Autor: Alceu Sperança

  • A penosa construção da Justiça

    A penosa construção da Justiça

    Antigas cisões nas Forças Armadas liquidaram o Estado de direito e instauraram ditaduras que se anunciavam como salvadoras, mas ao se perder em privilégios produziram novos ciclos de instabilidades, mantendo o cenário nacional sempre em clima de guerra civil.

    Ainda um pequeno povoado em 1937, Cascavel tirou proveito das turbulências nacionais que no fim desse ano resultaram na ditadura do Estado Novo. 

    Fruto da revolução de 1930, Cascavel, isolada no Médio Oeste de estradas muito precárias, ganhou nas instabilidades nacionais condições extraordinárias para reivindicações que nos períodos estáveis ficavam em banho-maria.

    Coube justamente a um revolucionário de 1930, Sandálio dos Santos, conseguir ainda em 1937 a criação do Cartório Civil para Cascavel. Faltava, entretanto, um “pequeno” detalhe: cartórios são instalados em cidades com o status de Distrito Judiciário. 

    Até 1938, apesar de já ter sua primeira escolinha e o Distrito Policial, Cascavel não passava de um vilarejo que desapareceria do mapa se meia dúzia de famílias resolvessem abandoná-lo. Mas, às pressas, o Distrito Judiciário de Cascavel foi criado em 18 de janeiro desse ano com a Lei 6.244, vinculado à Comarca de Foz do Iguaçu.

    Promessas não cumpridas 

    Descuidado pelas autoridades, que julgavam poder estancar os conflitos de terras por medidas policiais, o problema agrário se intensificou nos anos 1940.

    Em comício no interior do Estado, o futuro governador Bento Munhoz da Rocha Neto, em 1950, prometia aos colonos ameaçados pelos jagunços: “Vós que ocupais as glebas e que as desbravastes, sois os que tendes direito a ficar nas terras”.

    Estimulados pelo ex-governador Manoel Ribas e Munhoz, os posseiros fizeram amplas ocupações e já começavam a produzir quando receberam visitas intimidatórias de jagunços de colonizadoras paulistas. 

    A redemocratização do pós-guerra ainda alimentava entre os posseiros a esperança de legalizar logo as terras, sobretudo com Getúlio Vargas empossado pela segunda vez na Presidência da República em 31 de janeiro de 1951.

    Com os getulistas fortes, o Município de Cascavel evitou ser um mero distrito de Toledo ao ser criado por Bento Munhoz em 14 de novembro desse mesmo ano, com a Lei 790/51. 

    As eleições para prefeito e vereadores foram marcadas para novembro de 1952 e com a eleição do prefeito José Neves Formighieri o Município foi instalado em 14 de dezembro.

    Jagunços tomam conta do interior

    No governo, Bento não fez valer o direito dos posseiros. Os conflitos aumentaram pela falta de medidas legais e jurídicas destinadas a impedir que sua multiplicação transformasse o Paraná em barril de pólvora prestes a explodir

    “As origens dos conflitos de terras em todo o Oeste devem-se à má colonização das terras públicas, por sinal as melhores do Brasil, incentivando a vinda de grileiros profissionais que para conseguirem apoderar-se de vastas áreas contratavam elementos que se diziam pistoleiros”, resumiu o advogado Ezuel Portes, sempre ameaçado de morte pelos jagunços. 

    “Na realidade, alguns, muito poucos, eram sanguinários e cruéis, matando quase sempre à traição” (Ezuel Portes, https://x.gd/xAspv).Na região, a primeira evidência de conflito de terras se deu nesse mesmo ano em Criciúma (Santa Terezinha de Itaipu). O envolvimento de um militar que resistiu aos jagunços estimulou o anseio, em toda a região, por assistência judiciária descentralizada.

    Era forçoso dirigir-se à sede da Comarca de Foz do Iguaçu para registrar os filhos e escriturar propriedades. O deslocamento, em estradas sempre em estado precário, principalmente nas épocas chuvosas, acrescentava aos gastos com registros e viagens dias de tempo tomados ao trabalho cotidiano.

    Viccari e Stresser

    Na época, Toledo não era de forma alguma cogitado para sede de Comarca, já que se tratava de Município criado recentemente. Mas em julho de 1953 o prefeito Güerino Antônio Viccari foi a Curitiba, acompanhado pelo vereador Rubens Stresser e a pediu ao presidente da Assembleia Legislativa, deputado Laertes Munhoz.

    A proposta teve a participação do advogado Dátero Alves de Oliveira, que estruturou o pedido com argumentos e dados jurídicos. Emenda nesse sentido foi apresentada pelo deputado José Hoffmann.

    O Poder Judiciário reagiu negativamente à proposta. Viccari imediatamente entrou em contato com o presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, desembargador José Munhoz de Mello, a quem apresentou um mapa mostrando a distância de Toledo das demais Comarcas.

    O Tribunal de Justiça argumentou que Toledo não tinha condições financeiras para sustentar a conquista, mas Viccari tratou de garantir casa e móveis para o funcionamento do Fórum, restando ao Tribunal exclusivamente o pagamento do juiz e do promotor.

    A reação de Cascavel

    Atendendo às orientações de Munhoz de Mello, outros municípios foram desqualificados, cabendo somente a Toledo sediar uma Comarca. Feito o acordo, a emenda n° 49 foi aprovada em primeira votação. Cascavel, porém, permanecia vinculada à Comarca de Foz do Iguaçu, para irritação geral da comunidade.

    O prefeito José Neves Formighieri, reagiu:

    “Fui a Curitiba e fiz uma baita briga com Munhoz de Mello, presidente do Tribunal, explicando que não era possível um juiz em Foz resolver problemas em Cascavel. Ele me fez prometer que eu daria uma casa para o juiz, outra para o promotor e construiria as instalações do fórum”.

    Assim, com o projeto reformulado, a Lei Estadual 1.542, de 14 de dezembro de 1953, criou as Comarcas de Toledo e Cascavel, de segunda entrância, na data do primeiro aniversário de instalação dos dois municípios.

    Vindo a Cascavel em 18 de março de 1954, proveniente de Curitiba, onde nasceu, o contabilista Algacyr Arilton Biazetto chegou para assumir a Secretaria Geral da Prefeitura em substituição a Celso Formighieri Sperança já sabendo que não havia recursos para construir um fórum.

    O barracão de Richen

    A primeira tarefa de Biazetto foi conseguir um local para instalar a Justiça. Um casarão construído por Guilherme Richen em 1951 na Avenida Brasil, quase esquina com a Rua Carlos de Carvalho, surgiu como escolha ideal. Frente ao compromisso de que a Prefeitura pagaria o aluguel, o prédio foi cedido.

    Catarinense de Urussanga, Guilherme Mathias Richen nasceu em 24 de março de 1907. Chegou a Cascavel em 1949, aos 42 anos. Guilherme a esposa Elmosa Rodrigues tiveram Maria Madalena, casada com Pedro Leopoldo Schuster, e Sedeni, casado com Nelci Rottava, todos com estreita interação com a comunidade local.

    Como o barracão precisava ser adaptado para as tarefas judiciais, Biazetto contratou o pioneiro Afonso De Prá para fazer os móveis, “a facão, com madeira de pinho, à base de martelo e serrote, pois não existiam outros materiais”, lembrou Algacyr Biazetto. “Foram feitos lá mesmo, no salão do Fórum”.

    As cortinas foram preparadas pela esposa do pioneiro Júlio Gomes, Amélia, sogra do ex-vereador Dercio Galafassi, e por Aracy Tanaka Biazetto, por sua vez encarregada pelo Cartório do Distribuidor.

    Mello recusou a bajulação

    Vindos de Prudentópolis e morando na Gleba Centenário, Olímpio Gomes da Silva, o primeiro oficial de justiça da Comarca, e Pedrolina Maria do Pilar, a primeira serventuária da Justiça, vieram para Cascavel chamados pelo prefeito Neves Formighieri, que mandou um caminhão trazer a mudança da família.

    Tudo arrumado, em maio de 1954 o presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, desembargador José Munhoz de Mello, determinava, em portaria, o dia 9 de julho de 1954 para, às 14h, realizar-se o ato solene de instalação da Comarca de Segunda Entrância de Cascavel.

    Toda essa história, em detalhes, é contada em quatro livros (Cascavel, A Justiça https://x.gd/Vvkr7).

    Às vésperas da instalação o Fórum de Cascavel recebeu o nome de “Desembargador José Munhoz de Mello”, na prática bajulatória vigente na época de batizar próprios públicos com nomes de personalidades vivas.

    Surpreso, Mello rejeitou a bajulação e não aceitou terrenos presenteados a ele pela Prefeitura, mas o nome do fórum não foi alterado.Dias depois Cascavel perderia seu maior protetor, Getúlio Vargas, sem o qual não teria conseguido suas principais vitórias. A crise política nacional se aprofundou a 14 de agosto de 1954, com o suicídio do presidente.

    100 anos da revolução: O horror dos combates

    As forças rebeldes que no futuro dariam origem à Coluna Prestes começam a marchar rumo ao Paraná em 5 de dezembro de 1924. Eram mil cavaleiros com dois mil cavalos de remonta.

    Já estava pronto o aeroporto que o general Cândido Rondon mandou construir para dispor dos aviões Spad e Breguet, que em 6 de dezembro entraram em cena, despejando na mata folhetos com a finalidade de abater o moral dos já cansados revolucionários.

    O diário de campanha do 1º Batalhão de Infantaria da Polícia Militar, do segundo-sargento Floriano Napoleão do Brasil Miranda, anota, em 9 de dezembro:

    “A marcha continua mais para o interior da mata. Nesse dia, atingimos Lajeado Liso de São Roque. Foi aí que o sargento Higino e o cabo Malan foram atacados em uma emboscada preparada pelos rebeldes.

    “No dia seguinte [10], conseguimos descobrir o corpo do sargento, enterrado, nos fundos de um paiol, ao lado de um chiqueiro de porcos. Procedemos à exumação e vimos, horrorizados, o corpo mutilado a facão e quase nu.

    “O Batalhão se deslocou para o lugar denominado Campo Novo, hoje Quedas do Iguaçu, onde deveríamos permanecer por 3 longas semanas. Provavelmente, ficaríamos como guardas vigilantes do flanco esquerdo das tropas em operações ao longo do eixo da estrada a caminho a foz do Iguaçu”.

    mapa: O batalhão do sargento Floriano Miranda se fixou em Campo Novo (atual Quedas do Iguaçu) no fim de 1924
    O batalhão do sargento Floriano Miranda se fixou em Campo Novo (atual Quedas do Iguaçu) no fim de 1924

     

    Fonte: Fonte não encontrada

  • Tesouros: a loteria dos pioneiros

    Tesouros: a loteria dos pioneiros

    Todo fim de ano a Mega da Virada motiva sonhos de fabulosa riqueza, mas no passado a promessa de acerto na loteria estava em localizar supostos tesouros deixados por padres e tropeiros (https://x.gd/HWsct).

    Segundo velha lenda, os jesuítas, antes de fugir para o Sul, onde formariam suas famosas Missões, deixaram enterrados no Oeste paranaense fabulosos tesouros, moedas e pedras preciosas, em grandes panelas ou caldeirões.

    No livro “Na Trilha dos Pioneiros” (Gráfica Elza, 1995), Sebastião Francisco da Silva narra uma dessas lendas, segundo a qual três jesuítas, perseguidos pelos bandeirantes teriam enterraram um tesouro na região de Itaipu:

    “Já houve gente boa daqui que perdeu tudo em busca desse ouro, outros passaram noites cavoucando igual tatu e danificando propriedade alheia atrás disso. Principalmente, quando cai uma sexta-feira dia 13, não estranhe se amanhecer com o quintal de sua casa todo esburacado”.

    Acharam e foram embora

    Famílias que abandonaram a região no êxodo causado pela mecanização no campo e pelo desespero da Década Perdida (anos 1980) teriam achado tesouros ao destocar propriedades, mas nada mais se sabe a respeito além de uma base de canhão descoberta em Ubiratã. 

    A advogada Maria Antonia de Castilho, em crônica antológica, abordou memórias sobre tesouros baseadas na ideia de que o descobridor de riquezas desaparece de repente do lugar e vai usufruir a fortuna longe dali.

    No final da década de 1960, contou ela, havia na Rua Carlos Gomes, próximo ao viaduto da BR-277 (sentido centro), um enorme e belo pinheiro.

     “Estava lá, imponente. A rua humildemente o desviava. Bem em frente, morava um pobre carpinteiro, rodeado de generosa prole. O Ibama não existia e, se havia outro órgão controlador, não era atuante na região, só sei que referido homem e um ajudante derrubaram a bela araucária”.Deu-se que depois de aproveitar a madeira o destruidor do pinheiro foi embora da região sem explicações. “Comentou-se por bom tempo, que ele havia achado um pote com valioso tesouro junto ao pé do pinheiro”.

    Locais de tesouros guardados por fantasmas assustadores são os mais cobiçados. Dois cascavelenses, que Maria Antonia descreve como bravos homens, “sabedores de um lugar assim, resolveram ir encarar o fantasma e ficarem donos da fortuna”.

    Decidiram comprar um aparelho para detectar metais, com o qual pretendiam tapear o fantasma e localizar rapidamente o tesouro. “Assim, munidos de um bom lanche e do aparelho, foram para a região de Catanduvas localizar um rio onde uma enorme pedra dividia o curso das águas e marcava o lugar do tesouro”.

    Expulsos pelo fantasma do padre

    Prossegue a narrativa de Maria Antonia:

    Saíram bem cedo para fazer toda a operação durante o dia, pois sempre ouviram falar que fantasmas só aparecem à noite.

    Lá chegando, estacionaram o carro e se embrenharam no mato, percorrendo a margem do rio a procura da tal pedra.

    Caminha que caminha, começaram a perceber imenso silêncio, nenhum pio de passarinho, estranha sensação de estarem sozinhos no mundo.

    Logo a mata foi ficando num tom verde amarelado, os raios de sol também eram dessa cor e rajadas de vento surgiram simplesmente do nada, como antecedendo violento temporal.

    Um calafrio percorreu seus corpos e vacilantes prosseguiram.

    Nisto, num agito de ramagens, visualizaram a tal pedra.

    O coração disparou, os olhos quase saltaram das órbitas!

    Quem estava em pé sobre a pedra guardando o tesouro? Um padre! Estava com os braços cruzados e os olhava com severidade!

    Os dois caçadores de tesouro debandaram, tentando lembrar a direção onde estava o carro. – Cadê o aparelho compadre? – Não estava com você?

    Tesouros macabros

    De volta à cidade, os caçadores de tesouro esqueceram o assunto e agradeceram por conseguir voltar, mas na verdade nunca houve padres jesuítas na região de Catanduvas. 

    A povoação começou a se formar com a extensão do telégrafo, a partir de 1889. Ponto intermediário nas linhas telegráficas entre Guarapuava e Foz do Iguaçu, o lugar era conhecido como Barro Preto.

    Ali se instalaram inicialmente as famílias Lacerda, Krammer e Pureza. O impulso à formação do núcleo urbano, já com o nome de Catanduvas, deu-se em 1907, com a vinda da família Rodrigues da Cunha, ligada à família Pompeu (https://x.gd/Rahsk).

    Nessa região, com a agricultura mecanizada, foram encontrados ossos de soldados rebeldes enterrados a esmo ao tombar nos embates com as forças do general Cândido Rondon, em 1925. Os mortos governistas eram enterrados em cemitérios específicos.

    Reza a lenda do tesouro revolucionário que com a perseguição empreendida pelas numerosas forças governistas aos rebeldes vencidos em Catanduvas sua fuga ficou difícil pelo peso do material bélico já inútil. 

    “Assim, parte do armamento – metralhadoras, fuzis, lanças, espadas e munição – foram ocultos em lugar apropriado, fora das visitas do inimigo.

    Segundo a lenda, esse material foi sepultado em profunda caverna, sendo protegidas as armas que desde Catanduvas eram um peso morto” (Westmann, revista Mosaicos, 6).  

    O cacique empreendedor

    A caverna que seria o depósito do tesouro revolucionário, jamais localizada, ficaria no interior de Matelândia. Entre Cascavel e Santa Tereza havia um depósito de armas, munições e mantimentos estabelecido pelos soldados rebeldes, mas tudo foi incendiado em 1925, pondo fim ao lugar que poderia ter sido o início da cidade de Cascavel (Central Barthe).

    Pelo menos uma próspera cidade surgiu graças ao fabuloso tesouro dos jesuítas: Campo Mourão (https://x.gd/NzpvL). A crença na existência do dito tesouro foi alimentada pela esperteza do cacique Índio Bandeira.

    Sua taba de chefe de uma pequena tribo de indígenas Camés, na época chamados de Coroados, ficava entre os rios do Campo e o da Várzea.

    Por ali passava uma estradinha primitiva, supõe-se que um ramal do caminho do Peabiru, que seguia por Corumbataí do Sul até Fênix e pelo vale do Ivai/Piquiri afora, segundo o historiador Wille Bathke Jr.

    No trecho que cortava por frente o seu arranchamento o cacique enterrou dois grossos mourões de madeira de cerne da altura de uma pessoa, “um de cada lado do estreito trajeto e, dos viageiros que por ali passavam, cobrava pedágio em dinheiro ou espécie”.  

    Da ilusão à concretização 

    O local passou a ser ponto de referência e conhecido por Campo do Mourão. O nome da região se devia a Antônio José Botelho Mourão (1722–1798), o Morgado de Mateus, governador da Capitania de São Paulo que determinou a conquista dos campos inexplorados no interior do atual Paraná.

    Bandeira, que chegou a ser levado para uma entrevista com o imperador Pedro II, tornou-se uma espécie de herói da região, um raro nativo catequizado que absorveu os estratagemas dos brancos e os usava para seus interesses.

    Além de iniciar a cobrança de pedágio no interior paranaense, ao aplicar nos ambiciosos exploradores de origem europeia o “conto do tesouro dos jesuítas” passou à história como o desbravador dos Campos do Mourão, região entre as duas margens do Rio Piquiri e o Rio Paraná.

    A partir das informações do Índio Bandeira, Mendes Cordeiro vai procurar o “Campo do Abarrancamento” ou “Campinas Vitorianas”, de que os nativos diziam maravilhas. Era o início da exploração do Vale do Piquiri.

    Em breve, Mendes Cordeiro e seus sócios vão registrar ali a posse de 60 mil hectares como “Campos de Criar”, começando a desenhar no mapa a futura cidade de Campo Mourão. 

    O tesouro achado

    Em Missal, considerado território sagrado (a área pertencia à Cúria Diocesana do Paraná e por isso tem esse nome), a lenda corrente é que o tesouro antigo não pode ser revelado por ordem de “almas do outro mundo”. 

    Quando alguém de fora pergunta aos missalenses sobre tesouros, eles logo mudam de assunto, pois quem revelar o segredo perderá a chance de receber o mapa e o tesouro. 

    Lenda à parte, é um mistério que as terras de Missal tenham sido legalizadas em 1937, mas a colonização só começou de fato em 1964, pela Colonizadora Sipal. 

    Uma das comunidades mais jovens do Oeste, as estatísticas apontam que ali foi de fato achado um tesouro: Missal é o 186º município do Paraná em população, mas está entre os 35 maiores em valor bruto da produção.  

    Como no caso de Campo Mourão, não havia um tesouro jesuíta, mas terras consideradas entre as mais férteis do mundo, motivo da canção Terra Roxa (1962), de Teddy Vieira (https://x.gd/BRQy5).

    100 anos da revolução: A artilharia das chuvas 

    Em 28 de novembro a força legalista paranaense se punha em marcha na região do futuro Município de Quedas do Iguaçu, onde deveria permanecer por mais de uma semana vigiando o possível ataque dos revoltosos, enquanto alguns rebeldes aprisionados eram escoltados para Guarapuava.

    “A vida no acampamento permanece normal por muitos dias, a não serem as dificuldades do abastecimento de gêneros alimentícios em consequência das prolongadas chuvas dos últimos dias, que impediam a passagem dos cargueiros nos riachos transbordantes e caminhos alagados” (Relato de Antônio Monteiro da Silva).

    Em 30 de novembro os soldados legalistas estabeleceram próximo ao Rio Roncador um acampamento que iria perdurar até o fim das hostilidades.

    Permaneciam no local entre cinco e sete mil homens. “Possuíam naquele local 65 canhões, e um pinheiro tinha no seu tronco a seguinte inscrição codificada: Posição da 4. Bateria 5. Regimento do Roncador, de 30/11/1924 a 10/05/1925” (João Olivir Camargo, Nerje).

    Nessa mesma data, no Sul, o general Honório Lemes chegou a Uruguaiana, acompanhado de 550 cavaleiros gaúchos, agrupados em três corpos, em mais um lance preparatório para a futura Coluna Prestes.

    Na revolução, casamata camuflada, a “caverna” de armas e munições

     

    Fonte: Alceu Sperança

  • Achou um clube nos fundos de casa

    Achou um clube nos fundos de casa

    Saber as circunstâncias da vinda dos pioneiros facilita a compreensão dos historiadores e das novas gerações sobre a interação entre as experiências trazidas por eles dos locais de origem e as oportunidades existentes na nova terra. Os conhecimentos que traziam, combinados com a ampla disponibilidade de boas terras encontradas, produziriam a história futura.

    As memórias de Vitoldo Sobanski são bem representativas dessa adaptação. Chegando a Cascavel no dia de seu aniversário, em 9 de fevereiro de 1954, proveniente de Ponta Grossa, suas duas preocupações iniciais eram “se arranchar” (ajeitar a mobília na moradia) e organizar o equipamento da primeira oficina mecânica de Cascavel dotada de solda elétrica e torno.

    A moradia ficava no local de uma antiga estrebaria pertencente a Rafael Piccoli, perto do Posto Shell de Waldemar Bomm e do cinema de João Donin. A estrebaria era um símbolo do pioneirismo: os primeiros moradores de Cascavel montavam a cavalo e suas carroças precederam as viagens de caminhões e automóveis.

    A estrebaria era uma espécie de “estacionamento” para animais de montaria e transporte, local em que recebiam cuidados, alimentação e descansavam entre as jornadas. Com o transporte motorizado, a prestação de serviços por estrebarias desapareceu do espaço urbano.

    Quem foi Rafael Piccoli

    A vinda de Sobanski para montar uma oficina moderna para os padrões da época foi bem recebida pelos cascavelenses e sua lembrança resgata Rafael Piccoli, cuja história ficou desconhecida por conta de um descuido que a Prefeitura e a Câmara por vezes revelam ao homenagear pioneiros depois da morte.

    O nome Rafael Piccoli foi grafado erroneamente como “Picoli”, deslize aparentemente causado pela popularidade do vereador Luiz Picoli, amigo do prefeito Pedro Muffato, que em 1974 alterou o nome da antiga Rua André de Barros para “Rafael Picoli”.

    A rua, transversal à Avenida Brasil, é paralela às ruas Treze de Maio e Pedro Ivo, ligando as regiões do Lago e do Country Clube.

    O pioneiro Rafael Piccoli, ligado em Cascavel por parentesco à família Schapinski, nasceu em 15 de janeiro de 1905, em Muçum (RS), filho de Giovanni Piccoli e Giustina Mezzarobba detta Rangiot. Casado com Olivia Poletti, Piccoli morreu em 25 de novembro de 1973.

    Chegando numa terça-feira, a semana transcorreu atarefada para Sobanski e a esposa Nair França, a Nana. No primeiro sábado em Cascavel, 13 de fevereiro de 1954, terminavam de se ajeitar no novo lar quando ouviram música, vozes e animação vinda dos fundos da casa, para onde ainda não tinham ido.

    “Fui peruar para ver o que era, dei com o Tuiuti Esporte Clube, com músicos e diversos jovens, moços e moças, ensaiando músicas carnavalescas”, lembrou Sobanski. “Não resisti: entrei e me apresentei. Fui aceito na hora”.

    Começava ali, em clima de folia, seu longo e profundo envolvimento com os assuntos de Cascavel e região. Nascido em 1925 em Marechal Mallet (PR), Vitoldo já veio casado com Nair França, com quem teria seis filhas e um filho.

    Nessa época, o Tuiuti estava com apenas cinco anos de existência. Tinha uma sede precária construída entre 1952 e 1954 com materiais cedidos pelos associados sobre o terreno doado em 1949, na fundação do clube, por Maria Maceno.

    O clube era presidido com dificuldades por Itasyr Luchesa. Já estava construído, de forma geral, mas faltava ainda o acabamento: o prédio sequer contava com portas e janelas.

    O megatorneio de Rondon

    Luchesa optou por passar a presidência do Tuiuti a um jovem empolgado com o clube. Álvaro Valenti, catarinense de Campos Novos (SC), viera a Cascavel no ano anterior para se associar ao sogro, João Pagliosa, e ganhou a simpatia de todos.

    Casado com Norma Pagliosa, Valenti teve quatro filhos com ela. Jogava futebol e participava ativamente das atividades do clube. Vitoldo e Valenti deram sorte ao Tuiuti.

    Quando foi eleito o próximo presidente, Júlio Gomes Sobrinho, já em abril de 1954, o Tuiuti era um belo time de futebol e começava a trajetória de sucesso que o levou a ser conhecido como “Leão do Oeste”.

    O reconhecimento veio ao vencer um megatorneio realizado em duas etapas: primeiramente em Marechal Cândido Rondon e em seguida, dois meses depois, em Guaíra, cidade que também possuía uma fantástica equipe de futebol – o Clube 7 de Setembro.

    Marechal Cândido Rondon, neste ano, realizava a sua primeira exposição-feira agropecuária e para a festa esportiva paralela previa a participação de 30 equipes.

    Craques pagavam para jogar

    Por essa época, os jogadores só competiam por amor ao futebol. Não havia salários nem prêmios. Cada centavo obtido era direcionado às obras da sede do Tuiuti.

    “Quando das excursões futebolísticas se colocava ônibus à disposição da torcida, dirigentes, namoradas e noivas dos atletas, que pagavam passagem normal”, contou Vitoldo. “Os atletas pagavam 50%. Assim, a cota que se cobrava para jogar fora era recolhida ao clube integralmente”.

    Logo o próprio Vitoldo Sobanski foi eleito presidente do Tuiuti, para o biênio 1958/59. Sempre animado e alegre, fazia rir até nas dificuldades. Dentre as atividades que desenvolveu, tinha uma loja de representação das máquinas de costura Singer na Avenida Brasil, que se alagava em dias de chuvas prolongadas.

    Francisco Smarczewski, o Chico, lembrou que ao contrário de se amargurar frente ao obstáculo para os negócios, ele se postava em uma cadeira à margem da lagoa formada e divertia os transeuntes com caniço a anzol simulando uma descontraída pesca, para irritação do pessoal da Prefeitura. 

    Os líderes da época

    Em 1959, Vitoldo aceitou mais uma tarefa: secretariar a Associação Rural de Cascavel, que desde 1953, fundada por Tarquínio Joslin dos Santos, era uma espécie de precursora Acic (Associação Comercial e Industrial de Cascavel).

    Os colegas de Vitoldo na ARC eram o presidente Antônio Alves Massaneiro e o vice-presidente Hilário Zardo. O espírito associativo era muito forte na época e os líderes da comunidade sentiram também a necessidade de criar uma entidade cultural, com o apoio de Vitoldo Sobanski.

    O Clube Cultural Crotalus não durou muito, mas no futuro teria continuidade com a Academia Cascavelense de Letras e o Projeto Livrai-Nos! Nele, além de Sobanski, o tesoureiro, estavam Dimer Webber, Plínio Alano, Luiz Carlos Biazetto, Ivo Fagundes, Zé do Torno (José Smarczewski), Guido Girelli, José Bertoli e Teodocyro Furtado, entre outros.    

    Vitoldo Sobanski também figurou entre os 37 fundadores do Automóvel Clube de Cascavel, ao lado de líderes como Algacyr Biazetto, Remy Pagnoncelli, Zilmar Beux, José Juca Baldo, Valdeci Sartori, Adolpho Cortese, Nézio Cunha, Ciro Bucaneve, Luiz Cumella, Waldemar Bobato, João Baptista Cobbe, Deoclides Carpenedo, Gilberto Mayer, Nélson Menegatti, Valdir Farina e Pedro Muffato.

    Além da oficina pioneira e da loja de máquinas de costura, Sobanski foi corretor de imóveis e agente de seguros. Entretanto, na grave crise da ditadura dos anos 1980, a chamada Década Perdida, a empresa de seguros na qual Sobanski trabalhava fechou as portas em Cascavel. A agropecuária era asfixiada pelo governo e o comércio perdia clientes.

    Vida nova, mesma alegria

    A família, em meio a tantas outras que protagonizaram um grande êxodo no período, também sentiu a necessidade de migrar para outras regiões. Com sete filhos, o casal Vitoldo e Nana optou pelo retorno a Ponta Grossa.

    Embora já próximos dos 60 anos, ambos mantinham o espírito jovem e animado com que conquistaram Cascavel. Nair se dedicava ao artesanato da tradição hippie dos anos 1960, baseada na técnica “tie-dye” (amarrar e tingir), as meninas ajudavam e Vitoldo se encarregava do comércio das peças originais produzidas.

    Participando do circuito de eventos e feiras de artesanato pelo Paraná, a família concentrou as atividades no litoral, para onde a família optou por se transferir para participar de mais uma atividade associativa: a Associação Guaratubana de Artesãos.

    Nair morreu em 2004 e Vitoldo em 2009, aos 84 anos, mas as seis filhas do casal deram continuidade às atividades artesanais da família (https://x.gd/00iDS).

    100 anos da revolução: Começa o confronto direto

    Em 15 de novembro de 1924 os rebeldes haviam passado sem resistência pela estratégica vila de Catanduvas e se instalado em Belarmino, localidade que homenageava o marechal Belarmino Augusto de Mendonça Lobo, mas os oficiais governistas confiavam que as forças mobilizadas pelo general Cândido Rondon seriam suficientes para enfrentar a ousadia revolucionária.

    “Foram atacadas as tropas governistas na Serra do Medeiros. As informações de que os revolucionários dispunham, eram sobre a existência ali, somente de tropas de mercenárias do coronel Pais Leme. Entretanto, Rondon já havia reforçado a posição com metralhadoras, canhões de montanha e baterias” (Neill Macaulay, A Coluna Prestes).

    O governo repeliu ataques e devolveu a ofensiva com energia nas posições estabelecidas na Serra do Medeiros, cujo desfecho poderia ser o controle final sobre Catanduvas.

    Uma companhia da Polícia Militar do Paraná, aproximando-se das posições revolucionárias, iniciou lentamente a progressão pela picada telegráfica por volta das 7 horas da manhã do dia 15 de novembro.

    Foi quando se deu o contato com os rebeldes, escondidos no mato. As vanguardas fizeram os primeiros disparos. Depois, uma intensa troca de tiros de fuzis e metralhadoras produziu baixas dos dois lados.

    A força rebelde estava dividida em duas, com parte em Foz do Iguaçu e a outra entre os sertões do Médio-Oeste e do Sudoeste, distanciamento que favoreceu o governo.

    Marechal Belarmino Augusto de Mendonça Lobo

     

    Fonte: Alceu Sperança

  • Os mordedores de gorjetas

    Os mordedores de gorjetas

    Após as traições governamentais às promessas de Manoel Ribas, que chamou os posseiros a vir ao Paraná com a garantia de ter as terras registradas, e de Bento Munhoz da Rocha Neto, assegurando que iria proteger os direitos dos colonos, os jagunços levaram terror aos produtores sem que as autoridades paranaenses tomassem providências efetivas para assegurar o direito à propriedade. 

    O abandono e o desprezo às necessidades dos colonos causaram revoltas que não foram contempladas com soluções, mas revidadas com violência policial e liberdade de ação aos jagunços das colonizadoras particulares.

    No segundo governo de Moysés Lupion (1956–1961) já não havia mais distinção entre os jagunços responsáveis por grilagens de terras e a ação repressora da polícia.

    O Paraná se transformou descaradamente em Estado-jagunço em junho de 1958, quando a Polícia, partindo de Cascavel, cercou a cidade de Palotina, arbitrariedade desfeita pela intervenção do Exército. 

    Depois houve uma operação para promover o esquecimento. Muitos responsáveis por situações criminosas viraram nomes de ruas, escolas e praças. 

    Colonos atraídos e traídos 

    Faz parte da operação de esquecimento a lenda sobre a presença dos posseiros ter sido “espontânea”, expondo os colonos revoltados como invasores que ocupavam a terra sem direito. 

    Na verdade, os posseiros reocuparam o Oeste. A região havia sido primeiramente área de domínio dos jesuítas espanhóis e até o início do século XX estava entregue ao controle das obrages anglo-argentinas dos portos do Rio Paraná. 

    Chamados a reocupar a terra, os posseiros vieram e trabalharam nela, mas a exaltação do progresso trazido pelos vencedores dos conflitos agrários dos anos 1950 se tornou, por sua visibilidade, a verdade para quem se limita a consultar dados oficiais e ouvir as histórias de quem venceu.

    Os colonos foram atraídos pelas sociedades de imigração, pela propaganda das colonizadoras e promessas governamentais de posse assegurada, mas foram traídos pela roubalheira de terras montada por empresas, governo, jagunços e burocratas. 

    Por ausência, vítimas de chacinas e crimes encomendados jamais poderão dar sua versão. Uma luz forte sobre a distorção dos fatos, porém, foi dada pelo historiador Maurílio Rompatto ao salientar o esquecimento provocado por interesses governamentais e particulares.

    Seu livro “Piquiri O Vale Esquecido”, recupera a história e a memória da luta pelas terras do “grilo Santa Cruz” especificamente na colonização de Nova Aurora.

    Depoimentos vivos

    Cotejando dados oficiais com histórias de quem sobreviveu, o historiador teve duas vantagens sobre outros acadêmicos que abordam a história do Oeste paranaense: primeira, ele nasceu na própria região, em Formosa do Oeste, e conseguiu localizar pessoas que viveram na pele as glórias e tragédias da colonização. 

    “Só o título garantia a propriedade sobre a posse da terra, instrumento legal que poderia proteger o posseiro da grilagem. Os funcionários da Inspetoria [de terras] tinham mais interesse pelo negócio da terra do que pelo trabalho agrícola. Muitas vezes recepcionavam os documentos de titulação solicitados e tão esperados pelos posseiros e os vendiam a grileiros ou a especuladores imobiliários”. 

    Depois de obter os títulos, escreveu Rompatto, “os grileiros ainda recebiam o auxílio da força pública para expulsar os posseiros das terras ou eles mesmos faziam o serviço valendo-se de força particular composta por jagunços. Dificultando e/ou confundindo burocraticamente o posseiro, a Inspetoria, às vezes, forjava documentos e títulos de propriedades para se vender diversas vezes a mesma terra”.

    Depois de muito insistir para obter o reconhecimento legal de suas terras, os colonos começaram a entender o mecanismo da grilagem: as colonizadoras “influenciaram os funcionários da 9ª Inspetoria de Terras e Colonização de Cascavel, encarregada da titulação, para que dificultassem ao máximo o processo de regularização”.

    Zezinho da Inspetoria sob pressão 

    Ironicamente, a Inspetoria de Terras, criada em dezembro de 1952 com ampla jurisdição, compreendendo os municípios de Cascavel, Guaíra, Foz do Iguaçu, Toledo, Guaraniaçu e Laranjeiras do Sul, tinha exatamente o objetivo de agilizar os registros de imóveis rurais: “Processar as legitimações de posse requeridas na forma legal, para efeito da expedição do competente título de domínio aos posseiros”. 

    Clemente Esser conheceu bem esse mecanismo. Tentando o registro de suas propriedades, partiu de Nova Aurora oito vezes em direção a Cascavel para requerer a documentação, sem sucesso. Sentindo-se enganado, em uma das viagens comentou a situação com “um jagunço da Inspetoria de Terra, um de chapéu preto, bem barrigudão, com revólver na cinta”. 

    “Olha, eu vou te dar uma dica”, sugeriu o jagunço. “Tem que fazer que nem nós; quando nós queremos um lote de terra e o inspetor não quer dar, a gente chega até ele e diz: ou você dá se não nós te mata! E se não fizer uma proposta brava dessa aí, vão te passar pra trás!”

    Esser não chegou a dizer explicitamente que ameaçou o inspetor José de Oliveira, conhecido como Zezinho da Inspetoria, mas declarou que seguiu a orientação dada pelo jagunço de pressioná-lo, deixando claro que não aceitaria mais demora: “Aí ele acertou tudo. Mas se não fosse aquela dica ali, eu acho que eu tinha ficado sem nada!”

    A chave necessária

    O inspetor José de Oliveira construiu uma biografia respeitada em Cascavel. Paulista de Bernardino de Campos, nascido em 1927, Zezinho da Inspetoria veio para Cascavel em 1956, estabelecendo-se como empresário agropecuarista e se elegendo vereador em cinco pleitos eleitorais consecutivos, cumprindo 22 anos de mandato, período em que foi secretário e presidente da Câmara Municipal.

    Para os colonos, desde muito antes da presença de Oliveira à frente da 9ª Inspetoria, não bastava ter o direito de registrar a própria terra nem perder horas de trabalho correndo a Cascavel em busca da solução, pois os burocratas preferiam segurar a documentação indefinidamente até que fosse utilizada a chave necessária para destravar o registro: a propina. 

    Após idas e vindas infrutíferas, os colonos cansados de tanto perder tempo esperando caíam nas garras dos “mordedores de gorjetas”, expressão utilizada pelo agricultor Clemente Dariva.

    Pelo depoimento de Dariva, havia títulos de propriedade que deveriam ser concedidos aos posseiros, mas eram dados “aos jagunços da Inspetoria e das Companhias […] ou muitas vezes vendiam pra outros”. 

    “Aquele que estava na terra, mesmo tendo a licença de roça, não era dono definitivo da propriedade porque não tinha título de propriedade. Muitos tinham licença, requerimento de título de propriedade, porque já tinha formado lavoura e tudo, perdia para outro porque os títulos eram desviados lá em Cascavel”.

    A aurora da verdade

    Mesmo com a posse da terra, licença de roça e requerimento de título de propriedade, para ter o título definitivo o colono tinha que “dar gorjeta para funcionário da Inspetoria, pagar pra ter a terra, que muitas vezes já tinha pago por ela no ato do requerimento”, afirmou Dariva. 

    “Isso quando o título não custava duas ou três vezes o valor da terra. Ficava mais caro o documento do que a terra. Mas fazer o quê? O posseiro precisava do título pra mais tarde não ser despejado por quem viesse a tê-lo”.

    Nova Aurora foi o nome dado à vila, cidade e depois Município pelo padre Luiz Bernardes, da paróquia de Corbélia. Antes, o lugar era conhecido como Encruzilhada Tapejara, que no idioma indígena significa “Senhor dos Caminhos”.  

    Por décadas o nome otimista de Nova Aurora foi turvado pelas angústias dos posseiros derivadas do grilo Santa Cruz, grande desvio de terras que causou infelicidade e mortes na região (https://x.gd/wZHYp).

    Nova Aurora começou a se formar na década de 1940, mas seu brasão limita a história do lugar aos anos de 1967 e 1968. Só a apuração dos fatos sem retoques suavizadores sobre os problemas agrários pode desmontar a falsa história dos posseiros como invasores.

    Em geral ocorreu o contrário: a grilagem de terras se deu expulsando os verdadeiros donos. Nesse sentido, a contribuição do pesquisador Maurílio Rompatto é inestimável. 

    100 anos da revolução: A tese do branqueamento

    Às vésperas da revolução, em 28 de junho de 1924, o deputado mineiro Fidélis Reis defendeu enfaticamente uma tese que sempre teve curso em parte da elite nacional: o “branqueamento da raça”.

    Retomava a ideia dos deputados Andrade Bezerra e Cincinato Braga, que desde 1921 queriam proibir “a imigração de indivíduos humanos das raças de cor preta”, sob pena de expulsão do país, a menos que tivessem dinheiro para se manter no país até ir embora.

    Fidélis Reis, em 1924, não só retomava a proposta de “branquear” o Brasil como também rejeitava a vinda de imigrantes japoneses e chineses. Em setembro do ano anterior um terremoto no Japão matou mais de cem mil pessoas. A China tinha farta mão de obra, mas era ainda um país pobre, longe de ser a atual potência emergente. 

    Interessava à agricultura brasileira atrair de lá famílias úteis para o desenvolvimento rural do país, mas os projetos racistas criavam dificuldades, até ser barrados pela Constituição. Os imigrantes de várias origens conseguiram vir e contribuíram de forma destacada para o desenvolvimento do agro brasileiro.

    Nilo Peçanha: presidente era negro, mas tinha fotografias branqueadas

     

    Fonte: Alceu Sperança

  • A grande “História do Oeste”. Muita confusão sobre datas históricas

    A grande “História do Oeste”. Muita confusão sobre datas históricas

    Segundo as anotações do então secretário municipal da Prefeitura de Cascavel, Celso Formighieri Sperança, encarregado pelo prefeito José Neves Formighieri de fazer sua articulação com a Câmara, em 11 de agosto de 1953 foi sancionada a lei 36/53, considerando feriado o dia da criação do Município, 14 de novembro de 1951. A lei, entretanto, não faz parte do acervo documental da Prefeitura por uma triste razão: o incêndio sofrido pela Prefeitura em 12 de dezembro de 1960.

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    Ainda de acordo com o registro particular de Sperança, o projeto de lei havia sido apresentado na Câmara pelo vereador Helberto Schwarz. Embora o prefeito preferisse que o feriado de aniversário do Municípiofosse 14 de dezembro, data da posse do primeiro prefeito e dos primeiros vereadores, quando o Município começou a existir de fato, a Câmara aprovou e o prefeito sancionou a lei. Celso Sperança, entre o fogo e o prefeito.

    A lei queimada em 1960 por um incêndio que a Justiça considerou de origem criminosa, dois dias antes da posse do terceiro prefeito eleito, Octacílio Mion, originou-se de uma proposta do vereador Helberto Schwarz na primeira legislatura.

    Uma turba tentou linchar o prefeito Schwarz atribuindo-lhe a responsabilidade pelo incêndio da Prefeitura. O Estado mandou seu principal delegado para apurar o caso, Lycio Bley Vieira, chefe da Delegacia de Ordem Política e Social do Paraná.

    Ele apurou que naquele dia Helberto Schwarz deixou na Prefeitura o contador da Prefeitura, Celso Formighieri Sperança, secretário da Educação na gestão de José Neves Formighieri, encarregado de fechar as contas do Município para entregá-las ao prefeito eleito, Octacílio Mion, no dia 14 de dezembro.

    O novo prefeito era casado com a cartorária Carolina Formighieri Mion, irmã de Neves Formighieri e prima de Celso. Assim que os criminosos viram Celso deixando a Prefeitura para se dirigir à residência de Florêncio Galafassi, sogro de Schwarz, onde o prefeito o esperava, os suspeitos de praticar ou mandar incendiar a Prefeitura trataram de executar o crime.

    Corrida ao aeroporto

    Quando Celso alcançou Schwarz para lhe entregar os papéis para assinar, as labaredas já iluminavam a noite do dia 12 de dezembro.

    Pouco depois algumas pessoas chegaram aos gritos avisando que a Prefeitura estava em chamas e um grupo de irados oposicionistas estava em marcha com a intenção de linchar o prefeito.

    Celso Sperança recebeu o grupo e avisou que Neves havia partido para Curitiba, depois de deixar o relatório e os documentos finais de sua gestão devidamente assinados para entregar ao novo prefeito. Quem correu ao aeroporto para tentar impedir a decolagem chegou tarde. O prefeito Helberto Schwarz já estava a caminho de Curitiba.

    Até chegar a esse momento infeliz de sua vida, Helberto Schwarz só havia acumulado sucessos. Descendente de imigrantes, nascido em Campo Vicente (Taquara, RS), em 2 de julho de 1918, Helberto veio para Cascavel em 20 de maio de 1949 para se unir ao sogro Florêncio Galafassi na administração da Industrial Madeireira do Paraná (Imapar).

    Apesar da tragédia, gestão de sucesso Casado com Inês Matilde Galafassi, Schwarz teve com ela quatro filhos que também se destacaram na comunidade cascavelense: Sérgio Clóvis, Sauro Cláudio, Carlos Alberto e Maria Emília.

    Fundador e presidente do Tuiuti Esporte Clube, Schwarz participou ativamente do processo de criação do Município e concorreu no pleito de 1952 à vereança, sendo o segundo mais votado, com 69 votos. Tornou-se o mais produtivo vereador da primeira Legislatura. Seus projetos eram idealizados por ele e recebiam forma pelas mãos de Celso Formighieri Sperança, a exemplo de outros vereadores, sempre em articulação com o prefeito José Neves Formighieri.

    Como prefeito, Helberto sancionou projeto de Valdir Farina para denominar o prédio da Prefeitura de “Paço Municipal José Silvério de Oliveira”, homenagem ao pioneiro Tio Jeca. Sua atuação intensa na Câmara Municipal lhe valeu a indicação para candidatar-se à Prefeitura a chamado do governador Moysés Lupion.

    Eleito em 1956, com 1.533 votos, Schwarz organizou o primeiro mapa do Município, construiu a Praça Getúlio Vargas e abriu a pedreira municipal, fator de impulso às obras municipais.

    Delegado especial no escuro

    Helberto iniciou a primeira usina hidrelétrica de Cascavel, no Rio Melissa, e desenvolveu projetos de abastecimento de água e telefonia. Ao final do mandato, a tragédia: a Prefeitura destruída por um incêndio. O fato criou um clima de rancores e acusações a culpados e inocentes.

    Depois de escapar da intolerância dos cidadãos mais esquentados, a família se transferiu inicialmente para Curitiba e em seguida a Brasília, retornando a Cascavel depois que não ficou demonstrada qualquerparticipação ou interesse pessoal dele no incêndio da Prefeitura.

    Além do prefeito, foram acusados por mando ou autoria do crime o secretário Eduardo Dellatorre e os ex-vereadores Valdir Farina, Raul Ramos e Nélson Cunha pelo delegado titular da Dops, Lycio Bley Vieira,que estabeleceu seu QG no Hospital Nossa Senhora da Salete porque a Delegacia de Polícia não tinha luz.

    No entanto, não foi possível coletar provas contra nenhum deles. Os indícios fortes de interesse no incêndio contra o secretário Dellatorre, apresentados pelo vereador Roberto Paiva e destacados pelo jornal Diário do Oeste, não foram considerados pela Justiça.

    Queimou as próprias leis?

    Se fosse provada a culpa de Helberto no incêndio da Prefeitura ele teria queimado as leis que ele mesmo propôs quando foi vereador, na primeira legislatura.

    Além da lei 36, que instituía 14 de novembro como feriado municipal, Helberto havia proposto no calor da emoção pela morte então recente do vereador Donato Matheus Antônio, a aprovação da lei 35, que deu nome a uma rua com o nome do seu colega, tombado em duelo no interior com um desafeto cujos animais pisoteavam suas plantações.

    A rua central de Cascavel em homenagem ao vereador desapareceu, renomeada porque a lei queimou. Algumas leis foram recuperadas com ementas ou textos incompletos e sem comprovação oficial. Até hoje ainda não há uma rua com o nome do vereador assassinado no exercício do cargo.

    Sobreviveu ao incêndio a lei 41/54, proposta de Helberto que isentava de taxas e impostos de competência do Município, pelo espaço de 5 anos, as indústrias se instalassem no Município no decorrer de 1954.No entanto, outras leis de Schwarz não resistiram às chamas, como a 51/54, que doava Associação Rural de Cascavel o lote 3 da quadra 54, a lei 55, sugerindo recursos para a construção da ponte sobre o Rio Cascavel, efetivamente construída, a lei 56, para a construção de uma escola em Rio do Salto, e a 59/54, para auxílio financeiro à Capela de Rio do Salto. Das leis 57, de 60 a 64 e de 66 a 73 não sobrou sequer uma remota pista.

    Novas leis realimentaram a polêmica

    Durante vários anos, cada prefeito comemorava o aniversário da cidade de acordo com sua própria interpretação. Alguns se basearam nas anotações de Celso Sperança sobre a iniciativa de Schwarz propondo 14 de novembro.

    Outros preferiam o dia 14 de dezembro, data da instalação do Município, evitando colar um feriado municipal com um nacional – 15 de novembro é uma das datas mais importantes da Nação, evocando a Proclamação da República.

    Para suprir o vácuo da lei queimada, em 5 de junho 1986 o vereador Aldo Parzianello conseguiu transformar na lei 1.875 seu projeto instituindo 14 de dezembro como o feriado municipal de aniversário do Município de Cascavel.

    O trâmite da proposta foi conturbado e o prefeito Fidelcino Tolentino se recusou a sancionar a lei. Aprovado pela maioria da Câmara, o presidente José Claudio Cavalcanti foi obrigado a promulgar a lei, revogada em 2010, quando houve a recomposição da lei original de Schwarz.

    Parzianello foi um dos primeiros vereadores de Cascavel a ter projeção estadual: em 2003 foi nomeado pelo governador Roberto Requião para chefiar a Secretaria de Estado da Justiça e da Cidadania.Em 2023, o vereador Celso Dalmolin tentou resgatar a data de 14 de dezembro, sem sucesso. É a data de aniversário da Câmara, mas os vereadores não cogitaram sua oficialização.

    100 anos da revolução: O panfletário Banco do Brasil

    Mais que qualquer manifesto anarquista ou de rebeldia militar, o Relatório do Banco do Brasil de 26 de abril de 1924 expôs o país em frangalhos ao assinalar que 1923 foi “o ano cambial mais terrível de nossahistória”.

    “As fortes oscilações cambiais são um mal muitíssimo mais nocivo do que em geral se pensa”, afirmava, referindo-se a elementos perturbadores do balanço de pagamentos, responsáveis por um déficit muito maior do que o superávit comercial: serviço da dívida externa, remessa de juros e lucros de capitais estrangeiros, especulação, remessas pessoais, contrabando – além da agitação política e da desconfiança da população.

    Por essa época, estava no Brasil a Missão Montagu, à qual o governo entregou a tarefa de achar as soluções. Faziam parte do grupo, além do influente administrador Edwin Montagu, Charles S. Addis, diretor do Banco da Inglaterra, e o investidor Lorde Lovat, cujo nome está ligado à colonização do Norte do Paraná.

    As recomendações da Missão foram polêmicas e causaram muita revolta: aumento dos impostos, corte rigoroso da despesa, demissões e redução dos investimentos públicos.

     Edwin Montagu: as soluções que o administrador britânico apresentou para salvar o Brasil causaram revolta

    Fonte: Alceu Sperança

  • A maldição do cemitério

    A maldição do cemitério

    Passando a ter autonomia em dezembro de 1952, os municípios de Cascavel e Toledo tiveram suas próprias leis em março de 1953. As primeiras foram exigências impostas aos novos municípios: adotar uma legislação tributária, adaptando as normas já vigentes para o Município do qual faziam parte – Foz do Iguaçu –, a composição dos órgãos da administração local e criação do quadro próprio do pessoal fixo da Prefeitura.

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    Coincidentemente, o primeiro problema que entrou em debate nos dois municípios foi a precariedade dos cemitérios. Em junho de 1953 o prefeito em exercício de Toledo, vereador Guerino Viccari, recebeu da colonizadora Maripá uma área para a formação do cemitério municipal.

    O terreno recebia sepultamentos desde 1949, com a morte do pioneiro José Drago. Antes os corpos eram enterrados nos arredores da vila.

    Com a urbanização e as obras que a caracterizam, exigindo escavações, houve casos de ossos humanos aparecendo, inclusive as peças mais assustadoras da caveira: os crânios.

    A população toledana, entretanto, jamais associou o Cemitério Cristo Rei a maldições capazes de arruinar a vida das autoridades locais. Em Cascavel foi diferente. Em 3 de agosto de 1953, quando o prefeito José Neves Formighieri determinou o fechamento do cemitério distrital, que bloqueava o caminho para o Patrimônio Novo, fatos estranhos passaram a acontecer, transcorrendo pelas décadas futuras.

    “Não sou supersticioso, mas depois desse trabalho aconteceram alguns fatos desagradáveis comigo, com o [prefeito] Neves e outros envolvidos”, contou Mário Thomasi (1928–1996). Um dos primeiros servidores municipais, ele foi o encarregado de fechar o antigo cemitério distrital e abrir um novo campo santo, na futura Avenida Carlos Gomes.

    Temor ao sobrenatural 

    Thomasi não conseguiu completar a tarefa, mas depois nem tudo foi dificuldade. Teve sucesso como dirigente do Tuiuti Esporte Clube, que sob seu comando se recuperou de complicados problemas financeiros e estruturais. 

    Um dos primeiros astros do automobilismo cascavelense, chegou a ser delegado de polícia e vereador na década de 1950. No entanto, também sofreu uma série de infortúnios, que atribuiu a mexer com as ossadas do cemitério.

    Quando o Município surgiu, em 1952, a cidade começou a crescer para o lado do Patrimônio Novo e o velho cemitério, encravado entre os patrimônios Velho e Novo, na altura da esquina das atuais ruas Rio Grande do Sul e Voluntários da Pátria, tornou-se um entrave ao desenvolvimento urbano.

    Em agosto de 1953 o prefeito José Neves Formighieri (1916–2002) se viu obrigado a determinar o fechamento. Thomasi acreditava que foi essa a razão de Neves nunca mais ter conseguido voltar a ser candidato a prefeito ou a deputado, pois uma urucubaca se abateu sobre sua carreira política. Depois de preso e torturado pela ditadura, Neves abandonou de vez a política.

    Por medo, os servidores da Prefeitura não queriam, em hipótese alguma, trabalhar na remoção do velho cemitério. O tratorista, mesmo habituado a trabalhar à noite, apavorou-se com a perspectiva de aparecerem fantasmas.

    Foi assim que Mário Thomasi, primo do prefeito e diretor do Serviço Rodoviário do Município, viu-se deslocado para a tarefa. Não pôde recusar, mas se arrependeu, atribuindo as dificuldades pessoais e políticas de quem lidou com cemitérios a uma espécie de “maldição” por perturbar os mortos.

    Desastres políticos 

    No velho cemitério estavam enterrados os verdadeiros pioneiros de Cascavel, posseiros assassinados pelos jagunços e também jagunços mortos em emboscadas de represália armadas pelos posseiros, gente que, segundo a crença popular, não conseguiu morrer em paz. Neves Formighieri condenou a área e decidiu fazer a remoção dos corpos, mas como ninguém mais morreu, a área do novo cemitério ficou sem inauguração, como na comédia O Bem Amado, de Dias Gomes. 

    Cidade com população muito jovem, ambiente saudável e doentes graves transportados a centros com melhor estrutura médica, o novo cemitério só foi inaugurado, na rua Carlos Gomes, em plena mata, pelo prefeito seguinte – Helberto Schwarz.

    Vereador na gestão anterior, Helberto havia aprovado a lei do novo cemitério e precisava cumpri-la, mas os novos vereadores não gostavam da ideia de abrir o novo cemitério na Rua Carlos Gomes, então era um enorme matagal, longe do centro urbano, a caminho para o Cascavel Velho.

    Na década de 1960, já esgotado o prazo para a transferência dos corpos ao novo cemitério, o Departamento Autônomo de Águas e Esgotos da Prefeitura (hoje, Sanepar) começou a abrir valetas para a canalização de água e na altura do futuro Moinho Corbélia, construído na quadra do velho cemitério, foram encontrados ossos humanos. Alguns moleques foram advertidos por jogar futebol com um crânio.

    O Moinho Corbélia também historiou um destino inglório: sofreu incêndio, a estrutura ficou comprometida e esteve no centro de uma longa batalha judicial. 

    Azares confirmam medos

    Mário Thomasi tinha um brilhante futuro pela frente, sendo um dos principais líderes da comunidade, mas se viu obrigado a ir embora de Cascavel a contragosto, levando-o a crer na imaginária maldição. “Acho que esse negócio de mexer com cemitério não é bom”, disse.Como para confirmar o temor de Thomasi, depois de fazer a transferência do cemitério do centro da cidade para a Rua Carlos Gomes o prefeito Helberto Schwarz teve a Prefeitura criminosamente incendiada em seu último dia de administração.

    Por um triz Schwarz não foi linchado e mesmo tendo escapado espetacularmente, via aérea, jamais conseguiu retomar sua até então bem-sucedida carreira política. 

    Três vereadores signatários de projetos que redundariam na criação da Administração dos Cemitérios e Serviços Funerários (Acesc), em 1989, enfrentaram problemas das mais diversas origens, em suas vidas pessoais e na carreira política. 

    “Escolhas determinam o futuro”

    Hostílio Lustosa, que foi vereador, secretário municipal e vice-prefeito, depois de apresentar projeto referente aos cemitérios jamais voltou a se destacar na cena principal do mundo político local. Segundo ele, apenas fez escolhas de acordo com a conjuntura política. Sempre foi vitorioso e não se deixava perturbar por tais histórias.

    O vereador Reinaldo Rodrigues, que também demonstrou preocupação com os serviços funerários – foi o primeiro a propor o sistema de gavetas para o cemitério –, elegeu-se apenas uma vez, em 1992. 

    Quando concorreu à reeleição, em 1996, obteve menos da metade dos votos recebidos quando se elegeu, fato que se deveu a problemas internos do PMDB, mas a “maldição” levou a culpa. 

    A maldição do cemitério teria alcançado com maior força o ex-vereador Celso Demoliner. Autor do projeto que criou a Acesc, ele foi o justamente o primeiro administrador da autarquia, mas sua carreira política se arruinou e chegou a enfrentar sérios problemas com a Justiça.

    Se a maldição fosse real, seria maior

    O ex-prefeito Fidelcino Tolentino pareceu ter superado a “maldição”, pois em sua primeira administração (1987) criou o cemitério do Jardim Guarujá e isso não o impediu de se eleger para a Prefeitura em 1992, embora depois disso sua carreira política também tenha sofrido reveses. Os ex-prefeitos Salazar Barreiros e Edgar Bueno fizeram várias melhorias em cemitérios da cidade e dos distritos e só gente muito impressionável pode acreditar que as derrotas sofridas por eles respectivamente nas eleições legislativa de 2002 e municipal de 2004 tenha algo a ver com espíritos perturbados.

    Para o cabeleireiro Sebastião Bastroco Miranda, se houvesse maldição ela afetaria mais gente. Várias partes da cidade serviram eventualmente de túmulos clandestinos para jagunços que executavam “serviços” de matança de posseiros. 

    “Os caras encomendavam e os jagunços matavam mesmo”, contou Bastroco. “Aqui em Cascavel tem gente com mansão de uma quadra que não sabe que está morando em cima de um cemitério. E fica bem aqui no centro da cidade. Se cavar um pouquinho, vai tirar caveira debaixo da terra”.

     

    100 anos da revolução: A milícia dos ervais 

    Por que soldados chegando de longe, com fardas esfarrapadas, barbudos e armados, recebiam apoio popular ao ocupar o Oeste do Paraná? A explicação está nas condições de miséria do povo. Os rebeldes prometiam que a revolução traria um tratamento melhor a todos e educação para as crianças.

    As comissiones eram grupos paramilitares mantidos pelos latifundiários estrangeiros no Oeste paranaense. Seu papel era punir quem se recusasse ao regime de quase escravidão vigente.

    Com o Estado ausente, formavam a polícia do sertão. Sádicos, eram “criaturas desumanas, cruéis, sedentas de sangue […] feras fiéis no cumprimento da incumbência desapiedada” (Hélio Serejo, Vida de erval).

    A milicia ervateira semeava o terror. “Surras terríveis, castigos dolorosos e, não raro, a morte. […] A população apresenta um ar de submissão e tristeza confrangentes. A situação servil a que estão condenados lança-os numa espécie de apatia moral” (João de Talma, Das Fornalhas de Nabucodonosor).

    Os revolucionários de 1924, portanto, abriram os olhos da nação para o sofrimento que era trabalhar no interior do Paraná.

    Caption

     

     

     

    Fonte: Alceu Sperança

  • O misterioso sumiço do padre

    O misterioso sumiço do padre

    Em 8 de março de 1953, dez meses depois de chegar a Cascavel, o pároco Luiz Luíse pediu ao padre Francisco Schlüter que atendesse a Paróquia de Nossa Senhora Aparecida em sua ausência. Com as malas feitas, Luíse viajou imediatamente, deixando para trás interrogações que só seriam respondidas quase trinta anos depois.

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    O mistério do desaparecimento do padre Luíse aparentemente durou pouco, já que alguns dias depois pessoas procedentes de Erechim (RS) informaram que o religioso foi visto por lá, ativamente empenhado em convencer as autoridades gaúchas a aceitar seus planos, aperfeiçoados durante a permanência em Cascavel.

    No entanto, ele jamais informou por que foi embora, já que era amado pela população cascavelense. No vácuo entre a criação do Município e a posse do prefeito José Neves Formighieri, padre Luiz Luíse foi um prefeito em regra, mobilizando a comunidade em conquistas históricas: apoiou a Prefeitura na venda de terrenos do Patrimônio Novo e com o médico Wilson Joffre trouxe a aviação comercial para a região. Ao deixar Cascavel em 1953 para retornar ao Sul, Luíse estava com 40 anos e já definitivamente inscrito na história local, sem imaginar que sua importância tanto para o Norte gaúcho quanto para o Médio-Oeste do Paraná viria de feitos ainda mais espetaculares no futuro.

    Vocação para o progresso 

     Nascido em Martellago (Veneza, Itália) em 2 de maio de 1913, esse filho de agricultores foi levado aos 14 anos para o Seminário de Pederoba, em 1927. Durante os estudos, definiu-se pela vida religiosa, recebendo o diaconato em 16 de março de 1938, em Turim, onde foi ordenado padre em junho do mesmo ano.

    Permaneceu ainda alguns anos em missões pastorais na terra natal antes de ser enviado para atender às regiões pioneiras colonizadas por imigrantes do Norte italiano e seus descendentes no Brasil.

    Luíse chega a São Paulo em 1º de dezembro de 1946, iniciando tarefas pastorais no ano seguinte na Paróquia Aparecida, na cidade paulista de São Manoel.

    Em 1949, transferido de São Paulo para o Norte do Rio Grande do Sul, passou a oferecer assistência religiosa à comunidade de Erechim, mas em breve ele viria para o Oeste, onde começou a fazer história.

    A família Biazus, que colonizava Matelândia, era procedente de Erechim e pediu ao padre Domingos Fiorina, superior geral dos padres missionários de Nossa Senhora Consoladora, que enviasse um padre para assistir espiritualmente aos colonos no Paraná. 

    Estavam longe de saber que prestavam um inestimável auxílio, na verdade, a Cascavel. No início de 1952, Fiorina efetivamente enviou o padre Luiz Luíse para que fosse conhecer Matelândia e em seguida se apresentar ao prelado de Laranjeiras do Sul, d. Manoel Könner.

    “Dom Manoel aceitou a presença do missionário de Nossa Senhora Consoladora na sua prelazia, mas determinou que padre Luiz fosse trabalhar em Cascavel, atendendo a insistentes pedidos da comunidade local. No dia 4 de maio padre Luiz Luíse chegava pela segunda vez a Foz do Iguaçu, onde o aguardava Florêncio Galafassi. O diretor da Industrial Madeireira conduziu o religioso a Cascavel, hospedando-o em sua residência” (Alceu A. Sperança, Cascavel, A História).

    A conquista do aeroporto

    Em Cascavel foi então construída a nova igreja, a casa do pastor e em 10 de junho de 1952 era criada por padre Luíse a Paróquia de Nossa Senhora Aparecida. Entre maio de 1952 e a posse do prefeito José Neves Formighieri, em dezembro, padre Luiz assumiu por sua própria conta a liderança política da comunidade.

    Em setembro de 1952, após um acidente com vários feridos em uma perseguição policial, ele e o médico Wilson Joffre decidiram trazer a aviação comercial para Cascavel (https://x.gd/CGkYy).

    Depois de muitas tratativas para desembaraçar o tráfego aéreo, em janeiro de 1953 a empresa Real Aerovias, agenciada pelo futuro deputado federal Lyrio Bertoli, decidiu servir Cascavel com quatro voos por semana, ligando Cascavel a São Paulo, Curitiba, Londrina, Maringá, Campo Mourão, Ponta Grossa, Palmas, Vacaria (RS) e Porto Alegre.

    Partindo para Erechim em março de 1953, desta vez permaneceria no Norte gaúcho por uma década. Lá, criou o Patronato São José, que acolhia órfãos e os profissionalizava em atividades agropecuárias.

    Educar para maior renda

    No Patronato, Luíse começou a pensar que não bastava transformar órfãos em profissionais do campo se os agricultores eram explorados quase como escravos. 

    A ideia do cooperativismo começou a fermentar em seu espírito ao ser eleito presidente da Associação Agropecuária de Erechim, na qual se aprofundou em estudar as dificuldades dos pequenos agricultores.

    Já com a experiência de obter o tráfego aéreo para Cascavel, padre Luiz Luíse tentou o mesmo para Erechim. Lá, entretanto, a tarefa lhe tomou quatro anos por conta das crônicas adversidades das empresas aéreas brasileiras. Como resultado desse esforço, padre Luíse ligou o Norte gaúcho com o Oeste do Paraná e Porto Alegre.

    O retorno de Luiz Luíse a Cascavel se deu em 1º de junho de 1963. Embora recebido com grandes efusões de apreço e saudade, desta vez seu destino era reger a Paróquia do Distrito de Cafelândia d’Oeste.

    A primeira cooperativa do Médio-Oeste

    Luíse voltou com muitas ideias e um acúmulo importante de experiências, sabendo que teria uma intensa luta para salvar os agricultores da exploração dos atravessadores, reunindo-os em uma cooperativa.

    “A situação dos pobres agricultores era dura e precária. A terra de Cafelândia do Oeste em geral era muito generosa com os colonos, mas os atravessadores abusavam dos agricultores até lográ-los, sangrá-los e matá-los. Os cereais em geral e também os suínos valiam bem pouco”. 

    Em julho de 1963 criou a Associação Agropecuária Cafelândia, extensão da Associação Rural de Cascavel, atacada implacavelmente por defender o cooperativismo, que radicais conservadores diziam ser “coisa de comunista”.

    “Não sabendo o que fazer para salvar os colonos, escrevi um relatório ao deputado Lyrio Bertoli. Ele levou ao conhecimento do presidente do Brasil, João Goulart, os problemas dos agricultores. Foi assim que o presidente encarregou o próprio Lyrio Bertoli de chefiar e acompanhar uma missão composta do próprio chefe da Casa Civil da Presidência, um coronel e mais dois técnicos em cooperativismo do Ministério da Agricultura, para vir a Cafelândia e verificar a situação crítica dos colonos. Isto deu-se no mês de agosto de 1963”. 

    Em outubro o padre reuniu no pequeno cinema distrital 32 colonos interessados em fundar a cooperativa em Cafelândia. Para elaborar os estatutos sociais de acordo com a legislação então em vigor, o Ministério da Agricultura enviou o técnico Atílio Saran.

    A área de abrangência da cooperativa incluía também os municípios de Toledo, Marechal Cândido Rondon, Formosa d’Oeste, Assis Chateaubriand, Corbélia e Capitão Leônidas Marques, afora Cascavel, dedicando-se também à eletrificação rural. 

    Finalmente, a Catedral

    Padre Luiz permaneceu em Cafelândia por mais dez anos, até setembro de 1973, quando passou a dirigir a Paróquia de São Paulo, novamente em Cascavel, empenhando-se pela construção da igreja do Parque São Paulo e publicando dois livros (A Bíblia e Você, Ed. Paulinas, 1975, e Você é o que Pensa, Igol, 1978).

    O mistério sobre a volta repentina de Luíse a Erechim em 1953 só foi desfeito completamente em 1979, quando ouviu a pergunta que os cascavelenses faziam desde 1953: por que deixou Cascavel naquele dia 8 de março?    

    Cautelosamente, o religioso disse que não foi embora da cidade por qualquer desavença com os fiéis católicos, mas por divergências com alguns líderes da comunidade, a seu ver mais teimosos que ele mesmo, um turrão confesso.

    Luíse pretendia construir de imediato a Catedral na parte nova da cidade, ainda praticamente desabitada, contra a vontade dos pioneiros, que a pretendiam na parte mais densamente habitada, o Patrimônio Velho. 

    O acelerado desenvolvimento de Cascavel tornou sua tese vitoriosa, embora com algum atraso: a Catedral foi inaugurada em 1974, um ano depois de seu retorno definitivo a Cascavel. Luiz Luíse morreu no dia 2 de novembro de 1988 em acidente automobilístico. Ele gostava de dirigir.

    100 anos da revolução: Um país de analfabetos 

    Nas eleições em 17 de fevereiro de 1924 um dos assuntos mais vibrantes em debate foi o contraste entre o ensino elitizado e o analfabetismo geral da população. 

    A Academia Brasileira de Letras desde 1922 promovia uma campanha pelo ensino básico no país, lançando um concurso para premiar ideias nesse sentido. Vendeu a monografia “Difusão do ensino primário no Brasil”, de Júlio Nogueira, que propunha a obrigatoriedade. 

    O Senado decidiu publicar e distribuir a monografia a todas as cidades do país. O senador mato-grossense José Murtinho, que era médico e professor, defendeu a medida: 

    “Da leitura de trabalhos como o do Sr. Julio Nogueira ressalta nítida uma impressão que, por amarga, não devemos esconder: se somos um país de analfabetos, devemos essa desgraça, em grande parte, aos dirigentes”.

    Entre julho de 1924 e fevereiro de 1925, o ensino obrigatório foi um dos itens exigidos pelos revolucionários para depor as armas, mas o governo ignorou: preferiu o banho de sangue.

    A Lei Geral da Educação, de 1827, obrigava todas as cidades a ter escolas primárias, mas um século depois elas só tinham poucos alunos

     

    Fonte: Alceu Sperança

  • A conquista da aviação

    A conquista da aviação

    Em setembro de 1952, uma ocorrência iria se tornar histórica, por suas implicações. Tratava-se, quem sabe, da primeira perseguição policial motorizada pela BR-35, então em obras, ocorrida na região.

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    Um grupo de contrabandistas foragidos de Foz do Iguaçu dirigia-se apressadamente para Cascavel, caçado pela Polícia Militar. O caminhão em que fugiam tombou, resultando em graves ferimentos para os fugitivos.

    O único médico da cidade, Wilson Joffre Soares dos Santos, ganhou o apoio de um enfermeiro improvisado, mas decisivo para organizar o atendimento: o padre Luiz Luíse, que havia chegado à cidade em maio.

    Quando se deu esse dramático episódio ocorria o intervalo entre a criação do Município e a posse do primeiro prefeito, com as eleições marcadas para o dia 9 de novembro e instalação do Município em 14 de dezembro.

    Desde novembro de 1951, quando a lei 790/51 criou o Município, o Distrito de Cascavel deixou de receber assistência de Foz do Iguaçu. Já sem Cascavel, Toledo e Guaíra, Foz criou os distritos de Matelândia, Medianeira e São Miguel do Iguaçu, consolidando, assim, a chamada Rota Oeste.

    Os novos distritos precisavam tudo da Prefeitura e os distritos perdidos não podiam mais contar com qualquer préstimo de Foz do Iguaçu. Aliás, antes de 1951 pouco recebiam, devido à ampla extensão do Município, que abrangia todo o Oeste.

    Aeroporto: o primeiro elo da união

    Em plena campanha eleitoral, não havia polarização: embora o farmacêutico Tarquínio Joslin dos Santos (Partido Republicano), apoiado pelo governador Bento Munhoz, pertencesse ao clandestino Partido Comunista Brasileiro (PCB), todos propunham organizar o Município com união.

    Sob o impacto do acidente na rodovia, o padre Luiz Luíse e o médico Wilson Joffre, apoiados pela Industrial Madeireira do Paraná (Imapar), a grande empresa da época, uniram a comunidade cascavelense no propósito de conquistar imediatamente um aeroporto em condições de receber tráfego aéreo.

    Além dos candidatos à Prefeitura e à Câmara e da Imapar, a iniciativa também recebeu o apoio da diretoria do Tuiuti Esporte Clube e dos comerciantes. Não havia oposição nem divergências.

    A aviação não era coisa nova na região. Desde 1931, quando surgiu o Correio Aéreo Militar, já havia a previsão de pousos na pequena vila de Encruzilhada, que despontava no centro de uma área de terras devolutas.

    O chefe do lugar, Jeca Silvério, mandou limpar uma área para servir como campo de pouso, mas o serviço ainda tardaria alguns anos até ser efetivamente iniciado.

    Só em 1934 a cidade-sede, Foz do Iguaçu, foi autorizada a ter seu próprio aeroporto, sendo providenciada área para abrir o campo de aviação requerido para permitir uma linha do Correio Aéreo Militar para fazer a ligação com Guaíra.

    No céu, o avião vermelho

    Pelas condições topográficas, a escolha recaiu sobre as terras que abrangiam a chácara de Fulgêncio Pereira, que foi vereador e presidente da Câmara Municipal de Foz do Iguaçu.

    “Aconteceu a 23 de março de 1935 quando, num momento inesperado, ouviu-se um estranho ruído no ar despertando a atenção de todos que, saindo à rua viam extasiados, um aviãozinho militar evolucionando o céu, qual uma ave desconhecida num voo de reconhecimento migratório” (Otília Schimmelpfeng, revista Cabeza, nº 11).

    Era um avião vermelho, de treinamento, vindo da 5ª Base Aérea, de Curitiba pelas mãos do tenente Aroldo Domingues, um dos ases da aeronáutica brasileira, que gostava de dar rasantes sobre as casas à espera da festa que sua chegada motivava.

    Pelo ar, as viagens de Foz do Iguaçu a Curitiba encurtavam de 4 a 8 dias, dependendo do clima, para 4 horas. A inauguração oficial do aeroporto se daria em 1º de abril. Desde cedo a população inteira se aglomerou às margens da pista gramada à espera do biplano, que só à tarde chegou de Campo Grande (MT).

    Nas asas da Panair

    Em 1937, finalmente, começaram os voos do Correio Aéreo Militar à vila de Encruzilhada de Aparecida dos Portos (Cascavel). 

    A linha comercial em Foz do Iguaçu só veio em 1938, pela Panair do Brasil, o ramo nacional da Pan American, com a linha internacional Rio de Janeiro–Assunção–Bueno Aires, ida e volta, com pouso em Foz do Iguaçu, uma vez por semana.

    Em 1941, com a fusão da antiga arma da Aviação Militar do Exército com a da Aviação Naval da Marinha para formar o Ministério da Aeronáutica, o serviço passou a ter o nome de Correio Aéreo Nacional.

    O percurso do avião do CAN começava saindo de Curitiba e seguindo por Prudentópolis, Cascavel, Foz do Iguaçu e Guaíra, penetrando no Mato Grosso.

    “Nas tardes de quarta-feira, a preocupação de toda a pequena população do povoado é presenciar o pouso do monomotor da Aeronáutica. (…)

    Esse campo de aviação – na verdade, uma clareira aberta nas proximidades da atual praça Getúlio Vargas – é apenas o primeiro de quatro aeroportos que ocuparão a mesma área mediante sucessivas reformas sendo o solo então coberto de grama” (Carlos e Alceu A. Sperança, Pequena História de Cascavel e do Oeste).

    A partir de 1941, com a inauguração da Estação Aeroviária de Foz do Iguaçu, o posto da Aeronáutica em Cascavel foi desativado e o aeroporto virou pasto.

    Só obstáculos

    Sem linhas regulares, era lá que os líderes políticos, madeireiros e comerciantes de Cascavel tomavam o avião quando não queriam se aventurar a Curitiba de ônibus ou automóvel, torcendo para não chover.

    Assim, só dez anos depois, em setembro de 1952, a ocorrência trágica da primeira perseguição policial motorizada pela BR-35, futura BR-277, com graves ferimentos para os contrabandistas fugitivos, sacudiu a comunidade cascavelense e priorizou o aeroporto. 

    Foi em razão do sofrimento dos feridos, sobrecarregando o médico Wilson Joffre, que ele e o padre Luiz Luíse decidiram: Cascavel não podia mais ficar sem um aeroporto com linhas comerciais.

    “Naquela noite, não dormi, mas fiquei pensando sobre o caso e como formular um plano para conseguir o serviço aéreo civil”, relatou o padre.

    Estudando o assunto, foi informado de que precisaria autorização militar para mexer no aeroporto, situado na faixa de fronteira. Teria de início que limpar e nivelar o campo. Como executar esse trabalho se em Cascavel não havia nenhuma motoniveladora?

    Os obstáculos cresciam: era indispensável um rolo-compressor pesado para firmar e socar bem o terreno, também ausente, e homologar o campo, mediante licença da Diretoria do Serviço Aéreo Civil.

    “Finalmente devia convencer uma companhia de serviço aéreo a aceitar abrir linha aérea em Cascavel. Isto não seria fácil, pois Cascavel não era conhecida e era um centro ou uma vila que não tinha nem 50 famílias. Para realizar esse plano de trabalho eu devia ter um outro padre que me substituísse e me deixasse livre de minhas obrigações pastorais ao menos por 30 ou 40 dias. Para viajar precisava de dinheiro. Como fazer? Expus meu plano ao meu provincial, padre Alberto Agostini. Ele me animou, aprovando-o. Imediatamente mandou a Cascavel o padre Silvano Sabattini para me ajudar. Resolvi o problema do dinheiro viajando com os aviões da FAB e nas cidades hospedando-me em casas de nossa Congregação ou de padres diocesanos” (Luiz Luíse, depoimento ao livro Pequena História de Cascavel e do Oeste, de Carlos e Alceu A. Sperança).

    Obcecado pelo propósito de incluir Cascavel no roteiro da aviação comercial, Luíse ganhou o apoio do madeireiro Florêncio Galafassi, que franqueou os serviços da Industrial Madeireira do Paraná ao objetivo, cedendo uma patrola para a limpeza e ampliação da pista.

    “Para limpar e nivelar o campo, os senhores Renato Festugato, proprietário da Madeireira, e Florêncio Galafassi, diretor da mesma, encarregaram-se de fazer este trabalho com a motoniveladora da firma e de socar a pista com os caminhões carregados com quinze mil quilos de madeira”, detalhou Luiz Luíse.

    “(…) Com a Diretoria de Tráfego Aéreo da Real estudei o plano de voos que ligassem Cascavel a São Paulo. Foi determinado que Cascavel fosse servida com quatro voos por semana: um voo sairia de São Paulo, via Londrina—Maringá—Campo Mourão—Cascavel—Vacaria—Porto Alegre. Outro sairia de São Paulo—Curitiba—Ponta Grossa—Palmas—Cascavel. Os dois voos fariam ida e volta no dia seguinte” (padre Luiz Luíse).

    No pasto verde, laçando avião

    Em 2 de janeiro de 1953 se deu a inauguração do Aeroporto Coronel Adalberto Mendes da Silva. No dia 11 houve o voo regular inaugural, por um avião Douglas DC-3, da companhia Real Aerovias, “com seus dois motores radiais que expeliam fogo e fumaça quando eram acionados” (Elcio Zanato, Cascavel, A Grande Conquista).

    O agente da Real Aerovias em Cascavel era Lyrio Bertoli, futuro deputado federal. Em Toledo, Luiz Henry Perin.

    “A Real não vencia satisfazer a todos e obrigou-se a aumentar os voos. Em meio ano o tráfego de Cascavel aumentou tanto que entre as 250 localidades brasileiras servidas pela aviação civil Cascavel colocou-se em 50º lugar. Em breve Cascavel tornou-se famosa pelas suas terras e conhecida, atraindo gente de todas as partes do Brasil” (Luiz Luise).

    Um ano depois, Toledo, que também já iniciara o movimento aéreo, inaugurou seu aeroporto, em cuja pista ocorreu um episódio digno de filme de ação: um avião embicou na pista, teve as hélices destruídas e o agente aéreo Luiz Henry Perin decidiu puxá-lo a laço para voltar à posição normal.

    Perin, aliás, também laçou em favor de Toledo o frigorífico Sadia, poderosa empresa que a empresa estava cogitando instalar em Cascavel. Amigo da família Fontana, foi ele quem convidou Omar, filho do patriarca Attilio, a montar um frigorífico “no maior produtor de suínos do País”.

    Fonte: Fonte não encontrada

  • Obsessão com o Paraguai causou atrasos

    Obsessão com o Paraguai causou atrasos

    Com a posse do governador Bento Munhoz da Rocha Neto, em janeiro de 1951, que representou a volta da família ao poder no Paraná, ocorre também o pleno resgate político do clã Camargo, com a ascensão do presidente da Câmara de Curitiba, o médico Mário Afonso Alves de Camargo, ao comando da Prefeitura da capital, no ano seguinte.

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    As famílias Munhoz e Camargo, cujas ligações começam remotamente nos tempos imperiais, é um fio condutor que percorre ininterruptamente dois séculos de história política no Paraná.

    A formação do clã começa na primeira metade do século XIX, quando o adolescente Antônio de Sá Camargo (1808−1896), futuro Visconde de Guarapuava, filho de Antônio Joaquim de Camargo, povoador dos Campos Gerais, é enviado pela família ao interior ainda dominado pelos índios para iniciar uma fazenda.

    “Ainda muito jovem, seu pai lhe confiou a administração do estabelecimento pastoril fundado em Guarapuava. Em 1827, com apenas 19 anos” (Luiz Romaguera Netto, Gertrudes e o padre Camargo).

    Lá ele viria se consagrar como o grande comandante da construção do centro do Paraná. Os Camargo a partir daí construíram fortuna e poder, associados aos Munhoz, tendo assumido o controle do Paraná em 1916 e o mantendo até a revolução de 1930.

    Foco na futura BR-277

    Duas décadas depois, retomavam seu fio de poder com Bento e de várias formas se manteriam sempre no centro das decisões durante todo o século XX.

    Antes de ser destituído em 5 de outubro de 1930, o governador Affonso Alves de Camargo se empenhou em complementar a ligação rodoviária entre o litoral e a fronteira com o Paraguai.

    Em 1919, quando a considerou concluída, foi um dos três primeiros a percorrê-la de automóvel de ponta a ponta.

    “O empresário Miguel Matte fez todo o percurso com seu automóvel, ao longo de 72 horas. O prefeito de Foz, coronel Jorge Schimmelpfeng, também percorreu a Estratégica em toda a sua extensão, viajando com seu automóvel Ford desde Santa Helena até Curitiba” (Alceu A. Sperança, 150 Anos de Governança Paranaense).

    Logo em seguida, o governador Affonso Alves de Camargo cumpriu o percurso em uma histórica visita de inspeção aos portos do Rio Paraná, em companhia do prefeito iguaçuense.

    Como se viu em “O enredo da BR-277 na trama geopolítica” (https://x.gd/5Z1EY), no período da II Guerra Mundial a espionagem brasileira em Buenos Aires informou que a Argentina estava inclinada para o nazismo e pretendia dominar o Brasil quando/se Hitler dominasse o mundo.

    O projeto geopolítico

    Como o Paraguai sonhava com o acesso ao mar, oferecer essa conquista ao país vizinho poderia garantir o apoio do governo guarani em caso de um conflito com a Argentina de Juan Domingo Perón.

    Não são isoladas, portanto, as histórias da futura BR-277, da colonização da Rota Oeste (projetos de empresários gaúchos iniciados entre Cascavel e Foz do Iguaçu) e da Estrada de Rodagem Coronel Oviedo e Porto Presidente Franco, no Paraguai.

    Plenamente interligadas e parte do projeto geopolítico brasileiro de tirar o Paraguai do controle argentino, havia dois inimigos ainda piores que Perón embaraçando o projeto brasileiro: aqui, as chuvas que arruinavam os trechos mais problemáticos da Rodovia Estratégica; no Paraguai, a instabilidade política, com pertinazes ameaças de golpes militares.

    A Prefeitura de Foz do Iguaçu tentava fazer a sua parte, apesar dos recursos escassos. Com a obrigação de administrar todo o Oeste paranaense até 1952, procurava melhorar as estradas contando com o apoio – e o interesse direto – das equipes de mateiros das empresas de colonização.

    Era fundamental para o enraizamento dos sulistas no Oeste organizar o poder político nas sedes dos projetos de colonização. Nesse sentido, em julho de 1952 o prefeito Francisco Guaraná de Menezes, já sem as responsabilidades sobre os distritos de Cascavel (Toledo incluso) e Guaíra, que haviam se tornado municípios, sancionou lei criando três novos distritos, com sedes nas vilas de Gaúcha, Medianeira e Matelândia.

    Estimular a colonização 

    Gaúcha era o nome da colonizadora. Negativizado pelas violências cometidas contra posseiros, a denominação foi depois santificada: passou a ser São Miguel do Iguaçu, com base em uma lenda.

    A lei determinava que as delimitações de cada distrito estariam “de acordo com as linhas limítrofes de cada companhia colonizadora”, com instalação prevista para 1º de janeiro de 1953.

    A criação dos distritos estimulava as colonizadoras, animava os corretores, ampliava a propaganda de suas terras junto às clientelas do Rio Grande do Sul, às voltas com a minifundiarização decorrente do parcelamento de terras por herança entre famílias de imigrantes com muitos filhos, e de Santa Catarina, além das proles numerosas também pressionadas pelas restrições produtivas da topografia acidentada.

    Mais famílias chegando representavam mais gente trabalhando na conservação dos troncos principais de estradas, dentre os quais a futura BR-277, até porque os colonos com menos posses se comprometiam a trabalhar para as colonizadoras em serviços como a abertura e manutenção de caminhos.

    Duas eleições em Cascavel 

    Cascavel, com o Município já criado e a comunidade envolvida na campanha dos partidos pela conquista da Prefeitura, com eleições marcadas para 9 de novembro, animou-se em agosto com uma eleição prévia que teria influência posterior sobre o pleito municipal.

    Foi a eleição da quarta diretoria do Tuiuti Esporte Clube, que tomaria posse no dia 25, nos festejos do 3° aniversário do clube, e dela participaram algumas das principais lideranças políticas da época.

    Quatro dos eleitos em 10 de agosto no Tuiuti também seriam vitoriosos em 9 de novembro para a Câmara Municipal: o presidente, Adelino André Cattani, o vice-presidente Adelar Bertolucci, o segundo-tesoureiro, Antônio Massaneiro, o subdiretor de esportes, Helberto Schwarz, e o treinador do time de futebol – Dimas Pires Bastos, que seria o primeiro presidente da Câmara.

    Os demais dirigentes eleitos em agosto também eram figuras públicas influentes, a começar pelo orador, Sandálio dos Santos: o primeiro-secretário Paulo Rodrigues Dodô Pompeu; o segundo-secretário, Agenor Miotto; e o primeiro-tesoureiro, Joel Samways. 

    Também os membros da Comissão de Esportes eram personalidades destacadas na política e na comunidade: Horácio Reis, Álvaro Jorge de Oliveira Lemos, Aurélio Borges, José Piaia e Clary Boaretto.

    O coronel foi contra

    Foi também em agosto de 1952 que o presidente Getúlio Vargas nomeou o coronel José Rodrigues da Silva para integrar a Comissão Mista Brasileiro-Paraguaia que iria projetar a construção da Estrada de Rodagem Coronel Oviedo – Porto Presidente Franco.

    Benquisto em Cascavel, primeiro chefe da Comissão Construtora de Estradas de Rodagem para o Paraná e Santa Catarina, instalada em julho de 1941 para construir a rodovia federal de primeira classe Ponta Grossa–Foz do Iguaçu, o coronel José Rodrigues da Silva sempre esteve ligado ao projeto geopolítico, embora não visse utilidade nele.

    Em 1944, ainda como chefe da CER-1, ele já rejeitava torrar no Paraguai recursos da Comissão PR-SC que poderiam apressar o cumprimento da missão de construir a rodovia de primeira classe. 

    Em relatório secreto enviado à Diretoria de Engenharia do Ministério da Guerra, estimou que a obra não teria utilidade para o Brasil do ponto de vista econômico porque “uma rodovia ligando Assunção ao Rio Paraná em Porto Franco favoreceria a Argentina, tanto mais que no Rio Paraná há vários portos argentinos (Aguirre, Posadas, Corrientes etc)”.

    A seu ver, “não se justificaria que o Brasil pagasse as despesas de construção de uma estrada que, longe de lhe ser útil, favoreceria apenas um concorrente estrangeiro”. A rodovia seria importante para o Paraguai, em todos os sentidos, mas para o Brasil não haveria vantagens.

    General paraguaio avisou

    Do ponto de vista militar, para Rodrigues, a rodovia paga pelo Brasil no interior do Paraguai só ajudaria a Argentina a ter acesso mais rápido e qualificado ao território brasileiro.

    O projeto, para o coronel brasileiro, teria uma única vantagem: a espionagem. Para ele, não haveria nenhum inconveniente “em proceder aos estudos, tanto mais que será uma ocasião de obtermos conhecimento possivelmente úteis sobre uma região estrangeira fronteiriça”.

    O embaixador brasileiro no Paraguai, Francisco Negrão de Lima, informou a Rodrigues que “o próprio presidente atual do Paraguai, general Higino Morínigo, lhe declarou que não podia fazer uma política inteiramente brasileira porque, se assim fizesse, a Argentina o deporia”.

    O governo brasileiro, portanto, estava informado sobre o temor do líder paraguaio de ser deposto caso o Brasil insistisse em sua geopolítica de absorção do Paraguai, substituindo a Argentina como sua controladora.

    De fato, em 1947 houve a Revolução Colorada e o temor do general Morínigo se confirmou, com sua deposição em 1948.

    Também deposto (1946) e de volta à Presidência em janeiro de 1951, Getúlio Vargas retomou a geopolítica para o Paraguai nomeando em agosto de 1952 o coronel José Rodrigues da Silva para fazer estudos sobre a viabilidade da rodovia dentro do Paraguai.

    Ponte, só com colonização e civilização

    Nessa época também estava em discussão um antigo projeto de Bento Munhoz (1949) quando foi deputado federal: a construção de uma ponte internacional em Foz do Iguaçu.

    Retomado pelo deputado paranaense Ostoja Roguski (1913–1972), o projeto pretendia a ligação com a Argentina pelo Rio Iguaçu, mas recebeu propostas de alterações para que a opção, nos termos da geopolítica planejada, fosse o Paraguai.

    Informe reservado do Estado Maior das Forças Armadas observava que a ligação pelo Rio Paraná com o Paraguai seria “mais lógica” no sentido de “trazer o Paraguai para a influência brasileira”.

    Lógica, mas não aconselhável: obras como essa, afirmava o Estado Maior em informe ultrassecreto de fevereiro de 1953, “só devem ser encaradas em regiões onde já tenhamos podido levar os benefícios de uma civilização nitidamente brasileira, por meio de uma adequada colonização e ligações rodo, ou ferroviárias, para o interior do País”.

    A região de Foz do Iguaçu, afirmava, “não atende a esse desiderato, por isso que, afora a ausência de uma colonização adequada e de outros índices de civilização, não dispõe, ainda, das necessárias comunicações rodo, ou ferroviárias, com o interior, o que só se verificará dentro de algum tempo, quando a rodovia Ponta Grossa – Guarapuava – Foz do Iguaçu chegar a bom termo”.

    Portanto, apressar a colonização era o caminho certo, mas a teimosia em construir uma rodovia no Paraguai descuidando das obras no interior do Brasil atrasou a ponte internacional em dez anos e até hoje a ferrovia ainda não alcançou Foz do Iguaçu e Guaíra.

    Fonte: Fonte não encontrada

  • Grilo de Santa Cruz: tragédia e progresso

    Grilo de Santa Cruz: tragédia e progresso

    Em julho de 1952, cumprindo promessa feita aos posseiros, o governador Bento Munhoz promoveu a transferência do Departamento de Geografia, Terras e Colonização (DGTC) da Secretaria da Agricultura ao seu gabinete, para agilizar a regularização fundiária.

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    Ao mandar mais agentes e policiais para a região de conflito agrário, a intenção era animar os ocupantes da terra a ficar nela para resistir a qualquer tentativa de expulsão até que a Justiça se pronunciasse em definitivo, mas o resultado foi estimular as colonizadoras irregulares a se livrar o quanto antes dos posseiros. Um barril de pólvora que inevitavelmente iria explodir.

    Na verdade, o barril estava se enchendo de pólvora havia décadas, por falta de soluções adequadas, com os atritos entre os governos estadual e federal, a ação armada de jagunços municiados por empresas colonizadoras e a resistência camponesa. 

    Nesse caso, pólvora de longa acumulação já estava à beira da explosão em 15 de setembro de 1952, quando a Sociedade Colonizadora União d’Oeste Ltda, com sede em Apucarana, comprou, por 600 mil cruzeiros, 90 mil alqueires paulistas que viriam a formar a glebas São Silvestre, Rio Jong Kong, Rio dos Jesuítas e Rio Azul.

    As glebas faziam parte de um antigo latifúndio denominado “Santa Cruz”, também conhecido por “Cachoeira” ou “Rio dos Patos”. Com a intenção de promover um amplo projeto de colonização, a União d’Oeste comprou a ampla propriedade que em vários pontos estavam ocupadas por posseiros autorizados pelas políticas estaduais de incentivo à ocupação de terras devolutas.

    O carrasco Santa Cruz

    Até essa ocasião, a área acumulava uma longa história. “Santa Cruz” era o nome do cunhado e administrador da obrage de Julio Tomas Allica, que se estendia desde Porto Mendes a imprecisos limites a Oeste.

    “Santa Cruz carregava a violência no sangue. Tinha a função de administrador, capitão do mato e capataz. Homem de confiança de Allica. De sua sede, batizada com o seu nome, percorria a imensa obrage montado num cavalo zanho, sempre se fazendo acompanhar por quatro ou seis capangas bem armados e escolhidos a dedo” (José Augusto Colodel, Oeste sombrio: terra de Allica, terra de Santa Cruz).

    Mas não foram Allica e seu sádico administrador, cuja obrage só foi iniciada em 1902, que deram origem a essa história. Desde antes, ainda no Império, houve uma longa série de disputas judiciais.

    Muito antes, em 1843 teria* havido uma suposta disputa judicial entre dois pretensos proprietários da área: Francisco Antonio dos Santos e seu vizinho Salvador Correa da Silva, levada ao juiz de paz da Freguesia de Guarapuava, Joaquim José de Lacerda. 

    O juiz teria determinado que as terras disputadas fossem divididas entre os dois. Salvador ficou dono de parte do imóvel situado à margem direita do Rio Piquiri com o nome de Guavirova e Francisco manteve a parte do imóvel situado à margem esquerda, com o nome Cachoeira.* O emprego do verbo ter no futuro do pretérito se explicará na continuidade.

    “Fraude inominável”

    Em 1844,Francisco mudou o nome da propriedade – Cachoeira –, para “Santa Cruz” e o vendeu a Custódio Gonçalves, que por sua vez a transferiu a um certo José da Silva.

    Em 1850, em função da nova lei de terras, o imóvel foi registrado na Paróquia de Guarapuava e vendido em 1871 a Joaquina Maria Gertrudes. Novamente alvo de demanda judicial, pois a decisão de 1843 estava sob suspeita de fraude, o juiz municipal de Guarapuava garantiu o domínio a Gertrudes, depois de ouvir testemunhas e a Fazenda do Estado.

    Já na República, em 1892, ela transferiu a propriedade a um neto, Valêncio José de Camargo, que em 1929 vendeu a metade da já chamada fazenda Santa Cruz à firma curitibana Irmãos Mattana & Cia Ltda e a outra metade a Ernesto Ferreira Nunes.

    Se já estava complicada pelo tempo e pela passagem de mãos, a partir daí, as coisas começam a se complicar ainda mais: a Justiça apurou que a propriedade tinha como documentação apenas uma certidão forjada pelo escrivão Joaquim Maximiano da Silva, em 18 de maio de 1925.

    Nessa ocasião, a mando de Francisco Santa Maria, ele certificou a existência da suposta sentença de 1843 como primeiro documento de posse do imóvel. Em 1944, o juiz Lauro Fabrício de Melo Pinto, da Comarca de Guarapuava, anotou:

    “Toda a documentação dos réus, a começar pelo seu documento básico, o seu documento número um a certidão de folhas 182, tudo é fraude inominável, criminosamente tramada, com maior ou menor habilidade. O réu, Francisco de Santa Maria, ditou essa certidão a um funcionário interino, bisonho e inexperiente (Joaquim Maximiano da Silva)”.

    O tempo passa…

    Para o juiz, “a prova documental dessa fraude está na certidão de folhas 364, extraída do próprio protocolo de audiências do Juízo Distrital desta Freguesia, nos anos de 1842 a 1845. Para má sorte do falsário e dos seus sequazes, na empreitada fraudulenta, o próprio dia dez de julho transcorreu sem que houvesse requerimento algum na audiência do Juiz de Paz. Nem ninguém compareceu a essa audiência para requerer coisa alguma”.

    O tempo passava e a trama se adensava, porque em 1943 o governador Manoel Ribas ajuizou uma ação contra Francisco Santa Maria e a Companhia Nacional de Papel e Celulose, donos da fazenda Guavirova, para anular suas transcrições e reverter ao patrimônio do Estado as terras dessa fazenda.

    A Fazenda Santa Cruz, para o Estado, era resultante de uma grilagem*: terras públicas tomadas do Estado com base em um documento recente, mas envelhecido em datas e aparência.* Grilagem – Engavetar grilos mortos com documentos novos para que as toxinas da decomposição do inseto deem ao papel a aparência antiga. Monteiro Lobato conta a origem da expressão no livro A Onda Verde (https://x.gd/C9wtv)

    Passou por muitas mãos

    Um século depois do grilo, a Justiça dava ganho de causa ao Estado do Paraná, revertendo ao seu patrimônio as terras do imóvel situadas à margem direita do rio Piquiri.

    Mas não fazia sentido cancelar o registro do Guavirova e manter o do imóvel Santa Cruz, na margem esquerda do rio, “uma vez que ambas as propriedades tinham origem na mesma sentença de conciliação de 1843 que para a Justiça do Estado nunca existiu” (Ação Ordinária de Anulação de Escrituras).

    Antes que isso viesse à tona, Ernesto Ferreira Nunes vendeu todas as suas terras a um grupo de compradores integrado por Guerino Rebelatto, Mário de Déa, Joele Ezequiel Zibetti, Benjamim Furlan e Aldo Crema, ainda em 1929.

    Por sua vez, a família Mattana venceu 51% das terras a um grupo formado por Oreste Floriano e Iolanda Bonato, Amadeu e Eunice Bordin, Mário e Júlia Gewer, Antônio Fidélis Zibetti e Ciro de Marco, venda transcrita no Registro de Imóveis de Laranjeiras do Sul.

    O restante das terras, os Mattana transferiram a Moacir Índio do Brasil Campos, Humberto Puglielli e Luiz Mattos, entre 1950 e 1951. Na sequência, Aldo Crema vendeu a Luiz Mattos a parte que comprou de Ernesto Nunes. Mattos, em 1951, também comprou de Moacir Campos e Humberto Puglielli as terras que estes adquiriram dos Mattana.

    A União d’Oeste

    Mesmo com o grilo já exposto, em 1951, o colonizador cearense Adízio Figueiredo dos Santos considerou a área como devidamente registrada e adquiriu a propriedade das famílias Bonato, Bordin, Gewer, Zibetti, Marco, Furlan, Déa e Rebelatto.

    Em nova transferência, ainda em 1951, Luiz Mattos e esposa cederam parte de suas terras a Paulo e Antônio Menegazzo. Eram 52 mil alqueires. “Mattos também vendeu parte das terras a Marinho Tavares da Silva (Laércio Souto Maior, História do Município de Assis Chateaubriand).

    Luiz Mattos, Adizio Figueiredo dos Santos e Constancio R. Silveira Filho fundaram a Sociedade Colonizadora União d’Oeste Ltda., com sede em Apucarana, para lotear e vender as terras adquiridas.

    A ação do Estado para anular o título obtido pela União d’Oeste sobre as terras da fazenda Santa Cruz, segundo Adizio Figueiredo, “criou uma polêmica infernal, uma vez que o nosso título já era definitivo” (citado por Carlos Valmor Bazanella em Nova Aurora – Sua História, Sua Gente).

    O “inferno” se deu em ação iniciada em 20 de janeiro de 1953: “o Estado do Paraná alegou que, por força do Decreto nº 300 de 03/11/1930, o imóvel lhe pertence. Acrescentou que era precário o título de aquisição detido pela Sociedade Colonizadora União D’Oeste Ltda”.

    Demandas judiciais à parte, a história de Nova Aurora não começou com a colonizadora União. A vila já existia, embora sem esse nome. Em depoimento ao historiador Maurilio Rompatto (https://x.gd/C9nLt), o pioneiro Clary Boaretto, fundador em Cascavel do Tuiuti Esporte Clube, disse que “[…] quando o Adízio veio (com a colonizadora) pra cá, já existia uma igreja, já tinha escola, já tinha tudo”.

    Laurentina Esser foi além: “[…] ele desapropriou famílias, jogou para fora dos ranchos, botou fogo nos ranchos, para as famílias não voltar e fez sumir […] e, ainda tomou o que elas tinham plantado”.

    História longe de acabar

    O Estado não tinha a menor dúvida de que o Grilo Santa Cruz estava inteiramente comprovado. Por conta disso, o DGTC instalou a 9.ª Inspetoria Regional de Terras e Colonização em Cascavel “para organizar a distribuição da terra na região, legalizando a situação dos posseiros que se encontravam na área com morada habitual e cultura efetiva da terra” (Maurilio Rompatto, Conflitos agrários no oeste do Paraná – O caso do “Grilo Santa Cruz” na colonização de Nova Aurora [1952-1958]).

    Adízio Figueiredo depois saiu de cena ao não suportar as dificuldades para manter seu projeto de colonização, mas Oscar Martinez adquiriu o Grilo Santa Cruz e criou ali uma das mais prósperas cidades do Oeste paranaense: Assis Chateaubriand.  

    “Tão logo adquirem os títulos de propriedade, os colonizadores da União do Oeste começam os preparativos para lotear e vender as terras da fazenda Santa Cruz, Cachoeira ou Rio dos Patos. O primeiro passo nesse sentido foi começar pela limpeza da área expulsando os posseiros que a ocupavam. […]. Logo, os rumores de violência cometida pela colonizadora contra os posseiros começaram a chegar à capital do Estado (Maurilio Rompatto).

    As colonizadoras, efetivamente, trouxeram progresso para a região, plantando cidades prósperas, mas, com raras exceções, estão ligadas a práticas de violência e derramamento de sangue. 

    Uma história que ainda terá novos e surpreendentes desdobramentos – um dos quais a evidência de que o tempo e os desentendimentos entre governos e a Justiça conseguem tornar perfeito um crime comprovado. 

     

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