A guerra na Europa e a corrida ao Oeste

Em março de 1939 a Alemanha invadia Praga, anexava a Boêmia e submetia toda a Tchecoslováquia à sua “proteção”. Em 1˚ de setembro as forças nazistas penetravam nas fronteiras polonesas, obrigando a Inglaterra e a França a declarar guerra ao Eixo em 3 de setembro.

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Um mês depois, em 1.º de outubro de 1939, um filho de imigrantes da Boêmia chegava à vila de Encruzilhada/Aparecida dos Portos/Cascavel – nome ainda indefinido para a população, que se dividia entre grupos que chamavam o lugar pelos três nomes.

Para os viajantes, era e Encruzilhada dos Gomes. Para os religiosos, Aparecida dos Portos. Para o patriarca José Silvério de Oliveira, Cascavel. A Prefeitura de Foz do Iguaçu, salomonicamente, anotava: Encruzilhada de Aparecida dos Portos de Cascavel.

Quem à região chegava com sua carroça, trazendo a família – a esposa Waldemira e três filhos, era o sapateiro Pedro Carlos Neppel. Vinha de Canoinhas e passando por Porto União (SC) soube que poderia ter sucesso no Oeste paranaense, onde havia terras oferecidas até de graça.

A trajetória de Neppel é emblemática de muitos outros colonos descendentes de imigrantes que chegavam de Santa Catarina.

Não era uma vinda “espontânea”, como se engana a historiografia romântica, mas fruto da propaganda do Estado e das colonizadoras, que apregoavam o Oeste como a solução para a minifundiarização que emergia da repartição dos lotes pelos vários filhos dos imigrantes.

 

O sapateiro Neppel

Nascido em 1906, em São Bento do Sul (SC), Pedro Carlos Neppel era filho dos alemães Pedro e Ana Neppel.

“Os Neppl são provenientes da Boêmia e estão entre os primeiros imigrantes de São Bento do Sul, ali chegados em 1876, todos descendentes de Georg Neppl, um madeireiro endinheirado que decidiu emigrar ao Brasil” (Fernando Tokarski, historiador catarinense).

Ao chegar, Neppel recebeu de Jeca Silvério uma casa, pela qual passaria a pagar aluguel prestando serviços como sapateiro.

Logo a sapataria atraiu as atenções gerais da vila e das colônias próximas e com os resultados de seu negócio, dois anos depois já adquiria terrenos na Rua Osvaldo Cruz – uma pequena chácara –, onde passou a residir.

Neppel logo se destacou na comunidade e de 1943 a 1947, na vigência do Território Federal do Iguaçu, foi o primeiro Juiz de Paz de Cascavel, nomeado pelo juiz da Comarca de Foz do Iguaçu. Morreu em 1960.

 

Informação chegava a cavalo

As informações em 1939 não eram tão imediatas, mas o telégrafo e o rádio faziam as notícias chegar aos lugares servidos de redes e emissoras. As notícias da guerra alcançavam carroças em trânsito rumo ao Oeste pelos cavaleiros que viajavam sem cargas e os ultrapassavam na marcha à fronteira, como os estafetas que a cada quinze dias levavam correspondências aos oestinos.

Distante da guerra, o Governo do Paraná decidiu centrar esforços na colonização das áreas devolutas que faziam parte das antigas concessões do Império, embora, como se verificaria mais tarde, essas terras na verdade pertencessem ao patrimônio da União, onde esta ação não estava autorizada pela ditadura do Estado Novo.

O objetivo era colonizar o Oeste, estimulando as atividades das empresas colonizadoras que hoje estão presentes na origem de praticamente a totalidade dos municípios do Oeste e do Norte do Estado.

Uma descrição da origem das vilas do Oeste em 1939 apontava que Foz do Iguaçu já era uma comunidade quando os militares chegaram, em 1889.

Os portos estabelecidos no Rio Paraná foram criados na segunda metade do século XIX para as atividades das obrages argentinas.

Cascavel veio do cruzamento de trilhas tropeiras/ervateiras onde o patriarca José Silvério de Oliveira se estabeleceu em 28 de março de 1930.

Fora disso, o Oeste era só uma imensa mata na qual a extração de erva-mate e madeira se repartia entre raros empreendimentos autorizados e o contrabando sem controle.

 

O colono Kalichevski

Por isso, no final da década de 1930 ainda era uma declaração ousada afirmar nesses tempos mundialmente conflituosos e de grave crise nacional que Cascavel teria um grande futuro.

Mas foi o que disse o general Emílio Lúcio Esteves ao passar pela Encruzilhada de Cascavel quando se dirigiu em 1939 à Companhia Isolada de Foz do Iguaçu, segundo Alípio de Souza Leal.

Antes da passagem do general Esteves, em abril de 1939 o colono Casemiro Kalichevski, partindo de Ponta Grossa, também atraído pela propaganda do Oeste, vinha com a família conduzindo uma carroça puxada por três cavalos (Jornal Gazeta do Iguaçu, junho de 1993).

Ao chegar, disseram-lhe que o lugar se chamava Encruzilhada e muitos só passavam por ali e seguiam até o Rio Paraná, mas quem tivesse alguma habilidade especial que interessasse ao patriarca do local, Jeca Silvério, ganhava até casa para morar e terras para cultivar.

Kalichevski não ficou porque seus pais, já desde 1937, estavam estabelecidos nos arredores da atual Santa Terezinha de Itaipu, para onde Casemiro foi levar a mudança da família em 1939.

Sua família descobriu que havia terras de graça, mas as melhores, às margens das trilhas mais batidas, eram controladas por particulares e burocratas do Estado, que financiavam a compra.

Saindo de Cascavel, Kalichevski demorou um mês para chegar ao destino, porque a Picada do Benjamim, entre Céu Azul e Matelândia, parecia impossível para a passagem de uma carroça carregada.

“Por meados de 1939 quase ficamos isolados de Foz do Iguaçu em virtude da obstrução completa da Picada Benjamin. Ainda sob a orientação de Nhô Jeca e com a colaboração da municipalidade de Foz do Iguaçu mediante a aplicação de parcos recursos que aqui já arrecadávamos pôde ser restabelecido o trânsito” (Sandálio dos Santos, Memórias).

 

Jogo liberado

Na época, o prefeito de Foz do Iguaçu era o capitão Melquíades do Valle, que contou com a boa vontade do interventor Manuel Ribas para construir o Palácio das Cataratas, sede da Prefeitura, e usou bem uma vaquinha dos cascavelenses feita para consertar a Picada do Benjamin.

Em troca, o capitão do Valle, que também fazia as vezes de delegado de polícia e tinha a responsabilidade de atender a um oitavo do território paranaense, determinou a abertura de uma agência telegráfica de primeira classe no distrito de Cascavel, no extremo-Leste do Município.

O fim de década parecia trazer novos tempos, até porque a guerra que começava a infelicitar o mundo afetava positivamente os assuntos dos oestinos: a reconstrução requeria muita madeira. E a madeira barata estava no sertão do Brasil.

Quando a empresa de aviação Pan Air ousou criar uma linha aérea que partiria de São Paulo rumo a Assunção, com pousos em Curitiba e Foz do Iguaçu, o Oeste finalmente se sentia como parte do Brasil. Até a revolução de 1930 era conhecida pelos viajantes como “terra dos paraguaios”.

A linha da Pan Air serviu para apressar a construção do Hotel Cassino Iguassu, em obras que se arrastavam desde 1937. Era uma aposta firme no movimento aéreo conquistado, pela maior divulgação das atrações turísticas da região e pelo fator central que motivou o nome do hotel: a liberação das casas de jogo pelo presidente Getúlio Vargas.

Iniciativa do governo do Paraná para estimular o turismo, o Hotel Cassino tinha água quente, água encanada, quarto com banheiro e até um minizoológico.

Cascavel ainda era só um ponto de passagem nesse primeiro ano da II Guerra. Já tinha polícia, oferecia terras sem custos para quem viesse morar no local e era um “Patrimônio Municipal” apoiado pela Prefeitura de Foz do Iguaçu, mas não passava de um povoado com alguns poucos serviços a oferecer.

Havia, entretanto, uma novidade: o contador Sandálio dos Santos chamou para si a tarefa de dar excelência à Casa Escolar, que ele também transformou em consultório médico e embrião de biblioteca.

Lá ele atendia alunos e seus familiares consultando uma coleção de livros na qual se destacava O Conselheiro Médico do Lar, de Humberto O. Swartout, que o médico improvisado qualificava de “excelente”.

Talvez seja exagero, mas é possível datar daí o primeiro passo do futuro polo médico de Cascavel.

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(foto)

Hotel Cassino Iguassu, o templo do jogo no Oeste paranaense. Nos destaques, o capitão Melquíades do Valle e o livro de medicina que tratava os cascavelenses

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