A primeira hidrelétrica do Oeste

Ângelo Murgel, seu projeto para o Aeroporto do Parque Nacional do Iguaçu e a usina hidrelétrica do Rio São João, a primeira do interior do Paraná

 

No início da década de 1940, os brasileiros que chegavam a Foz do Iguaçu se sentiam humilhados pela dependência da população à Argentina. Toda a energia elétrica consumida na região do Parque Nacional era produzida no país vizinho.

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Assim, a inauguração da primeira usina hidrelétrica na região, em 1942, foi saudada como uma espécie de nova independência do país, 120 anos depois do 7 de setembro de 1822.

Represada no pequeno Rio São João, a usina foi projetada pelo arquiteto mineiro Ângelo Murgel (1907–1978). A execução da obra ficou a cargo da empresa Dolabela e Portela, especializada em hidrelétricas.

Tinha dois geradores Ateliers da fábrica Derlikon. Importados da Suíça, “os equipamentos desembarcavam no Porto de Santos, sendo transportados de trem até Presidente Epitácio, interior de São Paulo e pelo Rio Paraná em barcas especiais até Guaíra. De Guaíra à Foz do Iguaçu eram transportados em carros com tração animal” (Nivaldo Pereira da Silva, História de Foz do Iguaçu).

Socorro argentino

A Prefeitura de Foz do Iguaçu, Município formado por todo o Oeste paranaense, foi administrada nos primeiros meses de 1942 pelo capitão-prefeito-delegado Melchíades do Vale, substituído em setembro pelo major Artur Borges Maciel, que era tenente em 1924 e frente de um grupo de 23 soldados não conseguiu impedir os revolucionários de ocupar a região.

Depois Maciel foi delegado de Polícia de União da Vitória, em 1930, e ao voltar à fronteira como prefeito não deixou saudades. Foz do Iguaçu não estava à altura da situação privilegiada de tríplice fronteira.

“Pouco acima da margem do porto, um pequeno centro comercial permitia aos moradores locais venderem sua produção agrícola e comprarem produtos de abastecimento, como trigo e enlatados. Somente do lado argentino era possível comprar por reembolso postal e, em termos de serviços públicos, o correio e o telefone foram apontados com agilidade incomparável” (Depoimento de José Schloegoel ao historiador Micael Alvino da Silva).

Até ler era proibido

No início de 1942, depois dos torpedeamentos de navios brasileiros por submarinos alemães, o Brasil rompeu relações com o Eixo. O governo federal determinou que todos os imigrantes de origem alemã, japonesa e italiana que não falassem a língua portuguesa fossem retirados a uma “distância segura” de cem quilômetros das linhas divisórias internacionais, com a máxima urgência.

Depois de levar alimentos para trocar em Puerto Aguirre (hoje Puerto Iguazú) por produtos que vinham de Buenos Aires, como farinha de trigo e querosene, o agricultor Martin Nieuwenhoff pegou em sua caixa de correio na Argentina um jornal escrito em alemão.

Abordado pela polícia, foi preso pela posse da publicação em nome da “Lei de Fronteiras”, que dava total autonomia às autoridades policiais e militares no controle e repressão às colônias alemãs e italianas no Brasil.

“A Lei de Fronteiras foi baixada a partir de informações coletadas, que davam conta da existência de uma forte organização ligada ao Partido Nazista Alemão, através da Ação Integralista Brasileira, dirigida por Plínio Salgado (…) Exerciam estas organizações uma flagrante autoridade sobre as escolas, hospitais, maternidades, sociedades de todo o gênero, comércio e indústrias pertencentes a alemães” (Memórias de Foz).

Prejuízos à colonização

“Quando a Delegacia Regional de Polícia de Foz do Iguaçu fez um levantamento dos súditos do Eixo que residiam na jurisdição, constatou que havia cerca de 160 famílias […] metade dos quais eram italianos que residiam concentrados na Cooperativa Manoel Ribas (Santa Helena)” (Micael Alvino da Silva, A Segunda Guerra Mundial e a Tríplice Fronteira).

Ainda em 1942, a ditadura do Estado Novo, sob a alegação de que a empresa pertencia a italianos, baixou o decreto 4.166, confiscando todos os bens da Companhia Espéria, colonizadora que vendia terras localizadas no Oeste paranaense.

A Espéria havia sido uma iniciativa do Instituto Nacionale di Credito per il Lavoro Italiano All’Estero. A empresa, que com dificuldades atraía colonos sulinos para povoar o Oeste do Paraná, iniciara o projeto da chamada Santa Helena Velha, em 1926, e havia criado os portos Santa Helena e Sol de Maio. Com o fracasso de seu projeto colonizador, a Espéria desativou o setor de colonização e passou a atuar apenas na extração da madeira.

“Naquela época o medo reinava entre os agricultores de origem alemã e italiana, espalhados em pequenas e médias chácaras ao longo da Estrada Velha para Guarapuava e nos distritos de Santo Alberto e São João, no município de Foz do Iguaçu. Havia rumores de que os colonos estavam fazendo reuniões e que muitos de seus membros colaboravam com o nazismo” (Documentos Revelados, 21/8/2021).

Delações por bajulação

O delegado Cláucio Guiss, o escrivão de polícia Aracy Albuquerque Neira e o agrimensor da prefeitura, Otto Kucinski, informaram que “os alemães de Foz do Iguaçu estavam se armando e que durante as reuniões gritavam a famosa saudação nazista Heil Hitler”.

“Devido a esses boatos, muitos colonos foram presos e enviados para Guarapuava. Os documentos […] informam os desterros e retorno de famílias pioneiras de Foz do Iguaçu, como a família Nadai, Kapfenberger, Holler, e outras” (Documentos Revelados).

Para o efetivo cumprimento da imposição, criaram-se áreas de concentração para a permanência dessas populações “perigosas”.

“Os estrangeiros eram proibidos de permanecer na fronteira. Meu pai [Pedro Basso], sendo italiano, tinha que ir embora de Foz do Iguaçu. Recebeu, porém, autorização do Exército para permanecer, porque as autoridades utilizavam muito seu hotel e restaurante” (Irineu Basso, jornal Gazeta do Iguaçu, 27/06/93).

A desafiadora malária

Além das perseguições sofridas pelos descendentes de imigrantes na fronteira – só um caso real de ação política nazista foi identificado na região Oeste – a colonização que andava rápida em Foz do Iguaçu sofreu também uma epidemia de malária em 1942.

Para abalar ainda mais a ditadura do Estado Novo, a ampla divulgação em 1942 de que o mosquito transmissor da malária havia sido erradicado no Brasil teve uma dura resposta do próprio vetor, ao expandir seu ataque também para o Sul do país.

“Tivemos que ir embora de Foz do Iguaçu devido a uma epidemia de malária. Não havia remédio, e o jeito foi ir embora para Curitiba, aconselhados pelo médico Dirceu Lopes. Levamos 21 dias para chegar a Curitiba, de caminhão. Eu, a mulher e os filhos estávamos quase todos com malária. De Curitiba fomos a Morretes” (Fausto Palma, Gazeta do Iguaçu, 1994).

Sempre ela, a cloroquina

Na época da II Guerra Mundial, quando a necessidade de combater a doença exigiu pesquisa e investimentos por parte dos governos envolvidos no conflito, foi anunciado um novo método para dar combate à malária: o sal de cozinha misturado a um medicamento denominado cloroquina.

A aparente eficácia do método induziu à suposição de que a cloroquina seria a panaceia necessária para erradicar a doença, mas ela também causava problemas à saúde.

A história da cloroquina é cercada de polêmicas e mortes. Anteriormente com outros nomes e variações, principalmente a resochina, apresentava graves efeitos colaterais derivados da alta toxidade.

Testada em pacientes com distúrbios psiquiátricos em hospícios, ela esteve no centro de uma disputa entre pesquisadores estadunidenses e alemães. Mas pelo menos em 1942 o mosquito venceu tanto os nazistas quanto os Aliados. 

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