Autor: Alceu Sperança

  • Índios atacam. Desta vez, era verdade

    Índios atacam. Desta vez, era verdade

    Cândido Xavier de Almeida e Sousa, que na juventude, em 1770, conheceu o futuro Paraná como soldado, encerrou sua gestão como presidente (governador) da Província de São Paulo em 1º de abril de 1824, substituído pelo Barão de Congonhas do Campo, Lucas Antônio Monteiro de Barros.

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     Novo governador, mineiro, desconhecia a região e logo se viu diante de uma forte disputa entre os partidários do padre Francisco das Chagas Lima e dos coronéis do sertão. 

    Para Lima, os índios deveriam ser catequizados e postos a serviço da colonização pacífica do interior, respeitando e dando tempo às tribos que não aceitassem a catequese. Já os coronéis defendiam o extermínio das tribos que se recusassem a aceitar o aldeamento sob controle militar.

    Entra em cena o café

    A extraordinária alta dos preços do café na Europa em 1823, pressionada pela ameaça de guerra entre França e Espanha, estimulou decisivamente as plantações no Brasil.

    A possibilidade de expandir as lavouras de café para regiões férteis valorizava os amplos espaços inexplorados. Entre Guarapuava e o Rio Paraná, espaço vazio era o que mais havia, em terras fertilíssimas na mesopotâmia dos rios Paraná, Piquiri e Iguaçu.

    Ocupar essas terras requeria, além da presença  militar, a ação produtiva a cargo de colonos interessados não só em erva-mate (que não era preciso plantar) e criar gado nos campos. 

    O Conselho de Província de São Paulo, em sua sessão de 10 de novembro de 1824, atendeu a um apelo de João da Silva Machado, futuro Barão de Antonina, aprovando a instalação de um povoado na Estrada da Mata, na 5ª Comarca (território do atual Paraná que pertencia à Província de São Paulo).

    Plantar é coisa de índio

    A povoação prevista, a futura colônia de Rio Negro, foi projetada para colonos com vocação para a agricultura. A Estrada da Mata, essencial para a circulação de pessoas e gado, precisava de estruturas de apoio.

    Plantar povoações para produzir alimentos e prestar serviços aos viajantes ao longo do caminho era uma proposta sensata. Com isso, o Conselho determinou que fossem convidadas em todas as vilas do Sul as famílias que quisessem se estabelecer na povoação sugerida por Machado.

    Comunicou que s interessados estariam “gozando dos privilégios conferidos pela Carta Régia de 13 maio de 1808”, que dava direito aos moradores de “matarem e escravizarem indígenas” (Documentos interessantes para a História e Costumes de São Paulo – Vol. 86).

    Essa decisão não empolgou as vilas, que progrediam com a erva-mate, criavam gado com sucesso e estavam fora da área de risco de ataques indígenas. Preferiam criar e exportar mate. Plantar era atividade tida como desprezível, reservada aos índios e africanos escravizados.

    Solução: atrair imigrantes

    O projeto, em consequência, só teve andamento com o Ato Adicional com o qual o governo do Império autorizou as Províncias a promover a imigração por conta própria para o povoamento de seus territórios. 

    Começa nessa época, assim, a transferência de imigrantes europeus, inicialmente alemães, para o Brasil. Eles virão principalmente para o Sul do país – Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

    Mais que estimular a ocupação territorial, o governo imperial ainda pretendia na época estender forças militares de controle para combater eventuais incursões de castelhanos (uruguaios e argentinos), rebeldias pró-republicanas, tentativas de libertação de escravos e os supostos ataques indígenas reportados pelos coronéis do futuro Paraná.

    Estafeta viajava sozinho

    As autoridades militar e eclesiástica da futura Guarapuava, os cunhados padre Chagas Lima e coronel Rocha Loures, queixavam-se de que seus empreendedores e jovens militares eram enviados para as frentes de combate e colonização no Sul, dificultando, por falta de mão de obra, o progresso da frente de ocupação do interior do Paraná.

    As queixas de Guarapuava só seriam ouvidas depois da Guerra do Paraguai (1864–1870), quando os coronéis dos Campos Gerais já não emitiam mais notícias forçadas de supostas rebeldias indígenas. 

    Não haveria mais porque, depois da guerra, simular supostos ataques dos índios para proteger os filhos de ir lutar nas frentes de combate. Até um solitário estafeta já percorria distâncias enormes na mata levando correspondências sem relatar ataques rebeldes. 

    Leilões de mulheres e crianças

    Mas ainda em 1825, na região de Guarapuava, a vanguarda povoadora sofria com a contradição entre a catequese pacífica do padre Francisco das Chagas Lima e a agressividade dos militares e fazendeiros. 

    Como estes precisavam de braços para a lavoura e a criação, substituindo os colonos jovens levados para os combates no Sul, estavam dispostos a pagar por índios capturados na mata em leilões ilegais promovidos pelos militares e mercenários sertanejos.

    Várias expedições para arrecadar mão de obra indígena foram empreendidas pelos portugueses com o apoio de seus índios catequizados, os Camés.

    A captura de mulheres e crianças pelos portugueses e seus aliados Camés causava revolta entre as tribos que não aceitavam se submeter à catequese ou escravidão determinada pelas autoridades e fazendeiros portugueses.

    Foi assim que os índios Votorões, “seguidamente acossados pelos homens da expedição (…) revoltados, acabaram atacando e incendiando a povoação de Atalaia, em abril de 1825” (Osvaldo Pilotto, Sinopse Histórica do Paraná). 

    No ataque, padre chorava e rezava

    Era o dia 24 de abril de 1825. A Freguesia de Nossa Senhora de Belém (futura Guarapuava) foi atacada pelos índios Dorins, um ramo Kaingangue. Diversas casas foram queimadas. Ao ser atacada, a Vila de Guarapuava tinha 342 habitantes (Alcyoli Therezinha Gruber de Abreu, A posse e o uso da terra: modernização agropecuária de Guarapuava).

    No ataque, morreram 28 índios e dezenas deles ficaram feridos, relatou o padre Francisco das Chagas Lima, que ao fazer um balanço dos prejuízos no dia 26 relatou ao governo paulista que as instalações do aldeamento ficaram completamente destruídas.

    Durante a batalha, o desolado padre Chagas Lima, em estado de choque, só orava: “Salvou-o o seu fiel servidor Reginaldo, carregando-o às costas até a um capão próximo onde se haviam homiziados os [índios] Camés vencidos na refrega” (Romário Martins, Bandeiras e bandeirantes em terras do Paraná).

    O religioso caiu em profunda depressão. Os índios que atacaram a vanguarda portuguesa, narrou Lima, “vingavam repetidos insultos, crueldades e mortes”. 

    O governador Lucas Monteiro de Barros se irritou com a surpreendente vitória dos índios rebeldes sobre Guarapuava e decidiu que providências drásticas seriam tomadas.

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    Estrada da Mata: Rio Negro seria um posto intermediário entre São Paulo e o Sul

     

     

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  • Ameaça de ataque indígena, truque para evitar a guerra

    Ameaça de ataque indígena, truque para evitar a guerra

    Há na historiografia paranaense muita controvérsia sobre o “perigo indígena” na primeira metade do século XIX. Com o predomínio das ideias agressivas do coronel Luciano Carneiro Lobo em oposição às propostas pacíficas do padre Francisco das Chagas Lima e seu cunhado, o chefe militar do Oeste, Antônio da Rocha Loures, cresceram a partir da década de 1820 as agressões aos índios no Oeste do futuro Paraná.

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    Já sem o interesse do governo paulista pelo projeto da dupla Lima-Loures, bombardeado por denúncias de sangrentos ataques indígenas não comprovados, a questão era saber por que os coronéis alardeavam tanto uma ameaça que não existia. 

    A versão de que não havia de fato o perigo de agressões indígenas era sustentada principalmente pelo padre Francisco das Chagas Lima, para quem ataques violentos só foram cometidos posteriormente, como reação a vários anos de expedições de caça promovidas pelos militares portugueses. 

    Alvo: mulheres e crianças

    A manobra dos militares lusos que mais irritava os gentios (índios ainda não catequizados) era usar os índios catequizados para capturar as mulheres e crianças das tribos resistentes ao aldeamento, onde eram forçados ao trabalho escravo.

    O alarmismo do coronel Luciano Carneiro Lobo, que propunha às autoridades paulistas a formação de milícias armadas locais para combater os índios, encontrou, porém, mais um opositor no comandante da vila de Itapetininga, o capitão-mor Francisco Xavier de Araújo (1777–1836).

    Para este, Carneiro Lobo usava o pretexto de que os índios eram cruéis e violentos para evitar que seus peões e subordinados fossem recrutados para colonizar e combater no Sul, onde estavam as prioridades paulistas.  

    Solução: formar milícias 

    Os ricos fazendeiros usavam seu poder para proteger os filhos do recrutamento, mas os empregados deles e seus agregados pobres eram recrutados sem escapatória. 

    As supostas ameaças indígenas, nesse caso, tinham o propósito de evitar o recrutamento dos peões das fazendas, evitando que fossem à luta na frente sulina, onde estava em jogo o domínio sobre o atual Uruguai. 

    Ali teriam que enfrentar não os pobres índios da região, que se dizimavam entre si, incitados pelos portugueses, mas os “rijos criollos” dos Pampas, onde uma população explorada pelos europeus estava sequiosa por liberdade e independência.

    O “perigo indígena”, neste caso, foi criado por Carneiro Lobo e elite paranaense para sugerir ao governo paulista a necessidade de criar milícias com os moradores pobres, sob o comando dos filhos dos coronéis, para resistir aos supostos ataques dos selvagens.

    Perigo fictício

    Para o comandante de Itapetininga, “o perigo indígena alegado por moradores pobres para não serem recrutados era fictício e […] não existia” (Almir Antonio de Souza, Armas, pólvora e chumbo). 

    Em comunicado ao Conselho Geral da Província datado de 14 de maio de 1823, o capitão-mor Xavier de Araújo informou que somente 16 anos antes das queixas sobre a suposta ameaça indígena aconteceu um episódio que nunca mais se repetiu: um grupo de índios “que andavam de corso”*  atravessou a estrada geral que seguia para a Vila de Itapeva, onde causaram algum tumulto mas foram afugentados e nunca mais voltaram.

    O argumento mais racional usado pelas famílias abastadas e comerciantes militares locais que tentavam evitar o recrutamento de seus filhos para as Guerras Cisplatinas era de que o esvaziamento populacional do interior do Paraná dessa época deixava um vazio propício à eventualidade de ataques a instalações como portos, paióis e ranchos de lavradores.

    * Andar de corso: perambular, apanhando nas andanças o que estiver ao alcance da mão.

    Miliciano não tem soldo

    Carneiro Lobo, o poderoso chefe militar de Jaguariaíva, propunha aproveitar os habitantes desta vila e arredores, como Ponta Grossa, como “corporação de ordenanças” (uma espécie de polícia), não só por serem moradores da região, mas por ter conhecimento do território. 

    Naturalmente, defendia o coronel, sendo proprietários interessados em manter suas posses, a força miliciana local teria mais interesse na conservação das suas propriedades que militares vindos de longe, sem condições de agir imediatamente na mata por não conhecer a região.

    O argumento preferido pelo coronel era uma isca ao governo paulista: a milícia local, mantida pelos próprios fazendeiros, “poupa as despesas à fazenda nacional”. Além disso, informava Carneiro Lobo, já estava em ação “uma companhia denominada de Aventureiros”, composta de trinta homens.

    Esse grupo de mercenários sertanejos faria as expedições punitivas aos índios com mais eficiência que soldados deslocados de postos militares localizados a cerca de dez léguas. Vinte milicianos residentes nos arredores poderiam dar conta da tarefa, propunha o coronel ao governo paulista, em 17 de dezembro de 1823.

    A democracia dos ricos

    Em 1824, sem oposição do governo, os coronéis formavam milícias próprias, resguardando os mercenários sertanejos de ser recrutados para combater no Sul.

    Trabalhando nas fazendas sob o pretexto de combater supostos índios rebeldes, evitavam cair na mira dos guerrilheiros uruguaios em sua luta por liberdade.

    Enquanto isso, no cenário nacional, a primeira Constituição do Brasil foi outorgada em 25 de março de 1824. Atendendo à vontade do imperador Pedro I, criava uma “democracia” ao gosto do monarca.

    Para votar, era preciso ser homem, ganhar mais de 100 mil réis por ano e ter mais de 25 anos da idade. Só podia ser candidato a deputado quem ganhasse no mínimo 400 mil réis por ano. Os senadores eram vitalícios. 

    A nova Carta instituía em lugar das antigas capitanias a Província, a ser governada por um presidente e não mais por um capitão-general. Os presidentes provinciais seriam escolhidos pelo imperador e podiam ser demitidos por ele ad nutum (a qualquer momento, sem explicações). 

    Apesar de tudo, a Constituição permitia o início da luta dos paranaenses pela criação de sua própria Província.

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    Narrativa lusa: índios obedientes e em fila se submetendo às ordens dos soldados portugueses

     

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  • A crise nacional se reflete no interior

    A crise nacional se reflete no interior

    Dois meses depois da declaração de independência do Brasil, em dezembro de 1822 o governo paulista considerava Guarapuava bem defendida por Antônio da Rocha Loures e pretendia criar uma colônia militar ao Sul de Guarapuava para dar combate aos índios, descritos como selvagens e sanguinários pelos criadores de gado. 

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    Comandante militar do interior, Rocha Loures pensava que seria mais produtivo estimular o desenvolvimento econômico da região favorecendo seu povoamento, mas criar uma colônia militar a Oeste, para proteção da vanguarda de povoamento, ainda não estava nos planos do governo, que miravam o Sul. 

    Acusado de permitir a fuga de índios catequizados que partiam do aldeamento de Guarapuava de volta para a mata, deixando assim de trabalhar como escravos para os militares e colonos, Loures defendeu os fugitivos. Justificando seus motivos, viu nisso uma forma de povoar a região pacificamente. 

    O apego aos costumes tribais criava resistência entre os índios a obedecer aos rígidos preceitos religiosos de padre Francisco das Chagas Lima, que funcionava como catequista e administrador de Guarapuava, mas voltando à mata com instrução religiosa, os índios poderiam povoar o Oeste sem repressão. Ao contrário, teriam apoio militar para se proteger dos gentios (os índios não catequizados).

    Apelo à força

    As trapalhadas do jovem imperador Pedro I no Rio de Janeiro, porém, não estimulavam a racionalidade e a paz. Ao contrário, estimulavam imposições autoritárias e o uso da força. 

    Por conta disso, no interior do despovoado Paraná dessa época, a defesa de Rocha Loures e do padre Chagas Lima do caráter manso dos índios que povoavam a região foi derrotada pela pressão dos criadores.

    O ano de 1823 começou com a posse de Cândido Xavier de Almeida e Sousa (1748–1831) como governante único de São Paulo, substituindo o triunvirato anterior, do qual ele também fez parte. 

    Ainda jovem, Cândido Xavier havia experimentado o início da conquista de Guarapuava, em 1770. Com ele, São Paulo passava a ter um governador que conhecia bem o território governado e suas necessidades, mas isso de pouco serviu ao Paraná embrionário dessa época.  

    Frustração constitucional

    Ao mesmo tempo, os líderes futuro Paraná tinham a esperança de que a primeira Assembleia Geral Constituinte do Brasil, instalada em 3 de maio de 1823 pelo imperador d. Pedro I, pudesse representar autonomia para iniciativas próprias da comunidade.

    Chagas Lima e Rocha Loures, por exemplo, tinham um plano de ocupação do Oeste bem definido, que não se limitava à força armada para combater índios e castelhanos.

    Mas além de não terem apoio para esse projeto, pois a prioridade do governo estava no Sul, a elaboração da carta constitucional ia mal, manipulada pelos áulicos do imperador, que não viam com bons olhos as tentativas de autonomia. 

    Para complicar ainda mais, Cândido Xavier deixou o governo em fins de 1823, assumindo o posto o mineiro Lucas Antônio Monteiro de Barros (1767–1851), que veio a ser hostil ao projeto do padre Chagas e seu cunhado Rocha Loures.

    Antes de assumir o governo paulista, Barros havia exercido as funções de juiz de fora de Vila Rica. Depois, foi senador. No governo, preocupou-se com medidas para quebrar a resistência indígena denunciada pelos criadores e se opôs aos planos de Lima e Rocha Loures.

    Problemas se acumulam

    Os paranaenses sofreram muito com o domínio paulista nessa época. A principal queixa das lideranças regionais era que a política lusa continuava a mesma no Império, que também obrigava o deslocamento de comerciantes do Paraná para povoar o interior do Rio Grande do Sul. 

    Enquanto os paranaenses faziam o Norte e Noroeste gaúcho, não havia ações de povoamento autorizadas entre Guarapuava e o Rio Paraná. Mais: a situação na região de Guarapuava era delicada, pela dificuldade do padre curitibano Francisco das Chagas Lima para administrar a rivalidade entre os grupos indígenas Camés e Votorões. 

    Sempre um líder vigoroso, ele chegava já debilitado aos 67 anos de idade e afora lidar com os conflitos entre tribos diversas precisava dar respostas às angústias dos colonos. Rocha Loures tinha ordens para apoiar ações no Sul.

    Além do deslocamento de seus comerciantes e chefes militares para outras regiões, uma queixa recorrente dos paranaenses era o recrutamento forçado de seus jovens para reforçar as frentes de combate. Neste caso, a independência nada alterou a situação anterior, em que o Paraná perdia seus jovens, escravos e empreendedores. 

    A lei do Lobo

    No interior do Paraná, sobressaía-se, dentre outros poderosos fazendeiros, Luciano Carneiro Lobo, que recebera como herança do pai, o capitão de cavalos dos Campos Gerais, Francisco Carneiro Lobo, a ação de ocupar os campos por meio do embate com os povos indígenas, pressionando em sentido contrário ao do padre Chagas.

    “Este legado do estabelecimento das fazendas de invernada, criando animais e estabelecendo outra guerra, a guerra contra os indígenas, uma guerra silenciosa, mas que estava longe de ser imaginária” (Almir Antonio de Souza, Armas, Pólvora e Chumbo: A Expansão Luso-Brasileira e os Indígenas do Planalto Meridional na Primeira Metade do Século XIX). 

    Luciano Carneiro Lobo comandava a organização estratégica das expedições contra os índios: “(…) decidia quem executava as missões, quem as comandava, quando seria realizada, e era quem autorizava a expedição propriamente dita. Utilizava todo seu poder de mando e articulação inclusive para defender seus comandados do recrutamento para as forças imperiais que lutavam nos conflitos com as províncias do Prata”.

    Fechar e prender

    O coronel Lobo propôs ao Conselho Geral da Província, em 18 de abril de 1823, montar uma guarda com 25 homens e um comandante, “municiados de pólvora e chumbo ficando obrigados a fazerem a guarda do Porto quando seja preciso, e rondarem do Itararé, até o Tibagi”.

    Carneiro Lobo, “na prática, apesar de um tom de reverência às autoridades da Província e do Império, na maioria das vezes, não solicitava autorização, mas apenas comunicava suas decisões e o encaminhamento que dava às muitas situações em que estava envolvido, principalmente no que se referia aos indígenas”.

    O apelo à força aumentou porque os desajustes no interior refletiam os desajustes nacionais. O Brasil mergulhou em sua primeira grande crise do período independente quando o imperador Pedro I descartou a nova Constituição, em preparo, que ele próprio havia proposto como adesão aos propósitos liberais.

    Em recaída no autoritarismo monárquico, desfechou o golpe: mandou o Exército fechar a Assembleia Constituinte, prender e deportar os descontentes por não julgar a Constituição “digna de Mim”. Antônio Carlos de Andrada, ironicamente, saudou com o chapéu “Sua Majestade, o canhão”. As armas da Constituição ainda não tinham força para resistir às armas do golpismo.

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    Luciano Carneiro Lobo: um dos grandes coronéis do interior paranaense logo após a independência

     

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  • Interior, área de lazer dos latifundiários

    Interior, área de lazer dos latifundiários

    O Auto da Fundação da Freguesia de Nossa Senhora de Belém, proclamado em 9 de dezembro de 1819, foi a primeira lei especificamente criada para vigorar na região Oeste.

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    O documento afirma reunir “as mais ordens Régias a este respeito” e também “certa regras e capítulos do que pareceu mais conveniente ao bem, conservação e aumento da mesma povoação ao presente, visto que as autoridades que têm por ofício regular a polícia, se acham tão longe como a vila de Castro, que daqui dista quarenta léguas mais ou menos”.

    O Capítulo 1 regulamentava a disposição da vila e as normas para construção e arruamento: “Como esta é a primeira povoação fundamental, que se vai erigir nesta conquista de Guarapuava, é tão impreterível como necessário que na sua fundação se observem restritamente as formalidades por Sua Majestade prescritas na Carta Régia de Abril de 1809”.

    Todas as casas seriam separadas umas das outras e cobertas com telhas. As paredes seriam feitas de “pedras ou taipa de pilão, ou ao menos firmadas sobre estacas de cerne e nem uma tenha na frente menos de 15 palmos, todas alinhadas segundo a planta que levantou e ofereceu o reverendo vigário Francisco das Chagas Lima”.

    A povoação estaria cercada de trincheiras ou fossos, com ruas mais largas que cem palmos. “E porque é necessário haver desde agora onde se recolham os trabalhadores e mantimentos, se levantará fora das trincheiras mas debaixo da mesma ordem, uma rua de pequenas e ligeiras casas, cobertas de palha, as quais ficarão depois de concluídas a povoação servindo para a estalagem de passageiros”.

    As lágrimas do rei

    Iniciada na cidade do Porto, a revolução liberal, entre agosto e setembro de 1820, não tardará a ter reflexos e desdobramentos também no Brasil. Fez prevalecer em Portugal os ideais da Revolução Francesa, abolindo a monarquia absolutista e instituindo o regime constitucional.

    As Cortes (Parlamento) se instalam em Lisboa em 21 de janeiro de 1821 e o absolutismo chega ao fim com o manifesto da Junta do Porto, em 26 de janeiro. Os revolucionários lusos exigem então o retorno da família real a Portugal e com isso o Brasil perderá o status de sede do Reino para voltar a ser uma colônia.

    A partida do rei João VI para Lisboa foi marcada para 25 de abril de 1821. O rei limpou os cofres e carregou toda riqueza que pôde levar. Seguindo à nau Príncipe Real em lágrimas, ao se despedir do filho o aconselhou: “Pedro, se algum aventureiro quiser apoderar-se do governo do Brasil, põe-te à frente dele”.

    Meio Paraná, 121 habitantes

    O Paraná fecha o ano de 1821 com a montagem do primeiro mapa dos Campos de Guarapuava, organizado pelo padre Francisco das Chagas Lima. A região concedida pelo rei português e tomada aos índios pelas milícias paramilitares dos fazendeiros se distribuía em amplas propriedades destinadas, sobretudo, à criação de animais.

    O objetivo dessas propriedades deveria ser o povoamento regional, mas os criadores de gado mantinham domicílio nos mesmos Campos Gerais que já dominavam.

    Ficavam em Guarapuava entre um a dois meses de cada ano (Arthur Martins Franco, Diogo Pinto e a conquista de Guarapuava), como se fosse uma colônia de férias. Se essa prática trazia algum proveito para eles, assinala Franco, ao interesse público pouca utilidade apresentou.

    Assim, a vastidão das propriedades distribuídas contrastava com a reduzida população Guarapuava – “era de 118 indivíduos, além de 3 portugueses, casados com índios, totalizando 121 pessoas”.

    Muito a fazer

    Segundo o padre Chagas, só estavam ocupadas 50 léguas quadradas do total de 130 delimitados pelos campos.

    “Moradores pobres dos Campos Gerais se mudaram para Guarapuava, com toda a sua família, e receberam pequenas porções de terras ao redor da vila. Mas os grandes fazendeiros dos Campos Gerais obtiveram grandes extensões de campo, levaram seus ‘animais aos montões’ mas (…) não fizeram mais outro benefício algum, nem currais nem lavouras, nem casa de vivenda” (Altiva Pilatti Balhana, Brasil Pinheiro Machado e Cecília Westphalen, História do Paraná).

    Em 9 de janeiro de 1822, o príncipe regente do Brasil, Pedro de Bragança, achou mais vantajoso ficar no Brasil, apesar da exigência dos revolucionários lusos para retornar de imediato a Portugal.

    O Dia do Fico, porém, não era um gesto de rompimento com Portugal. Por que romper, se o Brasil pertencia a Portugal e Pedro estava talhado a ser o próximo soberano desse reino vastíssimo, que abarcava Europa, África e América do Sul?

    Aviso a Pedro: o Brasil está independente

    Aconselhada por José Bonifácio, a princesa Leopoldina usa o poder de governante interina do Brasil e reúne o Conselho de Estado na manhã de 2 de setembro de 1822, quando assina o decreto da independência, declarando o Brasil separado de Portugal.

    A princesa envia a Pedro uma carta, juntamente com outra de José Bonifácio, exigindo que o príncipe proclame em definitivo a independência do Brasil: “O pomo está maduro, colhe-o já, senão apodrece”.

    O príncipe ainda está em território paulista, entre São Paulo e Santos, quando o peso da mão lusa se nota no Rio de Janeiro nas prisões de maçons acusados de “demagogia” (expressão que na época significava (subversão, conspiração contra o reino).

    Pedro recebe as cartas da esposa e de Bonifácio próximo ao riacho Ipiranga, em meio a cólicas intestinais. É o dia 7 de setembro de 1822. Nada mais lhe restava a não ser confirmar o decreto da princesa.

    A independência, porém, foi comprada quando o Brasil assumiu dívidas de Portugal perante a Inglaterra. Para ser aceito como nação autônoma o Brasil teria que pagar muitas dívidas, estendidas ao longuíssimo prazo.

    Fortalecer-se com a agricultura

    A estratégia proposta pelas autoridades de Curitiba para fortalecer o Brasil era expandir a agricultura. Em meio às discussões nesse sentido, o comandante da vanguarda colonizadora de Guarapuava, Antonio da Rocha Loures, sugeriu ao governo paulista delimitar a área que deveria ser priorizada na concentração de esforços e recursos nesse sentido.

    Segundo sua orientação, o primeiro cuidado deveria ser com o aumento da produção agrícola “e todos os artigos que podem influir para a prosperidade da nossa povoação já conhecida, não excedendo as margens dos três maiores rios que a limitam; pelo norte o Ivaí, cognominado do Peixe, e Vila Real do Bananal; pelo sul o Iguaçu, ou Covô; pelo ocidente, o Paraná e grande salto de Guairá duas léguas a sudoeste do rio Piquiri”.

    A delimitação se devia a uma conclusão empírica recolhida pelo chefe militar ao cabo de vários anos percorrendo a região: ao contrário do que alardeavam os pecuaristas, muitos dos quais militares ansiosos por ocupar mais áreas para a expansão das criações, essa área já estava despovoada de “gentios bárbaros”, embora ainda fosse abrigo dos índios mansos, que fugiam do aldeamento de catequese do padre Francisco das Chagas Lima.

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  • Castigado por levar cacique à morte

    Castigado por levar cacique à morte

    Em 9 de julho de 1816 o padre curitibano Francisco das Chagas Lima vencia a disputa com o comandante Diogo Pinto de Azevedo Portugal pelo controle de Atalaia/Guarapuava. A junta administradora da expedição, em São Paulo, determinava que o chefe militar entregasse o comando ao tenente Antônio da Rocha Loures e se apresentasse em São Paulo.

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    O novo comandante de Guarapuava, casado com a irmã do padre Chagas Lima, Joana Maria da Luz, pôs fim ao conflito aceitando a liderança do religioso. Sob menor influência militar e agora abaixo da proteção religiosa, expandiram-se em Atalaia as roças, as fazendas e os campos de criação pelo trabalho dos índios catequizados. 

    Diogo Pinto, ao verificar o grande número de índios que trabalhavam em Atalaia, ordenou, para desgosto do padre Chagas, que os catequizados (chamados de índios mansos) o acompanhassem em sua mudança para Linhares.

    “Percebe-se a relutância do reverendo Francisco das Chagas Lima em aceitar essas ordens, já que insistiu em permanecer com o aldeamento e a povoação em Atalaia, e, junto a si, tinha o apoio de Antônio da Rocha Loures” (Almir Antonio de Souza, Armas, Pólvora e Chumbo: A Expansão Luso-Brasileira e os Indígenas do Planalto Meridional na Primeira Metade Do Século XIX).

    Começa a guerra no Sul

    Após a proclamação da independência das Províncias Unidas do Rio da Prata, em 7 de julho de 1816, houve a tentativa de José Gervásio Artigas de criar um território livre e democrático na região do atual Uruguai.

    Contra ele, tropas portuguesas comandadas por Araújo Correia atacaram em 28 de agosto a Fortaleza de Santa Teresa, que se rendeu sem muita resistência. 

    A chamada Banda Oriental foi ocupada militarmente pela força portuguesa de seis mil homens sob o comando do general Carlos Frederico Lecor, que entrará vitorioso em Montevidéu no ano seguinte, 1817. 

    Em resposta à ofensiva lusa, o Rio Grande do Sul foi invadido por Santana do Livramento e São Borja, atacada em 20 de setembro. A guerra contra Artigas iria durar longo tempo, e assim toda a ação de conquista do interior paranaense foi deixada de lado.

    O ímpeto inicial dos investimentos curitibanos na frente de ocupação do Oeste refluiu com a ação militar no Uruguai, ao esvaziar a força armada na vanguarda colonizadora.

    Paraná desguarnecido

    Apesar de ficar sem força militar alguma, o bloqueio comercial imposto pela guerra favoreceu as exportações da erva-mate paranaense. Agora, além do gado, a riqueza também estava no mate. O gado era comprado no Sul, mas a erva, como os pinheirais, estava nos arredores, ao alcance da mão.

    As milícias haviam se retirado de Guarapuava nessa época para se dirigir ao Sul, em apoio à ocupação do Uruguai. Com a força militar no Paraná reduzida a zero, o capitão-mor de Paranaguá, Manoel Antônio Pereira, encaminhou em 11 de junho de 1817 ao Conde de Palma, o governador de São Paulo, um sinal de alarme. 

    Comunicava “não haver naquela vila nenhuma defesa, podendo acontecer serem invadidos e saqueados pelo inimigo ou corsários de Buenos Aires, e que não havia pólvora, bala, nem armas” (Antônio Vieira dos Santos, Memória Histórica da Cidade de Paranaguá, II). 

    Índios caçam índios

    No Oeste, os chefes índios catequizados eram instruídos a sair à mata para capturar outros índios, especialmente mulheres e crianças, com o fim de aumentar a força de trabalho em Atalaia. 

    As autoridades narravam os eventos de modo que não lhes parecessem desfavoráveis nem incriminadores: agora, segundo a versão portuguesa, eram os índios que caçavam índios. 

    Além da escravidão e das doenças que vieram com a “civilização”, as tribos eram jogadas umas contra as outras para que os mais fracos procurassem refúgio entre os soldados portugueses. 

    Segundo Mércio Pereira Gomes (Os Índios e o Brasil), as epidemias eram mais destrutivas quando ocorriam associadas a guerras de extermínio ou de escravização. A escassez de alimentos, a exaustão e o desgaste dos indígenas cativos facilitavam a baixa no sistema imunológico e propiciavam a contaminação.

    Começa a tradição colonial

    Para estimular a ocupação definitiva dos Campos de Guarapuava, foram distribuídas sesmarias aos integrantes da expedição de conquista e também para outros fazendeiros dos Campos Gerais, Curitiba e São Paulo interessados em utilizar a terra e que auxiliariam os conquistadores com alimentos, montarias e pousadas. 

    Data desse momento o início da formação da estrutura fundiária baseada em grandes propriedades na região.

    Segundo a legislação portuguesa, “o tamanho de uma sesmaria seria de uma légua de testada por três de comprimento ou cinco mil e quatrocentos alqueires de terra. Havia outras que apresentavam a superfície de uma légua e meia quadrada, área equivalente a quatro mil e cinquenta alqueires de terras” (Carlos Eduardo Schipanski, As Cavalhadas em Guarapuava).

    “Toda fazenda possuía seu próprio pomar e as atafonas encarregavam-se do feitio da farinha de mandioca e polvilho. Os monjolos e pilões produziam o fubá e a farinha de milho. Os laticínios em geral, o charque, banha, linguiça, doces, sabões e velas para a iluminação eram produtos da indústria doméstica” (Alcioly Therezinha Gruber de Abreu, A posse e o uso da terra: modernização agropecuária de Guarapuava).

    Forma-se com o incentivo da doação de terras aos escolhidos pelo trono português, portanto, a base para a estruturação da sociedade do interior paranaense. 

    Punido deu a volta por cima

    Enquanto a guerra se arrastava no Sul, acontecia em 6 de fevereiro de 1818, no Rio de Janeiro, a coroação oficial do rei João VI como chefe do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. 

    Em Guarapuava, o cacique Yongong foi dado como desaparecido. Forçado por Atanagildo Pinto Martins a seguir um roteiro perigoso no interior da atual Santa Catarina, nunca mais voltou. Martins foi punido, mas depois participou heroicamente de novas ações militares e se redimiu perante os chefes militares. 

    O destino do cacique, obrigado a seguir um caminho perigoso depois de advertir sobre os riscos que haveria ao trilhá-lo, é revelador da situação humilhante dos índios aprisionados na frente de conquista territorial.

    A frente de vanguarda que deveria avançar para o Oeste do atual Paraná recebeu nova ordem em 22 de agosto de 1818: estabelecer povoações ao longo da estrada para as Missões. Atanagildo, que conhecia o terreno, teria utilidade nessa missão. 

    Palmas, a retomada 

    Por ora, a Oeste estava um território de difícil acesso: “Imensa região de campos devolutos, pontilhados de bosques, vergéis, entremeados de pinheiros (…) florestas imensas de matas virgens, povoadas de pinheirais, imbuías e demais espécies de árvores frondosas. Taquarais e caratuvais intransponíveis; espinhos das mais variadas espécies, como anhapindá, pata-de-vaca, agulheiros, tramas de cipó enlaçam-se pelos troncos ou cerrados debaixo da mata agreste” (José Bischoff, Sombras do Passado).

    Uma grande seca se abateu sobre a frente de conquista do território paranaense em 1819. Houve muito desânimo no interior desassistido. 

    Com o extremo-Oeste do atual Paraná descartado, Atanagildo Pinto Martins comunicou ter à disposição guias índios que lhe permitiam acesso fácil aos Campos de Palmas. Com isso conseguiu convencer Portugal a considerar a região estratégica para seus objetivos e devolvê-lo ao jogo. 

    Incluindo Palmas na agenda já seria possível ocupar também a margem esquerda do Rio Paraná, entre os rios Paranapanema e Iguaçu. 

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    Guerra o Sul travou os planos de ocupar o “Sertão Desconhecido” do Oeste

     

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  • Primeiro, o Sul. O Paraná fica para depois

    Primeiro, o Sul. O Paraná fica para depois

    Dar aos novos campos desbravados no futuro Paraná o nome de “Palmas”, em homenagem ao novo governador paulista, Francisco Mascarenhas, o Conde de Palma, não foi muito útil, de imediato, para os interesses curitibanos de desenvolver no Oeste seus projetos de ocupação militar, criação de gado e construir um mercado consumidor criando cidades.   

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    Em agosto de 1815, o comandante da expedição de conquista dos Campos de Guarapuava, Diogo Azevedo Portugal, recebia ordens para cortar despesas. A prioridade era estender o domínio português até o Uruguai e isso passava pela conquista das regiões ainda não exploradas no Rio Grande do Sul.

    Diogo tinha ordens para descobrir o caminho “mais conveniente e de direta comunicação entre a cidade de S. Paulo e o campo das Missões no Rio Grande do Sul”. Começou por demitir o tenente Manoel Soares do Valle, que explorou os campos e matos circunvizinhos a Guarapuava e promoveu o melhoramento do trânsito nos passos dos rios Iguaçu, Chapecó e Goyoen (Passo Fundo).

    O herói demitido

    Foi Manoel Soares quem chefiou a exploração pioneira ao Sul, abrindo uma picada de dez léguas até o Rio Chopim, de onde voltou por ficar sem mantimentos. O tenente, nesse caso, foi punido por não ter seguido adiante.

    A determinação dada ao comandante Azevedo era retomar a trilha do tenente Soares do Valle e seguir dali ao Rio Uruguai para chegar a Santo Ângelo, primeiro povoado das Missões, distância calculada em 40 léguas por “dois bugres já catequizados”. 

    Diogo deveria em outubro de 1815 abrir o caminho com o auxílio do prático Antônio das Neves Ramos e a equipe necessária à realização da tarefa, autorizado a recrutar “e levar sem a menor violência” das vilas de Curitiba e Castro trabalhadores ao soldo de cem réis por dia durante a exploração.

    Cem réis por dia, sem dúvida, era melhor que trabalhar como escravo em Guarapuava. A penosa chegada ao centro do Paraná – o próprio comandante revelou esse fato – aconteceu forçando “voluntários” a trabalhar.

    Comandante se declara doente

    O governo paulista pretendia que Diogo Azevedo cumprisse a tarefa com a maior brevidade, para que em janeiro estivesse de volta para apresentar seu relatório. 

    O comandante, porém, declarou-se enfermo, preferindo cuidar de sua fazenda. Retransmitiu as ordens ao alferes Atanagildo Pinto Martins, que em 28 de novembro, na continuação dos trabalhos de abertura da picada, alcança o Rio Chapecó.

    Martins comunica o feito a Azevedo no Natal de 1815, quando o Brasil Colônia já havia sido elevado, por decreto especial, à categoria de Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.

    Em 10 de janeiro de 1816, Azevedo transmite novas ordens a Atanagildo Martins: prosseguir “até o ponto de entrar em um dos Povos de Missões portuguesas”. Havia urgência porque Portugal planejava uma ação militar no Sul.

    De posse do plano de ação, Atanagildo Martins prepara uma escolta da qual participam o cabo Francisco de Quadros, dois soldados de linha (Barnabé Barbosa e Joaquim Gomes), os civis Guilherme José, Salvador Rodrigues, Américo Manoel, Joaquim Donaire, José Inácio e Manoel dos Santos, mais os índios em serviço de guias – o cacique Yongong e José Poly. 

    Exploradores divididos

    Partem de Guarapuava ainda em 10 de janeiro para abrir a “nova vereda”. Advertindo para o risco de ataques dos aguerridos inimigos Kaingangues, o cacique-guia Yongong desviou o rumo da escolta para Leste, distanciando-se das Missões. Seguindo ao Sul, chegam a um setor ainda desconhecido – a região de Campos Novos.

    “A expedição atravessou o Rio Uruguai por um novo passo e foi sair nos Campos de Vacaria. Infletindo para Oeste, percorreu a região do atual Planalto Médio do Rio Grande do Sul, até chegar ao destacamento de São Borja” (Roselys Vellozo Roderjan, A Formação de Comunidades Campeiras nos Planaltos Paranaenses e sua Expansão para o Sul).

    Descontente por não ter seu roteiro seguido por Yongong, Atanagildo mandou Yongong e mais oito homens retornar pelo pretendido percurso. A contragosto, partiram. E nunca mais foram vistos. 

    Martins cumpre a missão

    Atanagildo Martins chega ao Povo de São Borja, na região das Missões, em 17 de abril de 1816. Apresenta-se ao comandante do quartel ali sediado, Francisco das Chagas Santos (1763–1840), e faz seu relatório. 

    O chefe militar relata a seus superiores que a região explorada por Atanagildo Pinto Martins começou com o reconhecimento do Rio Chapecó.

    Segundo o relato, Atanagildo e escolta atravessaram os rios Iguaçu, Chapecó e mais um, “semelhante ao Chapecó”, que seria o Rio do Peixe. Adiante transitaram pelos Campos Novos, transpondo o Rio Uruguai por um novo passo, citado por Fidelis Dalcin Barbosa (Vacaria dos Pinhais) como sendo o Passo do Pontão. 

    O lugar é hoje conhecido como Barracão, sede do Município gaúcho do mesmo nome. 

    Crescem atritos entre Chagas e Diogo

    Nesse ano repleto de mobilizações militares, em 9 de julho é declarada a independência das Províncias Unidas do Rio da Prata (hoje Argentina), definição que ao contrário de acalmar os ânimos e unir interesses na região do Prata os antagonizou ainda mais. 

    Nessa mesma data, de grande magnitude para a formação da América do Sul, um fato decisivo ocorre em Guarapuava, diminuindo a influência de Portugal e afirmando a liderança curitibana sobre a colonização do interior: o padre curitibano Chagas Lima decidiu assumir o comando de Guarapuava.

    Em várias regiões do País, inclusive no litoral e Campos Gerais do futuro Paraná, intensificavam-se em 1816 os conflitos entre as lideranças locais e as autoridades representantes da coroa lusa.

    Eclodiam aqui e ali conflitos entre portugueses e brasileiros por arbitrariedades, sobretudo porque as autoridades europeias recrutavam para suas guerras todo brasileiro que não fosse escravo nem estivesse ocupado a serviço de alguma fazenda.

    Começam a se desenhar os anseios pela independência.

    Padre fica, militar sai

    Na frente de ocupação do interior, o conflito vinha das discordâncias entre o severo militar português Diogo Azevedo e o intransigente padre curitibano Francisco das Chagas Lima. 

    “Verifica-se um campo de tensões, uma luta por terra, por poder, e pela mão de obra indígena, que além da instalação do povoado, era o principal motor de um conflito, um conflito entre dois lados e dois lugares: o lado do comandante em chefe Diogo Pinto de Azevedo Portugal e o povoado em Linhares; o lado do reverendo 1º capelão da Real Expedição Francisco das Chagas Lima e do comandante interino Antônio da Rocha Loures e o povoado em Atalaia” (Almir Antonio de Souza, Armas, Pólvora e Chumbo: A Expansão Luso-Brasileira e os Indígenas do Planalto Meridional na Primeira Metade Do Século XIX).

    Em 9 de julho de 1816 se deu a ruptura. Padre Chagas venceu a disputa com o militar, mas o comandante Diogo Pinto de Azevedo ainda tentaria mais uma cartada: levar com ele os índios catequizados pelo padre. O enredo da saga se adensa. 

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    Guarnecer territórios que Portugal ainda não controlava bem, como o setor das Missões, era essencial ao projeto de invadir o Uruguai

     

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  • O início: só trabalho escravo e catequese

    O início: só trabalho escravo e catequese

    Criar nos prisioneiros e escravos o interesse em trabalhar sem fugir mata adentro era o desafio colocado aos novos fazendeiros – os militares que ao ganhar terras nas frentes de ocupação também viravam latifundiários. 

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    A administração portuguesa pretendia convencer fazendeiros já estruturados na região de Curitiba a deslocar familiares e escravos para as frentes de colonização. Entretanto, eles só teriam interesse se recebessem uma generosa oferta de amplas posses territoriais e a garantia de defesa contra a resistência indígena. 

    Mas as autoridades de Curitiba, Campos Gerais e o litoral não estavam dispostas a perder seus homens de iniciativa, comerciantes e escravos, para os núcleos abertos no interior, entre Guarapuava e o Noroeste do atual Rio Grande do Sul, mesmo em troca vantagens convincentes. 

    A região já havia cedido muitos homens para a formidável força de oito mil soldados que o príncipe João mandou em socorro ao vice-rei platino, Francisco Javier Elio, sufocado em Montevidéu pela agressividade do revolucionário Artigas.

    Curitiba administrava a conquista 

    Continuava ainda muito difícil atrair interessados em viver no Oeste paranaense porque os mais capazes seguiam ao esforço de guerra. Os delinquentes e menos capazes eram enviados à força ao interior, mas fugiam na mata. 

    O trabalho era em geral escravo, mas o número de cativos já declinava, depois de tantos homens válidos deslocados para a defesa das fronteiras.

    O início da segunda década do século XIX se caracteriza pela consolidação de Curitiba como centro de comércio resultante da movimentação de tropas de gado entre o Sul e Minas Gerais. 

    A futura capital paranaense também colhe os louros pela conquista dos Campos de Guarapuava. São os curitibanos que persistem na região após a progressiva retirada dos militares, chamados ao esforço pela expansão do Reino na indefinida situação das Províncias Unidas do Prata.

    Mascarenhas, o Conde de Palma 

    Na metade da segunda década do século XIX, a construção do interior do Paraná se dava com esse empreendedorismo curitibano apoiado no aproveitamento da mão de obra escrava e na ação de catequese para “domar” a rebeldia dos índios e integrá-los à “civilização”.

    Em agosto de 1813 há troca de comando na Capitania de São Paulo. Luiz Telles da Silva, o Marquês de Alegrete, encerra seu período de gestão e mais tarde assumirá o governo do Rio Grande do Sul.

    Em seu lugar, depois de um governo-tampão exercido por um ano e quatro meses pelo triunvirato Mateus de Abreu, Nuno de Lossio e Miguel de Oliveira Pinto, virá Francisco de Assis Mascarenhas (1779–1843), o Conde de Palma, que toma posse em dezembro de 1814. 

    Para ganhar sua simpatia às causas da região, os Campos de Palmas receberam esse nome em sua homenagem. Mascarenhas havia tido uma experiência traumática em seu primeiro contato com o que é o Paraná de hoje. 

    O “gaúcho” Atanagildo

    Mascarenhas ainda governava Goiás quando enviou uma expedição para explorar as vias fluviais. Seus homens, “varando de noite a barra do Rio Tietê, desceram pelo Paraná, e se precipitaram no Salto de Guairá, ou Sete Quedas escapando só dois homens”.

    O episódio foi lembrado por Manoel de Sousa Chichorro, secretário do governador, em minucioso relato no qual a situação do Paraná dessa época foi exposta ao Conde de Palma desde suas origens.

    Nessa mesma ocasião, o capitão, depois major Atanagildo Pinto Martins, natural de Castro, foi designado para estabelecer a ligação entre Atalaia (atual Guarapuava), o Noroeste e Oeste do atual Rio Grande do Sul.

    No comando de um grupo militar também acompanhado por paisanos, os tropeiros, o povoador paranaense do Noroeste rio-grandense será no futuro considerado um herói “gaúcho”.

    Yongong e suas esposas  

    Martins será sempre lembrado, ao contrário de quem o levou até lá: o líder indígena Yongong, “descrito como grande conhecedor da região chamada pelos povos nativos de Bituruna ou Ibituruna – Terra Alta das Palmeiras” (Roberto Pocai, Além da “Boca do Sertão”: Pay-bangs e sertanistas nos Campos de Palmas [1809-1869]).

    A rota entre Guarapuava e a Província de São Pedro do Rio Grande do Sul foi designada inicialmente pelos cronistas como “Vereda Missioneira”. O estabelecimento dessa via teve como personagem central o cacique Yongong (ou Pã’íIongong).

    Seu papel nesse pioneirismo se deu amplamente pela grande utilidade das tarefas que cumpriu na missão, oferecendo os préstimos essenciais de vaqueano (guia) e linguará (intérprete).

    A presença desse importante cacique na história foi ignorada porque o padre Chagas Lima o considerava rebelde. Insistia em manter quatro esposas e ao pretender mais uma, de onze anos, chegou a ser preso a mando do religioso. 

    Desencontros e escolhas 

    Rebelde, de fato, Yongong era. Na marcha ao Sul, ele não seguiu a rota pretendida pelo comandante da expedição. Advertindo que seria arriscado percorrer um território controlado por índios bravios – os Kaingangues, “(…) guiou-se mais ao Oriente, e passando pela ponta ocidental dos campos de Palmas, saiu nos da Vacaria” (Joaquim José Pinto Bandeira, Notícia da descoberta dos Campos de Palmas).

    Atanagildo Martins não ficou satisfeito com o roteiro escolhido pelo chefe índio e determinou que ele retornasse até o ponto em que a trilha idealizada pelo comandante deveria ser seguida e retomasse o trajeto com um pequeno grupo. 

    O cacique indígena relutou, mas contra vontade se obrigou a seguir o caminho desejado pelo comandante com alguns homens de confiança. Nenhum deles jamais voltou. Se desertaram ou foram atacados, nunca se soube.

    A Vereda das Missões 

    A conquista dos Campos de Palmas começa de fato quando o tenente Manoel Soares do Vale (1763–1824) completa o levantamento da margem esquerda do Rio Iguaçu em junho de 1815. 

    “Foi aí que atingiu o Rio Chopim, abrindo uma picada de dez léguas de fácil trânsito, de onde retrocedeu, por se acabarem os mantimentos” (Roselys Vellozo Roderjan, A Formação de Comunidades Campeiras nos Planaltos Paranaenses e sua Expansão para o Sul). 

    Levar adiante a abertura da “Vereda das Missões” era essencial para o Sul do Brasil. As autoridades reais e o governo de São Paulo não estavam satisfeitos com os resultados obtidos em Atalaia/Guarapuava porque o alvo maior era obter o controle do Noroeste e Oeste do Rio Grande do Sul e partir para dominar a região do Prata.

    Em agosto de 1815, o comandante da expedição de conquista dos Campos de Guarapuava, Diogo Azevedo Portugal, recebe ordens para regressar a Atalaia e promover cortes de despesas.

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    Tropeiros na Vereda das Missões

     

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  • Padre e militares não se entendiam

    Padre e militares não se entendiam

    O padre curitibano Francisco das Chagas Lima, o membro da expedição de conquista ao Oeste encarregado de comandar o esquema de catequese dos índios, logo no primeiro contato com os nativos abriu uma guerra com os soldados.

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    Quando os índios abordados pelo padre, em sinal de boa vontade, deixaram suas mulheres no forte Atalaia e se recolheram às aldeias, Chagas Lima proibiu os carentes soldados de aceitar a generosa oferta.

    Para o severo padre, o contato íntimo com as nativas, além de desobedecer às ordens régias, afrontava os preceitos da religião. Nem os soldados nem os índios gostaram da decisão do padre, mas os militares nada podiam fazer a não ser obedecer à ordem superior. 

    Os índios, porém, com seus costumes bem diferentes do que o religioso podia supor, entenderam a proibição do padre como uma afronta e decidiram atacar o forte para expulsar os invasores. 

    “Negócios da guerra” 

    A rejeição às mulheres, tomada como ofensa pelos índios, “deu azo a um cerco de seis horas ao fortim, depois do qual os índios derrotados se refugiaram na mata”, segundo o padre Chagas Lima (Memória sobre o descobrimento e colônia de Guarapuava.

    “Os Campos de Guarapuava já tinham sido conquistados, com trezentos homens e peças de artilharia, com muita pólvora e canhões da doce e pacífica sociedade nacional, que destroçavam os inimigos bárbaros e cruéis, armados de flechas, lanças… e porretes” (Almir Antonio de Souza, Brincando nos Campos do Senhor. A Invasão das Terras Indígenas nos Campos de Guarapuava [1809-1820]).

    Pelo relato do padre Chagas Lima, a tropa de soldados luso-brasileiros travou por três meses “negócios da guerra contra os selvagens”, vencendo-os ainda no curso de 1810.

    Conclusão da primeira estrada 

    A exploração do território continuou, apesar das “grandes dificuldades, chuvas e frios rigorosos”, enquanto se escolhia um local para a plantação da roça. Oficialmente, o comandante Diogo Pinto comunicava a seus superiores a conclusão da nova estrada e a chegada da Real Expedição aos Campos de Guarapuava:

    “No final de 1810, chefiando um agrupamento de cerca de 500 homens, finalmente tomamos definitivamente todo o Guarapuava, este amplo terreno de vital importância para civilizar os índios e dar início ao projeto de uma nova estrada para o Rio Grande. Com os progressos de nosso feito será permitido se fundar grandes arranchamentos ou quartéis com roças para sustentar a guarnição”.

    O projeto português de conquista do interior paranaense, porém, vai sofrer um abalo com o início de uma disputa de poder entre a autoridade militar e a autoridade religiosa. 

    Complô com o cunhado

    A divergência entre o comandante português Diogo Pinto e o padre curitibano surgiu já na definição local para o aldeamento de catequese dos índios. Chagas Lima pretendia que eles vivessem em aldeia autônoma, separados da tropa.

    Prevaleceu a força: Diogo Pinto impôs a mistura dos índios com os soldados e escravos, considerando que assim seria mais fácil vigiá-los.

    O padre começou a manobrar para que o chefe militar fosse logo transferido para outra missão. Com isso, convenientemente, ficaria no comando o tenente Antônio da Rocha Loures. Casado com Joana Maria de Jesus Lima, irmã do padre, Loures era seu cunhado.

    Para os portugueses, não se tratava mais de escravizar índios ou vendê-los como escravos, mas sim de conquistar suas terras, começando pelas áreas de campos que podiam imediatamente servir como pastagens para os rebanhos que acompanhavam as expedições. 

    “Depois de três meses de guerras e batalhas sangrentas, os Kaingang dos Koran-bang-rê foram derrotados pelas tropas comandadas por Diogo Pinto de Azevedo” (Kimiye Tommasino e Ricardo Cid Fernandes, Povos Indígenas do Brasil).

    Confissão: trabalho era escravo

    Diogo Pinto terminara o ano de 1810 com a satisfação de ver construída a estrada ligando os Campos Gerais aos de Guarapuava, mas reconheceu que a ocupação do interior do Paraná, desde o início, não foi espontânea:

    “A abertura da estrada para Guarapuava foi feita pelos moradores, que eram obrigados a trabalhar gratuitamente e tratados com severidade. Eram sacrifícios indispensáveis, pois de outra forma, sem vias de comunicação, a conquista de Guarapuava fracassaria, como a anterior”.

    Padre Chagas Lima ia continuar na Atalaia, marco inicial de Guarapuava, mas para o comandante Diogo a posição fincada no interior do Paraná era parte do trabalho de desbravamento do ainda desprezado interior do Rio Grande do Sul, especialmente suas regiões Norte e Noroeste. 

    Os atritos entre militares e religiosos deixavam sem solução a segunda finalidade da Real Expedição: abrir um novo caminho para as Missões.

    Agora, rumo ao Rio Grande

    Embora com atraso, e apenas como ação militar, de Atalaia/Guarapuava partiriam no futuro várias missões encarregadas de plantar povoados/fortins no Noroeste do Rio Grande do Sul. 

    Em apoio ao projeto de alcançar o Norte gaúcho, “os capatazes dos grandes fazendeiros dos Campos Gerais ocuparam os Campos de Guarapuava, cortados pelo Rio Jordão, subafluente do Rio Iguaçu e, em 1840, alcançaram os Campos de Palmas” (Nilo Bernardes, Expansão do povoamento no Estado do Paraná). 

    Os relatórios enviados aos ministros do Reino pelas autoridades curitibanas e pelo comandante da conquista do Oeste, Diogo Pinto de Azevedo, informavam que a tarefa de ocupar os Campos de Guarapuava havia sido cumprida à risca.

    Para fortalecer a conquista do interior e extrair progresso dessa atividade, no entanto, era fundamental enviar mão de obra para trabalhar nas áreas de colonização recente. 

    O governador paulista, Antônio Franca e Horta, sugeria que fossem despachados para a exploração e povoamento do Oeste “alguns vadios e facinorosos que na sua Comarca perturbam o sossego público, os criminosos e criminosas que sentenciar a degredo”. 

    Os degredados eram principalmente militares caídos em desgraça por se envolver em atividades ilegais. Ninguém queria vir para o Oeste. Nem os condenados.

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    Casa subterrânea dos índios Kaingangues que viviam no centro do Paraná

     

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  • Medo e frio, mas nenhum ataque dos índios

    Medo e frio, mas nenhum ataque dos índios

    O comandante Diogo Pinto de Azevedo Portugal embarca em Santos e parte rumo a Paranaguá em 19 de junho de 1809. Carrega com ele um calhamaço de decretos, avisos, instruções, ordens e portarias referentes às ações a ser desenvolvidas na conquista do interior do Paraná. 

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    De Paranaguá, sede da autoridade regional, segue a Antonina, onde suas tropas desembarcam em 24 de junho para se preparar e seguir a Curitiba. Essa primeira etapa da ação no Paraná não lhes foi nada fácil. 

    Depois de transpor a Serra do Mar, “sempre em meio a muita chuva, as tropas alcançaram Curitiba a 2 de agosto, em estado lastimável, sendo a maioria dos soldados internados no hospital” (Arquivo Municipal de Curitiba, Documentos para a história do Paraná [1660 a 1872]).

    Além de 200 homens armados que trazia, a expedição se completa em Curitiba com mais uma centena de colonos (voluntários, mulheres e escravos). À frente, sai de Curitiba em 3 de agosto um primeiro grupo de cem homens. 

    Pelo menos os militares estão cientes de que os Campos de Guarapuava eram habitados por índios da nação Tapuia ou Jê, descritos como “aguerridos”, embora jamais tenham atacado a vanguarda de penetração.

    Paranaguá era a capital

    Vai começar, enfim, a definitiva conquista do Oeste. Partindo em 19 de agosto de 1809 para São Felipe, estabelecida como a vanguarda da frente de penetração, ali o chefe militar mandou explorar um caminho para os “Campos do Cupim” (Imbituva). 

    A abertura do caminho prosseguiu, “chegando a 15 de novembro na [Serra da] Esperança, onde se fez a terceira roça e um grande quartel, distante de São Felipe de trinta e seis a trinta e sete léguas”, detalharia Diogo Pinto em relatório ao ouvidor João de Medeiros Gomes.

    Monitorar o andamento da expedição de conquista ao interior do Paraná não foi o único feito histórico do ouvidor. Ele mudou a sede da Comarca de Paranaguá para Curitiba e provavelmente foi essa decisão que definiu Curitiba – e não Paranaguá, na época em melhores condições – como a capital do futuro Paraná.

    Linhares, o pró-inglês

    Dos Campos do Cupim, a expedição seguiu até os de Guarapuava, ali chegando a 16 de dezembro, “depois de vencidas catorze a dezesseis léguas”. A jornada ainda seria mais trabalhosa, cumprida só após três tentativas, em 28 de dezembro de 1809, para alcançar uma posição de acordo com as especificações das ordens recebidas.

    Já em plena atividade, a abertura da estrada até o destino pretendido avançou em 16 de fevereiro de 1810 com a construção de pontes e aterros rumo a uma posição estratégica, batizada como Abarracamento de Linhares, sete léguas e meia adiante de São Felipe. 

    O local homenageia o ministro Rodrigo Sousa Coutinho, o Conde de Linhares, partidário dos ingleses, sinal de que essa tarefa interessava aos planos britânicos para estender seus domínios pela América do Sul.

    “Aí foram construídos quartéis, capela, armazém, cozinha, hospital, casas de ferraria e de farinha e também se fez uma roça. Na povoação de Linhares deveria permanecer a sede do Comando da Expedição, até o momento de marchar para Guarapuava” (Roselys Vellozo Roderjan, A Formação de Comunidades Campeiras nos Planaltos Paranaenses e sua Expansão para o Sul).

    Medo e frio em Nova Esperança

    A exploração e o prosseguimento da abertura da estrada para a circulação das tropas teve um novo marco no momento em que a abertura alcançou a Serra da Esperança, em 29 de abril de 1810. A turma já havia transitado por ali fazendo explorações e definindo o trajeto da via. 

    Nessa data foi edificado o Quartel da Nova Esperança, “com capela, armazém, três quartéis, ferraria, cozinhas, monjolos, fábricas de farinha, tudo dentro do abarracamento, além de açude e roça”.

    “Muitas pessoas dormem ao relento, junto ao fogo. A noite é tétrica, assombrosa. Mantêm-se fogos bem acesos, com o fim de aquecer e de, pela chama, afugentar as feras e, pela fumarada, os insetos. Há sentinelas alertas, guardas dos animais e guardas dos fogos, com rendição de hora em hora”, relataria o padre Francisco das Chagas Lima.

    Um forte no local escolhido

    “Nas primeiras noites, poucos dormem”, anotou Chagas Lima.. “Depois, pelo hábito e pela fadiga, dormem todos, menos os oficiais de serviço, as sentinelas e os guardas. Ouvem-se constantemente os brados de alerta. Também, às vezes se ouvem rugidos de feras espavoridas”. 

    A vanguarda da expedição portuguesa de conquista inicia a marcha final para alcançar o local pretendido no meio dos Campos de Guarapuava em 10 de junho de 1810. A tropa havia deixado Linhares com cerca de trezentas pessoas: duzentos militares e cem civis. 

    “Em plena mata, nela sobressaindo o pinheiro e a imbuia colossais ao lado da modesta erva-mate, o som dos clarins, as vozes do comando e o tropel dos animais se harmonizam com as vozes da natureza na floresta formidável”, relatava Diogo Pinto:

    “A expedição seguiu picada aberta pelo guarda-mor Francisco Martins Lustosa, e a 17 de junho de 1810, sem oposição do gentio, saiu próxima à cabeceira de um rio que se denominou Coutinho. Como defesa, o comandante fez levantar o forte Atalaia, onde se construíram as primeiras casas para abrigar a tropa e as famílias” .

    “Há de ser bom viver aqui!”

    A expedição, aquelas cerca de 300 pessoas, entre soldados, colonos e escravos, observados à distância por sentinelas indígenas, chegou à cabeceira do Rio Coutinho, batizado com esse nome em uma nova homenagem ao ministro português Rodrigo de Souza Coutinho, já homenageado com o nome do Abarracamento de Linhares. 

    “Apesar da friagem, que belas paisagens!”, anotou o comandante. “Que ar puro! Que água pura! Como há de ser bom viver aqui!”. 

    No auge do inverno, os cavaleiros “tiveram a impressão de penetrar em um mundo fantástico de cristal, tão grande era a beleza dos campos guarapuavanos cobertos de gelo. A natureza caprichara naquela geada para receber os primeiros povoadores” (Gracita Marcondes, Nossa gente conta nossa história). 

    Em 2 de julho foi escolhido o local onde a povoação ficaria – Atalaia foi seu primeiro nome. Exatamente como Diogo Pinto de Azevedo previra, em nenhum momento a grande expedição foi perturbada pelos índios. Só começaram a haver atritos quando os portugueses pressionaram os nativos para servi-los em aldeamento, contrariando seus costumes.

    Primeiro contato foi pacífico 

    Duas semanas depois de levantada a Atalaia, foi atraído o primeiro grupo de índios, provenientes das tribos Camés, Votorões e Cayeres, que habitavam diversos pontos dos campos visados pela ocupação. 

    Segundo os cronistas da expedição, o grupo foi “muito bem tratado e agraciado, com presentes, durante sua permanência na povoação”. Desse primeiro contato, porém, resultaria o primeiro foco de atrito no paradisíaco cenário de inverno do centro paranaense.

    Ao se retirar, os índios deixaram várias mulheres no acampamento. De acordo com seus costumes, este é um sinal de amizade e reconhecimento. O padre Chagas de imediato reuniu os homens e os exortou a evitar “a tentação de qualquer contato com as índias”. 

    A reação que veio a seguir foi como uma declaração de guerra, como será visto na próxima semana.

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    Representação do cacique Tindiquera no Bairro Alto, em Curitiba, homenageia os índios do Paraná | foto: Washington Cesar Takeuchi

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  • Pitt, o inglês que planejou o Brasil

    Pitt, o inglês que planejou o Brasil

    Com a influência inglesa sobre Portugal crescendo no período das Guerras Napoleônicas, o chanceler britânico William Pitt II (1759–1806) propunha construir um “império” para acolher colonos de todo o mundo para povoar o “país das amazonas”, os “confins do Paraguai” e as “vizinhanças do lago Xaraés” (Araguaia-Tocantins).

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    Só estavam proibidos os revolucionários franceses. William Pitt, alcunhado “o Jovem” por ter o mesmo nome do pai, era uma personalidade singular. Simpatizante da Revolução Francesa, como chefe no governo inglês lhe coube combater os revolucionários. 

    Foi ele quem sugeriu o primeiro projeto de grande nação para o Brasil anglo-lusitano: aproveitar a navegabilidade dos rios, fundar uma “Brasília” (à qual sugeriu o nome de “Nova Lisboa”), onde passariam a viver o rei português e sua Corte, ramificando “estradas reais” ao Pará, Rio de Janeiro, Olinda, Salvador e portos do Pacífico.

    Declaração de guerra 

    Dando sequência a esse projeto, os ingleses escoltaram o príncipe João de Bragança e a família real ao Brasil e de imediato foi providenciada a expedição de conquista ao interior do Paraná, que daqui estenderia seus caminhos à região missioneira do atual Rio Grande do Sul.

    A ordem veio com a Carta Régia de 1° de abril de 1809, determinando uma nova expedição “ao descobrimento dos Campos de Guarapuava, a catequese, e declaração de guerra àqueles índios Botocudos”. 

    Os índios do Paraná compunham na verdade uma ampla diversidade étnica, sem relação específica com os Botocudos, designação que para Portugal, nessa época, definia a totalidade dos índios de sua colônia sul-americana. Depois prevaleceria o termo “bugres”, que designava os índios sem catequese.

    “Entre os diversos agrupamentos indígenas existia rivalidade e desacordo de ideias, mas também momentos em que os líderes se entendiam. Entre esses índios relatados nos chamados sertões estavam Camés, Votorões, Dorins e Xocrens – todos do tronco Jê” (Afonso d’Escragnolle Taunay, Os índios Kaingang). 

    Imigrante de preferência militar

    Para ocupar as terras dos índios e suprir a redução da mão de obra negra, consequência imediata da proibição do tráfico escravista, os ingleses propunham trazer europeus. 

    Ocupar os espaços despovoados do interior do Brasil utilizando a mão de obra dos europeus empobrecidos pelas guerras foi a estratégia sugerida a Portugal por William Pitt em 1809, proposta que está na base da substituição da mão de obra escrava. 

    A preferência por famílias de militares europeus se encaixava na meta de combater os índios. Além disso, as autoridades portuguesas pretendiam aproveitar o trabalho dos vagabundos – ou seja, recrutar quem não quisesse trabalhar segundo as normas capitalistas com a promessa de encontrar riquezas no interior. 

    A preparação da mão de obra e a composição dos quadros militares, nesse caso, seria providenciada acionando os meios legais para direcionar a repressão ao crime e ao ócio como fonte de recrutamento para o trabalho forçado e ao adestramento militar. 

    Criminosos e estrangeiros

    Ao reprimir a vadiagem, a polícia estaria recrutando os desocupados para o trabalho semiescravo ou para as frentes militares de luta, abertas para a expansão do império ao Sul, Norte e Oeste.

    Além de pôr a polícia para recolher vadios e pô-los a serviço na lavoura ou frentes de batalha, o chefe policial Paulo Fernandes Viana (1757–1821) executou um programa de atração de famílias açorianas para trabalhar nas áreas tomadas aos índios em atividades agropecuárias.

    A polícia pagava as passagens e custos de transferência de jovens casais açorianos para o Brasil, fornecendo-lhes habitações, terrenos, ferramentas, carros e bois ou cavalgaduras. Benefícios, facilidades e instrumentos negados aos “vadios” – índios, negros e mestiços.

    Essas táticas de ocupação do interior seriam os “justos motivos que fazem suspender os efeitos de humanidade”, afirmava o príncipe João, autorizando “a guerra contra esses bárbaros índios”, para favorecer a distribuição de sesmarias aos brancos obedientes ao Reino.

    “Matam cruelmente”

    Idealizada pelo coronel engenheiro português João da Costa Ferreira e pelo inspetor de índios paulista José Arouche de Toledo Rendon, a Real Expedição de Conquista dos “sertões” do Paraná foi desenhada passo a passo para ser executada como operação militar e religiosa.

    Ferreira e Arouche elaboraram minuciosamente todo o procedimento que a expedição deveria seguir para tomar a posse definitiva da região e iniciar o aldeamento e catequese dos índios. 

    Seria uma força especial: além de militares traquejados no comando e de um experiente catequista, levaria escravos para trabalhar na construção de estradas, roças, capelas, instalações civis e militares.

    “Tendo presente o quase total abandono em que se acham os campos gerais de Curitiba e os de Guarapuava, assim como todos os terrenos que deságuam no Paraná (…) infestados pelos índios denominados bugres, que matam cruelmente todos os fazendeiros e proprietários que nos mesmos países têm procurado tomar sesmarias e cultivá-las em benefício do Estado; de tal maneira que […] maior parte das fazendas […] se vão despovoando”, rezava a Carta Régia de 1808 – Sobre os índios Botocudos, cultura e povoação dos Campos Gerais de Curitiba e Guarapuava.

    A Vereda das Missões

    Uma nova carta régia, em 19 de abril de 1809, determinava a abertura de uma via diretamente do interior do atual Paraná até as Missões. Será a origem de várias povoações ao Norte, Noroeste e Oeste do atual Rio Grande do Sul.

    A operação seria iniciada com o envio do alferes Atanagildo Pinto Martins (1772–1851). Nascido em Castro e servindo na Cavalaria Miliciana de Curitiba, caberia a ele abrir a “vereda das Missões”, no período entre 1814 e 1819. 

    Antes de enviar Martins rumo ao Sul, porém, o comandante Diogo Pinto de Azevedo Portugal precisava completar a tarefa de estabelecer uma posição fortificada em Guarapuava. 

    Com as instruções detalhadas que recebeu em São Paulo, Diogo seguiu para Santos, ali chegando em 3 de junho de 1809, onde iniciou o rápido preparativo da “tropa de linha”, que levaria parte do material necessário – o restante seria providenciado em Curitiba. A conquista definitiva do Oeste iria começar.

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    William Pitt projetou o Brasil grande, preconizou Brasília e propôs a imigração

     

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