Uma chuva, um voto, uma derrota

Neves Formighieri, Ramiro Siqueira, Tarquínio Santos (T), o governador Bento Munhoz (B) e Formighieri (F) na inauguração do Aeroporto, em 1953. Atrás, Celso Sperança (C), secretário da Educação, que fazia a ligação entre Tarquínio e Formighieri. Abaixo, a

O Município de Cascavel foi criado com a Lei 790, de 14 de novembro de 1951, que também instituiu dezenas de outros municípios paranaenses, mas dessa data até 14 de dezembro de 1952 continuou distrito de Foz do Iguaçu, embora já sem assistência do Município-sede.

AS PRINCIPAIS NOTÍCIAS PELO WHATS: ENTRE NO GRUPO. TAMBÉM ESTAMOS NO TELEGRAM: ENTRE AQUI. SIGA-NOS NO GOOGLE NEWS 

Foi nesse interregno, em maio de 1952, que o padre Luiz Luíse chegou a Cascavel e logo sentiu que não havia a quem recorrer para tomar decisões além da esfera religiosa.

Ele se viu, assim, na obrigação de tomar a frente das situações, tornando-se um “padre-prefeito” até a posse do primeiro chefe municipal eleito.

As eleições estavam marcadas para 9 de novembro de 1952, com a posse do prefeito e vereadores prevista para o dia 14 de dezembro. A campanha eleitoral transcorreu mais no interior, onde morava a maioria da população.

Concorriam à Prefeitura o farmacêutico Tarquínio, pelo Partido Republicano (PR), do governador Bento Munhoz da Rocha; José Neves Formighieri pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), pró-Vargas; e Ramiro de Siqueira pela União Democrática Nacional (UDN). 

Os três candidatos

Tarquínio Joslin dos Santos nasceu em Curitiba, em 13 de abril de 1900. O pai trabalhava no ramo madeireiro na capital paranaense. Casou-se com Altiva Diva Ribeiro (1905–1990), natural de Clevelândia.

Já seguindo a profissão de farmacêutico, viveu na década de 1930 em União da Vitória (PR), mas pretendia conhecer uma região pioneira − o Oeste do Paraná. Quis se estabelecer inicialmente em Foz do Iguaçu, mas Jeca Silvério o segurou em Cascavel.

José Neves Formighieri nasceu em 5 de agosto de 1915, em Marcelino Ramos, então localidade pertencente a Passo Fundo (RS), filho de Virgílio Formighieri e Maria Chittó. Foi casado com Juraci Cissi de Almeida, nascida em Rio Negro (PR).

A família se dedicava a construir estradas para o governo estadual. Sem meios de pagamento depois da II Guerra, ofereceu aos Formighieri terras no interior de Cascavel como ressarcimento pelos serviços não pagos.

Ramiro de Siqueira nasceu em 18 de abril de 1899 em Clevelândia (PR). Casado com Maria Luísa Santelli, costureira, foi um dos pioneiros que acompanharam José Silvério de Oliveira na formação de Cascavel, a partir de 1930.

Carroceiro, viajante, mais tarde comerciante e agricultor, ele se dispôs a concorrer à Prefeitura representando os primeiros pioneiros, uma vez que Jeca Silvério era contra criar o Município sem recursos e Alípio de Souza Leal desistiu de concorrer.

Sem fake news

Foi uma campanha sem maledicências. A acusação feita por alguns candidatos à Câmara Municipal de que o candidato a prefeito pelo PR (Partido Republicano), Tarquínio Santos, seria comunista não foi uma das habituais mentiras espalhadas pelos marqueteiros desonestos.

O candidato apoiado pelo governador Bento Munhoz de fato pertencia ao Partido Comunista Brasileiro (PCB). O partido foi declarado ilegal pelo governo Dutra e com isso os militantes do PCB tiveram que concorrer às eleições por outros partidos. No Paraná, a sigla escolhida foi o PR.

No dia das eleições, 9 de novembro, chovia a cântaros e a abstenção foi elevada: um quarto dos eleitores deixaram de votar, inclusive um dos candidatos.

Os três postulantes à Prefeitura eram figuras respeitadas na comunidade e inicialmente se recusaram a concorrer porque não havia recursos para manter a Prefeitura.

A primeira tarefa – logo, o primeiro gasto – seria reformar a casinha da subprefeitura distrital para transformá-la em sede de dois poderes: a Prefeitura e a Câmara Municipal.

Tarquínio Santos só assumiu a candidatura depois da promessa de que a comunidade estaria unida para a tarefa de arrecadar recursos, a começar pela oferta de terrenos doados pelo Estado ao Município recém-criado: o Patrimônio Novo.

Comprar imóveis para quê?

No entanto, não havia interesse por imóveis urbanos, por qualquer valor. A intenção de quem chegava era só achar boas terras no interior para tirar madeira, criar e plantar, além de morar no próprio local.

O padre Luiz Luíse, na função informal de “padre-prefeito”, engendrou um plano para motivar o interesse dos compradores, anunciando que a futura catedral de Cascavel seria ali construída no futuro.

Neves Formighieri rejeitou a candidatura pelo PTB até o último instante também por saber que não haveria recursos para tocar o Município.– O [Antônio Alves] Massaneiro e o Horácio Reis chegaram e disseram: “Você vai ser o prefeito!” Eu disse: “Larguem mão de folia. Eu não tenho tempo a perder!”

Massaneiro e Reis chamaram outro pioneiro de peso, Manoel Ludgero Pompeu, historicamente ligado ao getulismo, para aumentar a pressão:

– Você vai ser o nosso candidato –, impôs Pompeu.

– Não tenho dinheiro –, retrucou Neves.

– Você é a única pessoa do nosso grupo com bom relacionamento em Curitiba. E tem determinados recursos para fazer uma campanha.

– Mas eu não vou ser candidato! –, descartou Neves, achando que era o ponto final dessa conversa.

Ameaçado de prisão até decidir

Quem pesou em favor da candidatura de Neves foi Maria Herondina Costa Massaneiro, a Doca, esposa de Antônio Massaneiro, irmão de criação, mas adversário político de Tarquínio e candidato à Câmara.

Doca, amiga da família Formighieri desde o Sul, alvejou Neves com um ultimato:

– Desta vez tu não escapas.

– Não escapo do que, Doca?

– Você vai ser candidato, ou nós vamos te prender aqui.

– Largue mão de bobagem!

Neves só se rendeu quando seu último argumento foi confrontado: as eleições se avizinhavam e não tinha recursos imediatos para providenciar a propaganda impressa.

Cabia aos candidatos, aliás, providenciar até as cédulas de votação. A regra comercial de não vender fiado para candidatos é velha, pois os derrotados sempre inventam desculpas para a derrota e não pagam as dívidas.

No mesmo instante os líderes do PTB partiram para Toledo, onde já havia gráfica, para imprimir o material. Voltaram já distribuindo a propaganda.

A primeira gráfica de Cascavel só seria aberta pelo contabilista Celso Formighieri Sperança, primo de Neves, em 1953, para imprimir o jornal Correio d’Oeste.

Apuração surpreendente

Quando Tarquínio retornou à cidade na tarde de domingo, 9 de novembro de 1952, não só a votação já havia se encerrado como as urnas já seguiam para Foz do Iguaçu, onde os votos seriam apurados.

As comissões de fiscais dos candidatos acompanharam as urnas, mas Tarquínio, ansioso para acompanhar as apurações, seguiu apressadamente para Foz, lá chegando quando a contagem dos votos estava começando.

Os primeiros votos davam boa dianteira a Tarquínio. Nesse momento, como se sentia indisposto devido ao extremo calor, alguém o convidou a “tomar um ar lá fora”.

Quando retornou, Neves Formighieri comemorava a vitória por um voto de diferença: 383 cédulas contra 382 de Tarquínio Santos e 128 para Ramiro de Siqueira.

Imediatamente correu a versão de que o candidato do Partido Republicano, preocupado em reunir votos para vencer um pleito renhido, acabara se esquecendo de votar, permitindo-se a derrota por um voto.

Se tivesse votado provocaria o empate e estaria eleito por ser mais velho que Formighieri. Entretanto, o próprio caráter renhido do pleito, em que cada voto seria extremamente necessário, desfez essa versão, que assumiu contornos de lenda em Cascavel.

“A junta de apuração anulou, ou melhor, separou 35 votos meus que estavam duvidosos. Se precisasse, comprovaríamos que aqueles 35 votos foram para mim. Apenas estavam sujos de barro. Choveu naquele dia e as estradas estavam intransitáveis, e naturalmente os eleitores sujariam as cédulas” (José Neves Formighieri, depoimento à memória histórica de Cascavel).

D. Diva, esposa de Tarquinio, não confirmou a lenda do esquecimento: “O Tarquínio não esqueceu de votar. Ele estava no interior, lá pelas bandas de São João, buscando eleitores e o carro, que era velho, quebrou. Ele chegou a Cascavel às 18h, quando a votação já estava encerrada. Foi isso que aconteceu”.

No fim, o PR apoiou Formighieri

Diva nunca se conformou com a diferença de um voto a mais em favor de Neves Formighieri. Para ela, houve erro na apuração, feita em Foz do Iguaçu, sede da Comarca, tanto que o PR ingressou com recurso na Justiça Eleitoral para reverter o resultado.

Ela conta que em 1955 o TRE estava propenso a reconhecer a vitória de Tarquínio, mas o farmacêutico já havia comunicado oficialmente à Justiça que desistia da ação por estar contente com a administração de Formighieri.

Havia motivo para isso: o prefeito José Neves Formighieri, conciliador e sabendo que precisava unir a comunidade, assumiu o compromisso de só sancionar leis e decretos que fossem apoiadas também pelo PR, que tinha maioria na Câmara. Para isso contou com a mediação do secretário municipal da Educação, Celso Formighieri Sperança.

Por causa da situação do país, Tarquínio declarou estar desanimado da política, prometendo nunca mais retornar às lutas eleitorais. Não voltou, mas o filho Ozíres, uma década depois, foi vereador em Cascavel e prefeito em Foz do Iguaçu.

Os vereadores eleitos para a Câmara Municipal de Cascavel em 1952 pelo PR foram Adelino André Cattani, Dimas Pires Bastos, Donato Matheus Antônio, Adelar Bertolucci e José Bartnik. Pelo PTB, Helberto Schwarz, Jacob Munhak, Francisco Stocker e Antônio Massaneiro (PTB).Cattani e Donato foram mortos a tiros, substituídos pelos suplentes Leão Jankoski e Victorino Sartori.

Fonte: Alceu Sperança

Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *