Por Juliet Manfrin
A região Oeste do Paraná vive realidades alarmantes, ainda invisíveis aos olhos de boa parte da sociedade, de muitos órgãos de fiscalização, controle e investigação.
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No fim da última semana 48 pessoas de origem paraguaia foram resgatadas de uma propriedade rural no município de Pato Bragado onde estavam, segundo o Ministério Público do Trabalho, em condições análogas à escravidão. Atuavam em três granjas de aves vivendo, dormindo e se alimentando em condições insalubres. Entre os resgatados havia uma menina de 13 anos de idade.
O tráfico e contrabando de pessoas vêm reestabelecendo rotas regionais e se remodela como uma nova forma de escravidão. A constatação é das autoridades.
São brasileiros e estrangeiros cooptados por redes criminosas em números cada vez mais preocupantes. Antes o grande filão “no mercado humano” eram outros países, o tráfico internacional, mas as autoridades já identificam que brasileiros passaram a ser grandes “consumidores” de brasileiros, principalmente quando há trabalho análogo à escravidão. Sobre isso, falaremos mais adiante.
O crescente e preocupante registro de casos fez com que a região se articulasse para a criação de uma rede regional de apoio, para identificação e denúncias.
Estrangeiros que “desaparecem”
Têm saltado aos olhos de entidades e instituições que atuam no acolhimento de imigrantes duas situações.
A coordenadora da Embaixada Solidária em Toledo, Edna Nunes que está a frente da entidade no acolhimento e atendimento aos imigrantes em todo o oeste alerta que apenas cerca de 30% dos que chegam à instituição vêm em um processo completamente legalizado. Os outros, ou vieram num processo de migração forçada, estão com pendências em documentos, ou estão aqui apenas para uma rota de passagem.
Muitos deles chegam por coiotes, de forma irregular, pagando muito, sem garantias de segurança e emprego. Boa parte atraída pelas muitas vagas de emprego. “Um processo regular de imigração não é rápido, é burocrático (…) enquanto isso, pelas mãos de coiotes, em 15 dias as pessoas chegam ao Brasil e ficam presas a esses criminosos por muito tempo”, relata.
Enquanto há os que trazem, também existem os que levam.
Famílias estrangeiras que estavam fixadas na região estão desaparecendo.
Quando não são famílias, são relações intrafamiliares que resultam no tráfico ou contrabando, sobretudo de crianças. Já são sete delas, estrangeiras ou filhas de estrangeiros, que sumiram da região nos últimos meses. Elas não são roubadas, mas são levadas por familiares para o que resultará numa condição de tráfico. Tudo para facilitar a passagem por fronteiras como a dos Estados Unidos.
Com medo e pela insegurança dos que ficam, nenhum dos casos acompanhados pela Embaixada Solidaria foram registrados às autoridades.
A Delegacia Regional da Polícia Federal em Cascavel confirma que não há investigações em curso sobre o tráfico de pessoas. “Há muito medo de denunciar e, assim, torna-se um crime invisível, que muitos nem acreditam que exista aqui”, completou.
Desaparecimentos
Os casos relatados não terão a identidade das vítimas reveladas.
A família de origem haitiana vivia em Toledo. Os pais trabalhavam, a criança inserida no meio escolar, mas coiotes, ao que tudo indica estrangeiros estabelecidos ou com relações regionais, chegaram até esse pai.
Há alguns meses o pai fugiu com o menino de 3 anos. Foi para o México e de lá aos EUA, tudo de forma ilegal. A criança serviu de escudo para acesso mais rápido àquele país.
Logo que chegou lá o pai abandonou o filho. Desesperada, a mãe deixou tudo em Toledo e foi aos Estados Unidos tentar encontrar o menino. Mãe e filho estão na américa, mas ainda sem contato, separados por um crime e sem saber se um dia se reencontrarão.
Onde está essa família?
Um segundo pai estrangeiro quase foi pelo mesmo caminho que o anterior. Sua primeira “aventura” fracassou. Ele saiu de Toledo, provavelmente com um transporte particular, foi ao Mato Grosso do Sul de onde tentava embarcar na rodoviária com as crianças. De lá ele iria para um grande centro onde seria levado até o México e depois aos EUA. Neste caso, o Conselho Tutelar foi acionado e foram encontrados antes do embarque.
Todos foram trazidos de volta. A mãe, que havia sido deixada na região e não participaria da fuga optou por não denunciar o caso.
Há cerca de cinco meses, a família inteira sumiu. “Não sabemos nem se estão vivos. Redes sociais, telefones, tudo está desativado. Acreditamos que todos tenham sido cooptados”, seguiu a coordenadora da Embaixada Solidária.

Rede regional para identificação e denúncias
O crescimento de casos como estes e outros tantos, resultou em um encontro regional em Toledo na semana passada para criação de uma rede de proteção e denúncias.
“O tráfico é uma forma moderna de exploração das pessoas e novas modalidades vão surgindo com frequência. O fenômeno e o enfrentamento devem ocorrer em forma de rede. Traficar é uma forma de exploração em diversas modalidades”, afirma a Doutora Ciências Humanas e Sociais, Veronica Maria Teresi.
A pesquisadora lembra ainda que o tráfico e o contrabando de pessoas correspondem a uma forma moderna de escravidão, em uma demanda por mão de obra cada vez mais barata.
O procurador do Ministério Público do Trabalho, Fabricio Gonçalves de Oliveira, que atua em Foz do Iguaçu alerta: “trata-se de um crime absurdo, considerado uma ameaça absurda”. “Está aí [o tráfico e contrabando de pessoas] e muitas vezes a gente não consegue enxergar”, alerta.
O procurador destaca ainda que o trabalho escravo e o tráfico de pessoas são crimes diferentes, mas intrinsecamente ligados e o que antes era muito mais comum nas áreas rurais, agora tem se expandido também para os centros urbanos, para o trabalho na indústria e comércio.
Brasil “consumidor” de brasileiros
O Brasil virou um grande consumidor dos seus próprios traficados humanos. “Antes chamava atenção o tráfico internacional, hoje temos a maioria dos casos com tráfico interno”, afirma a coordenadora do Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas no Paraná da Seju (Secretaria de Estado da Justiça, Trabalho e Direitos Humanos), Sílvia Cristina Xavier.
O Núcleo atua neste momento, com autoridades policiais, em 214 denúncias de tráfico. Apenas uma delas diz respeito a mais de 130 traficados que estão no do Paraná, em trabalho análogo à escravidão. Somados, esses casos podem representar mais de 500 pessoas.
Ocorre que o que se vê é considerado pelas autoridades apenas uma ponta do iceberg. Estima-se que para cada caso que chega a ser denunciado existam talvez dezenas de outros que jamais chegarão ao conhecimento das autoridades.
“É um crime difícil de perceber, as vítimas têm medo e não denunciam. As famílias são ameaçadas de morte e se calam”, lamenta a irmã Terezinha Mesalira, coordenadora da Casa do Migrante, em Foz do Iguaçu e que já atendeu dezenas de vítimas.
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