Castro derrubou Mourão por maus-tratos aos índios

Cercada de militares, a Freguesia do Iapó surgiu como frente avançada para colonizar o interior. Ironicamente, a cidade ganhou o nome do ministro Martinho de Castro (destaque)

O fim do projeto do governador paulista Luís Botelho Mourão para o aproveitamento das riquezas do interior do Paraná começou, concretamente, com uma carta do influente ministro luso Martinho de Melo e Castro, secretário dos Negócios Ultramarinos, endereçada em 21 de abril de 1774 ao rei José I. 

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O ministro acusava o governador paulista e seu primo Afonso Botelho, chefe da autoridade portuguesa no Paraná, de violar as ordens reais no tratamento dado aos índios. 

Na correspondência ao rei, Castro informava que não foi cumprida, nos “descobrimentos do Sertão do Tibagi”, a ordem para convencer os índios “pelos meios suaves e brandos que prescrevem as reais ordens de El Rey Nosso Senhor”. 

Os Botelhos, sustentou, queriam “persuadir que os ditos índios devem ser atacados nos sertões e reduzidos pela força de armas, para depois de civilizados se deixarem na sua liberdade”. 

Escravizar a pretexto de civilizar não cabia nas intenções de Portugal, que pretendia ter os índios como guardas das fronteiras da colônia.

Mourão concordava: liberou os soldados para engravidar índias e determinou tratar os nativos com “afabilidade animando-os, e convidando-os com algumas dádivas, para os capacitar a serem nossos amigos”. Afonso, porém, preferia esmagar qualquer resistência.

O truque antiCastro

A advertência de Martinho de Castro ao rei levou à suspensão dos “descobrimentos dos sertões do Ivaí e Tibagi”, com a orientação de manter a posse do Sertão do Iguatemi e enviar socorro militar ao Viamão (Rio Grande do Sul). 

Mesmo já sem condições de seguir com o projeto de aproveitar os campos inexplorados do futuro Paraná, o governador paulista tentou contornar a oposição de Castro e organizou a Freguesia do Iapó para manter a frente de ocupação do interior.

Iniciada por Afonso Botelho em 1771, a freguesia teve em 1775 estabelecidas amplas divisas: ao Norte, a cidade de São Paulo, pelo rio Itararé; ao Sul, a vila de Curitiba, pelo rio Tibagi e mais “todo o sertão”. 

Confiava-se assim à tutela da freguesia de um pequeno número de povoadores, “todo o horizonte do norte e do poente” (Roselys Vellozo Roderjan, A Formação de Comunidades Campeiras nos Planaltos Paranaenses e sua Expansão para o Sul).

Para o controle militar da área, o governador criou também em 1775 a 3ª Companhia de Ordenanças de Cavalaria Auxiliar dos Campos Gerais, sob o comando do capitão Francisco Carneiro Lobo.

Reza a crônica militar que Lobo foi o único sobrevivente de um grupo de oito soldados que sofreram um ataque indígena na tentativa de conquistar os Campos de Guarapuava. Escapou por ser o capitão e o único a cavalo. 

Prioridade ao reforço militar

Mesmo assim o governador Mourão não desistiu de colonizar o futuro Paraná, optando por dar força militar à frente avançada. Como a ordem era fazer a defesa do Sul e proteger Iguatemi, não enviar todos os recursos militares para a resistência à Espanha foi a causa de sua derrota.

Mourão foi substituído em junho de 1775 pelo capitão-general Martim Lopes Lobo de Saldanha, que reabriu o cadastramento da população, recrutando 6.368 homens para formar novas “listas da Ordenança”, as forças militares necessárias para combater os espanhóis. 

“Nesse contexto, a Capitania de São Paulo assumiu o papel de arregimentar tropas e assegurar a posse dos territórios meridionais da América Portuguesa” (Lorena Leite, Déspota, tirano e arbitrário: o governo de Martim Lopes Lobo de Saldanha na capitania de São Paulo [1775 – 1782]).

Por uma ironia da história, a ampla freguesia organizada pelos Botelhos contra a articulação do ministro luso deu origem a uma cidade cujo nome é… Castro, justamente em homenagem ao ministro português. O governador paulista seria depois lembrado pelo nome de outra cidade: Campo Mourão.

O legado de Mourão

Os limites definitivos da região Oeste como posse brasileira serão fixados só depois da guerra luso-espanhola, em 1777, que levou ao Tratado de Santo Ildefonso. Basicamente, o acordo fazia valer as determinações do Tratado de Madri. 

O governo paulista ficava livre para ocupar o território conquistado aos espanhóis, mas não sem escaramuças: no final de outubro de 1777, cerca de três mil espanhóis, acompanhados por índios Guaicurus, invadiram e saquearam o Forte São Carlos, na Colônia do Iguatemi, a vanguarda portuguesa no Oeste.

Um passo efetivo adiante para a pacificação entre os reinos ibéricos se deu em março de 1778, quando um novo tratado de amizade entre a Espanha e Portugal é assinado, dando início a uma longa jornada para a recuperação de Iguatemi, iniciada em 30 de abril de 1778, quando Luís de Vasconcelos e Sousa (1742–1809), o Conde de Figueiró, assume as funções de vice-rei do Brasil.

O Mapa Geográfico da América Meridional, de Juan de la Cruz Cano y Olmedilla, segundo Romário Martins “traça a estrada de São Paulo até a localidade de Pitanga, nas nascentes do Rio Tibagi, e daí em diante assinala as localidades por elas atingidas”. Mourão saiu, mas alguma coisa ficou.

Mais uma década perdida

Os anos finais da década de 1770 nas frentes pioneiras do Paraná se definiram, de um lado, pelo desinteresse das autoridades portuguesas em ocupar o interior por conta da prioridade aos confrontos com a Espanha no Sul. 

De outro, pela resistência dos índios ao avanço das fazendas de gado que os curitibanos estendiam pelos Campos Gerais e pretendiam ampliar também para os campos de Guarapuava e Palmas. 

Retrato da economia do interior do futuro Paraná nesse meio de década relacionava 88 fazendas e 131 sítios. A preocupação do administrador Afonso Botelho era lhes dar segurança e a possibilidade de expansão.

Os curitibanos não tinham como avançar para o interior porque os índios não podiam ser combatidos: a autoridade real portuguesa, de índole extremamente religiosa, seguia a orientação papal de tratar os índios como “cidadãos talhados para o reino dos céus”, como já haviam reportado os jesuítas em seus tempos no Guayrá.

Para o Oeste do Paraná, porém, mais uma década se completava e nada havia sido feito na mesopotâmia dos rios Paraná, Iguaçu e Piquiri, terras que no futuro seriam listadas entre as mais férteis do mundo.

CLIQUE AQUI e veja episódios anteriores sobre A Grande História do Oeste, narrados pelo jornalista e escritor Alceu Sperança.

O Paraná do século XVIII, no famoso Mapa Geográfico da América Meridional, de Juan de la Cruz Cano y Olmedilla: o Rio Iguaçu ainda era o “Rio Grande de Curituba”

 

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