A Prefeitura-imobiliária da Cascavel nova

O Patrimônio Velho, em montagem da Secretaria do Planejamento da Prefeitura. A junção das estradas forma a Encruzilhada dos Gomes. No segundo, por Karen Soares, o Patrimônio Velho em azul claro e o Novo em azul escuro. Nada a ver com o Cascavel Velho.

Há uma grande confusão em narrativas sobre a história de Cascavel. O erro maior está na ideia sem fundamento real de que a cidade começou a se formar no Cascavel Velho, um antigo pouso tropeiro/ervateiro do século XIX desativado nos primeiros anos do século XX.

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Em 1889, com a criação da Colônia Militar de Foz do Iguaçu, começou o abrasileiramento da região, que ainda continuou controlada por ervateiros argentinos, caso do francês Domingo Barthe, que vivia na Argentina e em 1901 comprou dez mil hectares de ervais no Médio-Oeste. 

Às margens do Rio Cascavel, em um antigo pouso tropeiro – o “Cascavel Velho” – Barthe instalou um potreiro e invernada para seus cavalos de montar e atrelar a carroças.

O interesse na madeira levou Barthe a se apossar de 60 mil hectares e para facilitar as exportações abriu estradas, portos e um serviço de navegação no Rio Paraná.

Barthe e outros obrageros que operaram na região ficaram ricos e poderosos, a região continuava pouco brasileira e em 1905 o governo do Paraná mandou o engenheiro Arthur Franco inspecionar os latifúndios estrangeiros.

Franco mapeou a região e exigiu que as empresas também colonizassem a área além de só extrair suas riquezas. Como só queriam erva-mate e madeira, continuaram sem colonizar e depois da 1ª Guerra Mundial o potreiro do Pouso Cascavel foi desativado.

O bônus geográfico 

A região foi posta à venda pela colonizadora Braviaco em 1920. No ano seguinte, o catarinense Antônio José Elias comprou o pouso desativado, já conhecido na época como o “velho pouso Cascavel” ou Cascavel Velho.

Ele também requisitou terras devolutas ao redor para seus familiares, que começaram a chegar ao Cascavel Velho em 1922, quando seu cunhado Ernesto Schiels e esposa Laurentina Lopes começaram a formar sua propriedade rural.

Elias só chegou para morar no início de 1923. Em novembro, recebeu a visita de um viajante – José Silvério de Oliveira, o Jeca –, que manifestou interesse em arrendar a Encruzilhada dos Gomes e os arredores, que era um banhado.

Os Gomes foram o pai Augusto e dois filhos que construíram em 1895 uma estrada para transportar erva-mate de Catanduvas ao Rio Paraná.

A estrada dos Gomes cortou a segunda trilha militar, aberta seguindo o divisor de águas, formando a Encruzilhada, o Marco Zero de Cascavel.Importante destacar que a primeira trilha militar ficava ao Sul, mais próxima de Boa Vista da Aparecida, aberta para a conquista do Oeste em 1889. Ela cortava os afluentes do Rio Iguaçu, ficando inviável para a passagem das carroças dos colonos.

A segunda trilha, no divisor de águas, foi o bônus geográfico que permitiu o aparecimento da cidade de Cascavel. 

O banhado ficava nas áreas mais baixas entre as atuais praças Getúlio Vargas e Wilson Joffre. Na parte alta, uma tapera da família negociava com os viajantes desde 1928, quando Silvério formalizou o arrendamento da área.

Nesse ínterim houve a revolução de 1924, que trouxe problemas para a família Elias/Schiels.

O verdadeiro começo da cidade 

Jeca Silvério só veio em definitivo para a região com a derrota de Getúlio Vargas nas eleições de 3 de março de 1930. Partidário de Vargas, derrotado e perseguido pelos adversários, ele fugiu do interior de Guarapuava, onde morava.

Decidiu ir para a Encruzilhada dos Gomes, junto ao banhado que ele arrendou anos antes para plantar milho e criar suínos. Veio em 28 de março de 1930, seguido pelos amigos e parentes que o acompanhavam pelas áreas de safrismo, combinação de plantio de milho com criação de suínos. 

O início da cidade de Cascavel é assinalado pelo obelisco do Marco Zero, na Praça Getúlio Vargas, cercado pelo Patrimônio Velho, a parte mais antiga da cidade. 

A falsa ideia de que a cidade começou no Cascavel Velho tem origem no Pouso Cascavel, que na verdade permaneceu área rural até a década de 1960, quando passou a fazer parte do perímetro urbano da cidade.

Como surgiu o Patrimônio Velho

Em 1° de setembro de 1931, o prefeito de Foz do Iguaçu, Othon Mäder, pediu ao governo do Estado uma área de 500 hectares para dividir em lotes urbanos e suburbanos.

Só em 1936, entretanto, a Prefeitura de Foz criou oficialmente a vila, junto ao Estado, com o nome de “Patrimônio de Aparecida dos Portos de Cascavel”. Aparecida dos Portos foi o nome dado à vila pelo prelado de Foz do Iguaçu, monsenhor Guilherme Thiletzek, mas não pegou.

Surgia assim o Patrimônio Velho, o primeiro perímetro urbano da cidade, com 1.001 hectares, na área em que Jeca Silvério começou a formar a cidade, junto à Encruzilhada dos Gomes.

O Patrimônio Velho se estendia entre o antigo aeroporto, cuja área no futuro seria ocupada parcialmente pelo Terminal Rodoviário Helenise Tolentino, somente até a Rua Sete de Setembro. Toda a área do futuro Calçadão já seria parte do Patrimônio Novo. 

Cascavel, portanto, começou de fato em 28 de março de 1930, mas Jeca Silvério só pensou em cidade para o local depois da revolução de outubro desse ano, quando Vargas derrubou o governo Washington Luiz e a família Camargo, que mandava no Paraná e vendeu as terras a Elias, perdeu os direitos sobre as propriedades.

Restaram para Elias e o cunhado, Ernesto Schiels, só as pequenas parcelas em que moravam e tinham lavouras e criação. A Revolução, portanto, tirou Cascavel das mãos de Antônio Elias e a entregou a José Silvério.

Terras que ninguém queria

Beneficiado pelo golpe que derrubou o governo, Silvério passou de arrendatário a dono da região. Agora possuía terras, mas ninguém queria comprá-las. Os viajantes só passavam. Seu destino eram os portos do Rio Paraná. 

De acordo com o prefeito-interventor de Foz do Iguaçu, Othon Mader, Silvério decidiu expandir a vila, então com apenas cinco casas.Elaborou um plano para atrair moradores e ter mais clientes na bodega, a primeira casa que construiu na Encruzilhada, oferecendo terras de graça aos viajantes que quisessem se estabelecer em Cascavel, mas só poucos quiseram ficar.

Jeca oferecia terras bem localizadas, com aguadas e terras planas, a quem ficasse na vila. Distribuiu terras a parentes e amigos e chamou para se estabelecer no lugar colonos que viviam precariamente em Santa Catarina.

O interesse maior de quem chegava não era ter um pequeno lote em uma cidade sem nada, mas requerer ao governo terras devolutas para tirar árvores, plantar e criar animais.

Mesmo assim, Jeca Silvério atraiu algumas famílias para as terras que conquistou ao apoiar a revolução de Vargas. A vila cresceu e em quatro anos já contava até com delegacia de polícia.

Homem de iniciativa  

O que define Silvério como o fundador de Cascavel não foi só sua vinda para se fixar no lugar, em 28 de março de 1930. Além de construir as primeiras cinco casas da vila, ele criou equipamentos urbanos como escola, capela religiosa, distrito policial, praça e correio.

Quando Cascavel se tornou Município, instalado em dezembro de 1952, ganhou o Patrimônio Novo, que partia da Rua Sete de Setembro rumo ao Leste. Doar o Patrimônio Novo a Cascavel, com áreas reservadas para futuras repartições públicas, jardins e parques, foi uma compensação do Estado do Paraná por não mandar recursos à instalação do Município.

O Município obteria renda futura com a indústria madeireira, a prestação de serviços e o comércio crescente, mas de imediato precisava vender o maior número de lotes para custear as atividades do Município, a ser instalado em 14 de dezembro de 1952. 

Um terreno de esquina na Avenida Brasil custava seis mil cruzeiros e os mais baratos, mil cruzeiros, mas os colonos preferiam morar nas posses do interior, em terras devolutas liberadas à colonização.

Dobrando o tamanho da cidade

O Cascavel Velho, portanto, nada tem a ver com o Patrimônio Velho, que é a parte antiga da cidade (iniciada em 1930). A “cidade nova”, expressão do padre Luiz Luíse, seria o Patrimônio Novo, que veio com a instalação do Município (1952), quando a Prefeitura ganhou do Estado do Paraná imóveis que dobraram seu perímetro urbano.

Para começar bem e se sustentar a partir de dezembro de 1952, quando o Município seria instalado, a Prefeitura precisava vender os terrenos do Patrimônio Novo. 

Sem vendê-los, a Prefeitura teria dificuldades para criar escolas e abrir longas estradas entre a sede e os rios Piquiri e Iguaçu. Assim, a prioridade em 1952 era vender os terrenos do Patrimônio Novo – as quadras situadas entre a Rua Moysés Lupion (atual Sete de Setembro) e o Posto Brasil – e arrecadar o suficiente para pagar os serviços da Prefeitura.

Mas ninguém pretendia comprar lotes no Patrimônio Novo desabitado e sem serviços. Era preferível comprar imóveis perto da igreja, Correio, comércio e Prefeitura, no Patrimônio Velho.

A solução começou a surgir em maio de 1952, quando chegou o padre Luiz Luíse para comandar a Paroquia local. Ele percebeu que a comunidade vivia um vácuo de gestão, sem mais pertencer a Foz do Iguaçu nem ter um prefeito eleito.

A fórmula salvadora

Faltando seis meses para a eleição do primeiro prefeito, o religioso passou o inverno de 1952 estudando como apressar a venda dos 2.500 lotes do Patrimônio Novo. 

O padre, empurrado para a posição de um quase prefeito, sentiu, assim, que precisaria arquitetar um plano para o Município começar bem. Como os interessados preferiam lotes no Patrimônio Velho, próximos à igreja, Prefeitura e comércio, a solução achada pelo padre para estimular a compra foi construir de imediato uma igreja no Patrimônio Novo e projetar a Prefeitura para lá em breve.

Enquanto os candidatos a prefeito e vereadores faziam suas campanhas, Luíse e voluntários desmatavam a quadra onde hoje está a Catedral, pois a certeza sobre a igreja nova iria valorizar os imóveis.

Para servir de “lançamento imobiliário” e estimular a venda dos terrenos, o padre convocou uma procissão para levar a imagem de Nossa Senhora Aparecida até o Patrimônio Novo. A data da procissão seria 10 de outubro, um mês antes da eleição do primeiro prefeito.

Destino imobiliário

Com o anúncio de uma nova grande igreja e a transferência da Prefeitura ao Patrimônio Novo, os donos de imóveis no Patrimônio Velho passaram a ver na compra de lotes ainda baratos da cidade nova uma oportunidade de investimentos.

De resto, interessava à indústria madeireira em franco desenvolvimento e ao florescente comércio uma onda de construções e atração de mais famílias para habitar os 2.500 lotes cedidos à Prefeitura pelo Estado para vender e formar o Patrimônio Novo.

A venda dos lotes para sustentar a Prefeitura instalava um forte mercado imobiliário a partir da sugestão de que os compradores teriam grande valorização futura ocupando os imóveis mais próximos das áreas reservadas à igreja, Correio, Prefeitura e escola. 

A procissão marcada pelo padre Luiz para o dia 10 de outubro de 1952 com o objetivo religioso de declarar a posse simbólica do Patrimônio Novo por Nossa Senhora Aparecida foi, assim, também o lançamento da campanha de vendas de terrenos da “cidade nova”.

Como se marchassem rumo à Terra Prometida, o padre e os fiéis partiriam em comitiva com a imagem da santa desde a Encruzilhada até a quadra onde hoje está a Catedral. 

Com a eleição do prefeito em 9 de novembro e a instalação do Município em 14 de dezembro de 1952 a missão do padre estava cumprida. O papel de imobiliária passava à Prefeitura.

Fonte: Alceu Sperança

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