Fronteira abandonada e Paraná Maior: a guerra das narrativas

As primeiras obras do novo governo eram grandes o bastante para simbolizar o Paraná desejado. João Bertoli apostou nas duas margens do Rio Piquiri, onde surgiram Cafelândia, Nova Aurora e Ubiratã

Com o esmagamento da luta armada dos posseiros, isolados no foco Norte/Noroeste do Estado, o governo Lupion passou a enfrentar uma polarização em que as armas eram imagens e aparências.

PRINCIPAIS NOTÍCIAS PELO WHATS: ENTRE NA COMUNIDADE. TAMBÉM ESTAMOS NO TELEGRAM: ENTRE AQUI. SIGA-NOS NO GOOGLE NEWS.

A propaganda lupionista do “Paraná Maior” enfrentou denúncias ferozes: o governo que se orgulhava de construir o interior era acusado de deixar o Oeste supostamente entregue a estrangeiros e criminosos. 

O pacote completo do “Paraná Maior” foi despejado sobre a Assembleia Legislativa em pronunciamento do governador Moysés Lupion em 1949, mas já estava se desenhando durante todo o ano de 1948.

O projeto era a idealização do que seria o Paraná. Se fosse posto em prática, a promessa é que deixaria de ser sugado por parasitas para ser um dos mais importantes estados da Federação.

Na essência, os técnicos do governo já nessa época defendiam a ideia, jamais posta de lado desde o fim dos anos 1940, de que o futuro do Paraná dependia de uma ação planificada para transformar o potencial do Estado em progresso palpável.

O inexistente “conjunto coesíssimo”

A ação planificada deveria ser conduzida, segundo o governador, por “homens que, como eu, estão empenhados nesta grande batalha da construção de um Paraná Maior e num ensaio único de realizar a grande obra do futuro”. 

Seria “um governo empreendedor”, entendendo que “a falta de audácia na ação, a falta de visão política e a pequenez nas determinações representam traição ao futuro”. 

“Na consciência de nosso progresso encontramos a emulação para mais progresso, o entusiasmo para mais trabalho e a amálgama para essa união dos espíritos que faz hoje com que o Paraná se apresente como um conjunto coesíssimo, para o esforço de construção de sua grandeza”. 

Tudo imponente e majestoso, mas sem a superlativa coesão anunciada nem ainda a arrecadação suficiente para pôr em prática os sonhos e ideias anunciadas com tanto entusiasmo.

Para ter os cofres públicos abastecidos e dar conta das obras planejadas os técnicos do governo defendiam a necessidade de não se limitar a monoculturas (madeira, erva-mate ou café) e desenvolver atividades que projetariam o desenvolvimento imaginado: industrialização urgente e estrutura de apoio à dinamização do comércio e serviços.

A solução teria que ser o interior 

O Brasil pós-guerra e pós-ditadura, favoravelmente ao projeto lupionista, era uma sociedade que precisava ousar por si mesma, depois de muitos anos asfixiada por pressões e imposições vindas do Rio de Janeiro.

A vontade de agir apoiava o entusiasmo dos políticos e dos técnicos do governo paranaense. Lupion não era um conservador: ele queria mudar e a transformação proposta foi “uma preocupação que levei para o governo e que vejo hoje necessária ainda – através da participação das novas gerações dos homens que têm responsabilidades neste país”.

As terras que o ex-governador Manuel Ribas havia prometido aos posseiros continuavam à espera de famílias para trabalhar e a propaganda do Paraná Maior contagiava o Sul, no qual as prolíficas famílias de imigrantes retalhavam por herança as colônias com as quais iniciaram sua trajetória no Brasil, em Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

Lupion disse que a procura por terras foi tão grande que os serviços de demarcação estadual não venciam a demanda por lotes. E nas áreas urbanas as sedes de distritos cresciam, transformando-se em cidades. Até o fim do governo o Paraná iria dobrar o número de municípios. 

Visão (ainda) progressista

O plano de colonização para o Norte do Estado se dividia em dois setores distintos. O primeiro, abrangendo as terras do Norte e do Noroeste, nas bacias dos rios Paranapanema e Ivaí. O segundo, localizado à margem esquerda do rio Ivaí, abrangendo as terras férteis de Campo Mourão, até o Rio Piquiri.

Para além, Lupion se orgulhava de ter criado o Departamento Administrativo do Oeste em outubro de 1947, “para resolver os problemas fundamentais da região da colonização de suas grandes áreas inaproveitadas e riquíssimas”.  

O governador do Paraná tinha uma diferença com a maioria dos outros, eleitos por máquinas coronelistas e corruptas: ele veio de uma base progressista interessada em mudar, tentando ser a extensão do governo Manuel Ribas.

De resto, Lupion não era só um político a mais: formado em Economia pela Fundação Álvares Penteado, em São Paulo, ele e seus técnicos definiram corretamente a via da colonização como o meio de crescimento do Paraná. 

Esse processo ficou conhecido como “parcelamento” de terras. No conjunto, a aplicação do plano econômico fez a arrecadação crescer rapidamente, aproveitando-se da venda de terras da melhor qualidade. 

De vilas quase paradas no tempo emergiram cidades dinâmicas, tais como Paranavaí, Campo Mourão, Cascavel e Maringá, impulsionadas pelo início da cafeicultura e coincidindo com a expansão da indústria madeireira, o que atraiu para o Paraná sucessivas correntes migratórias.  

A visão aérea de João Bertoli 

A visibilidade de Lupion, com discursos que mesmo pretensiosos encontravam razoável correspondência nos fatos, cresceu na mesma medida em que ao contrariar ex-aliados criou uma oposição conservadora implacável, que se aproveitou do ímpeto dos posseiros em defender seus interesses para bombardear o governo.

Quando os primeiros colonos sulistas chegaram ao Norte do distrito de Cascavel foram recebidos por esse clima de polarização, primeiramente no embate entre os posseiros, que se defendiam da aliança entre jagunços das colonizadoras e a Polícia Militar de Lupion. Depois, pelo choque de notícias sobre falta de assistência aos colonos e abandono à região.

No Norte do distrito de Cascavel, em processo de colonização iniciada na perspectiva do plano então progressista de Lupion, logo se destacou a comunidade de Cafelândia.

A vinda de colonos sulistas para essa região começaria quando João Bertoli, um catarinense do Alto Vale do Itajaí, ao sobrevoar em 1949 as matas à margem direita do Rio Piquiri, decidiu requerer terras para estender a cafeicultura à região, nas quais em breve daria início à colonização de Ubiratã.

Já em terras à margem esquerda, sua família favoreceu a vinda de colonos para formar a futura Cafelândia, para onde logo viriam colonos catarinenses com recursos e vontade de produzir. 

“Em 1951, com autorização do governo estadual, sob o compromisso de fixar famílias para povoar e desenvolver a gleba de terras, João Bertoli se instalou com mais vinte e duas pessoas e teve início a comunidade São João” (Selene Cotrim de Carvalho, Ubiratã, História e Memória).

Herança histórica inapagável

A história anterior à presença de colonos sulinos não pode ser apagada. Cafelândia começou antes que as primeiras famílias de colonos sulistas chegassem para se estabelecer na área.

A região foi explorada durante muitos anos por ervateiros proibidos de fixar moradia, principalmente paraguaios e argentinos a serviço das obrages.  

Deve-se aos trabalhadores paraguaios do extrativismo ervateiro a primeira denominação de Cafelândia, lugar inicialmente conhecido como Caixão.

Havia antes também safristas igualmente sem posses registradas, mas essas atividades já estavam em declínio e fora dos planos do “Paraná Maior”. 

As primeiras famílias do Sul chegaram já em 1948, dentre as quais as de Daniel Perboni, Noríbio Tomaz, Francisco Krachuski, Benito Fernandes e João Cruz.

O que animou os pioneiros cafeicultores foi a qualidade do solo, próprio para o cultivo da rubiácea. Mas a região, embora tenha as mais preciosas terras produtivas do planeta, estava fora da faixa mais propícia à cultura, por conta de um clima então ainda não avaliado pela assistência técnica.

“(…) verificou-se que a cultura cafeeira tinha um aliado, a uberdade da terra, e um inimigo mortal, as frequentes geadas” (Paraná Gente, Secretaria de Estado da Cultura).

Muitos colonos, escassa estrutura

Também por conta do chamado ribista de que os direitos dos posseiros seriam respeitados, centenas de recém-chegados passavam a ocupar áreas em terras devolutas – ou não – no Noroeste e no Oeste do Paraná.

Ainda em 1948, chegaram à região da Encruzilhada Tapejara as famílias Essar, Bazanella e Cristóvão Moraes Filho. A vila e cidade que iniciaram nessa região, entre Cafelândia e Quarto Centenário, foi primeiramente identificada com a Fazenda Roda de Carro.

Ela chegou a ser mapeada como “Alto Iguaçuzinho” até receber o nome de Nova Aurora, atribuído pelo padre Luiz Bernardes, da Paroquia de Corbélia.

Quando o encanto da publicidade de Lupion mais funcionava sobreveio uma fortíssima onda de antipropaganda. Parte da campanha para impedir o retorno de Vargas ao poder, a narrativa, de cunho nacional, arruinou a imagem positiva do Paraná.   

A propaganda de Lupion relatava maravilhas, mas a realidade era difícil pela falta de infraestrutura. Aí uma narrativa em parte real e em parte distorcida chegou em seu auge a propagar a tranquila e acolhedora Cascavel, por conta da associação ao veneno da cobra, como um antro de pistoleiros e assassinos.

Fonte: Fonte não encontrada

Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *