O enredo da BR-277 na trama geopolítica

A antiga Estrada Estratégica se transformou em BR-277 por um enredo que envolveu a simpatia do líder argentino Juan Perón pelo nazista Adolf Hitler e o sonho do general José Félix Estigarribia pelo acesso do Paraguai ao Atlântico

As agitações políticas continentais (dentre elas a ambição pró-nazista da Argentina de controlar o Brasil) e o recrudescimento da II Guerra Mundial ajudaram a apressar a iniciativa de construir uma boa rodovia ligando os Campos Gerais ao extremo-Oeste, mas foi uma carência histórica paraguaia o principal motor da continuidade das obras.

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O que havia, até o início da década de 1940, era a antiga Estrada Estratégica, percurso que aproveitara os melhores trechos das picadas ervateiras.

Enquanto estudava confiscar mais áreas do Paraná – que já havia perdido seu Sudoeste para Santa Catarina –, o governo federal tomou uma providência que ao contrário de prejudicar o Estado contribuiu fortemente para a integração entre suas regiões.

Os rumores começaram a circular em março de 1941. Em abril houve o anúncio oficial e logo em 14 de maio de 1941 já surgia oficialmente, um mês depois de anunciada, a Comissão de Estradas de Rodagem para os Estados do Paraná e Santa Catarina (CERPSC).

As primeiras providências vieram rapidamente: em junho era organizada a Comissão Construtora (CCER-PSC), com a missão de construir a rodovia Ponta Grossa–Foz do Iguaçu e também de reparar os trechos catarinenses Herval-Xanxerê-Itapiranga e completar o trecho São João–Barracão, “ficando ainda a seu cargo a conservação da estrada Curitiba-Joinville até 31 de dezembro de 1941” (Oscar Ramos Pereira, Estradas Paranaenses Construídas pelo Exército).

 

“Pernambucano decidido”

A Comissão Construtora foi instalada em Ponta Grossa em julho de 1941 com a tarefa de estudar e construir a “rodovia federal de primeira classe Ponta Grossa–Foz do Iguaçu”, segundo a recomendação feita em 6 de junho de 1941.

“Posteriormente aquela comissão tomou o nome de Comissão de Estradas de Rodagem 1 (CER-1). Seu primeiro chefe foi o saudoso coronel José Rodrigues da Silva, que iniciou as obras de construção entre Ponta Grossa e Imbituva, aproveitando estudos feitos pelo Estado. Em seguida começaram os serviços de exploração e locação do eixo da rodovia estratégica até Foz do Iguaçu, tendo como pontos de passagem obrigatória Prudentópolis, Guarapuava, Laranjeiras do Sul e Cascavel, daqui seguindo diretamente para Foz do Iguaçu pelo divortium aquarium dos vales dos rios Iguaçu e Piquiri. No que tange ao traçado da BR-277 por Cascavel, aproveitou-se o da velha estrada estadual existente, pondo-o naturalmente em condições técnicas modernas e revestindo-o em parte com pedras poliédricas” (Oscar Ramos Pereira, depoimento ao livro Cascavel, a História). 

O tenente-coronel José Rodrigues da Silva, designado para chefiar a Comissão Construtora, era um “pernambucano decidido, que nela trabalhou árdua e patrioticamente até 1º de julho de 1947”, segundo o major Oscar Ramos Pereira, no livro sobre as estradas paranaenses construídas pelo Exército:

− O coronel Rodrigues iniciou os trabalhos de campo em agosto e deu começo, a quatro de setembro de 1941, à construção dos 25 km iniciais já projetados pelo Estado do Paraná. É que enxergava muito bem os duros 586 km a serem vencidos, transpondo todo e qualquer obstáculo que se lhe deparasse à frente, para atingir Foz do Iguaçu com uma estrada de primeira classe.

Era o início da BR-35, mais tarde BR-277.

 

O interesse do Paraguai

Como se fosse um roteiro de cinema tendo como época a II Guerra, a Argentina, então inclinada para o nazismo, pretendia dominar o Brasil quando/se Hitler dominasse o mundo.

Por outro lado, o Paraguai sempre sonhou com o acesso ao mar. Oferecer essa conquista ao Paraguai poderia garantir o apoio do governo guarani em caso de um conflito com a Argentina de Perón.

O caudilho argentino, secretamente, como constatou a espionagem brasileira em Buenos Aires, aspirava controlar o Brasil a serviço do nazismo.

Em 1939, o general José Félix Estigarribia assumiu a presidência do Paraguai e se declarou ditador “temporário” em fevereiro de 1940, prometendo entregar o comando quando fosse aprovada uma nova Constituição.

Enquanto isso, ampliou a reforma agrária, reabriu a universidade e determinou uma série de medidas econômicas e projetos de desenvolvimento. Em agosto de 1940, com uma nova Constituição à sua feição, o general ganhou tempo para avançar em seus projetos.

Um dos heróis paraguaios da Guerra do Chaco, Estigarribia teve a iniciativa de manter e ampliar intercâmbio comercial com o Brasil e os EUA, dos quais esperava apoio à sua pretensão estratégica: chegar ao mar.

Era “um desejo veemente”, nas palavras do general, encontrar “saída na costa atlântica, para que o País contasse com duas avenidas* para seus contatos e suas comunicações com o mundo”.

Não foi uma conquista imediata, mas ela seria facilitada em 1941 pelo primeiro passo para a nova obra, “de feitio homogêneo e de acordo com os padrões de trafegabilidade exigidos pelo transporte de caminhões carregados de madeira”.

*Uma “avenida” seria o Rio Paraná. A outra, a BR-277.

 

A força de Juarez Távora

Quem passava pela antes desprezada Encruzilhada dos Gomes, desde 1938 a sede de um distrito de Foz do Iguaçu, começava a sentir que Cascavel teria um grande futuro.

Surpreendentemente, ao contrário das demoradas providências governamentais, as obras começaram bem logo, apenas um mês depois de concluídos os trâmites burocráticos, em 7 de julho.

A surpresa tinha nome: as obras foram apressadas por influência direta do coronel Juarez Távora (1898–1975) junto ao Estado Maior do Exército quando, na condição de subchefe na construção da estrada da Ribeira, estudou as necessidades estratégicas que já havia percebido em seus tempos de jovem revolucionário nas matas do Oeste.

Távora havia participado da Revolução Paulista de 1924/5 e conhecia bem a região. Avaliava positivamente seu potencial e sabia o quanto a rodovia era importante para o desenvolvimento do interior do Brasil.

Foi “diante do imperativo em se dar aos oficiais do Quadro Técnico da ativa, provenientes do 1º Batalhão Rodoviário de Curitiba, um aproveitamento de real amplitude no exercício de suas especialidades, que foi criada a Comissão de Estradas de Rodagem nº1; ou, simplesmente CER-1” (DER Paraná, histórico).

Entre outras tarefas, cabia à CER-1 promover melhoramentos na rodovia Ponta Grossa-Guarapuava e realizar estudos do desafiador – e longo – trecho Guarapuava-Foz do Iguaçu. Com isso, o início foi rápido, mas as obras enfrentariam obstáculos criados pelo próprio governo por falta de democracia.

 

Madeira, a grande motivação

Embora a safra de café de 1941 tenha sido um sucesso, repetindo 1940, a nova rodovia seria prioritariamente voltada ao transporte da madeira. No mesmo ano do início das obras da nova estrada foi criado o Instituto Nacional do Pinho.

Surgindo para promover o comércio desse produto no interior e exterior do País e contribuir para o reflorestamento nas zonas de produção, o INP já sinalizava a preocupação com a rápida devastação das florestas de araucária e a necessidade de ao menos promover e fomentar o reflorestamento.

O Instituto foi encarregado de ao mesmo tempo defender os interesses da produção madeireira, pela criação de medidas legais e incentivos, e também “promover o reflorestamento das áreas exploradas e desenvolver a educação florestal nos centros madeireiros”.

Historicamente, refletia a ascensão econômica e política definitiva da classe madeireira sulina junto ao governo federal (Miguel Mundstock Xavier de Carvalho, O desmatamento das florestas de araucária e o Médio Vale do Iguaçu). O chamado ciclo da madeira chegava ao auge.

 

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