A multiplicação dos empreendimentos de colonização, marcados pela abertura de estradas com amplas derrubadas e queimadas, levou o engenheiro alemão Reinhard Maack, então já um conhecedor profundo da terra paranaense, fazer em 1953 um alerta sobre as consequências do intenso desmatamento no interior do Estado, como as modificações no ciclo hídrico e a erosão do solo.
Não é inteiramente exato que o cientista alemão Reinhard Maack tenha advertido os paranaenses só em 1953 que os processos descontrolados de colonização do interior, com desmatamentos que se irradiavam das estradas abertas na mata rumo ao Oeste, iriam causar graves problemas ambientais no futuro.
Nessa época, em que ainda não se falava em ecologia nem a preservação ambiental era considerada imprescindível para a sobrevivência da humanidade, ele denunciava os problemas ambientais como presentes, pois suas advertências vinham já desde os anos 1930, quando começava a formação de Cascavel e abrir matas e derrubar árvores era motivo de orgulho – o desbravamento.
Nascido em 2 de outubro de 1892 na cidade de Herford, fundada por Carlos Magno no Nordeste da Alemanha, mal saído da adolescência já estava na Namíbia (África), então uma colônia alemã, trabalhando em pesquisas para o estabelecimento de fazendas agrícolas.
No início da I Guerra Mundial foi preso pelos britânicos, mas conseguiu fugir. Ao escalar a montanha Brandberg, a mais alta da Namíbia, começou sua projeção nos meios científicos: em 1918 descobriu um grupo de pinturas rupestres que viria a ser conhecido como “The White Lady” (A Dama Branca).
A gruta em que estão foi denominada “Abrigo Maack”. Depois de estudar a geologia no Sul da África, o pesquisador veio ao Brasil a serviço de uma empresa mineradora, instalando-se em Curitiba.
Laurásia e Gondwana
À medida que avaliava as rochas em suas pesquisas no interior do Paraná, Maack mais fortalecia sua confiança na veracidade da Teoria da Deriva Continental, formulada pelo meteorologista Alfred Wegener em 1912.
De acordo com a teoria, os continentes terrestres formavam Pangeia, há mais de 200 milhões de anos. Banhada pelo oceano Pantalassa, ao se fragmentar ela deu origem aos continentes Laurásia e Gondwana, cujo movimento, por sua vez, resultou nos atuais continentes.
Maack ficou mais satisfeito que surpreso ao constatar uma interessante semelhança geológica entre o Brasil que se desvendava aos seus olhos pregados na terra e as anotações que trazia do Kaokoveld, na costa Norte da Namíbia.
A observação reforçou a defesa que fez da teoria de Wegener, sustentada na Universidade de Bonn e premiada pela ONU.
Em 1926 foi contratado para mapear a zona diamantífera do Rio Tibagi, promovendo sua primeira expedição à área. A Revolução Paulista havia terminado em abril de 1925, mas só para o governo, pois forças rebeldes continuavam em ação no remoto interior.
Foi assim que Maack teve seu equipamento saqueado, ao sofrer abordagem de salteadores liderados pelo caudilho gaúcho Leonel da Rocha, tio-avô do futuro presidente Costa e Silva e inspiração para o nome do líder gaúcho Leonel Brizola.
Salvo por um amigo
O azarado Maack, ao viajar de trem de Ponta Grossa a Porto União, voltou a cair nas mãos dos revolucionários.
“Nessa ocasião a condição de Maack só foi aliviada devido à intervenção feita por um dos homens de Leonel da Rocha, um austríaco, um ex-combatente da Primeira Guerra Mundial que tinha feito amizade com Maack. Entre outros fatos, devido a esse auxílio, Maack foi libertado na localidade de Três Barras, no Estado de Santa Catarina” (Alfeo Seibert Filho, https://x.gd/J61NW).
Maack regressou à Alemanha em 1928 para estudar Geologia e Geografia pela Universidade Humboldt de Berlim. Optou por interromper os estudos em 1930, após assinar um contrato para exploração mineral no Brasil.
De volta ao Brasil, a expedição iniciada em 1933 praticamente redefiniu o Paraná. Além de corrigir imprecisões cartográficas, aproveitou o espaço cedido pelo governo do Estado na montagem de uma estação meteorológica em Faxinal (hoje, Cruzmaltina), que lhe permitiu monitorar o tempo para as incursões necessárias ao interior em busca de informações.
Maack chegou ao remoto extremo-Oeste paranaense mais de passagem que focando alguma pesquisa em especial. No início dos anos 1930 Cascavel era apenas uma vila com meia dúzia de casas e estradas ruins. O melhor caminho era o fluvial.
Admirado com os Xetás
Maack desceu pelo Rio Ivaí até o Rio Paraná em um raro barco desmontável, acompanhado por mais duas canoas. Passando por Guaíra e Porto Mendes, chegou a Foz do Iguaçu e resolveu se embrenhar pela mata oestina seguindo para o interior da Fazenda Britânia, mais de uma década antes da formação de Toledo.
O cientista alemão é referido como um dos primeiros pesquisadores a travar contato com os índios Xetás, que habitavam o baixo curso da bacia do Rio Ivaí e não apreciavam contatos com os colonizadores, que rasgavam a floresta sem piedade. Foram, por isso mesmo, a última etnia indígena do Paraná a aceitar a civilização, desistindo de se manter como tribo.
Maack os encontrou ainda resistentes e ficou admirado com a quantidade de animais que existia na região. Convivendo até então só com os índios, a admiração do cientista surgiu de observar que “os animais eram mansos e permitiam que ele e os homens da sua expedição chegassem a pouca distância para fotografá-los e filmá-los” (Lúcio Tadeu Mota, https://x.gd/o1Nl6).
Segundo Maack, a região dos índios Xetás apresentava uma topografia de colinas suaves e planícies nas proximidades dos rios, destacando-se a Serra dos Dourados, marcando o divisor das águas dos Rios Ivaí, Piquiri e Paraná, o que levou Maack a recomendar que não a denominasse de “serra” e sim de “chapada”.
Animais salvaram os homens
Para os índios, antes do grande dilúvio a terra era plana, sem morros ou montanhas. Tudo foi destruído e só sobreviveu um casal abrigado no alto de uma palmeira. Se morressem, a humanidade acabaria.
“Lá do alto passaram a gritar por ajuda quando apareceram as saracuras (aramides saracura) e outros pássaros que foram trazendo terra, pisando, e aterrando onde eles estavam, formando assim a topografia de colinas suaves da região” (narrativa feita ao professor Aryon D. Rodrigues).
Maack retornou aos estudos na Alemanha em 1936, concluídos no ano seguinte, quando foi instaurado no Brasil o Estado Novo, baseado no nacionalismo xenófobo, trazendo grandes dissabores aos imigrantes e seus filhos.
Após a eclosão da II Guerra Mundial, em 1939, principalmente depois que o Brasil aderiu aos Aliados, todo alemão, italiano ou japonês era suspeito de espionagem a serviço dos nazistas e Maack passou a ser espionado pela polícia política da ditadura até ser preso, em janeiro de 1942.
A essa altura, Maack já havia acumulado um grande cabedal de serviços prestados ao conhecimento do Paraná. Se não fosse por tudo que realizou, o sábio alemão entraria na história no mínimo por ter sido o conquistador do Pico Paraná, ponto culminante do Brasil Meridional.
É uma formação rochosa de granito e gnaisse em Antonina, montanha que pertence ao conjunto Ibitiraquire, que em Tupi significa “Serra Verde”.
Reabilitação consagradora
Reabilitado pela força de seu rol acadêmico, em 1943 Maack foi contratado como geólogo do Museu Paranaense e do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Paraná. Atua junto ao Departamento de Geologia e Paleontologia da Universidade Federal do Paraná e assume a direção do Serviço de Geologia e Petrografia do Instituto Biológico do Estado.
Em 1946 Maack obteve o doutorado pela Universidade de Bonn e com o fim dos melindres da II Guerra foi agraciado em 1949 com o título de cidadão brasileiro, pois além de ser proprietário de terras no país tinha uma filha brasileira.
De sua convivência com os índios, a observação da fauna, da flora e das qualidades da terra em geral, Maack é considerado um precursor dos ecologistas – não os panfletários políticos, mas os cientistas que estudam o meio ambiente.
Maack morreu em Curitiba, em 26 de agosto de 1969. Seus conselhos ambientais não foram atendidos, mas sua memória é amplamente reverenciada. Na Alemanha, possui uma exposição permanente sobre sua vida e obra, no museu municipal de Herford, a cidade natal.
Em Curitiba, o Bosque Reinhard Maack e a Rua Reinhard Maack são uma homenagem ao geólogo. Em 2011, os alpinistas Andrey Romaniuk e Alessandro Haiduke batizaram um pico adjacente ao Pico Agudo, localizado em Sapopema, de Agulha Reinhard Maack.
100 anos da revolução: praga do café foi esquecida
No fim de maio de 1924, notícias conflitantes sobre uma praga do café – a broca – assolaram a agricultura. Como nas atuais bolhas ideológicas, alguns acusavam e outros negavam. Os produtores negavam e ameaçavam reagir com violência a qualquer medida restritiva à exportação.
“Negavam a ocorrência de epidemias em seus domínios, ou encobriam os casos a fim de escapar às medidas de polícia sanitária. O comércio era especialmente sensível quando determinado local era apontado como sítio epidêmico, pelo receio de prejuízos em seus negócios” (Rodolpho Telarolli Jr., Imprensa e Saúde Pública no Estado de São Paulo no século XIX).
Para os contrários, a praga era real e poderia levar a cafeicultura à ruína por culpa do governo. Sendo o Paraná já um grande produtor da rubiácea, era uma discussão preocupante.
Em junho, os boatos sobre rebeliões militares se confirmaram: a cidade de São Paulo foi tomada no dia 5 e como que por encanto as bolhas do café sossegaram. Começava a intensa guerra armada e a broca-do-café só voltará à cena depois do conflito.

Fonte: Alceu Sperança
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