí em diante a serra do mesmo nome, atravessando os rios Xagu e União até chegar ao lugar Catanduvas e daí até a foz do Rio Iguaçu” (lei estadual nº 1.209, de 19 de abril de 1912).

* O Rio Cascavel mencionado na lei não é o mesmo que deu nome à cidade do Oeste. É um afluente do Rio Jordão, em Guarapuava. Essa homonímia causou muita confusão.

Sertanejos oprimidos

No extremo-Oeste, a Colônia Militar do Iguaçu havia se revelado um fracasso. Corrupção, contrabando e má administração fizeram com que o governo federal considerasse a experiência um incômodo e não um exemplo.

Enquanto as pressões se intensificavam contra a administração da Colônia Militar do Iguaçu, uma população flutuante se fixava em torno da trilha dos militares, ao redor das ferrovias e dos grandes acampamentos de ervais.

Essa população seria varrida do mapa pelos novos interesses que se impunham sobre a terra paranaense.

 “As terras constituíam um estupendo negócio adicional: o fabuloso presente outorgado em 1911 à Brazil Railway determinou o incêndio de inumeráveis cabanas e a expulsão ou a morte das famílias camponesas assentadas na área da concessão. Este foi o gatilho que disparou a rebelião do Contestado, uma das mais intensas páginas de fúria popular de toda a história do Brasil” (Eduardo Galeano, Veias Abertas da América Latina).

Quis governar sem políticos

Com o Brasil já sob a Presidência do marechal Hermes da Fonseca, que levaria o Brasil a se submeter aos interesses estadunidenses e a contrair mais dívidas com bancos ingleses, o Paraná teria um novo governador a partir de 1911.

Como em outras ocasiões, as elites paranaenses, sempre semelhantes em projetos e métodos, embora simulassem disputas entre suas famílias e correntes internas, chegava a mais um consenso absoluto: Carlos Cavalcanti foi eleito sem adversários após vencer algumas resistências iniciais, representadas pelas lideranças de Alencar Guimarães e Generoso Marques dos Santos, que se opunham ao seu vice, Affonso Camargo.

Como a indicação resultou de um consenso das elites, Cavalcanti assume no início de 1912 e vai governar acima dos partidos, “à semelhança de um magistrado”, segundo o historiador Túlio Vargas. Uma ilusão, como se viu logo depois.

Carlos Cavalcanti assumiu o governo do Paraná no final de fevereiro de 1912, mas quem realmente vai exercer o poder será seu vice-governador, representante de uma das mais poderosas famílias paranaenses: o guarapuavano Affonso Alves de Camargo.

Começa a Era Camargo

A partir de então, Camargo praticamente edificará um “reinado” no Paraná, que só será interrompido pela Revolução de 1930, para se recompor mais adiante, em acordos de interesse regional.

No governo Cavalcanti-Camargo, o interesse pelo extremo-Oeste do Paraná crescia porque as vitórias sucessivas de Santa Catarina na demanda do Contestado eram atribuídas à ausência da autoridade paranaense nas regiões de fronteira.

A missão paranista, assim, foi definida em verbos cruciais: ocupar, povoar, manter e fazer produzir. No projeto de estímulo à colonização do Oeste, em março de 1912 o governo do Paraná cedeu 20 mil hectares à empresa Petry, Meier e Azambuja, dos empresários José Petry, Hans e Alberto Meier e Antônio Bittencourt de Azambuja.

Por sua vez, a Companhia Matte Laranjeiras formalizava, em maio, a aquisição do imóvel “Margem Esquerda do Alto Paraná”, com uma área de 9.953,05 hectares.

Nem escola ficou

O fracasso da colonização militar foi tamanho que sequer uma escola pública havia na Foz do Iguaçu de então.

“Os próprios oficiais para lá destacados consideravam-se desterrados. Aproveitavam pois o tempo para melhorar sua situação financeira através do contrabando…” (Ruy C. Wachowicz, Obrageros, Mensus e Colonos).

Foi justamente o governo do militar Hermes da Fonseca que teve a honradez de apagar essa mancha. Assim, com o processo de colonização assumido pelo governo do Paraná, em 16 de junho de 1912 o Ministério da Guerra extingue a Colônia Militar, passando seu controle ao Estado.

As autoridades estaduais supunham que agora nada mais impediria o desenvolvimento do Oeste paranaense. Mal sabiam que complexos e longos processos judiciais viriam para fazer o Paraná perder seu Sudoeste para Santa Catarina e prejudicar os colonos que decidiram investir suas economias na região.

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