Quase um ano após a morte do governador que havia derrotado Santa Catarina pelas armas – Santos Andrade −, em 6 de janeiro de 1901 o advogado Manuel Mafra deu entrada no Supremo Tribunal Federal, no Rio de Janeiro, com um ação contra o Paraná que iria causar novas tensões entre os dois estados.
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A batalha será longa. Estrategicamente, o Paraná decide intensificar suas ações de controle sobre suas regiões Oeste e Sudoeste. O 1º Batalhão de Engenharia do Exército se estabelece em Colônia Mallet, a futura Laranjeiras do Sul, para estender o trabalho de instalação da linha telegráfica.
Tendo partido de Ponta Grossa, a missão seguirá até Foz do Iguaçu, sob o comando do capitão Félix Fleury de Souza Amorim (1866−1925).
Seriam seis anos de trabalho duro na mata do Oeste paranaense para o goiano Amorim, que depois, major, consagrou-se atuando sob as ordens de Cândido Rondon (1865–1958) em sua célebre comissão desbravadora.
Expulso da Argentina e Paraguai
Enquanto os fios seguiam em direção à fronteira, outro oficial engenheiro, Júlio Tomás Allica, servindo ao Exército argentino, caía em desgraça em seu país ao tentar dar um golpe de Estado e também teria papel importante na telegrafia e na produção de energia elétrica no interior paranaense.
Exilado no Paraguai, de ontem também foi expulso, Allica iniciava em 1902 a construção de um império ervateiro no Oeste do Paraná, adquirindo 400 alqueires diretamente do governo do Estado.
Allica deu à sede de sua obrage o nome de Porto Artaza, homenagem à cidade espanhola de onde a família partiu rumo à Argentina.
Na região, tendo como capataz o famigerado Santa Cruz, seu cunhado, formou “um verdadeiro império, com suntuosas residências, pomares, engenhos de arroz e mandioca”, segundo o Projeto Memória de Marechal Cândido Rondon:
“Represou um lago para a produção de energia elétrica, conservando um bosque a fim de criar animais e aves regionais domesticadas. Para consumo dos habitantes desta propriedade, criava gado bovino, suínos e cabras. Para o transporte, criava equinos e muares. Dos escritórios, partia uma linha telegráfica para os ervais, a qual atingia 140 km de extensão. O porto era equipado com zorras (vagões ou carrinhos utilizados para a carga e descarga dos toros)”.
Barthe, outro “imperador”
Também nessa época, Manoel José da Costa Lisboa transfere ao sócio franco-argentino Domingos Barthe todos os direitos da propriedade cuja compra ele intermediara junto ao governo brasileiro, permitindo também a Barthe iniciar sua própria obrage, além de explorar a navegação fluvial e o turismo.
Por sua vez, a Companhia Mate Laranjeira adquiria 800 mil hectares entre o Paraná e o Mato Grosso, formando uma das obrages mais poderosas. Essas companhias exploravam a mão-de-obra paraguaia e brasileira em regime similar ao da escravidão:
“(…) exploravam preços absurdos, no clássico hábito de colocar o trabalhador sempre em dívida com o empregador. Esse é um processo de escravidão de toda a América, desde o Amazonas aos rios do Equador, desde os campos do sul do Chile aos cacauais da Bahia, desde os cafezais de São Paulo às plantações da Argentina” (Jorge Amado, O Cavaleiro da Esperança).
A essa altura, 1902, os fios telegráficos já alcançam Catanduvas. Ali, onde os militares fizeram uma plantação em 1889, surgia uma estação telegráfica e o início da vila. A ação governamental avançará para o Oeste mais acelerada a partir de agora.
Campo Mourão: chegam os brasileiros
A Comissão Estratégica, organizada pelos militares ainda nos tempos imperiais, desembocou em 1903 na Comissão de Estradas Estratégicas.
Muito natural, portanto, que a rodovia ligando Guarapuava a Foz do Iguaçu ganhasse a denominação provisória de “Estrada Estratégica” ou, simplesmente, “a Estratégica”, no curso das obras então iniciadas, que são a origem da atual BR-277.
A construção da rodovia se orientava pela progressão avançada dos fios telegráficos, cuja extensão se iniciara um pouco antes. Mas a turma que abria a estrada nunca chegaria a alcançar a vanguarda telegráfica: a engenharia militar decidiu direcionar a estrada para o divisor de águas, afastando-se da linha depois que as obras empacaram em Catanduvas.
Por essa época, o paulista José Luiz Pereira, fixando-se na fértil região hoje polarizada pela cidade de Campo Mourão, inicia uma nova frente de colonização no remoto interior paranaense. Desta vez, com brasileiros.
Cresce o domínio argentino
No extremo-Oeste, com a legalização das terras que possuía no Brasil, Domingo Barthe assume o controle da navegação no Rio Paraná, pondo em suas águas os vapores Feliz Esperanza, Dolores Barthé e Tembey, destinados exclusivamente ao transporte de passageiros e cargas entre Buenos Aires e Puerto Aguirre.
Em meados de 1903, o baiano Dionísio Cerqueira (1847–1910), general e ex-ministro de Prudente de Morais, chefe da Comissão de Demarcação dos Limites Brasil-Argentina, funda o núcleo que daria origem a duas cidades.
Um acampamento onde havia um barracão para a hospedagem dos tropeiros e militares de passagem seria uma delas, hoje com seu nome. A outra era um pedaço urbano da atual Barracão.
É sob o comando do general Cerqueira, como parte de um projeto diplomático, que se inaugura em 20 de julho de 1903 o Marco das Três Fronteiras, estabelecendo o limite territorial do Brasil com a Argentina e o Paraguai.
Machado, o governador unânime
Nas eleições de 1903 para o governo do Paraná, em raro fenômeno na história paranaense, as elites no controle da economia e da política não sentiram a necessidade de criar, como se tornou hábito desde o Império, duas candidaturas formalmente opostas para, em polarização, manter a mesma estrutura de poder.
Seria inútil. O ex-governador Vicente Machado (1860–1907) era a grande liderança do Estado desde a resistência aos invasores gaúchos. Foi eleito sob o consenso das lideranças políticas, algo que só teria similar no futuro com a ampla aliança construída em torno do jaguariaivense Moysés Lupion (1908−1991), nascido um ano após a morte de Machado.
Na frente desbravadora, os trabalhos da linha telegráfica e da Estrada Estratégica avançavam ao sabor do clima em 1904.
A saga de João Gualberto
O alferes João Gualberto Gomes de Sá (1874–1912), designado para servir na Comissão encarregada da abertura da estrada e linha telegráfica ligando Guarapuava à Colônia Militar de Foz do Iguaçu, avançava quando o tempo favorecia. Ele passou cerca de quatro anos no sertão.
“Os acampamentos se localizavam à margem dos rios. Sempre que a frente de trabalho se distanciava mais de 30 quilômetros, aconteciam as mudanças. Feitas de madeira tosca, sem pintura, janela de pau, as casas nem assoalho tinham. Cobertas de tabuinhas, dividiam-se em sala de dois quartos, que continham camas tipo tarimba, pregadas na parede, guardavam as roupas nas malas ou em prateleiras improvisadas” (Francisco Brito de Lacerda, Gazeta do Povo, 25/1/1987).
O engenheiro curitibano Arthur Martins Franco (1876−1979) vai iniciar em 3 de setembro de 1904 uma viagem ao Oeste do Paraná em que cada passo será uma página histórica. Ele pretendia abrasileirar o Oeste do Paraná, mas isto só começaria de fato duas décadas mais tarde, após a Revolução Paulista.
O trajeto seguido pelo engenheiro, então com 28 anos, hoje parece maluco: para chegar à região de Cascavel, começou partindo de Curitiba a Paranaguá, onde tomaria um navio argentino para viajar a Montevidéu (Uruguai) e então a Buenos Aires (Argentina), para finalmente se deslocar pelo Rio Paraná até Foz do Iguaçu.
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