Primeiro, o Sul. O Paraná fica para depois

Os Kaingangues dominavam as áreas desbravadas por Manoel Soares do Valle e Atanagildo Pinto Martins

Dar aos novos campos desbravados no futuro Paraná o nome de “Palmas”, em homenagem ao novo governador paulista, Francisco Mascarenhas, o Conde de Palma, não foi muito útil, de imediato, para os interesses curitibanos de desenvolver no Oeste seus projetos de ocupação militar, criação de gado e construir um mercado consumidor criando cidades.   

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Em agosto de 1815, o comandante da expedição de conquista dos Campos de Guarapuava, Diogo Azevedo Portugal, recebia ordens para cortar despesas. A prioridade era estender o domínio português até o Uruguai e isso passava pela conquista das regiões ainda não exploradas no Rio Grande do Sul.

Diogo tinha ordens para descobrir o caminho “mais conveniente e de direta comunicação entre a cidade de S. Paulo e o campo das Missões no Rio Grande do Sul”. Começou por demitir o tenente Manoel Soares do Valle, que explorou os campos e matos circunvizinhos a Guarapuava e promoveu o melhoramento do trânsito nos passos dos rios Iguaçu, Chapecó e Goyoen (Passo Fundo).

O herói demitido

Foi Manoel Soares quem chefiou a exploração pioneira ao Sul, abrindo uma picada de dez léguas até o Rio Chopim, de onde voltou por ficar sem mantimentos. O tenente, nesse caso, foi punido por não ter seguido adiante.

A determinação dada ao comandante Azevedo era retomar a trilha do tenente Soares do Valle e seguir dali ao Rio Uruguai para chegar a Santo Ângelo, primeiro povoado das Missões, distância calculada em 40 léguas por “dois bugres já catequizados”. 

Diogo deveria em outubro de 1815 abrir o caminho com o auxílio do prático Antônio das Neves Ramos e a equipe necessária à realização da tarefa, autorizado a recrutar “e levar sem a menor violência” das vilas de Curitiba e Castro trabalhadores ao soldo de cem réis por dia durante a exploração.

Cem réis por dia, sem dúvida, era melhor que trabalhar como escravo em Guarapuava. A penosa chegada ao centro do Paraná – o próprio comandante revelou esse fato – aconteceu forçando “voluntários” a trabalhar.

Comandante se declara doente

O governo paulista pretendia que Diogo Azevedo cumprisse a tarefa com a maior brevidade, para que em janeiro estivesse de volta para apresentar seu relatório. 

O comandante, porém, declarou-se enfermo, preferindo cuidar de sua fazenda. Retransmitiu as ordens ao alferes Atanagildo Pinto Martins, que em 28 de novembro, na continuação dos trabalhos de abertura da picada, alcança o Rio Chapecó.

Martins comunica o feito a Azevedo no Natal de 1815, quando o Brasil Colônia já havia sido elevado, por decreto especial, à categoria de Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.

Em 10 de janeiro de 1816, Azevedo transmite novas ordens a Atanagildo Martins: prosseguir “até o ponto de entrar em um dos Povos de Missões portuguesas”. Havia urgência porque Portugal planejava uma ação militar no Sul.

De posse do plano de ação, Atanagildo Martins prepara uma escolta da qual participam o cabo Francisco de Quadros, dois soldados de linha (Barnabé Barbosa e Joaquim Gomes), os civis Guilherme José, Salvador Rodrigues, Américo Manoel, Joaquim Donaire, José Inácio e Manoel dos Santos, mais os índios em serviço de guias – o cacique Yongong e José Poly. 

Exploradores divididos

Partem de Guarapuava ainda em 10 de janeiro para abrir a “nova vereda”. Advertindo para o risco de ataques dos aguerridos inimigos Kaingangues, o cacique-guia Yongong desviou o rumo da escolta para Leste, distanciando-se das Missões. Seguindo ao Sul, chegam a um setor ainda desconhecido – a região de Campos Novos.

“A expedição atravessou o Rio Uruguai por um novo passo e foi sair nos Campos de Vacaria. Infletindo para Oeste, percorreu a região do atual Planalto Médio do Rio Grande do Sul, até chegar ao destacamento de São Borja” (Roselys Vellozo Roderjan, A Formação de Comunidades Campeiras nos Planaltos Paranaenses e sua Expansão para o Sul).

Descontente por não ter seu roteiro seguido por Yongong, Atanagildo mandou Yongong e mais oito homens retornar pelo pretendido percurso. A contragosto, partiram. E nunca mais foram vistos. 

Martins cumpre a missão

Atanagildo Martins chega ao Povo de São Borja, na região das Missões, em 17 de abril de 1816. Apresenta-se ao comandante do quartel ali sediado, Francisco das Chagas Santos (1763–1840), e faz seu relatório. 

O chefe militar relata a seus superiores que a região explorada por Atanagildo Pinto Martins começou com o reconhecimento do Rio Chapecó.

Segundo o relato, Atanagildo e escolta atravessaram os rios Iguaçu, Chapecó e mais um, “semelhante ao Chapecó”, que seria o Rio do Peixe. Adiante transitaram pelos Campos Novos, transpondo o Rio Uruguai por um novo passo, citado por Fidelis Dalcin Barbosa (Vacaria dos Pinhais) como sendo o Passo do Pontão. 

O lugar é hoje conhecido como Barracão, sede do Município gaúcho do mesmo nome. 

Crescem atritos entre Chagas e Diogo

Nesse ano repleto de mobilizações militares, em 9 de julho é declarada a independência das Províncias Unidas do Rio da Prata (hoje Argentina), definição que ao contrário de acalmar os ânimos e unir interesses na região do Prata os antagonizou ainda mais. 

Nessa mesma data, de grande magnitude para a formação da América do Sul, um fato decisivo ocorre em Guarapuava, diminuindo a influência de Portugal e afirmando a liderança curitibana sobre a colonização do interior: o padre curitibano Chagas Lima decidiu assumir o comando de Guarapuava.

Em várias regiões do País, inclusive no litoral e Campos Gerais do futuro Paraná, intensificavam-se em 1816 os conflitos entre as lideranças locais e as autoridades representantes da coroa lusa.

Eclodiam aqui e ali conflitos entre portugueses e brasileiros por arbitrariedades, sobretudo porque as autoridades europeias recrutavam para suas guerras todo brasileiro que não fosse escravo nem estivesse ocupado a serviço de alguma fazenda.

Começam a se desenhar os anseios pela independência.

Padre fica, militar sai

Na frente de ocupação do interior, o conflito vinha das discordâncias entre o severo militar português Diogo Azevedo e o intransigente padre curitibano Francisco das Chagas Lima. 

“Verifica-se um campo de tensões, uma luta por terra, por poder, e pela mão de obra indígena, que além da instalação do povoado, era o principal motor de um conflito, um conflito entre dois lados e dois lugares: o lado do comandante em chefe Diogo Pinto de Azevedo Portugal e o povoado em Linhares; o lado do reverendo 1º capelão da Real Expedição Francisco das Chagas Lima e do comandante interino Antônio da Rocha Loures e o povoado em Atalaia” (Almir Antonio de Souza, Armas, Pólvora e Chumbo: A Expansão Luso-Brasileira e os Indígenas do Planalto Meridional na Primeira Metade Do Século XIX).

Em 9 de julho de 1816 se deu a ruptura. Padre Chagas venceu a disputa com o militar, mas o comandante Diogo Pinto de Azevedo ainda tentaria mais uma cartada: levar com ele os índios catequizados pelo padre. O enredo da saga se adensa. 

CLIQUE AQUI e veja episódios anteriores sobre A Grande História do Oeste, narrados pelo jornalista e escritor Alceu Sperança.

Guarnecer territórios que Portugal ainda não controlava bem, como o setor das Missões, era essencial ao projeto de invadir o Uruguai

 

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