No cenário nacional, o ex-ditador Getúlio Vargas tentou driblar as crescentes pressões do operariado em ascensão atendendo em outubro de 1952 a uma de suas demandas: o salário adicional para o trabalho perigoso ou insalubre.
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O presidente, entretanto, não conseguiu conter o ímpeto reivindicativo dos sindicatos. No início de 1953 os trabalhadores põem fim à lua-de-mel com o governo e exigem a recomposição dos salários, corroídos pelo alto custo de vida.
Das capitais se transmite ao interior a ânsia de aproveitar a democracia para obter melhorias sociais. A classe média havia feito sua revolução em 1930 e o operariado considerava ser a hora de fazer a sua. A pedra no caminho foi a Guerra Fria, acordo de divisão do mundo entre os EUA e a União Soviética.
O espírito de rebeldia com o governo que descumpria promessas chegou também muito forte ao Paraná, principalmente porque o interior precisava de tudo e o governador Munhoz decidiu tirar recursos de todos os setores, inclusive dos municípios necessitados, para construir obras gigantescas e caras para celebrar o centenário do Estado.
Os novos municípios não receberam a ajuda de custo prometida e a oposição criticava acidamente o governador por pretender construir “elefantes brancos” para festejar o centenário.
O prefeito de Cascavel, José Neves Formighieri, procurou sem sucesso o governador para receber a verba prometida ao Município no primeiro ano:
– Na audiência, ele me disse: “Os municípios têm uma verba de instalação, 100 contos. Mas tem uma coisa: este ano e o ano que vem, vocês não vão receber esta verba”. Era porque ele estava construindo o Centro Cívico. “Eu tenho que segurar o dinheiro e vocês vão cooperar comigo”.
A obsessão do governador pelas obras comemorativas do centenário criou no interior uma forte sensação de abandono. Os governos federal e estadual perdiam, assim, suas bases populares.
A entidade que faltava
Além de ver os prefeitos em dificuldades, inspirados pela organização das classes produtoras nas capitais, os produtores rurais se ressentiam de uma organização capaz de defender seus interesses perante o poder público.
Em Cascavel, na manhã de 3 de janeiro de 1953, um sábado, o farmacêutico e proprietário rural Tarquínio Joslin dos Santos, que em novembro do ano anterior perdeu a eleição municipal para Formighieri por apenas um voto, recebia em sua residência 41 outros ruralistas.
Segundo o anfitrião, o encontro pretendia “discutir a organização e fundação de uma associação rural, entidade de classe que congregasse todos os proprietários, posseiros, arrendatários ou parceiros rurais, técnicos da agricultura e da pecuária, e industriais dessas atividades”.
Criar a Associação Rural de Cascavel, base do atual Sindicato Rural Patronal, foi sugerida pelo jornalista gaúcho João Saldanha, que no futuro iria se distinguir como radialista e treinador da Seleção Brasileira de futebol.
Ao abrir a reunião, Tarquínio explicou que o mesmo procedimento de criar Associações Rurais no interior estava sendo feito em todo o Estado e no País.
Aclamado para presidir a reunião, declarou-a com poderes de assembleia geral e chamou para secretariar os trabalhos o fundador José Alves dos Santos (1917–1958), que se manteve na função até seu falecimento, substituído em seguida pelo jornalista Celso Sperança.
Os fundadores da ARC
Vários fundadores da Associação Rural de Cascavel foram vítimas de perseguições, sobretudo no auge da ditadura, entre 1964 e 1975, e desapareceram, mas alguns deixaram biografias inspiradoras.
Frederico Blum (1882–1964), o mais velho dentre os fundadores da ARC, além de agropecuarista foi eletricista, ferreiro e carpinteiro, trabalhando na construção em geral e montagem de serrarias e moinhos.
Antônio Rodrigues de Almeida foi delegado de polícia e vereador em Cascavel e Foz do Iguaçu, além de fundador do Tuiuti Esporte Clube. Adelino André Cattani, comerciante, e Adelar Bertolucci, madeireiro, foram vereadores e também fundadores do Tuiuti.
Félix José Weiber, além de agricultor, foi também professor. Jorge Pereira do Valle foi enfermeiro e farmacêutico. As famílias Hanchuk e Zdebski figuram como fundadoras.
Ramiro de Siqueira foi um dos primeiros moradores de Cascavel. Donato Matheus Antônio também foi vereador. Sandálio dos Santos era um dos esteios da comunidade cascavelense e hoje dá nome à biblioteca pública.
Luiz Sganzerla foi construtor de igrejas. Antônio Dolla (1893–1968), o segundo mais antigo fundador da ARC, era muito procurado por conta de seu moinho de pedra. João Turrok (1917–1995) trabalhou na limpeza pública municipal.
Muitos são nomes de ruas em Cascavel, casos de Francisco Bartnik, Leão Jankoski e Ernesto Farina. José Henrique Teixeira é nome de uma escola municipal, seu genro Manoel Bento Coelho se destacou na comunidade de Cafelândia e Alfredo Vicenti deu nome ao Centro de Atendimento Especializado à Criança (Ceacri).
Mudando a mentalidade negativa
Em sua primeira gestão, a Associação Rural de Cascavel teve Antônio Rodrigues de Almeida na presidência e Adelino Cattani como vice-presidente.
A ARC viria a ser a precursora das demais entidades ruralistas da região, como o Sindicato dos Produtores Autônomos de Cascavel (futuro Sindicato dos Trabalhadores Rurais), o Sindicato Patronal Rural de Cascavel e a Sociedade Rural do Oeste.
Em seu meio também brotou a semente do cooperativismo cascavelense. Os atravessadores, como eram chamados os intermediários infiltrados no Banco do Brasil que se aproveitavam da desorganização dos agricultores para obter lucros fáceis explorando sua ingenuidade, difamavam os integrantes da ARC que propunham a cooperação como forma de defesa da classe rural.
Para os atravessadores, cooperativismo era o mesmo que “comunismo”, palavra que por conta do estalinismo no bloco soviético deixou de representar a evolução do capitalismo para significar falta de liberdade até que a URSS se extinguiu por conta própria, em 1991.
Com muita dificuldade, ao longo dos anos 1950 a ARC promoveu o esclarecimento de que o cooperativismo era uma associação voluntária. A virada veio com a criação da primeira cooperativa, em 1963: a Copacol, no então distrito cascavelense de Cafelândia.
Em seguida, por denúncias do padre Luiz Luíse, mentor da Copacol, e do deputado federal Lyrio Bertoli, cuja família iniciou a colonização de Cafelândia, agentes dos atravessadores infiltrados no Banco do Brasil foram presos e a imagem do cooperativismo se positivou.
A primeira soja
A Prefeitura de Cascavel desenvolveu logo de início um projeto de apoio aos agropecuaristas, melhorando estradas, criando escolas próximas a serrarias e incentivando a diversificação de culturas.
Como fruto das ações da ARC e da Prefeitura, a primeira saca de soja para plantio oferecida pelo programa de incentivo foi repassada pelo secretário geral da Prefeitura e integrante da ARC, Celso Formighieri Sperança, ao agricultor Getúlio Fernandes.
Começava assim, com o início do Município e a criação da Associação Rural de Cascavel, toda a longa trajetória que levou a região ao rol das principais áreas produtoras do mundo.
No curso de 1953, o governo do Paraná incorporou programas como o de Cascavel e continuou estimulando as iniciativas particulares de colonização, além de levar adiante projetos próprios, agora já refreados pela realidade difícil.
O governador começou a sentir o peso dos problemas ao perceber que muitas famílias chegavam e nem todas as áreas do Estado eram tão favoráveis ao café quanto o Norte. Mesmo com a terra roxa altamente produtiva, o clima logo abaixo do Norte apresentava predisposição a geadas fortes.
“A avalanche da onda cafeeira traz riquezas, mas é acompanhada também por multidões de desajustados e de doentes”, afirmou o governador Bento Munhoz. “Percebe-se a miséria que acompanha o progresso”.
O aviso de Maack
A essa altura, as grandes motivações econômicas são a expansão das lavouras de café e a extração da madeira. Com elas, na lei ou fora dela, a corrida entre as empresas colonizadoras e os posseiros pelo registro legal das melhores terras se intensifica e cria novos focos de tensões.
A Companhia Byington inicia a abertura e colonização de novas glebas, abrindo uma estrada ligando Xambrê a Guaíra pelo Porto Byington, onde constrói uma balsa para a travessia do Rio Piquiri.
Com essa iniciativa, juntando as silabas “Al” de Alberto, “ton” de Byington e finalizando com “ia” de Companhia, forma-se a cidade de Altônia. Empreendimento modelar, casa a abertura de estradas com amplas derrubadas e queimadas.
O processo, chamado na fase inicial de desbravamento e nas seguintes etapas de progresso, festeja a derrubada de árvores e o desmatamento de amplas áreas.
O engenheiro alemão Reinhard Maack, já um conhecedor profundo da terra paranaense, faz nesse mesmo 1953 um alerta sobre as consequências futuras do intenso desmatamento no interior do Estado, como as modificações prejudiciais no ciclo hídrico e a erosão do solo.
100 anos da revolução: intelectuais se revoltam
Batalhões de estrangeiros agiram ao lado das tropas rebeladas, radicalizando a xenofobia do governo. Os revolucionários não se importavam com a origem das pessoas, desde que amassem a nova pátria e lutassem pelo voto secreto, combate à corrupção administrativa e à fraude eleitoral.
Em 2 de fevereiro de 1924, o poeta suíço Blaise Cendrars foi impedido de entrar no país sob a alegação de que era “um mutilado”.
Ferido na I Guerra Mundial, Cendrars perdeu o antebraço direito. Herói de guerra e intelectual brilhante, foi convidado a visitar ao Brasil por Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral.
Ao ter sua entrada no país barrada, foi defendido com entusiasmo por Mário de Andrade. A insatisfação geral reinante no início de 1924, portanto, era evidente.
Operários, intelectuais e classe média exigiam liberdade de imprensa, equilíbrio entre os três poderes e moralização do Poder Legislativo. Um século depois, nem tudo já foi plenamente conquistado.

Fonte: Alceu Sperança
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