Na futura Província do Paraná, o início de 1846 registrava rigores climáticos: o “maior dilúvio desde 1796”, segundo o historiador Antônio Vieira dos Santos.
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Com a paz posterior à derrota sem perda total do movimento farroupilha*, os anos correram sem que o Paraná independente acontecesse e nada de novo houve nesse ano e em 1847.
Entretanto, mudanças por acontecer no exterior vão animar o desenvolvimento capitalista, com reflexos no mundo e também aqui.
Em 1848, o México, vencido na guerra com os EUA, perde para o vizinho dois milhões de quilômetros quadrados. Quando o vigia de um moinho na Califórnia acha pepitas de ouro às margens de um regato começa a Corrida do Ouro.
A descoberta de Sutter’s Mill favorecerá o desenvolvimento industrial, acelerando o enriquecimento dos EUA, ao contrário do ouro brasileiro, dissipado na Europa.
*No tratado de paz, os rebeldes conseguiram anistia plena
Mundo em transformação
No início daquele mesmo ano de 1848 é publicado o Manifesto do Partido Comunista, de Marx e Engels, sinalizando para a nova etapa da Revolução Francesa, pela primeira vez sob a direção do proletariado, classe formada pelo desenvolvimento capitalista.
As barricadas operárias de Paris serão esmagadas com extrema violência pela tropa do general Cavaignac, com o passivo de dez mil mortes, mas a história segue com uma série de levantes burgueses e populares.
A Primavera dos Povos varrerá a Europa, estimulando movimentos liberais radicais em outras partes do mundo, como a Revolução Praieira em Pernambuco.
Como os líderes paranaenses ávidos para se livrar da tutela de São Paulo, ficava a conferir se eles continuariam a mandar ofícios pedindo em vão essa conquista ou também recorreriam às armas.
Parlamentarismo contorna revoltas
Uma sucessão de acontecimentos inclinou os coronéis fazendeiros da região a se alinhar aos liberais moderados e também a negociar com os conservadores depois que Pedro II criou, em julho de 1848, o cargo de presidente do Conselho de Ministros do Império, equivalente ao de chefe de governo.
As revoluções desencadeadas em 1848 se erguiam contra os regimes monárquicos autocráticos afundados em crises econômicas que recusavam a representação política da classe em ascensão – a burguesia.
O anseio pela formação de governos constitucionais levou à extinção ou adaptação das monarquias.
O imperador brasileiro engendrou um parlamentarismo em que o presidente e o corpo de ministros eram definidos pelos resultados das eleições parlamentares. Uma ginástica da monarquia para se adaptar aos novos tempos no mundo.
Interior do Paraná virou prisão
Na França, a onda revolucionária burguesa se espalhava pela Europa, alcançando Alemanha, Inglaterra, Áustria, Itália, Polônia, Dinamarca, Hungria, Tchecoslováquia e outras nações.
Por sua vez, o Brasil se adapta, mas vai ficando mais conservador à medida que o imperador amadurece.
Militares eram premiados com amplos latifúndios no interior, em regiões que ocupavam pelo interesse de assegurar a propriedade, mas não tinham interesse em colonizar e com isso as intenções de ocupação no Oeste estacionaram.
Se na Califórnia os aventureiros partiam em busca do ouro em clima de liberdade, foi a ausência de liberdade que engendrou no futuro Paraná um tipo especial de pioneiro: os condenados à morte deixados em prisão a céu aberto.
Legítima defesa ou assassinato?
Sentenciados à pena máxima em São Paulo tinham eventualmente a pena comutada em degredo nos sertões de Guarapuava, abandonados a esmo nos “Campos de Nerinhê”, local em que no futuro brotaria a Colônia de Marechal Mallet, atual Laranjeiras do Sul.
A consequência da pena comutada em degredo foi torná-los posseiros de terras muito ricas.
Começou quando um tenente paulista em desavença com vizinhos por motivos de divisas de terras aproveitou uma folga no trabalho militar para visitar suas plantações.
“Na passagem de uma porteira, duas pessoas lhe armaram uma tocaia com o intuito de matá-lo. Houve luta, e José Nogueira do Amaral matou os dois oponentes” (Nerje, João Olivir Camargo).
Pistola para um condenado
O tenente paulista José Nogueira do Amaral foi condenado à morte pela forca. Benquisto na corporação, teve a pena comutada em degredo no remoto sertão de Guarapuava conhecido pelos índios como Campos de Nerinhê (“o mesmo que nerje, laranja em Caingangue”), junto com outros criminosos.
“O alferes José Toledo, como era de praxe, deixou ao condenado uma pedra de sal (uma arroba), um facão, alguns víveres e uma pistola pedreira. Esta pistola foi certamente uma gentileza do alferes Toledo, pois não se costumava deixar armas de fogo com os condenados. A longa viagem da escolta e do condenado, desde São Paulo até a nossa região, fez nascer alguma amizade entre estes homens, e quem sabe, um misto de admiração e de piedade por aquele que seria abandonado em terras tão selvagens e cheias de perigos, principalmente pela presença das hordas de índios” (João Olivir Camargo).
Castigo virou riqueza
Outros degredados ficaram nas imediações de Guarapuava, mas Amaral foi abandonado em uma região ainda mais inóspita: a “terra dos índios Dorins rudes e bárbaros”, segundo o padre Francisco das Chagas Lima – os Campos de Nerinhê.
Com isso, em dezembro 1848 o infeliz José Nogueira do Amaral passava à história como o primeiro posseiro e fundador de Laranjeiras do Sul.
O nome do local vinha da presença no local de laranjas silvestres, que o povo conhece como “laranja azeda”.
Amaral, portanto, não chegou para obter uma recompensa, ao contrário de outros militares que ganharam latifúndios por ações nos campos de batalha. Ao contrário, ele veio ao futuro Paraná como castigo, para cumprir a pena de prisão em degredo, abandonado para morrer na mata.
Lendas e tesouros
Com a sentença à morte transformada em liberdade total na mata, Amaral empregou noções de sobrevivência e evitou o contato com os índios até que em certa ocasião foi atacado, mas resistiu com bravura até ser finalmente aprisionado.
Teve a vida poupada por se defender sem armas. A família que Amaral viria a chefiar foi constituída na convivência com os índios.
De sua região, 40 anos depois, partiriam os militares encarregados de conquistar o extremo-Oeste: a região de Cascavel a Foz do Iguaçu.
Entre os sertanejos, a história de sobrevivência e enriquecimento de Amaral virou lenda. Ao morrer, de velhice, em 1884, correu o comentário de que foi sepultado com uma espada com cabo de ouro e outros objetos valiosos.
Seu túmulo foi várias vezes violado por aventureiros crentes de que achariam enterrado ali o tesouro do militar que fez da condenação à morte uma vida de riquezas e lendas.
CLIQUE AQUI e veja episódios anteriores sobre A Grande História do Oeste, narrados pelo jornalista e escritor Alceu Sperança.

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