Mais de um mês depois de começar sua viagem ao Oeste, primeira tentativa importante do Estado do Paraná para abrasileirar a região, em 8 de outubro de 1904 o engenheiro Arthur Martins Franco chegava para iniciar a demarcação das terras das obrages das margens do Rio Paraná.
RECEBA AS PRINCIPAIS NOTÍCIAS PELO WHATS. ENTRE NO GRUPO
Seriam 52 dias “num sertão deserto e desconhecido, chefiando uma turma de 16 homens, composta quase toda de paraguaios e argentinos, entre os quais havia apenas 2 brasileiros: o Francisco Chagas, o balizador, e meu cozinheiro José, paulista”.
Franco e os técnicos Aristides e Getúlio seguiam a cavalo e “a peonada marchava a pé, mochila às costas”.
Partindo para o interior do sertão, outro mês e meio se passou até a turma de agrimensura em sua árdua viagem ao interior do Paraná alcançar o local onde começaria a demarcar as terras da obrage Nuñes y Gibaja.
“Nesses primeiros dias a marcha para o acampamento Central foi uma verdadeira odisseia, porque começou a chover sem cessar e nos lugares baixos, canhadas ou mesmo terrenos planos, onde havíamos passado facilmente, por ocasião da nossa entrada, estavam agora de tal modo encharcadas, que constituíam verdadeiros atoleiros, onde os cargueiros ficavam presos, atolados até a barriga, e que era preciso descarregar toda a carga para o animal sair, arrancado dali pelos peões que nos acompanhavam” (Arthur Martins Franco, Recordações de Viagens ao Alto Paraná).
Foco na pose das terras
Franco vinha medir terras enquanto brasileiros excluídos de posses no período de liberdade condicional que se seguiu à Lei Áurea vinham de outras regiões do País para tomar posse delas.
Alheios aos esquemas cartoriais políticos e familiares das elites paulistas, curitibanas, litorâneas e guarapuavanas, eles começam a escolher “posses” no interior do Paraná, processo que daria origem aos primeiros atritos com os latifundiários e seus agentes locais.
Como os fazendeiros paulistas que vêm ocupar e/ou comprar terras, os posseiros acompanhavam os trilhos da estrada de ferro São Paulo−Rio Grande, que no final de fevereiro de 1905 chegam a União da Vitória.
Essa massa de deserdados, sem condições de adquirir terras pela compra, ocupa áreas que o governo cedeu no Império a grandes interesses estrangeiros. Eles são a origem dos “pelados”, que sempre a um passo da rebelião contra a ordem republicana recentemente instituída serão iludidos pelo fanatismo armado.
Militar expulso do Exército
Curitiba tinha na primeira década do século XX um vereador incomum. Jorge Henrique Schimmelpfeng (1876−1929), aos 29 anos, já havia feito história. Cadete na Escola Militar da Praia Vermelha, florianista, combateu a Revolta da Armada e em março de 1895, por solidarizar-se com colegas na vaia contra o general Jacques Ouriques (1848−1932), foi expulso da academia militar.
Aos 19 anos, apadrinhado pelo pai comerciante, havia assumido a função de subcomissário de Polícia em Curitiba, de onde se credenciou para uma vaga na Câmara Municipal.
Mesmo anistiado depois pelo Exército e recebendo o posto de coronel, Jorge nunca mais retornou de fato à carreira militar, mas ser vereador em Curitiba já não cabia em seus projetos.
Preferiu trocar a comodidade de uma tranquila vereança para se meter na fronteira desconhecida assumindo um encargo oficial. Sua missão era instalar uma comissão fiscal do Estado na então minúscula e desprestigiada Vila Iguaçu, onde as autoridades estaduais pretendiam aplicar um plano regional de desenvolvimento.
Surge a Fazenda Britânia
Jorge Schimmelpfeng fará muito mais que cumprir funções burocráticas a serviço do Estado. Ele decidiu mergulhar de corpo e alma na tarefa de transformar a Vila Iguaçu em uma cidade importante.
Em 6 de abril de 1905, representando o capital inglês da Compañia de Maderas del Alto Paraná, ele adquire 274 mil hectares de terras devolutas e forma a Fazenda Britânia, um fantástico latifúndio das terras mais férteis do planeta, entre o Rio São Francisco e o Porto Artaza, do argentino Júlio Allica.
Nessa propriedade, que será a origem de Toledo, Marechal Cândido Rondon e outros municípios do Oeste, vai ocorrer uma das primeiras experiências industriais do remoto interior paranaense além do beneficiamento da madeira.
Seria uma fábrica de essências para fixar perfumes, instalada na comunidade de Rio Branco. Com alambiques, extrairiam o óleo da planta vetiver e da casca da laranja silvestre apepú.
Mão de obra paraguaia
O Porto Britânia escoava madeira, erva-mate e os demais produtos da Fazenda. “O administrador geral das terras pertencentes à Compañia Maderas del Alto Paraná, no Brasil, era Mr. Flemming. Os exploradores, picadores e os carroceiros dessa companhia eram paraguaios. Os carretões usados para o transporte dos toros de madeira, das matas até o porto, eram chamados de alçapremas, sendo puxados por bois ou burros” (Projeto Memória de Marechal Cândido Rondon).
As obrages prosperavam e os latifúndios cresciam. Foi nesse período que o Estado do Paraná passou a Colônia Lopeí e com ela também os pousos Guajuvira, 1° de Outubro, Arroio Grande, Palmito, Pouso Frio e Toledo, cada qual com 200 hectares, ao domínio da companhia Nuñes y Gibaja. Isso acontecia um quarto de século antes de a cidade de Cascavel ter início.
Barthe, o dono do Oeste
O ano de 1905 foi todo tomado por um trabalho intenso de construção rodoviária. O governo do Paraná queria alcançar com a máxima brevidade a Colônia do Iguaçu, então com escassos mil habitantes, número que iria dobrar já no ano seguinte. A aceleração da obra atraía mais gente, agora brasileiros, para a região.
O franco-argentino Domingo Barthe já controlava a exploração dos mais de 60 mil hectares adquiridos às margens dos rios Paz, Tormenta e nascentes do São Francisco, cujos confins se estendiam mais de 90 quilômetros além do Rio Paraná.
A localização de propriedades tão distantes dos portos do Rio Paraná exigia a construção de estradas que facilitassem o escoamento da erva-mate e da madeira por essa via navegável (José Augusto Colodel, Obrages & Companhias Colonizadoras).
Barthe aproveitou a construção das “picadas” necessárias aos seus negócios para requerer mais terras ao governo do Estado, ampliando seu domínio em mais mil hectares, vindo a ter dois portos de embarque: Santa Helena e Sol de Maio.
A angústia de Vicente Machado
O território se apresentava crescentemente dominado por estrangeiros e seus empreendimentos, defendidos por “jagunços” dos “pelados”, que testavam os limites dos proprietários cartoriais e grileiros de terras.
Não sem razão, portanto, a preocupação com o povoamento do território centralizou a mensagem que o governador Vicente Machado enviou aos deputados estaduais em 1905.
O governador apresentava um balanço bem sombrio do contencioso com Santa Catarina. As chances do Paraná se reduziram desde que o governo federal rescindiu contratos para o assentamento de novos imigrantes: “As grandes levas de imigrantes desapareceram”, lamentou Machado.
A suspensão do apoio federal à ocupação do território paranaense pelos imigrantes não só levou à escassez de colonos interessados em ocupar o interior remoto e abandonado como veio favorecer as incursões paramilitares barrigas-verdes.
Sem apoio financeiro, os colonos não viriam. E se os cofres araucarianos estavam exauridos, como o governo iria bancar a entrada de novas famílias de imigrantes? Além de pagar os custos da viagem da Europa ao Brasil, seria preciso custear a propaganda das terras paranaenses no exterior.
(foto 1)
Fazenda Britânia, destacando a futura cidade de Toledo (1946): experiência inglesa chancelada pelo coronel Schimmelpfeng
Fonte: Fonte não encontrada
Deixe um comentário