A encarnação do demônio e as primeiras crianças

Feitor observa índios, paraguaios e escravos libertos abrindo estradas no interior | Alice Weirich com os gêmeos, o filho Ilo e o marido Beno comemorando uma caçada | Conflito no Sudoeste: quem usava armas ostensivamente era chamado de “jagunço” | Foto: M

As condições que agravaram os problemas agrários no Paraná se acumularam desde a famigerada Lei de Terras de 1850, mas a gravidade verificada no interior araucariano um século depois em relação a outras regiões conflitadas do país vinha desde a Questão do Contestado, provocada por interesses ligados ao magnata estadunidense Percival Farquhar e à Companhia Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande. 

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Nos anos 1950, especificamente, a insegurança aumentou por conta dos conflitos de domínio entre União e Estado, situação piorada pelo fracasso do Território Federal do Iguaçu (1943–1946). 

Com uma transição truncada entre a região federalizada e a volta ao controle do Paraná, a União, ainda sob o espírito autoritário da longa ditadura, reservou-se por leis antigas ou novas, decretos e outros papéis a iniciativa de ações na área. 

A pressa do Estado em fazer avançar os projetos de colonização, autorizando rápida e até descuidadamente a cessão de terras a particulares, era o contraponto aos negócios malfeitos pela União na ânsia de apressar a construção da Estrada de Ferro SP-RS.

O governo do Paraná, desde Manoel Ribas, estimulou posseiros de todo o país a ocupar terras no interior, mas para evitar que as terras fossem consideradas devolutas, interesses políticos bancaram as grilagens.

Documentos falsos feitos com a conivência de cartórios, amarelados artificialmente em gavetas fechadas com grilos mortos, davam aos papéis a aparência de antigos, para tornar críveis as datas pregressas assinaladas nos documentos fraudados.

Grilos e jagunços 

O Estado tratou de se assegurar domínio com suas próprias leis e normas, resultando de imediato na judicialização dos conflitos, enquanto a polícia submissa a interesses políticos e cartoriais deixava de reconhecer posses legítimas em favor dos documentos fraudados.  

As colonizadoras, procurando proteger seus interesses reais ou supostos, além de se infiltrar na polícia do Estado contratavam um tipo especial de trabalhador rural: o jagunço. Daí à formação de milícias foi um passo. 

Com isso, posses legítimas também caíam na malha da judicialização e entravam na mira dos grileiros e seus jagunços. 

Com braços na polícia e nos cartórios, aproveitando-se da judicialização paralisante das questões de domínio entre União e Estado, as colonizadoras trataram de se fortalecer em um Estado democrático ainda frágil, sofrendo a sabotagem de velhos interesses ansiosos para voltar ao status autoritário anterior à Constituição de 1946.

Nessa conjuntura, em 26 de julho de 1950 a Clevelândia Industrial, Territorial Ltda (Citla), comandada por Mário Fontana, empresário ligado ao grupo do governador Moysés Lupion, alegou ter comprado supostos direitos do coronel catarinense José Rupp no Sudoeste.

Esse jogo de interesses se deu de forma ilegal, segundo o promotor Josaphat Porto Lona Cleto, e vai aumentar até produzir mais uma ruptura violenta na região do antigo Contestado, distribuindo-se em conflitos entre jagunços e posseiros no Norte, Oeste e Noroeste do Estado. 

Sob pressão, os posseiros organizaram sua própria reação armada, incentivados pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB).

O paraíso virou um inferno

A iniciativa da União começou positiva, com a finalidade de ocupar rapidamente locais de baixa densidade demográfica em regiões de divisas internacionais. 

Para isso, foram criadas áreas especiais de estímulo à produção, entre elas a Colônia Agrícola Nacional General Osório (Cango), nas glebas Missões e Chopim, área da antiga Colônia Militar.

Os colonos se interessavam em seguir à região, também na trilha da propaganda lupionista do Paraná Maior, sobretudo porque além dos terrenos cedidos recebiam madeiras, ferramentas, sementes, assistência médica e odontológica gratuitas. 

Era um bom modelo de colonização oficial. No entanto, as terras estavam sub judice e os colonos não podiam receber seus títulos de posse. 

Quando foi negociada com a Citla em 1950 por um valor ínfimo pelo suposto dono, o coronel José Rupp, essa área, correspondente a cerca de meio milhão de hectares, abrangendo grande parte do Sudoeste do Paraná, já estava judicializada.

Na Justiça, Rupp alegava ter prestado serviços não ressarcidos e com a situação ainda indefinida nos tribunais transferiu a posse por valor irrisório à empresa que logo será considerada pelos colonos esbulhados como “a encarnação do demônio” – a Citla.

Terra demais e quase de graça

O coronel Rupp, ao se radicar em Joaçaba (SC) no início dos anos 1920, fornecia material (dormentes) e mão de obra para a Companhia Estrada de Ferro São Paulo–Rio Grande, mas sua equipe não recebeu pagamento pelos serviços prestados e acionou a Justiça para receber.

A ampla extensão de terra em poder de Rupp teria sido o pagamento por aqueles serviços não remunerados. 

Respaldada na legislação, a crescente oposição ao governador Moysés Lupion considerou a área ampla demais para ser negociada e sua posse por particulares extremamente suspeita pelas condições tão favoráveis ao comprador. 

A transação é tão esdrúxula que nenhum cartório da região Sudoeste aceita registrar a imensa propriedade em nome da Citla, empresa colonizadora que a adquire em meio a uma forte polêmica e é tida como ligada ao poderoso grupo econômico do governador Moysés Lupion. 

A oficialização da área só será possível com a criação de um cartório em Santo Antônio do Sudoeste (Edvino Knäsel Vorpagel, A Revolta dos Posseiros no Sudoeste do Paraná). 

A origem do cartório cheirou a queimado, no entendimento de uma oposição que aumentava dia a dia, enfrentando o governador Lupion com energia. O conflito iria durar anos, em cenários que se agravavam com violência, luta armada, destruição e mortes.

A sinfonia dos insetos

Em Matelândia, Benjamin Luiz Biazus já comemorava o sucesso da atração de colonos de Flores da Cunha (RS), destacando-se inicialmente os colonos Francisco Donadel, Fortunato Antônio Menoncim, Avelino Molon e Gentile Francisco Picolli, que com o jovem Faustino Biazus partiram de Caxias do Sul em maio de 1950 e deram a base para a futura cidade, cuja fundação foi assinalada como 11 de junho de 1950.

Em meio à mata, a comitiva foi recepcionada ao som de “violinos” pela orquestra dos Borrachudos e Mirins (Mirtis Maria Valério, revista Mosaicos, julho de 1978).

Caminhões chegando à Rota Oeste e a pressão por uma estrada melhor ligando Cascavel a Porto Mendes, em 7 de agosto a Prefeitura de Foz do Iguaçu recriava o Serviço Rodoviário de Foz do Iguaçu com a lei 54.

A recriação se dava porque a lei 29, de 14 de junho de 1949, já havia criado o SR também sub judice, por conta do artigo 11 determinando nas Disposições Transitórias que as “dúvidas e omissões” relativas ao setor rodoviário seriam “resolvidas pela Câmara Municipal”.

Conselho amplo e democrático

Estava clara a usurpação pelo Legislativo de prerrogativas do Poder Executivo pela Câmara, mas para apressar a criação do Serviço Rodoviário o prefeito Júlio Pasa sancionou o texto aprovado pelos vereadores. Mas não vingou.  

Em agosto, em nova correlação e forças, a nova lei passava a tarefa ao Conselho Rodoviário Municipal, constituído para ser o “órgão deliberativo rodoviário do Município”, reduzindo a interferência total do Legislativo a um vereador designado pela Câmara como seu representante.

Nesse caso, o Conselho Rodoviário Municipal de Foz do Iguaçu passava a ter como integrantes o prefeito ou representante, o chefe do SR, mais representantes individuais da Câmara, da indústria e comércio, da lavoura, engenheiro representante do DER estadual, da Associação dos Motoristas de Foz do Iguaçu e da Associação Profissional das Indústrias de Serraria, Carpintaria e Tanoaria do Oeste do Estado do Paraná (os dois últimos a partir de 1963), um dos quais será eleito para presidir o Conselho e nomeará um secretário executivo.

Parteira guarani para filhos de imigrantes 

As providências tomadas nas esferas municipal e estadual já davam aos colonos que chegavam a certeza de que participariam de uma obra coletiva. Foi nesse clima que o chefe da Maripá, Willy Barth, trouxe a família de Porto Alegre para Toledo em 15 de agosto de 1950, não sem queixas da esposa Diva Paim Barth, que ao chegar ficou horrorizada ao ver que “a casa ainda não tinha portas nem janelas” (jornal O Paraná, 10/4/2005).

Entre os colonos que já estavam trabalhando no Médio Oeste o sentimento era de que o futuro prometia riquezas. As dificuldades eram só desafios a vencer com força e coragem. 

Um marco dessa época, em 17 de agosto de 1950 nasciam as primeiras crianças da nova colonização: os gêmeos Cláucio e Cláucia, em Marechal Cândido Rondon. 

Fato simbólico das condições da época, a parteira que atendeu à mãe, Alice Weirich, foi uma anônima índia paraguaia. Os paraguaios eram sempre chamados para enfrentar as dificuldades que apareciam, desde abrir estradas, providenciar o tratamento imediato das picadas de cobra e sair ao mato para coletar na grande farmácia da natureza as ervas necessárias a poções e mezinhas.

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