Autor: Alceu Sperança

  • A origem dos gaúchos e o “cacique general”

    A origem dos gaúchos e o “cacique general”

    A rigor, os gaúchos só aparecem como designação de nativos do Rio Grande do Sul com a Guerra do Paraguai (1864–1870). Bem antes, são os sertanistas do Paraná, ao marchar rumo ao Planalto Médio do Rio Grande do Sul, que dão forma à imagem futura do gaúcho tradicional, cristalizada em seu contato com o Uruguai.

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    Pelos campos do Sul paulista (o atual Paraná), alastravam-se as criações de animais e os líderes locais eram principalmente descendentes dos tropeiros, atividade já com um século de atividade. 

    Duas décadas antes do início da Guerra do Paraguai, em Palmas, cuja exploração havia sido recentemente iniciada, já estavam constituídas cerca de 40 fazendas de criação de animais. 

    Havia percalços, mas a conquista do Oeste avançava por ali, pela ação dos gaúchos de Guarapuava e Palmas. 

    Paranaenses na história do RS 

    O remoto interior rio-grandense foi integrado ao Brasil pelos paranaenses Bernardo Castanho da Rocha e Atanagildo Pinto Martins. 

    O primeiro se estabelece em 1811 no Pinheiro Torto. Martins parte em 1815 e se fixa em Cruz Alta, origem de Passo Fundo, Santa Maria e Santo Ângelo.

    A etapa final desse processo tem início em 16 de agosto de 1844, quando portaria do governo da Província de São Paulo incumbe o alferes Francisco Ferreira da Rocha Loures (1808–1871), nascido em São José dos Pinhais, de abrir uma picada para possibilitar a passagem pelos Campos de Nonoai até Cruz Alta e a partir dessa localidade rumo às Missões. 

    Ligaria assim em definitivo o interior do futuro Paraná à Província do Rio Grande do Sul.

    Importante assinalar que até 1853 a região nunca foi chamada como “Paraná”, nome que só veio para homenagear o maior líder político da época – Honório Carneiro Leão, o Marquês do Paraná.

    Ligação pelo Oeste 

    Francisco da Rocha Loures, o segundo dos sete filhos do comandante militar de Guarapuava, Antônio da Rocha Loures, e de Joana Maria de Jesus, irmã do padre Francisco das Chagas Lima, herdou o prenome do tio, o grande artífice da cidade de Guarapuava e defensor de tratamento humano para os índios. Francisco seguiu, porém, os passos do pai, militar.

    A estrada começará a se formar a partir de Palmas e passará pelos campos de Nonoai até atingir as Missões. 

    “Começa nessa data o fluxo de tropas de muares pelo caminho das Missões, em demanda de Sorocaba, e começa também o uso dos campos de Guarapuava e Palmas para a invernagem das mesmas, como o maior negócio de que dispunham os fazendeiros” (Edilane Lacheski, Guarapuava no Paraná: Discurso, Memória e Identidade [1950-2000]).

    A convocação a Francisco da Rocha Loures pelo governo paulista para construir a integração entre São Paulo e o Rio Grande do Sul logo vai se relacionar com o conflito entre as duas correntes empresariais-militares que disputam a hegemonia sobre a colonização no interior do Paraná.

    Poder militar indígena incomodava

    Ofício expedido por Domingos Ignácio de Araújo (1783–1851) ao governo de São Paulo, datado de 22 de maio de 1844, sustenta a versão de que o cacique Vitorino Condá e os índios de Palmas seriam responsáveis por assassinatos, ataques a áreas de colonização, raptos e saques.

    Os relatórios enviados ao governo se dividiam entre elogios ao papel bem-sucedido de algodão entre cristais desempenhado por Condá, pacificando a região, e as denúncias de crimes escassamente descritos e documentados. 

    A intenção dos adversários era impedir a formação de uma força militar indígena ao comando de Condá. As acusações, porém, não funcionaram por conta da parceria entre Condá e o comandante Hermógenes Carneiro Lobo Ferreira.

    A solução encontrada foi deslocar Vitorino Condá ao projeto de abrir a estrada rumo ao interior rio-grandense. 

    A trama contra Condá

    Condá deixaria de ser o comandante da força militar indígena, posição em que recuperaria a imagem de Guairacá (Lobo dos Campos e das Águas), cacique Guarani que confederou “dez povos poderosos” (Romário Martins) para defender as terras do Paraná dos invasores ibéricos.

    O exército de índios de Condá, ao contrário, iria se diluir nas forças regulares. Apesar de atacado pela segunda corrente de controladores de Palmas, sob as ordens de Pedro de Siqueira Côrtes e João da Silva Machado, o cacique manteria a marca do herói ao participar com sucesso da conquista pacífica do Sul.

    “A partir da documentação enviada, em maio [de 1844], para o presidente da Província de São Paulo, as condições de permanência de Condá na região de Palmas ficaram quase que insustentáveis” (Almir Antonio de Souza, A Invasão das Terras Kaingang nos Campos de Palmas). 

    Explica-se porque o cacique aceitou o convite de Rocha Loures para a tarefa de viabilizar o caminho Palmas-Cruz Alta-Missões.

    Para a história do Sul

    Foi assim que Vitorino Condá saiu da história do Paraná, onde não lhe permitiram ser o herói comandante de um exército de índios, para ter seu nome consagrado no processo de ocupação do Sul.

    Guiou com segurança os irmãos Francisco e João Cipriano da Rocha Loures desde a partida, ainda em Guarapuava, em 1845, para a longa jornada em que efetivamente alcançaram os Campos de Nonoai, atravessando o Rio Uruguai pelo passo de Goio-En, abrindo o desejado novo caminho para as Missões.

    No futuro, Francisco retornaria para se estabelecer na mesma Guarapuava iniciada por sua família. João Cipriano, já nascido em Guarapuava, optou por fixar residência no Rio Grande do Sul. 

    Condá, em 1847, será contratado pelo governo do Rio Grande do Sul para atuar nos aldeamentos da região. Jamais seria o “cacique general” que foi no Paraná, voltando à sua condição de guia e mateiro. 

    Política falha, crença se impõe

    Todo o Sudoeste (entre Palmas e os limites com o Rio Grande do Sul) tinha 37 fazendas de gado e uma população de 2 mil pessoas, menos ainda que a atual população de Iguatu. 

    Ansiosos para se livrar do controle paulista, os líderes políticos da região eram coagidos a não enfrentar São Paulo e se voltarem só ao fortalecimento de seus próprios negócios.

    Com o Império em crise e a elite paranaense silenciada, o povo desamparado se apegava a crenças religiosas que prometiam um futuro melhor. 

    O desapego material e a bondade dos chamados “monges”, que palmilhavam o interior mendigando em troca de serviços espirituais e socorro aos doentes, garantiram para os pregadores religiosos do sertão o carinho e aceitação do povo sofrido e abandonado pelas autoridades.

    Em meados do século XIX, quando o descontentamento dos paranaenses crescia, vindo do interior de São Paulo, passa pela primeira vez na região o monge italiano Giovanni Maria de Agostini (conhecido no Brasil como João Maria de Agostini e João Maria de Jesus).

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    Tropeiros em Cruz Alta, de onde se originaram as cidades gaúchas de Passo Fundo, Santa Maria e Santo Ângelo

     

    Fonte: Fonte não encontrada

  • Joaquim Torres, o “pai” do Oeste

    Joaquim Torres, o “pai” do Oeste

    A Revolução Liberal começa em Sorocaba (SP) em 17 de maio de 1842 e em 10 de julho triunfa em Barbacena (MG). Se os liberais radicais do Sul cruzassem o Paraná, logo tomariam conta do Brasil. 

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    Sob o comando seguro do Barão de Caxias, as tropas imperiais derrotaram os liberais em 20 de agosto na Batalha de Santa Luzia (MG). Eles ainda resistiram por algum tempo em São Paulo, mas o apoio que poderia vir do Sul jamais chegou.

    O eixo da ofensiva conservadora nos momentos que antecederam à revolução liberal foi “dificultar a aquisição de terras […] pois a proliferação das doações de terra tem contribuído, mais que outras causas, na dificuldade que hoje se sente para obter trabalhadores livres”.

    Era o que afirmavam em 8 de agosto de 1842 os lobistas conservadores Bernardo de Vasconcelos e José Cesário de Miranda Ribeiro em diagnóstico sobre a escassez de mão de obra.

    Vasconcelos, um ex-liberal, virou um ardente defensor da escravidão. Miranda Ribeiro, jurista e parlamentar, chegou a governar São Paulo.

    Regra cruel

    A manobra de não distribuir terras definiu o princípio vencedor nos embates políticos até 1850: para garantir mão de obra aos fazendeiros nobres ligados ao governo, as terras não poderiam mais ser ocupadas pelos necessitados (índios e ex-escravos) e requerentes (imigrantes) – o acesso deveria se dar somente pela compra, sem exceção, a preços inflados.

    “Ao aumentar assim o valor das terras e dificultar em consequência sua aquisição, é de se esperar que o imigrante pobre alugue seu trabalho efetivamente por algum tempo antes de ganhar meios de se fazer proprietário”, sugeriam Vasconcelos e José Cesário.  

    Assim, para que o interessado em possuir terras pudesse ter recursos para a aquisição, teria que trabalhar vários anos para os grandes latifundiários beneficiados pelo Reino de Portugal e pelo Império. 

    Para os índios, tarefa impossível. Para os ex-escravos, muito difícil. Essa crueldade está na raiz do atraso brasileiro.

    Com Leão, Torres

    Ao nomear Honório Hermeto Carneiro Leão em 20 de janeiro de 1843 para chefiar o novo gabinete ministerial do Império, Pedro II começava a definir o nome do futuro Paraná.

    O mais bem-sucedido governante do Brasil, o conservador Carneiro Leão dissolveu o cerco paulista que impedia esta região de ter autonomia. Ele próprio passou à história como o Marquês de Paraná.

    Ao selecionar pessoalmente os membros do Ministério, Leão se tornou de fato o primeiro primeiro-ministro da história brasileira.

    É quando entra em cena o fluminense Joaquim José Rodrigues Torres, o Visconde de Itaboraí. Geralmente ignorado pela historiografia do Paraná e do Oeste, foi deputado geral e ministro da Marinha, função na qual foi a primeira autoridade a propor a formação de uma colônia militar na foz do Rio Iguaçu, em 1843. Era o primeiro esboço da futura Foz do Iguaçu.

    Razões de geopolítica

    Joaquim Torres, mais um liberal convertido ao conservadorismo, enquanto parlamentar fez ainda mais: apoiou a proposta da região de se desmembrar da Província de São Paulo, apresentada em projeto de lei pelo deputado baiano Carlos Carneiro de Campos.

    Campos, municiado pelos líderes paranaenses, apresentou dados sobre a população, produção, renda fiscal e despesas, concluindo pela viabilidade da nova Província. 

    Joaquim Torres de imediato veio em apoio, defendendo a conveniência de emancipar a Comarca, “que limita com a república do Paraguai e de Entre-Rios*”, porque atender ao reclamo dos locais iria contribuir também para “sufocar movimentos revolucionários”.

    * Entre-Rios: República formada pelas atuais províncias argentinas de Entre Ríos e Corrientes, fundada em 1820 pelo general Francisco Ramírez

    Meio século depois

    Para o território fronteiriço despovoado, estendendo a proposta de Carneiro de Campos, Torres recomendou então “criar uma administração que se ocupe de colonizá-lo e fortificá-lo, evitando sua ocupação por colonos estrangeiros e criando para o futuro conflitos e contestações de limites”. 

    Pela primeira vez alguém ligado diretamente ao governo brasileiro projetava a futura política de formação de colônias militares, que daria origem a Foz do Iguaçu. 

    A ideia teve longa maturação por meio século e só se concretizou em fins de 1889, nos primeiros dias da República.

    Machado consolida seu poder

    Na década de 1840, a frente de ocupação do interior, localizada nos Campos de Palmas, era disputada por dois grupos empresariais-militares. 

    Nos arranjos de poder que disputavam a hegemonia da colonização na época, despontaram como operadores principais de cada grupo o ex-comandante do destacamento militar de Palmas, Hermógenes Carneiro Lobo, partidário de oferecer presentes aos índios para garantir o apoio deles frente aos índios arredios, e seu sucessor, Pedro de Siqueira Côrtes, partidário de expulsar os índios pela força militar.

    Manobrando com os dois, foi combinando política, ação militar e ocupação pioneira de áreas economicamente promissoras que João da Silva Machado estruturou uma grande fortuna e estendeu seu poder sobre amplas áreas do futuro Paraná. 

    Para avançar na extensão de domínios, o futuro Barão de Antonina se associou no início de 1844 ao sertanista mineiro Joaquim Francisco Lopes (1805–1884), cuja equipe passou a estudar a navegação dos afluentes do Rio Paraná e avaliar a exploração econômica de suas margens.

    Monarca da coxilha

    Lopes e Machado, com financiamento deste, já haviam feito uma bem-sucedida exploração no Sul mato-grossense em 1829.

    Antes dessas iniciativas, apesar da existência das frentes de ocupação de Guarapuava e Palmas, o interior do Paraná bem conhecido era só a região dos Campos Gerais, onde a população se dedicava à criação de animais “e é muito dada aos jogos de cartas e às corridas de cavalos” (Salvador José Correa Coelho, Passeio à minha terra).

    A descrição de Coelho sobre o homem paranaense do interior, nessa época, é a mesma a ser futuramente atribuída aos nascidos no Rio Grande do Sul: 

    “O indivíduo que faz o serviço no campo o faz sempre a cavalo e é conhecido como monarca da coxilha. Traz na cabeça um chapéu de copa rasa e abas um tanto largas, preso na testa por uma fita de tecido colorido. Por cima da camisa usa o poncho listrado de lã que é chamado de pala. Na cintura usa a guaiaca que serve ao mesmo tempo de bolsa e cinta”.

    O sertanista paranaense, portanto, é o primeiro gaúcho.

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    Joaquim Torres, o Visconde de Itaboraí: um esquecido “pai” do Paraná

     

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  • Revés farroupilha favorece avanço da colonização

    Revés farroupilha favorece avanço da colonização

    O castigo pela ousadia dos farroupilhas, que ainda em novembro de 1839 preparavam um ataque à Ilha do Desterro (Florianópolis), foi um contra-ataque fulminante das forças imperiais. 

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    Mais de três mil homens por terra e por mar uma frota de 13 navios retomaram Laguna em 15 de novembro, expulsando os rebeldes e pondo fim à República Juliana.

    Mas a possibilidade de um avanço consistente dos farroupilhas ao Paraná, na virada para 1840, abriu os olhos do governo imperial para a importância estratégica desta região, seja para conter a rebeldia fortemente organizada no Sul, como para conter o expansionismo argentino.

    Desenha-se a marcha para o Oeste

    Nomeado em 20 de novembro de 1839 pelo governo paulista para a espinhosa tarefa de dissuadir conflitos na frente de ocupação dos Campos de Palmas, o comandante da força de Municipais Permanentes, capitão-mor Hermógenes Carneiro Lobo Ferreira, chegou em 20 de abril de 1840, não sem dificuldades, aos Campos de Palmas.

    Ali “implanta seu abarracamento dentro de uma região de campo, nos lajeados chamados de Caldeira e Cachoeira, lugar que deveria se estabelecer a povoação” (Joaquim José Pinto Bandeira, Notícia da descoberta do Campo de Palmas). 

    O interior do Paraná estabelece agora sua nova frente de ocupação – o Sudoeste. A conquista do Oeste se desenha: avançará acompanhando o Rio Iguaçu.

    Presentes e militarização indígena

    A missão pacificadora de Hermógenes Ferreira em Palmas era dupla: conter os índios e mediar os conflitos de interesses empresariais dos dois grupos rivais de colonos brancos. 

    Para acalmar de vez os índios a tática adotada foi reprisar a fórmula consagrada de oferecer presentes e estimular os nativos a obedecer para ganhar utensílios e bens dos quais não dispunham na mata. 

    Ferreira foi além: decidiu conceder postos de chefia militar aos caciques da região para enquadrá-los aos propósitos do projeto paulista de colonização.

    Com isso, a região passou a contar com um cacique indígena na plenitude de seu poder sobre a área: Vitorino Condá. 

    O habilidoso comandante Hermógenes combinava ações militares e entendimentos com os líderes indígenas ao mesmo tempo em que impunha a presença da autoridade militar do Império e do governo paulista na região.

    Golpe da Maioridade

    Em 23 de julho de 1840, o adolescente Pedro II tem sua maioridade declarada, embora esteja ainda com apenas 14 anos, sete meses e 22 dias. 

    O Golpe da Maioridade tinha o objetivo de preparar a imediata coroação do imperador e transformar qualquer rebeldia frente ao governo regencial em ato de lesa-majestade.

    Nas Eleições do Cacete, como ficou célebre o pleito de 1840, os liberais venceram com violência e artimanhas, o que não impediu os conservadores de reagir para em breve regressar ao controle do Império.

    No interior, a tática do comandante Hermógenes funcionou e manteve meses de boa convivência com os índios, mas em maio de 1841 tudo também mudou.

    O capitão Domingos Ignácio de Araújo, um dos árbitros das pendengas no interior, indicou outro notório desbravador do interior paranaense – Pedro de Siqueira Côrtes – para assumir o comando da Companhia de Permanentes da Polícia em Palmas, substituindo o capitão Hermógenes Ferreira. 

    Coroação conservadora

    Côrtes, líder de um dos grupos empresariais que disputavam a exploração econômica da região, teria como segundo comandante José Joaquim d’Almeida, furriel da Guarda Nacional.

    Os dois tinham interesse na povoação e já estavam acampados no local. Seus nomes foram avalizados pelo comandante superior das Legiões da Guarda Nacional do Sul da Província, coronel João da Silva Machado. 

    Tão ou mais importante que o grupo no comando, assinalava Machado, era a questão estratégica: o controle do território entre os rios Uruguai e Iguaçu e a fronteira com os “estados espanhóis [Argentina e Paraguai] com quem um dia deveremos estabelecer divisas certas e permanentes, visto que por ali não cruzaram as demarcações no tempo em que, entre as coroas de Portugal e Espanha, se fizeram naquela fronteira”.

    Machado mirava o quadro internacional, mas a polarização política nacional trazia tudo para o corpo a corpo interno. Nele, coroação do imperador adolescente Pedro II, em 18 de julho de 1841, fez o pêndulo do poder se inclinar novamente para os conservadores.

    O pêndulo paranaense

    Os liberais não se conformam com o retrocesso e ameaçam pôr abaixo a nova legislação, se preciso até com o recurso às armas. 

    O padre Diogo Feijó, um dos mais importantes líderes liberais, dirá: “Não é crime pegar em armas para restaurar a Constituição”.

    Diante do acúmulo de tensos acontecimentos, o ano de 1842 seria decisivo para o propósito paranaense de se emancipar de São Paulo. 

    A partir daí as lideranças do Paraná vão sair de uma posição subalterna e secundária para agir com desenvoltura também na cena principal do Império. 

    Se eles aderissem à Revolução Farroupilha e à iniciante Revolução Liberal paulista causariam uma nova e perigosa situação para o Império: o risco de perder São Paulo e o Sul talvez para sempre.

     Assim, de uma só penada as vilas de Curitiba e Paranaguá sobem à categoria de cidades com a lei provincial nº 5, de 5 de fevereiro de 1842. A agora Cidade de Curitiba possuía nessa época apenas 5.819 habitantes.

    Dois dias depois, em 23 de março de 1842, forma-se o Ministério Regressista, encabeçado pelo mineiro Honório Hermeto Carneiro Leão (1801–1856), futuro Marquês de Paraná. 

    Fora do poder, liberais se agitam

    O cenário nacional muda e a Província de São Paulo, ainda governada por liberais, agita-se. 

    Carneiro Leão, à frente do Conselho de Estado, governo político do Brasil sob o reinado de Pedro II, recomenda ao imperador dissolver a nova Câmara dos Deputados, eleita com maioria liberal em eleições fraudulentas. 

    Isso acontece em maio de 1842, acendendo o estopim da Revolução Liberal.

    O líder revolucionário, Tobias de Aguiar, não era nenhum estranho aos paranaenses. Tinha relações com os fazendeiros dos Campos Gerais e quando governou São Paulo criou a Prefeitura de Curitiba, depois extinta pelas manobras dos conservadores. 

    Foi ele quem levantou a necessidade de ocupar os Campos de Palmas para fazer frente aos interesses anglo-argentinos e paraguaios no Oeste e Sudoeste do Paraná de hoje.

    Agora Aguiar era um revolucionário. Para onde o Paraná penderia: para os conservadores que voltavam ao poder ou para os liberais de Aguiar e do padre Feijó?

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    Na Arena Condá, em Chapecó, que fez parte do Paraná até 1916, homenagem ao cacique mais famoso dos Campos de Palmas

     

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  • Coronéis fazem corrida para dominar o interior

    Coronéis fazem corrida para dominar o interior

    No Sul, em setembro de 1838, Bento Gonçalves divulga manifesto expondo os motivos da Revolução Farroupilha. Enquanto os conflitos do período regencial prosseguem pelo país, os líderes do futuro Paraná ficam diante de uma interrogação: aderir à República do Piratini ou estruturar a resistência aos rebeldes? 

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    O esforço pela estrutura determinou a criação da primeira escola da povoação Guarapuava e mais áreas do sertão passavam a ser exploradas economicamente, em processo claramente a cargo de João da Silva Machado, o futuro Barão de Antonina.

    É assim que começa, em 1838, a corrida de dois grupos de coronéis pelo domínio dos Campos de Palmas. 

    Na primeira metade do século XIX, ocupar a terra ainda era a principal forma de assegurar a posse e garantir a propriedade. 

    De início, sete famílias de estancieiros aparentados entre si formam uma sociedade sob o comando do fazendeiro guarapuavano José Ferreira dos Santos. 

    Santos x Côrtes

    O grupo de Santos firmou “contrato com o governo provincial que lhes dava direitos de, após escolhida a sua fazenda, dar posse de terras aos outros integrantes do grupo” (Lourdes Stefanello Lago, Origem e Evolução da População de Palmas [1840 – 1899]).

    A corrida por Palmas não se limitaria ao grupo guarapuavano. Um segundo grupo, chefiado por Pedro de Siqueira Côrtes, apressou-se a assinar contrato ainda antes que o primeiro, em 28 de abril de 1839. 

    Côrtes havia tentado participar do primeiro grupo, mas foi rejeitado por ser curitibano: era ligado à família de Mateus Martins Leme, considerado fundador de Curitiba e um de seus líderes históricos mais importantes. 

    Conforme registros de José Cleto da Silva, Pedro de Siqueira Côrtes “firmou, com outros destemidos sertanistas, contrato para o povoamento dos Campos de Palmas, antiga região dos Campos dos Biturunas que, etimologicamente, significa terra alta”. 

    Briga intensa

    Assim, durante todo o ano de 1839 cerca de sessenta posseiros repartidos entre duas empresas concorrentes formadas por famílias importantes e militares, autorizadas pelo governo paulista mediante contrato, empregaram-se “na introdução de gado, trazido de Guarapuava e na precipitada fundação das suas fazendas, mas cada vez era mais viva a desarmonia entre todos” (Romário Martins, Bandeiras e bandeirantes em terras do Paraná).

    Cada um, à sua maneira, relatou Bandeira, um dos mediadores do conflito, montava a casa e a fazenda onde lhe parecia mais conveniente. 

    “Os que chegavam depois não respeitavam precedência e lançavam seus animais aonde julgavam próprio, estivesse ou não o lugar ocupado, deixando a decisão do negócio ao arbítrio das armas, derrubando casas e arrasando currais”. 

    O conflito empresarial-militar intensificou o avanço das frentes de exploração econômica do interior paranaense. O resultado disso era que as discussões eram resolvidas com muita briga, “deixando a decisão do negócio ao arbítrio das armas; casas houve que foram derrubadas e currais arrasados”, ainda segundo Bandeira.

    “Viva a República!”

    Para resolver os conflitos, o governo paulista determinou a indicação de dois árbitros. Inicialmente, os escolhidos foram o capitão Domingos Ignácio de Araújo (1783–1851) e o alferes José Caetano de Oliveira (1794–1869), futuro Barão de Tibagi e cunhado de Araújo. Os dois conheciam perfeitamente a região, que exploraram na juventude.  

    Enquanto a disputa entre dois grupos pelo controle dos Campos de Palmas continuava, o líder do litoral, Manoel Francisco Correia Júnior, denunciava em ofício enviado ao presidente provincial de São Paulo, Venâncio José Lisboa, o descaso com a região, que começava pelas instalações da força militar, em ruínas.

    Em 3 de janeiro de 1839, Correia Junior informou que o quartel da Guarda Nacional em Paranaguá precisava de um “conserto indispensável”, mas seis meses depois tudo ainda estava na estaca zero.

    Como a dar razão ao zeloso líder paranaense sobre a necessidade de dotar a região de uma estrutura militar para resistir à progressão das forças revolucionárias, um grupo se infiltrou pelo desguarnecido Oeste e em junho de 1839 os moradores da Freguesia de Nossa Senhora de Belém (Guarapuava) foram surpreendidos por um ataque repentino.

    “O quartel da polícia foi atacado por 21 indivíduos… Os assaltantes ali surgiram com altos brados de ‘Viva a República!’” (Benjamin Cardoso Teixeira, Efemérides Guarapuavanas). “Ferem um dos 36 defensores do quartel e fogem” (Projeto Livrai-Nos!, Famílias, Fortunas & Façanhas).

    Um novo país?

    Entre as pressões para dar início às primeiras obras do sistema ferroviário e para reforçar as defesas do Paraná contra a progressão revolucionária farroupilha, em 11 de julho de 1839 o presidente provincial Venâncio José Lisboa passa o governo paulista ao advogado fluminense Manoel Machado Nunes (1799–1876).

    A República Juliana é proclamada em 24 de julho e se instala em Laguna o Governo Provisório da República Catarinense, sob a presidência de Davi Canabarro. 

    O novo governo paulista temia que o Paraná se cansasse de não ter suas demandas atendidas e passasse para o lado dos revolucionários. 

    A República Juliana poderia vir a se tornar um país sul-americano abrangendo o território do atual Paraná se as forças imperiais não reagissem com rapidez e violência.

    Os farroupilhas chegaram a atacar a barra de Paranaguá em 31 de outubro de 1839, capturando uma sumaca*, mas foram repelidos pela artilharia da fortaleza.

    * Barco pequeno, de dois mastros.

    A ideia da separação 

     “Mesmo os curitibanos provando sua sinceridade ao imperador, ao lutar em favor do governo central nas fronteiras provinciais, este medo persistiria, até porque, a ideia de separação era uma velha aspiração entre os habitantes daquela região” (Sérgio Buarque de Holanda, História Geral da Civilização Brasileira).

    As autoridades paranaenses alertaram Nunes que para ocupar os Campos de Palmas o governo paulista precisaria primeiramente combinar a manobra com os índios, que poderiam pôr a perder as duas iniciativas empresariais-militares em andamento se decidissem atacar os colonos.

    Para complicar, em setembro de 1839 já não havia qualquer dúvida: os farroupilhas estavam chegando – e vinham por terra e mar.

    Machado Nunes mandou então criar uma força militar especial e destinou uma grande partida de armas e munições para apoiar a ocupação dos Campos de Palmas. Também determinou a formação de duas unidades da Guarda Nacional para combater a progressão dos farroupilhas. Muitas batalhas se anunciam.

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    Manoel Machado Nunes: novo governador deu muitas ordens, mas governou por apenas um ano

     

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  • Revolução Farroupilha valoriza o Oeste do Paraná

    Revolução Farroupilha valoriza o Oeste do Paraná

    Em janeiro de 1835, um exército de rebeldes toma Belém e assume o governo. É a vitória da Cabanagem, “o mais notável movimento popular no Brasil, o único em que as camadas populares conseguiram ocupar o poder em toda uma Província” (Caio Prado Jr, Evolução Política do Brasil).

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    Na Bahia, ainda em janeiro, ocorre uma grande insurreição de escravos que une cativos de diversas procedências: malês, haussás, jejes e tapas.

    Acontecimentos por todo o país e no mundo terão reflexos importantes para a colonização do Oeste paranaense. É um período de avanço revolucionário do liberalismo, que ao receber o apoio das massas oprimidas vai impondo o capitalismo rapidamente. 

    No Sul, a expansão do controle inglês sobre o Rio da Prata e os sinais de interesse na Argentina e Paraguai de aproveitar as áreas incultas do Oeste brasileiro soaram como um sinal de alerta para as autoridades brasileiras.

    Aguiar defende a região 

    Ao se pronunciar na Assembleia Provincial de São Paulo, o presidente (governador) paulista, coronel Rafael Tobias de Aguiar, pediu apoio para o precário povoamento dos Campos de Guarapuava para que pudesse ir além, ocupando também os Campos de Palmas.

    Isto, como disse, “para evitarem-se contestações com os vizinhos, que no volver dos anos podem suscitar as pretensões que tiveram sobre Vila Rica e Guaíra outrora destruídas pelos nossos antepassados” (José Jacinto Ribeiro, Cronologia Paulista).

    Era uma proposta importante de aproveitamento do interior do atual Paraná, cuja população ainda reduzida passava a ampliar seus negócios e a intensificar sua força reivindicativa no âmbito institucional, sem armas, enquanto a Cabanagem derramava sangue no Norte e no Rio Grande do Sul os farrapos tomavam Porto Alegre.

    Farroupilhas e esfarrapados

    Declarando independência do governo central do Império brasileiro, a Revolução Farroupilha propõe a República e a abolição da escravatura. Arrastando-se por uma década, sua fase armada será o mais longo e sangrento conflito fratricida antes da afirmação do Brasil como nação unificada. 

    O ano de 1836 é de grande importância para o fortalecimento da Província de São Paulo, da qual faziam parte o atual Paraná e o Oeste de Santa Catarina. Contribui para isso o relato de um ataque rebelde na manhã de 1º de maio de 1836.

    Uma tática de sucesso usada pelos coronéis era fazer pedidos de recursos financeiros e militares relatando ameaças indígenas. Os recursos que vinham serviam para expulsar os índios das terras que ocupavam e estruturar as grandes fazendas de criação.

    O relatório do ataque a Guarapuava em 1836 chega a ser até risível: menciona que os participantes da ofensiva “eram em numero de 54 indivíduos, algumas mulheres e um recém-nascido”. Seriam os “esfarrapados” paranaenses.

    Mais: o ataque foi delatado antecipadamente, todos estavam preparados para a ação e consta que nenhum militar se feriu, a não ser um voluntário que disse ter recebido flechada num braço.

    O poder paulista

    O ponto mais importante dos debates sobre o futuro Paraná travados no parlamento paulista se referia a opções ferroviárias. Já cogitado o trecho São Paulo–Santos, também havia estudos de mais trechos, também ao Norte, Sul e Oeste.

    João da Silva Machado, o futuro Barão de Antonina, recebendo as notícias sobre movimentos rebeldes, intensifica a ação parlamentar, aproveitando-se do temor do governo imperial de que as revoltas de escravos ao Norte e a rebelião dos liberais farroupilhas no Sul contaminassem a Nação.

    Machado defendeu a ocupação rápida do Oeste paranaense e o aperfeiçoamento da Estrada da Mata para a plantação de novos núcleos coloniais, ações que historicamente vão preparar a futura força econômica paulista.

    “(…) estamos diante de um processo de fortalecimento do poder do grupo em torno de Vergueiro, Feijó, Paula Souza, Tobias de Aguiar e Machado. O período Regencial marcou a ascensão de membros deste grupo a nível nacional, na figura de Regentes. Aqui está a chave para se compreender de que maneira a elite política de São Paulo começou a se destacar e ultrapassar as fronteiras de sua província” (Luiz Adriano Gonçalves Borges, Senhor de Homens, de Terras e de Animais).

    Colonização ou guerra

    Diante do descaso das autoridades do Império com as demandas locais, de Norte a Sul fermentavam focos da futura Revolução Liberal. A resposta do governo foi a ofensiva militar imperial contra a Cabanagem na Amazônia, depois de um domínio rebelde de vários meses sobre a região, iniciado em abril de 1836.

    Todos os movimentos populares serão esmagados pela força do Império, mas no Sul o conflito se prolongaria sem dobrar os rebeldes porque havia interesses elitistas aliados à força popular.

    Mesmo perdendo Porto Alegre em 15 de junho de 1836, os farroupilhas ainda resistiriam por vários anos. A longa duração do conflito traria consequências positivas para o Paraná, reafirmando sua posição estratégica.

    O governo provincial paulista decidiu no início de 1837 que a melhor forma de evitar invasões estrangeiras e o controle do interior pelos revolucionários liberais seria ocupar rapidamente o território. 

    A decisão referente à conquista da porção paulista do atual Paraná foi tomada na sessão da Assembleia paulista de 16 de março, determinando a “descoberta” dos Campos de Palmas, aproveitando informe elaborado por Joaquim José Pinto Bandeira, vereador curitibano requisitado pelo Império para fazer relatórios sobre a realidade do interior despovoado. 

    Era Vitoriana

    A coroação da rainha britânica Vitória Regina (1819–1901), em junho de 1837, será o marco da extensão de um largo período de domínio inglês sobre o mundo. Logo no início da Era Vitoriana, que vem coincidir com o apogeu do império britânico, os ingleses já preparavam a extensão de seu controle pelo atual Oeste do Paraná. 

    Seu cônsul no Prata, Woodbine Parish, dava conta à rainha do grau de controle que a Inglaterra já havia estabelecido sobre a América do Sul, ao descrever um gaúcho dos Pampas:

    “Tomem-se todas as peças de sua roupa, examine-se o que o rodeia e, excetuando-se o que seja de couro, que coisa haverá que não seja inglesa? Se sua mulher tem uma saia, há dez possibilidades contra uma que seja manufatura de Manchester. O caldeirão ou panela em que cozinha, a peça de louça ordinária em que come, sua faca, suas esporas, o freio, o poncho que o cobre, todos são levados da Inglaterra” (Buenos Aires y las provincias del Rio de la Plata). 

    A Argentina, que recebia da Inglaterra até as pedras das calçadas, já estava dominada. Mas os ingleses queriam mais. Iriam estender seu poder também ao Paraguai depois que se livrassem de Solano López e ao Oeste do Paraná.

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    Para o cônsul Woodbine Parish, o gaúcho era antes de tudo um consumidor de produtos ingleses

     

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  • Em tudo, a ação do gaúcho Machado

    Em tudo, a ação do gaúcho Machado

    A relativa autonomia concedida pelo Império nos tempos regenciais às províncias e às câmaras das vilas (equivalentes aos atuais municípios) após a vitória eleitoral dos liberais em 1833 teve como consequência uma acirrada luta pelo poder local, com regras fixadas pelos próprios contendores.

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    Os bens antes conquistados como recompensas concedidas pelo rei ou imperador em troca de serviços prestados à Coroa agora inspiravam as famílias a disputar entre si o poder e a obtenção de privilégios pela força das armas. 

    As ações se davam sobre as terras ainda em posse dos índios e também desalojando outras famílias de fazendeiros que por sua vez já haviam eliminado os nativos nas áreas conquistadas.

    As disputas entre as famílias dos coronéis passam a dominar o cenário urbano e rural do interior paranaense. De passagem pela cidade de Castro, um visitante se assustou com “furiosas intrigas de famílias importantes da localidade”: 

    “Apareceu a vendetta corsa; o punhal e o bacamarte do assassino tiveram livre exercício até nas praças públicas”, muitos abandonaram a região “por causa dos distúrbios” e “tão grande imoralidade e insegurança individual, por longo tempo” afetou o desenvolvimento do interior paranaense, de acordo com Salvador José Correa Coelho, no livro Passeio à minha terra.

    Siqueira Côrtes, o empreendedor

    As fazendas que se estendiam entre Curitiba e os Campos Gerais agora já se somam às propriedades consolidadas até a região de Guarapuava, de onde passarão também a se estender ao Campo de Palmas.

    A região é ainda temida pela presença de índios rebeldes que se afastaram para lá ao ser expulsos das áreas já ocupadas pelas fazendas de criação.

    Vai começar a partir de 1833 uma série de expedições para testar até que ponto ainda haveria resistência indígena. Um dos proponentes dessa operação foi Pedro Siqueira Côrtes. 

    Natural de Palmeira, Côrtes é considerado o iniciador do povoamento dos Campos de Palmas, que resultou de uma disputa empresarial com outras famílias de fazendeiros. 

    Um dos meios para levar vantagem na disputa foi sair para massacrar os índios remanescentes. Outro, comunicar ao governo paulista a suposta frequência de ataques indígenas com a intenção de obter mais recursos militares para combatê-los. Era uma forma de ganhar mais gente para participar das expedições de conquista.

    Siqueira Côrtes tentava demonstrar ao governo paulista que os índios não estavam dispostos a ser novamente expulsos e pedia apoio para conquistar a região.

    Massacres sem explicação

    A motivação principal para explorar os Campos de Palmas era a lenda corrente entre os índios de que haveria ouro e pedras preciosas em grande quantidade no morro do Bituruna, no atual Oeste de Santa Catarina. 

    John Henry Elliott, que esteve a serviço do futuro Barão de Antonina, João da Silva Machado, contou que no segundo dia de viagem a expedição de Siqueira Côrtes encontrou na saída de uma pequena campina um grupo de índios, que foram repentinamente atacados e “ferozmente assassinados, sem que até então tivessem dado indício algum de insubordinação”. 

    Uma segunda expedição, ainda segundo o registro de Elliot, “procedeu da mesma criminosa forma, com algumas famílias indígenas que andavam dispersas”.

    Em 28 de maio de 1834, o padre Vicente Pires da Motta assume pela primeira vez o governo paulista – ainda governaria SP mais seis vezes, além do Paraná, Minas Gerais, Pernambuco e Ceará. 

    Sob sua gestão, por influência do tropeiro João da Silva Machado, os coronéis paranaenses tiveram acolhimento ao projeto de ocupar os “vazios”, como todo o extremo-Oeste habitado apenas por índios.

    Acumulando poder

    O crescimento político dos liberais favorecia a descentralização do poder e com isso cresceu a força dos paranaenses junto ao governo paulista, antes com Lourenço de Andrade e desde meados do século XIX com a influência de Machado.

    A lei 16, de 12 de agosto de 1834, promoveu alterações na constituição política do Império que agradaram aos coronéis do interior paranaense, cuja luta principal consistia em expulsar os índios dos sertões inexplorados.

    O parágrafo 5º do artigo 11 da lei trazia um presente às elites locais: estabelecia entre outras competências das assembleias provinciais as de “promover, cumulativamente com a Assembleia e o Governo Geral, a organização da estatística da Província, a catequese, a civilização dos indígenas e o estabelecimento de colônias”.  

    Determinar o destino dos índios e promover a colonização, portanto, caberia agora à iniciativa regional/local.

    Pensando longe 

    Deputado no parlamento paulista e já com grande influência nos gabinetes conservadores dos governos imperial e provincial paulista, João da Silva Machado tratou de participar da Comissão do Comércio, Indústria e Trabalhos Públicos para favorecer seus projetos de desbravamento e colonização. 

    Uma das primeiras providências positivas nesse rumo se deu por um parecer apresentado na comissão em 10 de fevereiro de 1835 em favor da autorização de recursos da Caixa da Fazenda Provincial para um projeto de exploração dos “sertões entre os Rios Tietê, Paranapanema e Tibagi”.

    As ações de Machado sugeriam expandir as áreas de exploração pecuária para suprir a demanda por animais do Centro-Sul e abrir bons caminhos para o transporte de gado. Impossível não ver nisso o embrião da futura Marcha para Oeste, posta em prática por Vargas um século depois.

    Previdente e patriótico

    Machado buscava ampliar ao máximo o alcance das iniciativas, como fez ao propor a exploração dos campos próximos das regiões de Missões, Entre Rios (em Corrientes) e Paraguai, apresentada em março de 1835.

    O projeto rendeu elogios a Machado – era “previdente” e “patriótico”–, mas esbarrava em questões delicadas de ocupação da fronteira do Império, de competência do governo central. 

    Por ora, então, propunha a “exploração de uma grande camada de campo, que consta haver entre os rios Tietê, Paranapanema e Tibagi”. Um claro projeto de dominar toda a região do Iguaçu ao Tietê, de onde partiria para um projeto maior, com ligações viárias com Goiás e Cuiabá.

    No empenho de apresentar projetos de estradas e expedições para explorar “sertões” e ampliar a ocupação do território, Machado favorecia seus negócios pecuários e projetos de colonização. 

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    João da Silva Machado, o futuro Barão de Antonina, um liberal que fazia bons negócios com os conservadores

     

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  • Miséria empurra o Paraná para a revolução

    Miséria empurra o Paraná para a revolução

    Os governos imperial e provincial paulista não correspondiam às demandas das lideranças paranaenses, que se viam forçadas a usar seus próprios meios para compensar as deficiências de infraestrutura, segurança e apoio à colonização. 

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    Em geral, o descaso do governo era tão amplo que no inverno de 1831 o capitão Antônio da Rocha Loures, comandante da frente colonizadora de Guarapuava, informava ao governo que não tinha mais recursos sequer para pagar os soldados em dia.

    Com as instalações precárias e em desgaste, dificuldades para arrecadar tributos, rebeliões de índios inconformados com os massacres sofridos, falta de animais para transporte e escassez de alimentos, Guarapuava não tinha mais como se manter. 

    A crise econômica, política e militar favorecia a pregação liberal contra a centralização de poder exercida pelos conservadores. Crescia o temor, risco já concreto, de que a força armada aderisse em massa à pregação “subversiva”, colocando em risco o centro do poder imperial, no Rio de Janeiro.

    Lei antiescravidão é ignorada

    No início da década de 1830, período de tantos antagonismos, até uma lei benéfica, que abolia em definitivo a escravidão indígena, datada de 27 de outubro de 1831, foi simplesmente ignorada pelas autoridades e seus apoiadores. 

    Só mais tarde vai prevalecer a norma de considerar os indígenas como órfãos e, assim, sujeitos à tutela. Aliás, a descentralização do governo foi pior para os índios, submetidos assim à vontade dos coronéis locais.

    Desde a expulsão do padre curitibano Francisco das Chagas Lima da vanguarda colonizadora de Guarapuava a tarefa de “civilizar” os índios na região ficou prejudicada. 

    Patrocinados pelos coronéis ávidos por mão de obra escrava para trabalhar nas fazendas, cujos territórios ganharam em pagamento por serviços prestados nas bandeiras de ocupação, os índios catequizados atacavam as tribos inimigas – as “selvagens” – com três resultados possíveis: massacres, sequestro de mulheres e crianças e expulsão dos remanescentes.

    Região abandonada pelo Império

    O fracasso do aldeamento de Atalaia foi comunicado ao governo paulista em março de 1832 pelo fiel do almoxarife e escrivão da Expedição de Guarapuava, Francisco Manuel de Assis França. Denunciava que a aldeia “não passava de um barracão onde os índios viviam amontoados e sujeitos a enfermidades”. 

    Ficou só na denúncia. As autoridades imperiais estavam mais preocupadas com as rebeldias de escravos africanos e “liberais exaltados” nas grandes cidades, relaxando os cuidados com as frentes de colonização, como Guarapuava e Rio Negro.

    Na desassistida frente de vanguarda de Guarapuava, o comandante Rocha Loures comunicava ao governo que a degradação do aldeamento de índios na região acontecia por motivos diversos.

    Listava “as perdas pelas moléstias e epidemias, pelo deslocamento para outras fazendas, as saídas e fugas para o mato, as péssimas condições em que eram alojados, a falta de mantimentos como roupa e comida”.

    Com isso, o número de indígenas diminuía, os salários dos militares e demais trabalhadores não eram pagos havia meses e “a falta de mantimentos para os índios era constante” (ofício ao presidente provincial Rafael Tobias de Aguiar, 1º de junho de 1832).

    5ª Comarca, ilusão de autonomia 

    Antes inimaginável, passível de prisão sob as ordens de Portugal, a queixa do chefe militar já sinalizava para a ousadia dos líderes locais em manifestar desagrado frente às condições de quase indigência em que se encontravam. 

    É o início de um crescendo de insatisfação que acompanhava o sentimento geral das manifestações mais aguerridas nas regiões em que as oligarquias locais já contavam com força militar suficiente para desafiar o regime monárquico centralizador. 

    Para acalmar o ímpeto reivindicativo dos paranaenses, no final de novembro o governo paulista cria a 5ª Comarca da Província de São Paulo, com sede em Curitiba.

    A Comarca era constituída do Paraná de hoje mais a atual porção Oeste de Santa Catarina. Deveria ser um elemento de descentralização, mas não passou de formalidade.

    Moléstias e epidemias

    Em 1833, a Freguesia de Nossa Senhora de Belém, vanguarda de colonização nos Campos de Guarapuava, era habitada por 465 pessoas, das quais 87 eram índios e 56 escravos. 

    Todos viviam em 98 casas: 24 no setor urbano, 29 nas áreas de lavoura ao redor da vila, 29 taperas dos pobres que viviam em pequenos quinhões de terra próximos à mata e mais 16 moradas de “fazendeiros que possuíam as melhores e maiores glebas de terra e eram os donos dos grandes rebanhos de animais”, informava o comandante Rocha Loures.

    “As agruras da terra não eram só o perigo dos índios, mas também o perigo das moléstias e epidemias que dizimavam as pessoas do povoado, e, principalmente, atingiam os indígenas. Eles eram os que mais morriam em contato com essas epidemias, por sua maior fragilidade em relação a essas doenças. As péssimas condições em que eram alojados estes índios também eram determinantes da proliferação de doenças, bem como a ausência de uma enfermaria e de um médico” (Almir Antonio de Souza, Armas, Pólvora e Chumbo: A Expansão Luso-Brasileira e os Indígenas do Planalto Meridional na Primeira Metade do Século XIX).

    Sem gado nem farinha

    Segundo o relato do escrivão Francisco Manuel de Assis França, os índios estavam mal alojados em uma casa pouco espaçosa, doentes e sem cuidados. “Viviam dentro de um único barracão, com suas esteiras amontoadas, e com toda a sorte de enfermidades, onde não havia médico, e nem enfermaria”.

    Também faltava comida, prejudicando inclusive o abastecimento do contingente militar, no qual as reclamações com relação aos atrasos do pagamento de soldo eram constantes. Até o comandante da expedição, Antônio da Rocha Loures, reclamava dos salários, cujo atraso em janeiro de 1833 já chegava a 18 meses.

    O comandante Rocha Loures já estava “matando o ultimo gado para sustento da tropa” e a insatisfação era geral, pois os soldos eram o único recurso dos militares.

    “(…) sem eles não podiam sobreviver, sequer para comprar farinha, que já tinha acabado” (Benjamin José Gonçalves, alferes do destacamento de Guarapuava, ofício ao presidente da Província de São Paulo).

    Eleições retardam a revolução

    Conspirando contra os grupos conservadores, os liberais tiveram ampla maioria nas eleições de 13 de março de 1833. Sempre à espreita para desfechar um golpe e assumir o poder, agora venciam pelo voto. “As urnas tornaram desnecessária a revolução”, dizia-se, na época.

    Mas o clima que antecedeu às eleições era de uma política radical, praticada com extrema violência entre liberais e conservadores.

    As notícias sobre a eclosão de um golpe militar em Ouro Preto, então a capital mineira, em 22 de março de 1833, chegaram oficialmente ao Paraná em 7 de abril, quando a Câmara da Vila Antonina acusou o recebimento de ofício do governo paulista relatando os “funestos acontecimentos”.

    A conspiração liberal não iria parar e os líderes do futuro Paraná teriam que escolher um lado.

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    Os liberais moderados aceitavam o imperador menino, mas os liberais exaltados já queriam a República

     

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  • Brasil desgovernado e revolução vitoriosa

    Brasil desgovernado e revolução vitoriosa

    Em 1830 já se consolidara a pecuária entre os Campos Gerais e os de Guarapuava. As criações se expandem por vastos latifúndios, as fazendas se multiplicam e os coronéis se queixam da falta de terras tomadas definitivamente aos índios, para estender mais estabelecimentos e ampliar o controle do vastíssimo interior do futuro Paraná.

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    “Fazendeiros, tropeiros, comerciantes se embrenham pelos campos e matas abrindo picadas que facilitassem as comunicações (…) Os Campos de Palmas são a nova opção para o estabelecimento de mais fazendas” (Roselys Vellozo Roderjan, A Formação de Comunidades Campeiras nos Planaltos Paranaenses e sua Expansão para o Sul).

    A estratégia de exploração dos Campos de Palmas seria aplicada por dois grupos distintos, envolvendo interesses de Curitiba e dos Campos Gerais.

    “Muitos de seus sócios participaram da Conquista ou são seus descendentes. Outros tornaram-se posteriormente proprietários de fazendas nos Campos de Guarapuava, a maioria deles fazendo parte de uma vasta parentela que se gerou nas comunidades originadas das vilas de Curitiba, Castro e Paranaguá e seus distritos” (Roselys Vellozo Roderjan).

    Revolução e imigração

    Um evento ocorrido na Europa em 1830 viria a ter influência marcante no Brasil e determinar o futuro do Paraná. Depois de um confronto dramático, a vitoriosa Revolução Liberal na França, em 29 de julho, após três dias de barricadas em Paris, culminava na deposição do rei Carlos X.

    O povo europeu sofria. Sua opção era resignar-se à miséria, aderir à revolução ou migrar para o Novo Mundo. 

    Entendimentos com o governo brasileiro para a transferência de grupos de famílias europeias para substituir a mão de obra escrava resultaram em uma legislação imperial para regular a prestação de serviços por estrangeiros.

    Em setembro de 1830, para incentivar o desenvolvimento da agricultura brasileira, o governo estabelece regras rígidas para o cumprimento por parte dos imigrantes. Facilitava aos proprietários de terras para explorar a nova mão de obra como lhes fosse mais conveniente.

    O espírito da revolução se alastra

    A experiência pioneira de assentamento de imigrantes em Rio Negro, no Paraná, insere-se no amplo programa de colonização promovido pelo Império, mas com o Brasil endividado, os gastos públicos sofriam restrições e cortes.

    As verbas públicas para formar núcleos coloniais com estrangeiros foram sacrificadas e “uma lei oficializou a proibição desses gastos, retraindo o processo imigratório” (Etelvina Maria de Castro Trindade e Maria Luiza Andreazza, Cultura e educação no Paraná). 

    Os embaraços à vinda de imigrantes ao Brasil agravaram o ímpeto das rebeliões dos povos europeus. A burguesia ascendente, apoiada pela revolta popular na França, punha o absolutismo em xeque ao desencadear a Revolução Liberal, cujas sementes também germinariam rapidamente em solo brasileiro. 

    As primeiras notícias da nova revolução europeia, que de Paris se alastrou para outros cantos da Europa, inclusive Portugal, logo também chegam ao Brasil. 

    Resistir ao imperador

    O Paraná, que seria chamado em breve a decidir o confronto entre conservadores e liberais, também vivia um momento conflituoso entre forças políticas e econômicas então em movimento para afirmar sua hegemonia na região.

    A situação do Brasil nos meses finais de 1830 é de resistência ao autoritarismo do imperador Pedro I. Em outubro, os professores paulistas se negaram a festejar o aniversário do monarca.

    A doutrina liberal, base da Revolução Francesa, já se espalhava pelo Brasil e cresciam as manifestações pela autonomia das regiões, reivindicação que disfarçava a aspiração republicana.

    Sintoma liberal, na sessão da Câmara paulista de 3 de novembro um parecer da Comissão de Colonização e Catequese, da qual também fazia parte o ex-presidente provincial Lucas Monteiro de Barros, repudiou a prática de escravidão imposta aos índios da região do futuro Paraná.

    “(…) chegando a barbaridade a ponto de [os índios] serem vendidos em leilão, pretextando que se vendiam os serviços não de quinze anos, mas talvez perpétuos, e, o que era pior ainda, dos filhos destes índios, e dos filhos destes filhos”.

    País descontente e revoltado

    No interior, mesmo distante dos tensos acontecimentos de São Paulo e Rio de Janeiro, a falta de respostas às reivindicações da desassistida colonização em Guarapuava se somava ao estado de insatisfação reinante no Brasil. Na região, a prioridade absoluta era a abertura e manutenção de caminhos para a movimentação de tropas e mercadorias.

    Muitas queixas surgiram com a paralisação do projeto de assentamento de imigrantes no interior do Paraná, que se esgotou na experiência pioneira de Rio Negro, onde os imigrantes alemães foram abandonados à própria sorte em. Só ao chegar no local souberam que precisariam disputar com os índios as terras do assentamento. 

    Imigrantes abandonados

    Depois de uma ampla campanha para atrair mão de obra destinada a substituir os escravos, encetada nos países europeus mais afetados pela crise produzida pela ascensão do capitalismo, a experiência pioneira de assentamento colonial com imigrantes europeus em Rio Negro se perdeu em abandono e o descarte de novos projetos.

    A lei orçamentária aprovada em 15 de dezembro de 1830 não só punha fim aos créditos anteriormente reservados à colonização com estrangeiros como reduzia a pó os valores ainda devidos na forma de ajuda ao assentamento de colonos já estabelecidos em seus locais de destino.

    Os colonos também lamentaram de imediato a precariedade da infraestrutura existente nesse Paraná ainda despovoado na primeira metade do século XIX.

    Povo e tropa expulsam imperador

    A “revolta do povo e da tropa” levou o imperador a negociar sua abdicação em favor do filho, então com 5 anos, depois do que redigiu rapidamente estas poucas palavras: 

    “Usando do direito que a Constituição me concede, declaro que hei muito voluntariamente abdicado na pessoa de meu muito amado e prezado filho o Senhor D. Pedro de Alcântara. Boa Vista, 7 de abril de mil oitocentos e trinta e um, décimo da Independência e do Império”.

    Desde o início de 1831 já fermentavam em diversos pontos do Brasil rebeliões liberais que desafiavam o despotismo imperial e se alimentavam da crise econômico-social, caracterizada pelo endividamento nacional, dificuldades financeiras para a população, escassez de recursos para a infraestrutura e rigores climáticos.

    A essa altura, a nação havia sido entregue pelo imperador desacreditado a uma criança de seis anos de idade: Pedro II.

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    O menino Pedrinho recebeu o Brasil do pai Pedro I, que abandonou o país para reinar em Portugal

     

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  • Índios finalmente vencidos, começa a imigração

    Índios finalmente vencidos, começa a imigração

    Para o historiador Ruy Christovam Wachowicz, o projeto de colonização de Rio Negro, proposto há dois séculos por João da Silva Machados, o futuro Barão de Antonina, tinha outros objetivos além de criar um estabelecimento para o provisionamento das tropas que percorriam a Estrada da Mata:

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    “Na realidade os 238 alemães foram ali localizados para que, com sua atividade agrícola e consequente expansão, afugentassem o indígena Xokleng mais para as matas, diminuindo os ataques que as tropas do futuro barão sofriam na região”. 

    Defendidas até então pelos índios, essas terras seriam progressivamente ocupadas para assegurar o sucesso do empreendimento. No entanto, a essa altura, os índios já não eram mais tão numerosos e já se sabia que só atacavam para revidar agressões. 

    Quando as turmas de Machado iniciaram sua participação nas obras da estrada, as estimativas para a população indígena na região eram de apenas 152 indivíduos Camés, ou seja, os índios que aceitaram ser catequizados.

    Índios dizimados

    Segundo Wilmar da Rocha D’Angelis, os Votorões, índios que não aceitaram ser catequizados, perfaziam 120 a 400 indivíduos pertencentes ao grupo de Dorins, que tinha “seu aldeamento à margem do Rio Dorins onde fica o Campo das Laranjeiras”. 

    Os Xokrens eram 60 indivíduos, localizados “[…] entre os rios Iguaçu e Uruguai…” (Francisco das Chagas Lima, Memória sobre o descobrimento e colônia de Guarapuava). Ainda para o padre Lima, também havia 240 índios Guaranis “nos bosques e faxinais inerentes ao Rio Uruguai” – reduzidos, portanto à metade desde 1821, quando o religioso os estimou em torno de 500 indivíduos.

    A ameaça indígena representada pelo cacique Guairacá nos tempos dos jesuítas estava definitivamente eliminada.

    O impulso da madeira

    Com o gado, a erva-mate e as colônias de abastecimento, a economia regional se diversificava, formando a base do futuro Paraná, completada, já no primeiro quarto do século XIX, pela exportação de madeiras, que aparece com força crescente nos registros do comércio exterior pelo porto de Paranaguá.

    “Em 1826 a madeira já significava 8,21% da exportação do Paraná, em raios e eixos, portadas, lenha, vigas e tirantes, tábuas e pranchões, ripas e varas, paus tortos e curvas. O pinho era utilizado apenas nos limites da Serra acima, devido a dificuldades de transporte para o litoral” (Nilson Monteiro,  Uma lasca da história da madeira).

    Em outubro de 1826 chegou ao conhecimento do governo paulista a tese da loucura do padre Chagas Lima como explicação para os atritos entre o catequista e os coronéis fazendeiros de Castro. 

    Estes se queixaram ao ouvidor José Vernecke Ribeiro de Aguilar que o religioso proibia o contato dos índios com os colonos, “mantendo-os presos no aldeamento”.

    A mão do gato

    Tentando usar a mão de obra indígena, alegavam que a melhor forma de civilizar os índios era que trabalhassem nas fazendas “para estarem seguros dos ataques dos outros selvagens”, segundo proposta formulada na Câmara de Castro. Para eles, escravidão era o que o padre fazia. 

    “Na verdade, a crítica sobre o vigário tinha o propósito de extinguir o aldeamento a fim de ocupar o território dos índios, como foi percebido por Chagas Lima, num ofício no qual o pároco se defende das acusações dos povoadores da Freguesia, denunciando o interesse destes sobre as terras indígenas” (Tatiana Takatuzi, Águas Batismais e Santos Óleos).

    O governador Monteiro de Barros, ao apurar os fatos, recebeu do padre uma resposta firme: mudar o sistema de aldeamento seria “tirar a sardinha das brasas com a mão do gato”. Assegurar a posse das terras de Guarapuava com uma política de extermínio dos nativos, sugeriu, custaria sérios prejuízos ao povoamento do interior.

    O fracasso de Pedro I

    Não por acaso, os ataques dos fazendeiros ao padre Chagas Lima coincidiram com o fim de sua catequese na frente pioneira de Guarapuava. A tese da loucura do padre – possuído por severa depressão ao presenciar a destruição de Atalaia/Guarapuava – predominou.

    Lima foi afastado dos serviços religiosos sob a alegação de que sua perturbação mental se agravou, mas por falta de outro pároco na região os registros de batismos, casamentos e óbitos continuariam a ser oficialmente lavrados em seu nome até agosto de 1828.

    O ano de 1827 começou com o Brasil vivendo mais uma de suas costumeiras crises políticas. Logo em 15 de janeiro, depois de sucessivas intrigas da Marquesa de Santos, amante do imperador Pedro I, todos os ministros se demitem. 

    O monarca vinha de uma frustrante visita ao teatro de lutas na Província Cisplatina, onde as derrotas eram disfarçadas em supostas vitórias pelo comando militar.

    A procissão dos derrotados

    Na frente de povoamento do interior paranaense, entre Castro e Guarapuava, em situação extrema, de vida ou morte, os índios perderam a possibilidade de aceitar a catequese no aldeamento controlado pelo padre Lima. Só lhes restava se render, aceitar que suas mulheres e crianças fossem capturadas para ser escravizadas nas fazendas ou ser massacrados nas matas. 

    Prevaleceu a opção de se render no aldeamento de Atalaia/Guarapuava, onde seu destino era traçado: os índios mais capazes e dóceis eram destacados do grupo étnico original para servir nas fazendas dos coronéis paulistas. 

    Já sem a proteção do padre Francisco das Chagas Lima, em maio de 1828 foram levados do aldeamento grupos com dezenas nativos como se fosse “uma procissão”, segundo descrição do soldado Francisco Manoel de Assis França, escrivão que assessorava o comandante Antônio da Rocha Loures.

    O sinal que faltava 

    Desde meados de 1828, a mando do governo paulista, parte significativa dos índios aldeados em Guarapuava é mandada para trabalhar nas lavouras em São Paulo. Havia interesse em tirar os índios da mata para facilitar a vida dos imigrantes alemães que chegavam.

    A notícia de que os nativos outrora rebeldes procuravam se aldear espontaneamente para servir aos brancos deu ao ministro do Império José Feliciano Fernandes Pinheiro (1774–1847), Visconde de São Leopoldo, base para determinar em 8 de novembro de 1827 que a Província de São Paulo tomasse providências para o recebimento de 955 colonos alemães.

    Parte desses colonos seriam entregues a João da Silva Machado para formar o núcleo pioneiro da imigração no Paraná: Rio Negro. Eles partiriam do Porto de Bremen em meados de 1828, embarcados no veleiro Charlotte Louise a caminho do Brasil. A saga da imigração estava para começar. 

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    O veleiro Charlotte Louise atravessou o Oceano Atlântico em três meses de viagem | Imagem: Carl Justus Harmen Fedeler

     

     

     

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  • Para coronéis, padre era louco e valia leiloar índios

    Para coronéis, padre era louco e valia leiloar índios

    Em ofício datado de 3 de agosto de 1825, o irritado governador paulista Lucas Antônio Monteiro de Barros advertiu o comandante Rocha Loures que era seu dever manter na vila e na aldeia de Atalaia (atual Guarapuava) “a prática dos bons costumes”. 

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    Com base no relatório que recebera do padre Francisco das Chagas Lima, o governador concluiu que a causa do arrasador ataque indígena à vila em 24 de abril de 1825 foi “a desobediência e repreensível procedimento dos índios aldeados em irem procurar e ofender os que se acharam pacíficos em suas habitações” (Arquivo Público do Estado de São Paulo, Documentos Interessantes para a História e Costumes de São Paulo).

    As tribos atacaram porque sistematicamente perdiam suas mulheres e filhos para os soldados lusos e índios catequizados pelo padre Chagas Lima. Eles saíam armados pelo mato invadindo aldeias na ausência dos guerreiros e levavam para Atalaia as mulheres e as crianças capturadas para vendê-las em leilões aos fazendeiros. 

    Padre seria “louco”

    O padre Francisco das Chagas Lima, tido como “louco” pela milícia paramilitar sertaneja que capturava mulheres e crianças, tentava sem sucesso impedir que os índios fossem escravizados pelos fazendeiros.

    O padre continuava sustentando que dominar os índios pela catequese, mantendo-os disciplinados em aldeamento organizado pelos brancos, era a receita para ocupá-los nas fazendas e nas obras de desbravamento do interior paranaense, ações que a religião considerava justas.

    Na visão dos coronéis do sertão, porém, era loucura não escravizar, deixando livres na mata os índios que rejeitavam a catequese e não aceitavam se tornar escravos dos fazendeiros.

    Para eles, permitir a liberdade dos nativos seria criar inimigos que poderiam criar obstáculos ao avanço das estradas e à formação das colônias, agora com a vinda de imigrantes para substituir a mão de obra escrava.

    Telhas contra flechas incendiárias

    O governador paulista reprovou o comportamento dos índios aldeados, que a serviço dos coronéis caçavam as mulheres e crianças das tribos livres no mato. Considerava assim ineficaz o sistema montado pelo padre Chagas Lima e seu cunhado, Antônio da Rocha Loures na futura Guarapuava.

    Para evitar flechas incendiárias sobre as choupanas, apontadas como a origem da destruição da vila, Barros recomendou um progresso: contratar um oleiro para fabricar telhas e com elas cobrir as casas. 

    Quanto aos índios catequizados, segundo o governador, a autoridade local deveria ter sempre em vista empregá-los efetivamente na agricultura e outras tarefas necessárias e “ao mesmo tempo ir habilitando a alguns índios moços e que não tenham vícios para o Serviço Militar”.

    Monteiro de Barros ainda mandou cuidar dos “índios que restam”, fornecendo-lhes cobertores, peças de algodão e uma quantia de 150 mil réis. Esses “índios que restam” – ou seja, os que sobreviveram ao ataque, passariam a compor uma aldeia à parte, mas junto à vila.

    Ótimo negócio

    O governador paulista condenava a perseguição aos índios refratários, mas a repressão paramilitar dos coronéis não cessou. 

    Eles negavam que fizessem leilões em praça pública com os índios apreendidos, mas concordavam “que fossem vendidos pelas pessoas que participavam das entradas*, e que o dinheiro era repartido metade para o dono da entrada e a outra metade pelos demais participantes” (Almir Antonio de Souza, Armas, Pólvora e Chumbo).

    Negavam o que confessavam, portanto. Aprisionar índios, sobretudo mulheres e crianças, e vender seus “serviços” aos fazendeiros, durante o prazo de quinze anos, previsto em lei, era um negócio rendoso, considerado estruturante para a ocupação do interior paranaense.

    *Entradas eram expedições governamentais. Bandeiras eram as expedições privadas. 

    Chegam os ingleses

    A erva-mate já enriquecia os líderes paranaenses no segundo quarto do século XIX. Em 1826, o produto representava 70% das exportações regionais. As ótimas possibilidades da extração, preparo e exportação do mate atraíram a atenção dos interesses britânicos que já dominavam a Argentina.

    Progressivamente, começando no Império e se estendendo pela República, os interesses anglo-argentinos foram controlando passo a passo toda a cadeia do negócio ervateiro, desde o litoral até as inexploradas matas do Oeste.

    Aproveitavam a facilidade com que o governo imperial brasileiro distribuía concessões de terras na faixa de fronteira. Tais interesses, formando empresas conhecidas como obrages, passam a tomar conta do interior do Paraná, empregando mão de obra paraguaia.

    Escravos para São Paulo

    A presença do controle britânico sobre o Paraná se manifestava desde o monitoramento da burla dos fazendeiros à lei restritiva ao tráfico de escravos da África ao Brasil até o controle de qualidade da erva-mate industrializada.

    A cafeicultura paulista em franco desenvolvimento usava os escravos introduzidos clandestinamente pelos portos do Paraná. Não trabalhavam aqui: só transitavam pelo Paraná e seguiam a São Paulo.

    A região, sem escravos para trabalhar, também perdia seus jovens, levados para as guerras no Sul. 

    Pagar a independência com empréstimos tomados junto aos banqueiros britânicos e altamente lesivos aos interesses brasileiros pôs o imperador Pedro I frente a um Tesouro Nacional desprovido de ouro. 

    Seu pai, o rei João VI, havia raspado os cofres brasileiros como indenização pelos “benefícios” trazidos pela Corte à Colônia.

    Inovação derrubou o Brasil 

    Pedro I tentou abater a dívida enviando à Inglaterra 50 quintais (três toneladas) de toras de pau-brasil para leiloá-las em Londres. 

    “A esperança do Imperador de saldar a dívida com o pau-de-tinta esbarrou numa inovação tecnológica: o advento da indústria de anilinas reduzira em muito o valor da árvore-símbolo do Brasil. Os juros foram pagos com atraso. Em dinheiro, não em paus” (Eduardo Bueno, História do Brasil).

    O Brasil se perdia, mas o Paraná tinha futuro. As origens do ciclo migratório europeu pós-Portugal ao Paraná estão no desenvolvimento das obras da estratégica Estrada da Mata, um dos caminhos tropeiros que ligaram São Paulo e Rio Grande do Sul.

    A via se constituiu no principal eixo da circulação de riquezas no Brasil nessa época. Os imigrantes alemães seriam selecionados para receber, com as terras, a missão não contratual de rechaçar a presença indígena nos arredores. 

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    Símbolo do atraso brasileiro: quando Pedro I quis pagar a dívida com o pau-brasil, a inovação das anilinas derrubou seu valor

     

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