Mundo dividido, Oeste em construção

No centro da antiga Fazenda Britânia, a discreta Zona Bonita, onde brotou a progressista Marechal Cândido Rondon

O mês de janeiro de 1954 iniciava o segundo ano de autonomia municipal de Cascavel e Toledo. Foi um tempo de supremacia da madeira, mas com a melhoria das vias de transporte a agricultura deixara de ser praticada sobretudo para fins de subsistência. 

No Norte do Estado, o café se alastrava por onde a madeira saía. O enriquecimento pelo café era notícia pelo Brasil afora. A propaganda das colonizadoras aproveitava o fato para anunciar as terras do Oeste como igualmente favoráveis a essa cultura.

No entanto, não havia qualquer base produtiva anterior que atestasse a viabilidade da rubiácea na região. A suposição provinha da proximidade.Quem chegava se empregava em atividades das colonizadoras enquanto se fixava na colônia adquirida e começava a base da produção futura. Havia trabalho para todos e uma iludida fé no café que demorou quatro anos para se desvanecer, com as terríveis geadas de 1958. 

Por onde se andava, era mato para os lados e um povoado a ser alcançado no fim das estradas-tronco, de onde se ramificavam novas trilhas, algumas carroçáveis e as principais já com a circulação de caminhões.

Cenário geral

No mundo, a Guerra da Coreia havia terminado. As superpotências (EUA e União Soviética) dividiam o mundo entre si. No Brasil, quem não apoiasse o domínio norte-americano era acusado de conspirar em favor da URSS. 

Getúlio Vargas, reabilitado de sua feroz ditadura pelo voto, em 1950, insistia no nacionalismo. Contrariando os militares e civis brasileiros que se alinham na Guerra Fria ao lado dos EUA, em outubro de 1953 Vargas criou a Petrobrás para administrar o setor petrolífero do país sob o regime de monopólio estatal. 

As autoridades norte-americanas, em represália, reduziram à metade os recursos de empréstimos prometidos ao Brasil, que ajudariam a superar o atraso do país. Houve agitação pró e antiamericana. 

Para apoiar o governo, os trabalhadores em processo de perdas salariais exigiam 100% de reajuste. Ainda em janeiro de 1954, o ministro do Trabalho, João Goulart, aceitou aumento nesse percentual para o salário mínimo, irritando os empresários, que só aceitam 42%.

Mais flexível, mas sem abrir mão do papel do Estado como indutor do desenvolvimento, o governo do Paraná em novembro de 1953 havia instituído o Fundo de Eletrificação do Estado, para a manutenção do Departamento de Águas e Energia Elétrica (Daee). 

Com esse fundo, projetava uma “sociedade de economia mista para a construção e exploração de centrais de energia elétrica”. É a origem da Copel. O próximo passo nesse rumo veio em janeiro de 1954, quando a lei 1.726 determinava a organização de “uma sociedade de economia mista sob a designação de Indústrias Reunidas do Xisto Pirobetuminoso Paranaense”. 

Experiências diversas de colonização 

A democracia conquistada em 1946 era testada a cada passo, nas instituições, nas ruas e na imprensa de todas as correntes. Pelos trabalhadores, fazendo exigências. Por uma forte ala militar, insistindo em direcionar o governo em favor dos EUA.  

Alheia a esses movimentos, que impactavam mais a capital federal – o Rio de Janeiro – e as grandes cidades, a região Oeste paranaense se organizava positivamente, com o desenvolvimento de diversos projetos colonizadores.

Um projeto se destacou com o desmembramento da colonizadora Maripá: a venda de terrenos pela Companhia Pinho e Terras ao Norte de Toledo, oferecidos pelo padre-corretor Hermogênio Borin (1921–2010) como a “terra prometida”, alegoria com a Canaã bíblica, “a terra que mana leite e mel”.

Ali surge Palotina, cujo primeiro grupo de colonos, vindos de Santa Maria (RS), chegou ao barracão da colonizadora Pinho e Terras em 5 de janeiro de 1954, conduzidos por Borin e padre Rafael Pivetta.

Entre os recém-chegados estava Domingos Francisco Zardo, cuja família participará decisivamente da estruturação do Oeste paranaense. Designado como diretor da colonização por Alfredo Ruaro, um dos proprietários da Pinho e Terras Ltda, Zardo continuou de onde o padre Borin terminou.

Borin, um contestador

Os corretores de imóveis em geral serviam a empresas colonizadoras, mas Borin era um caso à parte. Filho de agricultores do interior de Santa Maria (RS), com educação religiosa, ingressou na Sociedade Vicente Pallotti em 1942, decisão que determinou seu futuro e parte importante do Oeste paranaense: Palotina recebeu este nome por sua influência e os padres palotinos se tornaram conhecidos em todo o Sul.

 Professor, Borin completou o estudo de Teologia em São Leopoldo, foi ordenado presbítero em 1948 e designado vigário de Cruz Alta no ano seguinte. Depois de participar da colonização no Oeste, Borin foi vigário em várias cidades e retornou a Palotina em 1995.

Com ideias religiosas polêmicas, escreveu o livro “O Inferno Vazio: a Descoberta do Século”, ampliando uma discussão teológica ainda hoje corrente, também defendida pelo papa Francisco. 

Sempre com o foco imobiliário, Borin comprou e escriturou muitas terras no Paraná e MS. Em seu testamento, datado de 2007, declarou: “Durante a vida, me fui desmaterializando. Desfiz-me… de todas as terras conquistadas na época da colonização… de minha aposentadoria e de uma colônia que recebi de herança de meu pai” (https://x.gd/9mUkF).

Ao sentir a saúde abalada por um câncer na garganta, passou a se tratar em Cascavel até decidir regressar ao RS, onde morreu em 2010, aos 89 anos. 

A discreta Zona Bonita

O início de 1954 foi especialmente favorável a Toledo, que em janeiro inaugurava aeroporto e Aeroclube. Em seu interior florescia discretamente desde abril de 1950 uma comunidade formada sobretudo por colonos alemães que teria um papel importante na pluralidade étnica da região.

Os primeiros colonos a chegar foram Erich Ritscher, Antônio Rockembach e Oswaldo Heinrich, vindos do Rio Grande do Sul. Chamavam a área inicialmente de Zona Bonita. 

Ali brotou a Vila Flórida, que mais tarde, como distrito de Toledo, seria rebatizada como General Rondon, em homenagem ao famoso sertanista, morto em 1958. 

Em abril chegaria o casal Benno e Alice Weirich, já com um filho, nascido em Arabutá (SC). A eles se uniu um irmão de Benno, Lauro Mathias Weirich. Em agosto desse mesmo ano o casal teria os gêmeos Glaucio e Claucia. 

A vinda crescente de colonos à Vila Flórida se devia à propaganda do café, como ocorreu com Cafelândia e Palotina. Foi a propaganda do café promovida pela colonizadora Maripá que despertou o interesse de Oscar e Írica Kaefer para deixar Piratuba (SC) e se mudar ao Paraná.

Lá, a família se dedicava à fotografia e com essa atividade acumulou algum capital, base para a aquisição de uma colônia de terras, uma chácara e uma casa (Lucia Teresinha Macena Gregory, https://x.gd/3hAPr).

O atribulado médico militar

A localidade, que teve o nome alterado para “General Rondon” e se tornou a sede do Município de Marechal Cândido Rondon, chamou a atenção do médico alemão Friedrich Rupprecht Seyboth.

Com muita história na bagagem, no Brasil e na Europa, ele havia chegado em dezembro do ano anterior com a esposa Ingrun Klagges e os filhos Dietrich e Dieter, nascidos na Alemanha, além de Matias e Pedro, nascidos em Novo Hamburgo (RS) e Piratuba (SC).

Filho de imigrantes alemães, Friedrich Seyboth nasceu em 13 de dezembro de 1919 no município de Estrela (RS). Aos 6 anos a família o levou à Alemanha. Aos 20, ingressou na faculdade de Medicina em Berlim, onde conheceu a esposa Ingrun.

Em 1940, ingressando na Academia Médica da Aeronáutica, com a eclosão da II Guerra foi enviado para o Norte da África, destacado para o corpo médico, sob o comando do marechal Erwin Rommel. 

“De volta para a Alemanha, serviu como médico na região de Hamburgo, onde ao final da guerra foi aprisionado pelas forças aliadas, sendo posteriormente libertado” (Marcos Nestor Stein, https://x.gd/QLiuJ). 

As ligações da família da esposa Ingrun antes da II Guerra com líderes nazistas levantaram suspeitas de que ele estaria reorganizando o nazismo a partir do remoto interior do Paraná. Mais uma teoria da conspiração para se somar às demais sobre comunistas, ETs, jacarés humanos etc.

100 anos da revolução: Religião ou guerra?

O líder gaúcho Borges de Medeiros (1863–1961), que depois projetou Getúlio Vargas, foi disputado pelas forças em conflito na primeira metade do ano de 1924. Uma delas pedia a adesão de Medeiros à “Religião da Humanidade”.

Sequência das ideias do filósofo francês Augusto Comte surgida em 1854, era uma religião sem crenças no sobrenatural. Defendia uma espiritualidade só humana, esclarecida pela ciência em evolução, para alcançar o desenvolvimento em paz com base no altruísmo.

Carlos Torres Gonçalves, que chamou Medeiros para a Igreja Positivista, ficou decepcionado quando o chefe gaúcho aderiu ao violento presidente Artur Bernardes. Quando ainda nem se pensava em revolução, Gonçalves avaliou que o governo federal iria alimentar a revolta, “desprestigiando-se e enfraquecendo-se”.

Os positivistas eram pela paz, mas foi um positivista – o general Cândido Rondon – que contrariou as próprias ideias (“morrer se preciso for, matar nunca”) ao combater com dureza os rebeldes no Paraná, pelo que jamais seria perdoado quando eles triunfaram, em 1930.   

Fonte: Alceu Sperança

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