Por todos os ângulos, em meio à crise política, econômica e social brasileira dos anos 1940, o Paraná se apresentava quase como um oásis de prosperidade, ao menos para quem não resolvesse ir ao remoto interior.
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Nele, jagunços a serviço de grileiros de terras atacavam posseiros com apoio policial, recebidos com surpresa pelos colonos, pois desde o governo Manuel Ribas foram estimulados a ocupar as terras devolutas.
O retrato do Paraná em Curitiba era róseo: o crescimento da arrecadação do Departamento do Departamento de Geografia, Terras e Colonização (DGTC) para o quadriênio 1947–1950 apontou o aumento de 420,13% (1948) e 737% (1949) na movimentação financeira.
Vinham “do aumento significativo das concessões de glebas de terras e/ou venda direta de propriedades disponíveis nos terrenos devolutos, mediante o avanço das frentes cafeeiras, principalmente nas regiões norte/noroeste paranaense” (Edson Noriyuki Yokoo, A Dinâmica das Frentes de Ocupação Territorial na Mesorregião Centro-Ocidental Paranaense).
Os fatores mundiais
A bomba social armada no interior paranaense pelas disputas entre União e Estado foi ignorada pelo contexto paranaense de progresso intenso, tanto na produção rural quanto na industrialização e consequente urbanização.
No entanto, para obscurecer esse clima de franco progresso, a política voltava a ferver no país por conta do clima de Guerra Fria entre os EUA e a União Soviética, que dividiram o mundo em duas áreas de influência, como havia sido com Portugal e Espanha no passado.
Logo em janeiro de 1948 foram cassados todos os mandatos dos parlamentares comunistas no Congresso Nacional, assembleias legislativas e câmaras municipais. Sem mandatos e tendo sua atividade política criminalizada, eles se reuniram em torno da campanha O Petróleo é Nosso.
Nesse mesmo janeiro também ocorreu o assassinato a tiros, em Nova Déli, de Mahatma Gandhi, líder da Índia recém-independente, por um fanático brâmane – a elite privilegiada no regime de castas.
Os EUA já promoviam os desembolsos do Plano Marshall, arma de ataque da Doutrina Truman, e havia brasileiros se perguntando se não teria sido melhor ter perdido a guerra. O Plano Marshall parecia um prêmio e não um castigo aos vencidos.
A sombra de um conflito nuclear que levaria o mundo à destruição pouco afetava a ânsia de progresso no interior do Paraná, mas a criminalização dos movimentos sociais alcançou todo o país e foi o estopim das revoltas dos posseiros.
Toledo, um mundo à parte
Durante a ditadura vencida, reclamar de qualquer coisa significava comprar passagem para a cadeia, mas com a redemocratização as queixas se multiplicaram e pela necessidade de votos os governantes procuravam corrigir os piores problemas.
Aos poucos, porém, os velhos hábitos autoritários da ditadura foram novamente se impondo, dentre os quais a prática de desprezar as demandas vindas de quem não tinha mais poder nos parlamentos do país, o que levou ao crescimento da repressão sobre os movimentos sociais.
Fora do território de conflito dominial entre União e Estado, a antiga Fazenda Britânia estava sob total controle da colonizadora Maripá, que em fevereiro de 1948 levou a Toledo três irmãs da Congregação das Filhas de São Vicente de Paulo – Verônica Sawtczuk, Lúcia Mikosz e Elia Bassani.
Elas criaram a primeira escola de Toledo, o Instituto Imaculado Coração de Maria, embora na região portuária já houvesse uma rara e derradeira herança dos ingleses: a escola do Rio Branco.
No antigo pouso Toledo, partindo do nada, o Incomar começou a funcionar ainda antes da construção do prédio escolar, usando os bancos da igreja.
“Os alunos sentavam no genuflexório e escreviam sobre o assento ou colocavam os cadernos sobre a estreita tábua onde apoiamos os braços no genuflexório” (irmã Verônica Sawtczuk, depoimento).
A sulista e o alagoano
Sobrenomes eslavos como os das freiras Sawtczuk e Mikosz eram frequentes nos requerimentos de terras apresentados à Prefeitura de Foz do Iguaçu.
Na região desde os anos 1920, suas famílias se multiplicavam e as filhas se casavam ou com rapazes da própria colônia ou com aventureiros que chegavam cheios de vontade de trabalhar.
Foi assim com Ana Rodinski, nascida em Foz do Iguaçu, e o alagoano Francisco Mota, que constituíram uma família bem representativa daqueles tempos pioneiros.
O pai dela, Pedro, conheceu Foz do Iguaçu quando trazia gado de Laranjeiras do Sul para abastecer a cidade. Com o capital do transporte de gado ele se estabeleceu na fronteira com um armazém de secos e molhados em sociedade com Gregório Dotto, filho de italianos, influente personalidade da fronteira.
Balconista do armazém dos pais, o comerciante Pedro Rodinsk e Felícia Martins, que vinha da área hotelaria, Ana vendia tudo que covos e militares pediam.
Desde produtos alimentícios até querosene em litro, graxa para carro, soda cáustica, armarinhos, sapatos, roupas e acessórios como capas e chapéus, as mercadorias vinham de Ponta Grossa. Ana saía da loja cheirando querosene e ia preparar massa na padaria.
Por sua vez, o jovem alagoano Francisco Ferreira Mota rejeitava a ideia de ser um aventureiro, pois logo ao chegar à fronteira foi trabalhar com o alfaiate Idalino Favassa, ligado à família Pietsch, que viria para Cascavel.
Motinha era um homem de sete instrumentos: fazia de tudo. Além de alfaiate, tendo feito roupas até para o prefeito Júlio Pasa, foi militar, caminhoneiro, músico e taxista. Como se não bastasse, foi também líder sindical por décadas e também militou politicamente.
Foi como alfaiate que Mota se relacionou com a família Rodinski, estabelecendo sua loja de confecções no mesmo prédio em que Pedro tinha o açougue e se casando com Ana, com quem teria cinco filhos.
Posseiros reagem e oposição os defende
No interior do Estado, o final da década de 1940 apresentou a intensificação do conflito agrário, sobretudo porque em 1948 os posseiros atacados pelos grileiros por sua milícia armada – os jagunços – passaram a se defender.
Pelas armas, na Justiça e pela imprensa não-lupionista, eles em breve também partirão para uma ofensiva maior.
Ironicamente, o homem do interior – Lupion – que prometeu dar voz e vez às comunidades esquecidas do sertão, enfrentava a metralhadora verbal de um Bento Munhoz conservador, criado no litoral monárquico dos barões e viscondes
No vazio de providências do Estado ausente e do PCB declarado ilegal desde maio de 1947, é Bento quem vai se apresentar como o defensor dos posseiros, aproveitando o vácuo político progressista.
Nesse quadro, faz uma denúncia gravíssima: o envolvimento da polícia do Paraná com os grileiros.
“Enganados pelos inspetores de terras, muitos posseiros reclamam seus direitos e uma caravana policial incendiou ranchos, destruiu roças, violentou mulheres e matou muita gente” (Noel Nascimento, A Revolução Brasileira e Lutas Sociais no Paraná).
“Uma força policial efetuou diligência de despejo em Porecatu, matando quatro lavradores que estavam roçando”.
Os jagunços matavam posseiros e seguiam em frente, deixando os cadáveres insepultos. Vem daí a crendice regional em vampiros, presentes no imaginário dos imigrantes e popularizados no Ocidente pelo romance Drácula, de Bram Stoker (1897).
A origem do medo
Na antiga tradição eslava, a alma podia se tornar impura se o corpo não tivesse enterro apropriado, passível assim de ser possuído por maus espíritos. O assunto foi tratado na pesquisa acadêmica Vampires of the Slavs, de Jan Louis Perkowski.
O temor de ataques vampirescos logo virou denúncia à polícia, como acontecia nos tempos da influência do monge do Contestado, quando foram relatadas visagens e aparições consideradas sobrenaturais. Foi assim que o caso dos ataques de vampiros também chegou à imprensa:
“Correm insistentes rumores pela cidade, que vampiros ou leprosos* andam praticando atos de pravidades** com crianças e jovens. Em vista de tais rumores, a nossa reportagem procurou apurar os fatos. Procurou assim, saber do chefe da Secção de Investigações, sr. Alir Silva, o qual declarou-nos que até o presente momento não havia recebido nenhuma queixa de tais ocorrências” (Jornal Paraná Norte, Londrina, 8 de outubro de 1949).
Alir Silva, primo do desembargador José Munhoz de Mello, depois foi deslocado para Cascavel com a tarefa de investigar casos de roubos de terras. Tornou-se uma liderança popular, elegendo-se vereador e assumindo a Presidência da Câmara Municipal, função na qual foi perseguido e ameaçado de morte pela chamada Gangue da Terra.
*Leprosos: depravados, doentios
**Pravidades: maldades, perversidades
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