Autor: Alceu Sperança

  • Dilema: aceitar o domínio francês ou fugir

    Dilema: aceitar o domínio francês ou fugir

    O mundo está prestes a sofrer uma nova configuração geopolítica nos primeiros anos do século XIX. Em Lisboa, as tensões se acumulam com a força francesa prestes a controlar o país. Os ingleses colocaram diante do príncipe João duas opções: pôr sua esquadra sob o comando inglês ou embarcar imediatamente para o Brasil. 

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    Em 13 de novembro de 1807 a família real começa os preparativos para a opção escolhida: vir ao Brasil. A ruidosa partida ocorre em 29 de novembro, com quinze mil pessoas lotando as embarcações. Seriam 54 dias de viagem.

    No dia seguinte à partida, enquanto a enorme comitiva já se desloca pelo oceano, os franceses ocupam Lisboa, sob o comando do general Jean-Andoche Junot. Os franceses tiveram nesse momento a grande frustração de saber que haviam perdido o Brasil – e logo em seguida todo o Cone Sul – para a Inglaterra.

    Guerra à França

    Dominar toda a região do Prata, ocupando Buenos Aires, o atual Uruguai e tomando ao Norte áreas ainda sob domínio francês levariam à construção do maior império do mundo – um imenso reino português. 

    A França não conseguiu se antecipar e Portugal não conseguiu completar, permitindo assim à Inglaterra cumprir mais uma etapa rumo à afirmação do seu próprio império.

    A esquadra portuguesa que traz a família real ao Brasil alcança a costa da Bahia em 18 de janeiro de 1808. Instala-se em março no Rio de Janeiro e em maio o príncipe João de Bragança declara guerra à França, invadindo sua Guiana.

    Com a rainha Maria afastada, João governa com plenos poderes e ordena tirar dos índios as regiões que eles ainda controlavam entre o interior do atual Paraná e o Norte do Rio Grande do Sul.

    Cumprir essa tarefa seria “civilizar os povos bárbaros”, submetendo-os a “uma escola severa, que por alguns anos lhes faça conhecer os bens da sociedade e avaliar o maior e mais sólido bem que resulta do exercício das faculdades morais do espírito, muito superiores às físicas e corporais”.

    “Mortandades e crueldades”

    Em Carta Régia datada de 5 de novembro de 1808, o príncipe regente reconhecia que os métodos até então tentados na região não foram eficazes para obrigar os índios a “gozarem dos bens permanentes de uma sociedade pacífica e doce, debaixo das justas e humanas leis que regem os meus povos”.

    A seu ver, o “sistema de guerra defensiva” não surtia efeito, restando a alternativa da guerra ofensiva. 

    O príncipe suavizou a orientação ao ordenar que o plano de ocupação deveria ser tão amistoso quanto possível, “considerando que não é conforme os meus princípios religiosos e políticos o querer estabelecer a minha autoridade nos Campos de Guarapuava e território adjacente por meio de mortandades e crueldades contra os índios, extirpando as suas raças”.

    Para João, os índios deveriam ser submetidos “por meio da religião e civilização, até para não ficarem desertos tão dilatados e imensos sertões”. 

    A Expedição Real de Conquista

    Uma nova Carta Régia, datada de 1º de abril de 1809, além de definir o Rio Uruguai como limite sul da Comarca de Curitiba e Paranaguá, estabelecia as regras que o governo paulista deveria seguir para organizar a Expedição Real de Conquista de Guarapuava.

    A expedição ficaria sob o comando do tenente-coronel Diogo Pinto de Azevedo Portugal, tendo como subcomandante o tenente Antônio da Rocha Loures (1781–1849), que vinha de uma consagrada ascendência e também deixaria uma ampla e próspera descendência.

    Filho de curitibanos, nascido em São José dos Pinhais, Rocha Loures descendia de Mateus Martins Leme, capitão povoador de Curitiba, e também das influentes famílias paulistas Veiga, Prado, Bueno da Ribeira, Pires e Mendonça.

    Os planos lusos para o interior paranaense foram minuciosamente previstos: “Com relação à segurança do povoado, as casas deveriam estar afastadas umas das outras e se possível cobertas com telhas, para evitar as flechas incendiárias, e, além disso, deveriam estar rodeados por fosso ou trincheiras, esperando com isso manter afastados os índios bravos” (Almir Antonio de Souza, Brincando nos Campos do Senhor – A Invasão das Terras Indígenas nos Campos De Guarapuava [1809-1820]).

    Capturar “ociosos e vagabundos”

    Endereçada ao governador paulista, Antônio da Franca e Horta, a Carta Régia de 1º de abril de 1809 aprova o plano de povoar os campos de Guarapuava e de “civilizar os índios bárbaros que infestam aquele território”. 

    Para atrair colonos dispostos a trabalhar na região, ensaiava uma tímida “reforma agrária” com as terras dos índios: os colonos pobres que não tivessem sesmarias poderiam ganhar pequenos pedaços de terra devolutas.

    Inicialmente, a mão-de-obra seria escrava, fornecida pelos fazendeiros dos Campos Gerais e de Curitiba para trabalhos pesados, como a construção das estradas. 

    Seriam capturados para seguir à frente de ocupação “as pessoas sem estabelecimento fixo” e “os ditos ociosos e vagabundos deverão ser arregimentados também para o trabalho”.

    Entusiasmo em Curitiba 

    Finalmente, em 24 de maio de 1809 o governador paulista comunicava ao Conde de Linhares (ministro Rodrigo de Sousa Coutinho, pró-inglês e influenciador do príncipe) acharem-se “finalmente vencidos todos os obstáculos que se opunham à pronta expedição dos Campos de Guarapuava”.

    “Durante os vários meses que durou a organização da tropa, a população de Curitiba viveu em clima de agitado entusiasmo. Os campos de Guarapuava já eram lendários no espírito do povo, pelas maravilhas que dele se contavam, avolumando-se com o passar do tempo. Lembrados do fracasso da tentativa de Afonso Botelho, 40 anos antes, os padres se encarregavam de convencer o povo da certeza da vitória, sem derramamento de sangue, necessária para a cristianização de milhares de índios. Essa certeza lhes era dada pelo próprio Azevedo Portugal, que há tempos vinha garantindo que a conquista pacífica dependia apenas de uma expedição numerosa e bem armada, à qual os índios não reagiriam, como tinham feito com a pequena tropa de Afonso Botelho e Cândido Xavier” (Nivaldo Kruger, Paraná Central: A Primeira República das Américas).

    A Real Expedição de Conquista dos “sertões” do Paraná foi projetada pelo português João da Costa Ferreira (1750–1822), coronel da Engenharia, e pelo paulista José Arouche de Toledo Rendon. 

    Costa Ferreira se destacou nas obras de reconstrução de Lisboa, devastada pelo terremoto de 1755. Foi de sua lavra, além do levantamento cartográfico e projeto de povoamento para Guarapuava, a carta corográfica e hidrográfica dos portos de Santos, Cananeia, Paranaguá e Guaratuba.

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    Busto do capitão Antônio da Rocha Loures em Guarapuava

     

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  • Ordem aos paranaenses: produzir farinhas

    Ordem aos paranaenses: produzir farinhas

    1800. O novo século começa com as consequências das guerras napoleônicas. Uma delas – a escassez de alimentos em Portugal –, já afastada a rainha Maria I, tida por louca e fanática religiosa, fez o príncipe regente João de Bragança exigir do Brasil mais farinha para o pão de seus súditos. 

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    A ordem para priorizar a produção de farinhas foi repassada a Curitiba e Paranaguá pelo governador paulista, Antônio Manuel de Melo e Castro de Mendonça. Em carta datada de 15 de dezembro de 1801, o governador comunicava ao secretário de Estado da Marinha e Ultramar, Rodrigo de Souza Coutinho, que determinara o incentivo ao plantio da mandioca na Capitania.

    Os preços do açúcar desabavam e os do algodão, requisitada matéria-prima americana, aumentavam significativamente. O perfil da economia mundial mudava, transformando também a estrutura produtiva do Brasil e determinando a vocação agrícola – e agroindustrial – do Paraná. 

    A região, a partir daí, fornecerá farinhas para as frentes de batalha no Sul, no Mato Grosso e para o Nordeste resistir a longos períodos de seca.

    O clã dos Andrades

    Após a morte do líder Lourenço Ribeiro de Andrade, em 1799, seu filho mais velho, Antônio, herdou com os negócios, comércio de gado e fazendas de criar, as funções de capitão-mor de Curitiba, equivalente às de governador. 

    Em sua condição de tropeiro, o novo líder de Curitiba tinha uma ativa cumplicidade com bandos de ladrões de gado e contrabandistas de cavalos nas esgarçadas fronteiras sulinas. 

    Antônio Andrade ficou ainda mais rico e poderoso que o pai porque, para o contexto da época, a ligação com bandos e as ocupações de terras não constituíam atividades imorais ou criminalmente condenáveis.

    O líder guerrilheiro paranaense Maneco Pedroso, por exemplo, foi um dos patriotas que tomaram dos espanhóis a região dos Sete Povos das Missões. 

    No governo do clã Ribeiro de Andrade teve início a imposição do capitalismo no Paraná e a ocupação do Oeste. Além de oficial da Câmara da futura capital, Antônio também foi capitão-mor da Freguesia de São José e deve ser reconhecido como precursor dos futuros banqueiros.

    Índios, o obstáculo habitual

    Resolver a questão indígena era um componente obrigatório para a política de aproveitamento econômico da região, ainda defendida bravamente pelos descendentes do bravo cacique Guairacá, que “em sua fase áurea chegou a liderar cem mil índios, de doze tribos e nações diferentes” (Nivaldo Kruger, Paraná Central: A Primeira República das Américas).

    Desde a primeira tentativa de ocupar o interior, em 1776, a proposta do capitão Afonso Botelho, apoiada pelos exploradores do sertão, era repudiada pela religião: sequestrar seus filhos para doutriná-los segundo a cultura europeia, liquidar os guerreiros e acasalar suas mulheres com soldados.

    Na Corte em Lisboa ainda prevalecia a inclinação religiosa dos soberanos portugueses. Historicamente, os religiosos se opunham à escravatura dos índios e a rainha Maria herdou de seus antepassados uma extrema fidelidade à Igreja Católica. 

    O príncipe João, entretanto, foi aconselhado a vencer e doutrinar os índios combinando a força militar com a catequese religiosa. 

    Rendon: plano para dominar os índios 

    Com a rainha afastada, crescia na Corte do príncipe João a aceitação à proposta de responder à ofensiva napoleônica formando “um grande império do outro lado do Atlântico”, defendida, dentre outros, pelo ministro Rodrigo de Souza Coutinho. 

    Um grandioso império, entretanto, não podia ter uma vasta fronteira desocupada. O projeto de usar a religião e a força combinadas para vencer os índios partiu de José Arouche de Toledo Rendon (1756–1834), diretor-geral das Aldeias da Capitania desde 1798. 

    Em 1802 ele apresentou um plano que consistia em “abolir os aldeamentos, transformando-os em núcleos ou povoações comuns”.

    Em meio a difíceis tratativas para organizar a campanha de ocupação do interior do Paraná, entre junho e outubro de 1803 a Capitania de São Paulo foi governada, interinamente, por um triunvirato composto pelo bispo d. Matheus de Abreu Pereira, o ouvidor Miguel Antônio de Azevedo Veiga e o intendente da Marinha, José Maria Couto. 

    O trio preparou uma excursão às matas inexploradas com a intenção de preparar as bases das futuras cidades.

    Os pontos interessantes 

    As determinações régias encaminhadas ao governador Antônio Mello e Castro de Mendonça na virada do século recomendavam, segundo ele mesmo, povoar “os pontos interessantes da capitania nos seus limites com Espanha, e os que dominam as cabeceiras dos rios que vão desaguar nos domínios espanhóis ou no Paraguai ou no rio da Prata” (Arquivo Histórico Ultramarino).

    O padre curitibano Francisco das Chagas Lima e o militar português Diogo Pinto de Azevedo seriam os encarregados de cumprir os desígnios do príncipe João de tomar as terras do interior dominadas pelos índios. Eles chefiariam o emprego das duas armas recomendadas pelo estrategista Arouche Rendon: a cruz e a espada.

    No fim de 1804, Napoleão Bonaparte é coroado Imperador da França em cerimônia referendada pelo papa Pio VII, mais um marco no avanço do capitalismo. Napoleão I, que estimulara os experimentos de Robert Fulton com embarcações e armas, ambicionava unificar a Europa sob seu cetro.

    Povoados deveriam ter 18 famílias 

    A organização da uma “expedição real de conquista” ao interior do Paraná foi decidida em meio a fortes embates entre o novo governador paulista, Antônio José da Franca e Horta, e as lideranças paranaenses.

     São estabelecidas em Curitiba “as condições e formalidades com que se deve fazer o caminho do Sertão”: “Será muito útil fazerem-se povoações no sertão que não poderão ser menos de dezoito fogos para poderem fazer frente aos bugres” (Raul d’Almeida, História de Rio Negro).

    Fogo era a casa ou parte dela em que habita independentemente uma pessoa ou família. Uma casa de três cômodos poderia somar três fogos, desde que fossem indivíduos ou famílias independentes entre si.

    Fácil planejar, difícil cumprir. Assim, somente em abril de 1807 começam a se definir os contornos da estratégia de ocupar o vasto interior inexplorado do Paraná. Tudo, porém, ainda dependeria de um movimento no xadrez europeu: o destino da família real portuguesa. 

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    Arouche Rendon idealizou a fórmula que fez Portugal vencer os índios do interior paranaense

     

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  • Oeste seria francês, às ordens de Napoleão

    Oeste seria francês, às ordens de Napoleão

    O ano de 1800 fecha o século XVIII, no qual a burguesia conquista o poder político, abalando o absolutismo e instaurando seu sistema: o capitalismo, que vai se impor em escala global durante o século XIX, período em que também o Paraná se completará como província autônoma. 

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    Em 1800, o mundo alcançava seu primeiro bilhão de pessoas. A eletricidade começa a ser domada por Ritter. A Companhia das Índias Orientais desenvolve crescentes atividades na China, para onde os ingleses contrabandeiam ópio, oferecido em troca dos preciosos produtos orientais.

    A Guerra do Ópio seguirá até meados do século, apresentando consequências duradouras. Caracteriza, por seu impacto sobre o Oriente, a ofensiva global da Inglaterra para expandir sua influência, pela força do comércio, do dinheiro e das armas. Em breve o Brasil e o Paraná também estarão sob o domínio britânico.

    Os bárbaros Tupis

    Por enquanto, no interior do futuro Paraná, só os campos de criação progridem, até onde é possível haver proteção militar. Além dela está a imensa extensão das terras ainda sob domínio indígena. 

    Sair para as matas não controladas pela força militar, bancada pelos latifundiários (sesmeiros) que exploram a economia tropeira (pecuária), significa, portanto, enfrentar a resistência dos índios.

    O espanhol Miguel Lastarría, secretário do vice-rei do Prata, Juan José de Vértiz y Salcedo (1719–1799), enviou relatório à Europa informando que “os bárbaros Tupis vagam pelos grandes e espessos bosques (…) e muito no interior dos domínios portugueses, desde as cabeceiras do Piratini para o Rio Curitiba ou Iguaçu” .

    Muitos europeus ainda chamavam o Rio Iguaçu de “Rio da [Comarca de] Curitiba”. 

    O treinamento de padre Chagas

    A preparação para a conquista da vastidão interiorana do Paraná começa longe daqui, com a designação do padre curitibano Francisco das Chagas Lima (1757–1832) para aldear e catequizar índios nômades dos sertões de Mantiqueira, na divisa da Capitania de São Paulo com Minas Gerais.

    Era um treinamento para a missão que lhe seria confiada no interior do futuro Paraná. Lima se saiu bem na missão de formar a Aldeia de São João de Queluz, à qual impôs um padrão modelar.

    Sobre o futuro do interior ainda despovoado, padre Aires de Casal supunha que “depois de subjugados os selvagens de Guarapuava, ela deve crescer; e seus extensos contornos passarão a ser semeados de grande número de aldeias, cujos moradores, livres deste flagelo, poderão criar muito gado, e fazer florescer a agricultura”.

    Por ora, Portugal, no olho do furacão da disputa entre França e Inglaterra pelo controle da Europa, pretendia evitar que os “ideais franceses” (republicanos) se alastrassem por sua grande colônia sul-americana. 

    Lisboa autorizou no outono de 1800 o envio ao Brasil da força naval do almirante Donald Campbell para aumentar a força militar lusa na região.

    O papel da Fazenda Fortaleza

    O vice-rei José Luís de Castro (1744–1819), Conde de Resende, via dificuldades para o sustento de um grande efetivo militar, mas reforçou a defesa de Santa Catarina com um regimento da Infantaria e pôs em alerta as forças disponíveis no Rio Grande e Mato Grosso.

    Viu que era urgente ocupar o interior. Portugal precisava ir além do que era o Paraná no início de século XIX – Litoral, Curitiba e Castro. Assim, em 22 de outubro de 1800 ocorre uma transação que influirá decisivamente no desbravamento e ocupação do então remoto interior do Paraná.

    O coronel Joaquim Aranha de Camargo, influente personalidade da Justiça e da política em São Paulo, amigo da família real e descendente do rei Afonso Henriques, formalizava a transferência de sua sesmaria ao sargento-mor José Felix da Silva Passos, “com todo o gado e animais”, fazendo com que o enorme latifúndio do adquirente chegasse a 86 mil alqueires.

    O padre e o militar

    Acumular essa grande propriedade teria sido um prêmio a José Félix pela matança de índios Kaingangues, único obstáculo para a plena ocupação das terras requeridas. Os nativos eram acusados de invadir plantações, matar animais e atrapalhar a passagem dos tropeiros. 

    Eram conhecidos como Coroados, pelo corte raso do cabelo formando uma roda (ou coroa) acima da nuca.

    Desse latifúndio – a Fazenda Fortaleza – e do horror aos massacres patrocinados pelo coronel José Félix para eliminar os obstáculos à sua expansão territorial viria o projeto de ocupar o interior pela presença militar combinada com o esforço pelo aldeamento dos índios. 

    Esse plano teria como protagonistas o padre curitibano Francisco das Chagas Lima e o militar lusitano Diogo Pinto de Azevedo Portugal (1750–1820).

    Os índios resistiam bravamente às incursões das forças militares, limitadas pela fidelidade do trono luso ao papado, contrário ao massacre dos índios. 

    A rainha Maria I era uma católica fanática, mas em fevereiro de 1792 os médicos a atestaram como incapaz de gerir o reino. 

    Com a morte do primogênito José, preparado desde criança para herdar o trono, o reinado caiu nas mãos do débil príncipe João, que sob outras influências teria os índios como inimigos. 

    Sem as amarras que prendiam os militares, os grupos paramilitares de José Félix ousavam ocupar novas áreas enquanto clamavam por autorização real para promover “guerra justa” aos índios.

    Maior império do mundo

    A França tentou sem sucesso, mais de uma vez, tomar conta de todo o Brasil e nessa época o Oeste do Paraná quase acabou nas mãos de Napoleão. 

    As pressões sobre João cresciam. Sua esposa, a princesa espanhola Carlota Joaquina (1775–1830), queria que Portugal abandonasse os ingleses e se aliasse às forças napoleônicas.

    Carlota formou um partido secreto com a intenção de declarar João incapaz de governar, como já havia acontecido com a mãe, Maria I, a Louca. Se assumisse o trono em lugar de João, Carlota seria a líder do maior império do mundo, constituído pela Península Ibérica e América do Sul.

    O projeto foi proposto pelo chefe militar português, Marquês de Alorna. Teria como protagonista o próprio príncipe João. Começaria a partir do momento em que a família real se transferisse para o Brasil. 

    Com a rainha afastada, João governaria o novo grande império a partir do Rio de Janeiro. Mas se Carlota triunfasse, o Oeste voltaria a ser espanhol, agora submetido à influência francesa. 

    Com as manobras britânicas em favor do submisso João, o Brasil continuou português, mas agora sob ampla influência inglesa.

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    Padre Francisco das Chagas Lima teria duas tarefas: pacificar os índios e controlar os militares

     

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  • Forca, guilhotina e genocídio

    Forca, guilhotina e genocídio

    No Brasil, os desafiantes da rainha Maria I, a Louca, pagaram com prisão e banimento pela ousadia de tentar a libertação da colônia. Tiradentes pagou com a vida, em abril de 1792. 

    Na França, foi a autoridade real que sucumbiu à força da rebeldia popular. Em 21 de janeiro de 1793 o rei Luís XVI e sua rainha Maria Antonieta, sentenciados pelo tribunal popular por “alta traição”, morrem na guilhotina. 

    A rainha portuguesa também temia ser guilhotinada se continuasse na Europa, dando força ao boato de que iria se mudar para o Brasil.

    Como resultado da nova realidade vigente na França (a República), a realeza de Portugal decide reagir aos ventos antimonárquicos que sopravam de Paris se unindo à Espanha na chamada Primeira Coligação, que reunia nações absolutistas na pretensão de barrar a França revolucionária. 

    A guerra sustentada pela Inglaterra contra a França centralizará as atenções mundiais desde essa época.

    Crise e terra indígena 

    A Paz de Basileia, assinada em julho de 1795 entre a Espanha e a França, deixou Portugal de fora. 

    Abandonado pela Espanha frente a uma França ávida por domínio, defendendo-se por sua própria conta e logo se inclinando a uma aliança com a Inglaterra, Portugal sofre sérios prejuízos.

    “Os corsários franceses prearam mais de 200 milhões de francos de cargas levadas do Brasil” (Oliveira Lima, D. João VI no Brasil). Os acontecimentos mundiais no final do século XVIII, portanto, empurravam Portugal para uma séria crise. 

    O Brasil, nessa época, despontava como a grande força comercial lusitana. “Em 1796, nove décimos das exportações portuguesas para o Reino Unido eram de procedência brasileira” (Pedro Calmon, História da Civilização Brasileira).

    No interior do futuro Paraná, arrojados sertanistas promoviam ilegalmente sangrentas incursões para tentar o domínio das terras ainda controladas pelos índios, que resistiam ao assédio militar português. Era crime, mas gerar riquezas salvaria o reino. 

    Índios na zoologia

    Entra em voga nessa época a Corografia Brazileira, do padre Aires de Casal, primeiro livro editado no Brasil. O padre incluía os indígenas entre os animais na descrição da zoologia sul-americana.

    Pretextos e provocações não faltaram para combater os índios resistentes no interior do Paraná, apesar de Portugal ser governado por uma rainha católica, religião que condenava os genocidas ao inferno.

    Com o fim da gestão de Bernardo José de Lorena em 27 de junho de 1797, a Capitania de São Paulo passou ao comando de Antônio Manuel de Mello Castro e Mendonça, que tinha o apelido de Pilatos. 

    Com Mendonça, o que hoje é o Paraná começou a ser mais bem conhecido e planejado. Em sua gestão, que virou o século, organizou 24 mapas com dados minuciosos sobre a população em 1800.

    Um plano para a agricultura 

    Os eventos preparatórios para a conquista do interior do Paraná começaram a se esboçar de fato no final do século XVIII: em 1797, ao ser promovido ao posto de sargento-mor de Milícias, Diogo Pinto de Azevedo Portugal recebe a missão de comandar o Regimento de Cavalaria de Curitiba, de onde sairá para fundar Guarapuava.

    Para acalmar a crise no Paraná dessa época foi essencial a liderança do capitão-mor de Curitiba, Lourenço Ribeiro de Andrade. Ele foi o precursor da moderna agricultura que depois, com o café e a soja, faria a riqueza do Paraná. 

    Andrade designou agentes para em cada bairro estimular lavouras e “a nobre profissão de Cincinato*, que no seu dizer era o primeiro móvel da felicidade do povo” (Maria Helena Cordeiro Inssa, Os Louros de Lourenço).

    Havia preocupação das autoridades portuguesas com a pobreza dos paranaenses nessa época de revoluções e contágio das “ideias francesas”, ou seja, burguesas (revolucionárias e republicanas). 

    * Lúcio Quíncio Cincinato (519–439a.C.) foi um general e ditador romano que se dedicou à agricultura. 

    Criar gado ou pegar em armas?

    O declínio da mineração e o fim das expedições para além dos Campos Gerais, bloqueadas pelos governos do Rio de Janeiro e da matriz Portugal para evitar massacres indígenas, deixaram aos jovens da região como opções apenas o negócio do gado e combater os invasores espanhóis nas frentes de luta.

    Isso permitiu ao governo regional estabelecer uma estrutura agrícola que mesmo ainda reduzida conseguiu abastecer a força militar com “bastante trigo, feijão, alguma vez milho, fumo ou tabaco de corda, toicinho e a erva chamada Congonhas [mate] que a terra produz” (Romário Martins, Terra e Gente do Paraná). 

    Até então, a prosperidade, no entender de Andrade, limitava-se aos os criadores “que tinham campos e exportavam bois, potros e algumas bestas” e eram os donos das principais fazendas de Paranaguá, Santos e São Paulo. Andrade manifestava preocupação com os demais cidadãos, sem tais posses: “Como ficarão?”, perguntava.

    A seu ver, a opção pela agricultura se apresentava como a saída mais viável, apesar da falta de conhecimentos dos colonos, habituados a tarefas que não requeriam técnica. 

    Andrade confiava que a agricultura permitiria dar sustento e aumentar a população, trazendo a esperança de melhorar suas condições até que chegasse “o tempo anunciado das grandes felicidades desta terra”.

    Algodão, lã, madeira e couro

    O fim da Primeira República francesa, em 9 de novembro de 1799 – o Golpe do 18 Brumário, início da Era Napoleônica – deu sequência a uma cadeia de eventos que viraram o século, como a guerra entre França e Inglaterra, cujos desdobramentos afetarão o Brasil e o futuro Paraná.

    Um dos cenários avaliados pelo governo português, comandado pelo ministro Rodrigo de Sousa Coutinho, seria deslocar seu centro político para o Brasil, edificando um “vasto Império luso-brasileiro” (Ana Rosa Cloclet da Silva, Identidades Políticas Na Crise Do Antigo Regime Português). 

    A definição, em breve, caberá ao príncipe João. Nesse raiar do século XIX, as atividades dos paranaenses eram ainda limitadas à sua economia interna. 

    “Com o algodão que vinha da região de Sorocaba e com a lã de seus próprios carneiros, em rodas de fiar e teares, manejados pelas mulheres, fabricavam o pano de sua roupa. Com a madeira de seus capões, construíram suas casas, suas mobílias, suas cercas, seus galpões. Com o ferro em barra armazenado, reparavam seu instrumental de trabalho. Do couro de suas crias faziam os aperos de seus cavalos, os arreios, lombilhos, xergas, laços, buçais, sinchas, botas” (Brasil Pinheiro Machado, Formação da estrutura agrária tradicional dos Campos Gerais).

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    Família de cafeicultores paranaenses

     

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  • As multidões que viviam no Oeste do Paraná

    As multidões que viviam no Oeste do Paraná

    Em 1777 morreu o rei José I e subiu ao trono a rainha Maria I. Os reinos de Portugal e Espanha celebraram acordo para manter seus territórios conquistados nas Américas, mas mesmo com o fim da guerra entre os europeus novos conflitos não estavam descartados.

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    Era preciso estruturar uma força militar brasileira para vigiar e manter as fronteiras asseguradas pelos acordos. Ela não ficaria ociosa: sua manutenção era garantia de segurança às fazendas de gado.

    Segurança, no entender dos coronéis, significava meios para aumentar a extensão das fazendas, ocupando as terras ainda sob controle dos índios que não se deixavam escravizar.

    Na busca de gente branca disposta a se estabelecer no vasto interior “despovoado”, o governo paulista ordenou reunir “todos os vadios e dispersos ou que vivem em sítios volantes” para povoar a vanguarda estabelecida pelas fortificações militares a ser criadas na região.

    Maria, rainha da paz

    Para conseguir de Portugal uma fortificação avançada no interior do futuro Paraná, a tática empregada pelos fazendeiros era reportar ataques indígenas às fazendas já existentes. 

    Não funcionou. A rainha Maria privilegiava a paz e a cultura. Mas tinha um ponto fraco: o fanatismo religioso, que seus inimigos viam como sinal de loucura.

    Por trás da acusação havia uma rede de interesses que iam das intrigas na colônia à frágil situação de Portugal nas condições da Europa em sua época. 

    No Brasil, o antagonismo à rainha começa em 1785, quando impôs restrições à atividade industrial, proibindo a fabricação de tecidos e outros produtos.

    A elite local não gostou e em Lisboa começavam a circular murmúrios já em 1789 sobre um plano para transferir a corte portuguesa ao Brasil. 

    A família brasileira 

    A colônia poderia gerar muito mais riqueza aumentando a população. Soldados engravidando índias produziriam uma família brasileira que teria interesse patriótico em defender o território luso. Isso permitiria a Portugal criar um novo mundo e assim “ficar até mais independente das convulsões da Europa” (Francisco Adolfo de Varnhagen, História Geral do Brasil).

    A intenção de trazer a família real ao Brasil seria receber em seu vasto território “colonos de todas as nações e todas as religiões”. Com eles, aproveitar melhor as terras extraindo riquezas vegetais e minerais para reforçar a economia portuguesa. 

    Seria o mais belo, justo e próspero império da Terra. Um projeto nesses moldes, porém, não deixaria de despertar cobiça na classe em ascensão: a burguesia. 

    O interesse da família real em partir começa quando, nas sombras, organizam-se movimentos para tirar o Brasil das mãos da rainha Maria e passá-lo aos capitalistas ingleses. Sem Maria, a orientação será tirar dos índios os territórios que ocupavam.

    Os guerreiros Kadiwéu

    O almirante José Luís de Castro, Conde de Resende, assume em maio de 1790 as funções de vice-rei, substituindo Luís de Vasconcelos. Em seu governo serão julgados os inconfidentes mineiros pró-Inglaterra e Tiradentes subirá à forca.

    O vice-rei focou na estrutura: organizou os Correios, iniciou a iluminação pública no Rio de Janeiro – à base de óleo de baleia – e em seu governo houve a conquista definitiva dos Sete Povos das Missões e do Mato Grosso. 

    Em seu tempo, os índios ainda enfrentavam bravamente as forças portuguesas e eventualmente apoiavam iniciativas militares espanholas, com as quais já havia miscigenação.

    Com a liquidação das tribos promovida pelos bandeirantes e a fuga para o Sul dos índios sobreviventes com os jesuítas, a resistência indígena se manteve no Mato Grosso, onde os Kadiwéu treinavam cavalos e os utilizavam para caça, transporte e guerra.

    As forças lusas sofreram graves perdas nos confrontos com esses índios, até lhes propor o único Tratado de Perpétua Paz e Amizade firmado entre uma nação indígena e a coroa portuguesa.

    Kaingangues x Guaranis

    “Hábeis cavaleiros, exímios guerreiros, não permitiram jamais a expansão europeia na região, através das expedições portuguesas e espanholas. (…) O povo Kadiwéu é excelente ceramista com desenhos e motivos geométricos que inspiram grandes arquiteturas na Europa” (Adenilson Américo Gomes, A Colonização de Mato Grosso do Sul).

    As revelações sobre os Kadiwéu demoliam o suposto “vazio” do interior. Muitas tribos, principalmente as originadas do tronco Guarani, viveram por aqui em diferentes épocas ou simultaneamente. 

    Os remanescentes mais conhecidos são os Cayuás, ramo que sofreu a violência das forças ibéricas na conquista do Oeste. “Eles foram arrebanhados pela Comissão Estratégica, para alargar e aperfeiçoar a picada original de acesso à foz do Rio Iguaçu” (Aluizio Palmar, O Drama dos Mensus – Verdadeiros Mártires da Colonização do Oeste).

    Os Cayuás (ou Cayguás) eram índios Guaranis. Eram também chamados de “cabeludos”, mas sua denominação se origina de Kai’gwá, do idioma Guarani, que se traduz como “selvagem” ou “bravio”. 

    Entre o Oeste e o Leste havia também outras tribos: Biturunas, Botocudos, Carijós, Camecãs, Coroados, Pataxós, Gualachos, Guaianases, Tapuias (ou Jês), Caiapós, Aimorés, Camés, Xocrens, Dorins. 

    Muitas destas tribos eram derivadas do tronco Kaingangue, mas os primeiros a serem identificados no Oeste foram os Guaranis, pesar do nomadismo.

    Guaranis, elite indígena 

    Depois do extermínio e da fuga dos Guaranis para a região missioneira do Sul, os Kaingangues que vieram para o interior do Paraná eram originários do Mato Grosso, que também fazia parte da Capitania de São Paulo.

    Os Kaingangues, originariamente, eram tidos como antropófagos. Guerreiros temíveis, ocuparam o Oeste e combateram os Guaranis nas Sete Quedas, além de ser acusados de massacrar as tribos de Botocudos que viviam na região. Eram chamados de Kamgs ou Coroados. 

    Para Pedro Calmon, os Guaranis eram os Tupis do Sul, vindos principalmente do território que hoje pertence ao Paraguai. 

    Mais refinados em seus costumes, os Guaranis chamavam os parentes que viviam no Brasil de “Tupis”, palavra que significa rudes, grosseiros, inferiores.

    Quando, no fim do século XIX, os militares começaram a abertura da picada em direção à foz do Rio Iguaçu, a mão-de-obra da expedição era composta principalmente por índios Kaingangues.

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    Rainha Maria I e o vice-rei José Luís de Castro

     

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  • Fazenda Fortaleza, o bastião do interior

    Fazenda Fortaleza, o bastião do interior

    Estudos arqueológicos feitos na área de Itaipu antes do alagamento identificaram achados com cerca de sete mil anos, confirmando a idade presumível da presença de índios no Paraná. 

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    Não há como alegar, portanto, que o interior do atual Paraná era um “vazio” demográfico antes da colonização do Oeste, que erroneamente se supõe espontânea. 

    Os relatos dos bandeirantes e dos jesuítas já davam conta de grandes populações indígenas na região. O mito do despovoamento se devia somente à inexistência de recenseamentos das populações indígenas. 

    Sem dúvida, a parte já colonizada do Paraná no final do século XVIII ainda era escassamente povoada: resumia-se a apenas 17.288 habitantes em 1779. Toda a região dos “Campos de Curitiba” contava com 6.828 habitantes (Pedro Calil Padis, Formação de uma economia periférica; o caso do Paraná).

    Só Campo Erê resistiu

    Com ampla presença no Paraná, os Kaingangues, também conhecidos como Coroados, pelo corte raso do cabelo formando uma rodela ou coroa acima da nuca, ao ser massacrados e catequizados foram perdendo a toponímia que empregavam para nominar seus territórios: 

    Koran-bang-rê (Campos de Guarapuava); Kreie-bang-rê (Campos de Palmas); Kampo-rê (Campo Erê – Sudoeste); Payquerê (campos entre os rios Ivaí e Piquiri hoje nos município de Campo Mourão, Mamborê, Ubiratã e outros adjacentes); Minkriniarê (campos de Chagu, oeste de Guarapuava no município de Laranjeiras do Sul); e Campos do Inhoó (em São Jerônimo da Serra).

    O Oeste do Paraná sob domínio indígena ainda não contava com nenhuma fortificação autorizada pelas autoridades lusas. Havia ordens para não combater os índios, mas o interesse de Afonso Botelho, o comandante da região na época, era o mesmo dos fazendeiros: ampliar pela força a criação de gado nos campos ainda sob controle dos nativos.

    Fortim mais capela

    Na ação de avançar pelo território e se defender dos ataques indígenas, as posições deveriam se ampliar pelo interior por meio de fortins casados com capelas religiosas, para dar apoio armado ao negócio do gado (tropeirismo) e catequizar os índios capturados.

    Um caso emblemático é a Fazenda Fortaleza, que se forma em 1788 e reúne os conceitos de criar, defender e escravizar. O tenente-coronel José Félix da Silva, dono da fazenda, teve uma vida de riqueza iniciada e mantida massacrando índios e abusando da escravidão. 

    A Fortaleza começa a se formar quando, à frente de um grupo de aventureiros em busca de diamantes, ele se declarou o “descobridor” dos Campos do Inhoó (nome do cacique Kaingangue cuja tribo vivia na região), a vinte e sete léguas a noroeste de Castro. Ao ocupar a região pela força, os portugueses a renomearam como “Santa Bárbara”.

    Ação paramilitar

    José Félix da Silva, mencionado em diferentes pesquisas históricas também como José Félix do Canto e Silva e José Félix da Silva Passos, obteve a sua primeira sesmaria em 20 de maio de 1788. 

    Ela teria sido um prêmio pela matança de tribos Kaingangues que comandou por meio de força paramilitar no propósito de abrir vanguarda à penetração de novas fazendas. 

    Portugal não autorizava os massacres, mas os fazendeiros reportavam frequentemente às autoridades portuguesas que os índios eram um obstáculo à ocupação das terras requeridas. 

    Para se vingar dos massacres, os índios invadiam plantações, matavam animais e pessoas, realimentando o rol de queixas contra sua presença entre os Campos Gerais e os Campos de Guarapuava.

    Forma-se o latifúndio

    Para se fixar nos Campos do Inhoó, José Félix expulsou os Kaingangues que ali viviam e passou a aumentar seu latifúndio.

    Sua primeira propriedade foi uma faixa de três léguas de comprimento por uma légua de largura entre os rios Alegre e Faisqueira, afluentes do Tibagi, fechando-se o perímetro com o limite no ribeirão Bromado. Uma légua de sesmaria equivale a 6.600 metros.  

    Os detentores de títulos de sesmarias podiam vendê-los e José Félix comprou 21 mil alqueires. A seguir solicitou e lhe foi concedida pela Coroa a maior extensão: 65 mil alqueires. 

    Esse número fabuloso é relatado por Hellê Vellozo Fernandes, historiadora da Indústria Klabin, no livro Monte Alegre, Cidade Papel. Assim, na primeira década de 1800 o latifúndio de José Félix abrangia 86 mil alqueires.

    Olhos flechados 

    Com o crescente movimento de tropeiros, as notícias de ataques indígenas corriam mais rapidamente. José Félix e seu “estado maior”, que tinham cerca de cem escravos em serviço na área, reportavam frequentes ataques à Fazenda Fortaleza pelos índios.

    Um dos relatos comunicados era de que um grupo de índios matou Brígido de Castro, amigo de Félix, e espetou a cabeça do morto num dos portões da fazenda, com uma flecha em cada olho.

    Em retaliação, José Félix e seu capataz, Antônio Machado Ribeiro, à frente de milícia armada, encontrou um grupo de Kaingangues a 50 quilômetros da Fazenda Fortaleza. Lá, mataram todos os índios, até crianças e mulheres. O sangue tingiu o córrego e os corpos ficaram à mercê dos urubus. 

    Conforme o registro de Hellê Fernandes, a “chacina do Tibagi” deu nome ao lugar: “Mortandade”. Assim o lugar ficou conhecido até ser mudado, 150 anos mais tarde: ali foram construídos o hospital e o Hotel Ikapê de Monte Alegre (atualmente município de Telêmaco Borba).

    Ciúme, veneno, tesouros

    O riquíssimo José Félix, porém, não teve um bom destino. Em viagem por mar entre Santos e Paranaguá, o militar fazendeiro conheceu e se apaixonou pela paulista Onistarda do Rosário, de Taubaté. Com ela viveu um romance de ciúme doentio, que o fez manter a esposa em cárcere privado na fazenda.

    Narrativa popular conta que para esconder seu tesouro da mulher escolheu escravos e os levou até um lugar desconhecido: “Conta-se que José Felix tinha grande fortuna. Ela estava escondida em algum canto da fazenda e até hoje se procura esconderijo da fortuna. Os escravos que sabiam não voltaram pra contar pois o tal do José Félix tratou de os matar” (Lendas e Contos Populares do Paraná, Renato Augusto Carneiro Jr).

    O miliciano fazendeiro ficou mutilado após sofrer vários atentados contra sua vida, praticados pela esposa, Onistarda, que ele mantinha encarcerada mas teria conseguido envenená-lo com a ajuda de alguém na fazenda, já em idade avançada. Após sua morte ela se tornou a mulher mais rica do Paraná: a baronesa de São Félix.

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    Onistarda serve comida com veneno ao marido José Félix, em ilustração de Mick Carnicelli

     

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  • Castro derrubou Mourão por maus-tratos aos índios

    Castro derrubou Mourão por maus-tratos aos índios

    O fim do projeto do governador paulista Luís Botelho Mourão para o aproveitamento das riquezas do interior do Paraná começou, concretamente, com uma carta do influente ministro luso Martinho de Melo e Castro, secretário dos Negócios Ultramarinos, endereçada em 21 de abril de 1774 ao rei José I. 

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    O ministro acusava o governador paulista e seu primo Afonso Botelho, chefe da autoridade portuguesa no Paraná, de violar as ordens reais no tratamento dado aos índios. 

    Na correspondência ao rei, Castro informava que não foi cumprida, nos “descobrimentos do Sertão do Tibagi”, a ordem para convencer os índios “pelos meios suaves e brandos que prescrevem as reais ordens de El Rey Nosso Senhor”. 

    Os Botelhos, sustentou, queriam “persuadir que os ditos índios devem ser atacados nos sertões e reduzidos pela força de armas, para depois de civilizados se deixarem na sua liberdade”. 

    Escravizar a pretexto de civilizar não cabia nas intenções de Portugal, que pretendia ter os índios como guardas das fronteiras da colônia.

    Mourão concordava: liberou os soldados para engravidar índias e determinou tratar os nativos com “afabilidade animando-os, e convidando-os com algumas dádivas, para os capacitar a serem nossos amigos”. Afonso, porém, preferia esmagar qualquer resistência.

    O truque antiCastro

    A advertência de Martinho de Castro ao rei levou à suspensão dos “descobrimentos dos sertões do Ivaí e Tibagi”, com a orientação de manter a posse do Sertão do Iguatemi e enviar socorro militar ao Viamão (Rio Grande do Sul). 

    Mesmo já sem condições de seguir com o projeto de aproveitar os campos inexplorados do futuro Paraná, o governador paulista tentou contornar a oposição de Castro e organizou a Freguesia do Iapó para manter a frente de ocupação do interior.

    Iniciada por Afonso Botelho em 1771, a freguesia teve em 1775 estabelecidas amplas divisas: ao Norte, a cidade de São Paulo, pelo rio Itararé; ao Sul, a vila de Curitiba, pelo rio Tibagi e mais “todo o sertão”. 

    Confiava-se assim à tutela da freguesia de um pequeno número de povoadores, “todo o horizonte do norte e do poente” (Roselys Vellozo Roderjan, A Formação de Comunidades Campeiras nos Planaltos Paranaenses e sua Expansão para o Sul).

    Para o controle militar da área, o governador criou também em 1775 a 3ª Companhia de Ordenanças de Cavalaria Auxiliar dos Campos Gerais, sob o comando do capitão Francisco Carneiro Lobo.

    Reza a crônica militar que Lobo foi o único sobrevivente de um grupo de oito soldados que sofreram um ataque indígena na tentativa de conquistar os Campos de Guarapuava. Escapou por ser o capitão e o único a cavalo. 

    Prioridade ao reforço militar

    Mesmo assim o governador Mourão não desistiu de colonizar o futuro Paraná, optando por dar força militar à frente avançada. Como a ordem era fazer a defesa do Sul e proteger Iguatemi, não enviar todos os recursos militares para a resistência à Espanha foi a causa de sua derrota.

    Mourão foi substituído em junho de 1775 pelo capitão-general Martim Lopes Lobo de Saldanha, que reabriu o cadastramento da população, recrutando 6.368 homens para formar novas “listas da Ordenança”, as forças militares necessárias para combater os espanhóis. 

    “Nesse contexto, a Capitania de São Paulo assumiu o papel de arregimentar tropas e assegurar a posse dos territórios meridionais da América Portuguesa” (Lorena Leite, Déspota, tirano e arbitrário: o governo de Martim Lopes Lobo de Saldanha na capitania de São Paulo [1775 – 1782]).

    Por uma ironia da história, a ampla freguesia organizada pelos Botelhos contra a articulação do ministro luso deu origem a uma cidade cujo nome é… Castro, justamente em homenagem ao ministro português. O governador paulista seria depois lembrado pelo nome de outra cidade: Campo Mourão.

    O legado de Mourão

    Os limites definitivos da região Oeste como posse brasileira serão fixados só depois da guerra luso-espanhola, em 1777, que levou ao Tratado de Santo Ildefonso. Basicamente, o acordo fazia valer as determinações do Tratado de Madri. 

    O governo paulista ficava livre para ocupar o território conquistado aos espanhóis, mas não sem escaramuças: no final de outubro de 1777, cerca de três mil espanhóis, acompanhados por índios Guaicurus, invadiram e saquearam o Forte São Carlos, na Colônia do Iguatemi, a vanguarda portuguesa no Oeste.

    Um passo efetivo adiante para a pacificação entre os reinos ibéricos se deu em março de 1778, quando um novo tratado de amizade entre a Espanha e Portugal é assinado, dando início a uma longa jornada para a recuperação de Iguatemi, iniciada em 30 de abril de 1778, quando Luís de Vasconcelos e Sousa (1742–1809), o Conde de Figueiró, assume as funções de vice-rei do Brasil.

    O Mapa Geográfico da América Meridional, de Juan de la Cruz Cano y Olmedilla, segundo Romário Martins “traça a estrada de São Paulo até a localidade de Pitanga, nas nascentes do Rio Tibagi, e daí em diante assinala as localidades por elas atingidas”. Mourão saiu, mas alguma coisa ficou.

    Mais uma década perdida

    Os anos finais da década de 1770 nas frentes pioneiras do Paraná se definiram, de um lado, pelo desinteresse das autoridades portuguesas em ocupar o interior por conta da prioridade aos confrontos com a Espanha no Sul. 

    De outro, pela resistência dos índios ao avanço das fazendas de gado que os curitibanos estendiam pelos Campos Gerais e pretendiam ampliar também para os campos de Guarapuava e Palmas. 

    Retrato da economia do interior do futuro Paraná nesse meio de década relacionava 88 fazendas e 131 sítios. A preocupação do administrador Afonso Botelho era lhes dar segurança e a possibilidade de expansão.

    Os curitibanos não tinham como avançar para o interior porque os índios não podiam ser combatidos: a autoridade real portuguesa, de índole extremamente religiosa, seguia a orientação papal de tratar os índios como “cidadãos talhados para o reino dos céus”, como já haviam reportado os jesuítas em seus tempos no Guayrá.

    Para o Oeste do Paraná, porém, mais uma década se completava e nada havia sido feito na mesopotâmia dos rios Paraná, Iguaçu e Piquiri, terras que no futuro seriam listadas entre as mais férteis do mundo.

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    O Paraná do século XVIII, no famoso Mapa Geográfico da América Meridional, de Juan de la Cruz Cano y Olmedilla: o Rio Iguaçu ainda era o “Rio Grande de Curituba”

     

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  • Algo de podre na conquista de Mourão

    Algo de podre na conquista de Mourão

    Enquanto prepara no final de 1771 sua pretendida viagem triunfal para declarar “descobertos” os Campos de Guarapuava, o tenente-coronel Afonso Botelho, na época em função equivalente à de governador do Paraná, enviou uma expedição preparatória chefiada pelo guarda-mor Francisco Martins Lustosa.

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    Português de Braga, Lustosa se envolveu quando jovem em atritos em Minas Gerais. Foragido e caçado em 1557 por uma bandeira punitiva da Câmara de Curitiba, refugiou-se no sertão do futuro Paraná, onde se declarou descobridor dos diamantes já reportados por Ângelo Pedroso no Tibagi. 

    Experiente, já idoso em 1771 e merecendo a confiança do governador Luís Mourão, Francisco Lustosa recebeu “37 praças e 23 aventureiros voluntários” para, oficialmente, encontrar ouro para o povoamento e o custeio das instalações militares projetadas em Iguatemi e Vila Rica, antigo domínio espanhol.

    Povoar região povoada

    Na verdade, o papel de Lustosa era verificar se o caminho estava livre de índios para que Afonso Botelho pudesse viajar com segurança até a região.

    Primo do governador paulista Luís Mourão e encarregado de iniciar a povoação dos Campos de Guarapuava – aliás, já povoados pelos índios –, Afonso Botelho partiu de Curitiba em 10 de novembro de 1771.

    Estava acompanhado por 26 homens, dentre os quais os capitães de Auxiliares* Lourenço Ribeiro de Andrade, Francisco Carneiro Lobo e José dos Santos Rosa, um padre capelão, o tenente Domingos Lopes Cascais e os sargentos Manoel Mangazan e José Joaquim César. 

     “A bagagem era composta por mantimentos, armamentos leves para caçada de animais e presentes para estabelecer relações de cordialidade com os indígenas, pois não eram esperadas reações de hostilidade” (Georgeana Barbosa de França, Barragens e Barrageiros).

    *Auxiliares – A força armada lusa se dividia em três corpos militares: a tropa de primeira linha, paga; os corpos de auxiliares ou de segunda linha; e os corpos de ordenanças.

    Presentes, rezas e armas

    No entender de Afonso Botelho, ele só precisava vencer a “natural rudeza e desconfiança dos gentios”. Por isso, anunciou que levaria duas espécies de armas poderosas: 

    “A primeira consistia nas missas e rezas. A segunda nos presentes e agrados que, com as luzes da religião, facilmente converteriam os gentios em amigos dóceis e leais. Ante essas armas, render-se-iam eles, felizes e contentes” (Francisco Ribeiro de Azevedo Macedo, Conquista Pacífica de Guarapuava).

    Por via das dúvidas, tratou também de levar todo o poder bélico disponível caso os índios resistissem, como de fato resistiram. 

    Fez subir para Curitiba o material de guerra disponível em Paranaguá, inclusive artilharia, seguindo o cabo Simão Veloso com trem da expedição e o comandante em chefe “com os seus capitães e o grosso do pessoal” (Romário Martins, Bandeiras e bandeirantes em terras do Paraná).

    Para ajudar nas próximas expedições, a meio caminho entre os Campos Gerais e os de Guarapuava foi plantado o Sítio Nossa Senhora da Esperança. 

    Em 9 de dezembro de 1771, depois da primeira missa rezada nos Campos de Guarapuava pelo padre Francisco Inácio de Santa Catarina, Botelho relatou ter partido com os capitães Ribeiro de Andrade, Carneiro Lobo e Santos Rosa e um grupo armado com 22 camaradas para buscar um bom local de aquartelamento e fortificação. A conquista se completava,

    Miranda, o mensageiro

    Botelho despachou em 23 de dezembro o sargento Joaquim José Miranda a São Paulo, para apresentar ao governador os resultados da expedição. Um relatório positivo, apresentando a força militar dando presentes a índios receptivos e gratos.

    No entanto, os antagonismos políticos entre o governador Mourão e o Marquês de Lavradio, vice-rei do Brasil, chegaram ao clímax justamente ao chegar o relatório da expedição. Miranda entregou o texto enviado por Botelho mas também narrou sua experiência.

    Para Lavradio, tudo somado, a resistência de índios rebeldes, doenças sem possibilidades de tratamento e deserções inviabilizavam a continuidade das ações de Botelho.

    Como havia pedras preciosas no Tibagi, para evitar o contrabando de diamantes o governo português decidiu assumir diretamente a exploração diamantífera, estabelecendo a Real Extração. E por ora as decisões não passariam disso. 

    Botelho sob pressão 

    O vice-rei denunciou que na tentativa de ocupar os Campos de Guarapuava os comandados de Botelho saquearam os depósitos de alimentos dos índios. O chefe militar negou. 

    Em sua defesa, narrou que em 8 de janeiro de 1772 “vinham os índios tocando suas gaitas de taquaras” e logo mandou alguns dos seus a recebê-los, com “carinho, e agrado” fora do quartel, “sem as suas costumadas armas, e algumas mulheres, que logo foram vestidas, e adornadas (…) e os homens com tangas de chitas riscadas, e tudo o que apeteciam se lhes dava com demasiada franqueza” (Afonso Botelho, Notícia da Conquista e Descobrimento dos Sertões do Tibagi). 

    Índios recebendo invasores com música e soldados distribuindo roupas para índias nuas não foi muito convincente. A realidade não batia com essa versão, contrariada por outra, de um caso de ingratidão dos índios. 

    O relatório positivo não conseguiu esconder a reação negativa dos índios às expedições. Sem a colaboração deles, o projeto ficaria inviável. Portugal então se desinteressou pelo desbravamento do vasto interior paranaense, desconhecido mas não despovoado. 

    Miranda, entre dois fogos

    Botelho precisava noticiar a conquista pacífica e a rendição incondicional dos índios, mas não era fácil esconder as doenças que matavam soldados, a presença de nativos aguerridos e deserções.

    Ao ser enviado como portador do relatório, o desenhista Joaquim Miranda, o “fotógrafo” oficial da expedição, pressionado por duas narrativas diferentes, registrou as cenas de paz que interessavam a Botelho mas também cenas de guerra com os índios, mostrados como cruéis e ingratos.

    As versões antagônicas vindas da mesma fonte foram enviadas a Lisboa. Armado até os dentes, Botelho teria conquistado os índios com amabilidades? Ou a força militar portuguesa mais uma vez foi expulsa do interior paranaense, como nos tempos de Guairacá?

    Botelho reconheceu que os índios o atrapalharam e propôs formar um grande exército para massacrar os desobedientes. O rei preferiu que o exército combatesse os estrangeiros.

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    Em outra ilustração, os índios são apresentados respondendo com ingratidão e violência aos presentes recebidos

     

    Fonte: Fonte não encontrada

  • Plantar, criar gado ou pegar em armas?

    Plantar, criar gado ou pegar em armas?

    O governador Luís Botelho Mourão, o Morgado de Mateus, determinara a ocupação e povoamento das fronteiras de sua capitania (Mato Grosso e Oeste do atual Paraná) com os curibocas, “sobre-excesso da população mestiça que andava vagabunda”. 

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    Curibocas (ou mamelucos) eram os descendentes de homens brancos (soldados e bandeirantes portugueses) e índias nativas capturadas. Sem oportunidades, criados precariamente e vivendo a esmo entre a mata e as vilas, poderiam engrossar a rebeldia indígena ou virar salteadores desgarrados.

    Orientá-los para povoar o remoto interior do Paraná aumentando a miscigenação e reduzindo a resistência indígena foi a tática escolhida por Mourão, mas o vice-rei Luís de Almeida Mascarenhas, o Marquês de Lavradio, preferiu armar a população sob a instrução de oficiais portugueses. 

    Em março de 1770, quando tropas coloniais espanholas tentam retomar dos portugueses o controle dos territórios perdidos com o Tratado de Madri, de 1750, a colonização deixou de ser a prioridade do rei José I. 

    Deserções em massa

    A mão de obra que Mourão pretendia voltada ao desenvolvimento agropecuário do futuro Paraná foi de imediato requisitada para as tarefas defensivas determinadas pelo reino luso.

    Como se tratava de organizar do nada um exército treinado, isso exigia muito dos envolvidos, comandantes trazidos da Europa, e dos pecuaristas forçados pelas autoridades a virar militares. 

    Quem prosperava transportando e vendendo gado não tinha interesse em abandonar a criação para ser tomada pelos índios. Sair da rendosa e pacífica pecuária para pegar em armas, arriscando a vida frente a tropas espanholas bem preparadas, não era o melhor negócio.

    As famílias que lucravam com gado também não queriam bater de frente com os índios, tirando os filhos de uma vida produtiva para arriscar suas vidas em combate. 

    Sem vontade de enfrentar índios ferozes e espanhóis aguerridos nas desconhecidas matas do Oeste, as deserções se multiplicavam, minando o esforço para o recrutamento de soldados. 

    Comandantes mortos

    Um retrato da economia regional no quarto final do século XVIII registra 88 fazendas e 131 sítios com 31.650 cabeças de gado. O negócio hegemônico, então, é o tropeirismo. Fazendeiros e sitiantes relutavam em desmobilizar sua produção para sair à guerra.

    A orientação dada pelo governo paulista para ocupar o Oeste paranaense ainda era seguida pelo governador regional, Afonso Botelho, primo do governador Mourão, que enviou diversas expedições ao interior.

    A principal missão ao Oeste até o final dos anos 1760 foi chefiada pelo capitão Estêvão Ribeiro Bayão, que fez valiosos registros para subsidiar as próximas expedições ao Rio Paraná. 

    A longa e penosa marcha para ocupar matas nunca dantes devassadas não poupou os comandantes das primeiras incursões ao interior do Paraná.

    Depois de ter reconhecido o local em que assentou suas tendas como o ponto em que, mais de um século antes, floresceu a cidade hispano-guarani de Vila Rica do Espírito Santo (segunda fundação, hoje, Fênix), Bayão, atacado de impaludismo, viu-se obrigado a regressar com parte de sua turma a Curitiba, onde morreu em 1769.

    Sete Quedas

    Com a morte de Bayão e também do capitão Francisco Nunes Pereira, acometido de malária, o tenente Francisco Lopes da Silva foi promovido a capitão e assumiu o comando dos remanescentes das companhias dos chefes falecidos.

    Coube a quem restou das expedições iniciais, tendo à frente o tenente Silva e o frade Santa Teresa, trabalhar no reconhecimento da navegabilidade do Rio Ivaí.

    Chegando à região de Guaíra em 6 de janeiro de 1770, Francisco Lopes da Silva recebe ordens para desfazer tudo e sair com seus homens para socorrer a Praça de Iguatemi, assediada pelos espanhóis. 

    “Reconheceram os grandiosos Saltos das Sete Quedas e a encosta ocidental do Paraná, e, tomando o Rio Iguatemi, chegaram à Praça desse nome, última atalaia da dominação portuguesa no ocidente meridional brasileiro” (Romário Martins, Bandeiras e Bandeirantes em Terras do Paraná).

    Com a priorização da luta contra as incursões espanholas, o tenente Lopes seguiu para Iguatemi em junho em 1770, deixando na região do antigo Guayrá uma pequena guarda de dez homens ao comando de um sargento. 

    Prioridade a Guarapuava

    A força militar em operação no Paraná, assim, foi deslocada para defender o Brasil dos ataques espanhóis pelo Sul e pelo Oeste. Um trabalho decisivo – e duradouro – cuja memória foi atribuída aos antigos bandeirantes.

    Ocupar o interior deixava de ser a tarefa mais importante. A prioridade agora seria criar uma grande força militar brasileira. Mesmo assim, iniciar uma experiência colonial nos Campos de Guarapuava continuou nos planos de Mourão e do primo Afonso Botelho. Ainda em 1769, com o grupo do capitão Silveira Peixoto misteriosamente desaparecido (anos depois se soube que foi aprisionado pelos castelhanos), Botelho recebeu o sargento-mor Francisco José Monteiro, enviado pelo governo paulista para o resgate da expedição perdida.

    Nesses tempos duríssimos, era difícil saber se uma tropa desertou ou foi capturada por inimigos. Em tarefa de buscas, que Botelho também pretendia de povoação, Monteiro partiu de Caiacanga e atingiu o Porto das Capivaras, no Rio Iguaçu. 

    Ele teria passado à história como o “descobridor” dos Campos de Guarapuava, mas preferiu enviar o tenente Cândido Xavier para empreender a marcha pela mata rumo ao Norte. Topando com índios bravios, porém, Xavier retrocedeu.

    À espera do chefe

    Conciliar a iniciativa povoadora com a defesa militar foi a saída que restou ao governador paulista na definição das missões no interior paranaense, “para que sua riqueza convidasse os povos a habitá-lo e desse as utilidades necessárias não só para enriquecer o Real Erário mas também para sustentar as guarnições das duas praças projetadas (Iguatemí e Vila Rica) e alguns fortes que é necessário estabelecer” (governador Luís Botelho Mourão, carta ao Conde de Oeiras, ministro de Portugal, 3 de dezembro de 1770).

    O trabalho de reconhecimento do centro paranaense coube ao tenente Cândido Xavier, que em 8 de setembro de 1770 registrava a “descoberta” dos Campos de Guarapuava. 

    Xavier recebeu ordens para montar acampamento e aguardar a chegada do chefe geral, o tenente-coronel Afonso Botelho, que viria em nome do primo Luís Mourão, do vice-rei Mascarenhas e do rei José I para proclamar a conquista do Oeste. Só faltava combinar com os índios.

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    À espera do chefe Afonso Botelho, Cândido Xavier construiu o Forte Nossa Senhora do Carmo, junto à foz do Rio Capivari no Tibagi

     

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  • Orçamento curto, um velho desafio

    Orçamento curto, um velho desafio

    Luís de Almeida Mascarenhas, o Marquês de Lavradio (1729–1790), assume o Vice-Reinado do Brasil em 4 de novembro de 1769, substituindo o tio Rolim de Moura, que governava desde 1767. Lavradio fez um governo concentrado nas obras militares para a defesa do Rio de Janeiro e por priorizar a remessa de tropas e armamentos ao Sul.

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    Durante seu período, Portugal recuperou o Rio Grande, sofreu a ocupação temporária da Ilha de Santa Catarina pelos espanhóis e começou a perder para eles a Colônia do Sacramento. O mapa do Brasil continuava inacabado.

    Coube ao vice-rei Mascarenhas uma providência que no futuro viria também beneficiar o Paraná: ele deu atenção ao incremento da agricultura, levando para o Rio de Janeiro o cafeeiro, até então cultivado só no Norte, trazido da Guiana Francesa via contrabando. 

    Os cafezais em seguida iriam se alastrar para o interior de São Paulo até fazer a fértil terra roxa dar fim à incômoda percepção do Paraná como simples região de passagem para as tropas de gado, bandeirantes caçadores de índios e aventureiros em busca de ouro e diamantes.

    Prioridade militar 

    A década de 1770 poderia ter assinalado a arrancada definitiva para a ocupação do atual Paraná. Isso não aconteceu por um fator político: a prioridade dada pelo reino luso ao controle fluvial do Prata. 

    Antes dessa definição, porém, houve uma disputa entre o vice-rei, Marquês de Lavradio, e o governador da Capitania de São Paulo, Luís Mourão, o Morgado de Mateus. 

    Mourão queria povoar o interior do Paraná. O vice-rei preferia fortalecer a Capitania de São Pedro (RS) para não ser engolida pela Espanha depois da ruína do Tratado de Madri. 

    Abria-se o equivalente a uma guerra pela destinação de recursos entre os atuais Paraná e Rio Grande do Sul.

    Lavradio criticava Mourão por investir na ocupação militar como base para povoar o interior do futuro Paraná. Para o vice-rei, o Morgado desviava para a região governada por seu parente, Afonso Botelho, os recursos financeiros e humanos que julgava necessários à defesa do Sul.

    De qualquer forma, o embate entre os dois projetos resultou em avanços para a força militar terrestre no Brasil. 

    Sucessão de expedições

    O desbravamento do Terceiro Planalto e a resistência à Espanha foram as duas grandes tarefas militares da época. A primeira, ocupar o Oeste, esbarrou na resistência indígena, mas defendeu as posições lusas no Mato Grosso. A segunda, rechaçar as forças espanholas que ocuparam o Rio Grande, esbarrou na perda de Sacramento. 

    O desbravamento estimulado por Mourão começa em 20 de junho de 1769, quando o comandante Estêvão Ribeiro Bayão, de São José dos Pinhais, acompanhado pelo tenente Francisco Lopes da Silva, parte do Porto de São Bento, no Rio Tibagi, e vai encontrar o Ivaí, que a expedição batizou como “Rio Dom Luís de Mateus”, nome pelo qual o governador Mourão também era conhecido.

    Por sua vez, Francisco Nunes Pereira, capitão de Auxiliares (futura polícia) da Vila de Iguape, desce o Rio Paraná em 12 de agosto 1769 com a missão de explorar as correntezas do Rio Piquiri. Trazia 80 soldados. 

    Tinha como auxiliares dois alferes, um sargento, quatro cabos, um tambor (militar encarregado das sinalizações) e 71 praças: dois curitibanos, dois parnanguaras e os demais de Iguape e Cananeia.

    Mais geógrafo que guerreiro

    Depois de explorar o Piquiri, Francisco Nunes Pereira subiu novamente o Paraná, alcançou a foz do Tietê e retornou a São Paulo para fazer seu relatório, pontilhado de sinais da antiga presença jesuítica espanhola. 

    Por sua vez, a expedição de Bruno da Costa Filgueiras partiu do Porto de Nossa Senhora da Conceição do Rio Registro (Iguaçu) em 28 de agosto de 1769. Ele não deixou boa memória na crônica militar, mas sua expedição foi tecnicamente importante, explorando o Iguaçu até a foz do Rio Potinga.

    Tinha, segundo Romário Martins, ordens para “explorar os sertões da margem direita do Rio do Registro até a sua barra no Paraná”. 

    Teria, portanto, que ir além dos saltos que interromperam a trajetória de Domingos de Cascais. “Levava 25 camaradas, entre os quais 18 curitibanos, são-joseanos e paranaguaras*”, relata Martins:

    “Entrou Bruno da Costa pelo Iguaçu até ao Potinga em 3 canoas e rompendo pelo sertão à direita daquele rio, como lhe fora recomendado, avistou à esquerda grandes espirais de fumo, supondo-se por isso à vista dos Campos do Aputerebu (Palmas) e assim nas vizinhanças dos castelhanos, pelo que voltou a dar parte”.

    *Soldados de Paranaguá.

    Preso por ser prudente

    O tenente Bruno repetiu Domingos de Cascais ao decidir não ir além dos saltos que barravam a navegação, mas por evitar o confronto com os espanhóis foi acusado de lhe faltar coragem. 

    Em novembro, a quinta expedição rumo ao Tibagi trouxe mais reforços e embarcou no Iguaçu se dividindo em duas partes. 

    A primeira seguiu em sete canoas, em 17 de novembro de 1769, sob o comando geral de Antônio da Silveira Peixoto, negociante na Vila de Paranaguá e alferes de Auxiliares. A segunda, no dia 28, em nove canoas, dirigida pelo tenente Manoel Teles Bitencourt.

    Silveira Peixoto chegou à barra do Rio Potinga e dali seguiu por terra, encontrando a expedição de Bruno Filgueiras, que regressava. 

    Peixoto prendeu o tenente, acusando-o de covarde por não cumprir a missão. Ficou com seu pessoal e o remeteu preso a Paranaguá. Não chegou a voltar, morrendo afogado no Iguaçu durante uma tempestade. 

    Peixoto e a curva do rio 

    Navegando o Iguaçu até os primeiros saltos que interceptavam a navegação, Silveira Peixoto escolheu uma “paragem apropriada”, onde acampou e estabeleceu a fundação de um porto, que denominou Nossa Senhora da Vitória. 

    É a origem das atuais cidades de União da Vitória e Porto União. Peixoto deixou no local uma guarnição de vinte camaradas e seguiu viagem por terra até sair da zona dos saltos. Novamente em canoas, navegou o Iguaçu abaixo e nunca mais voltou.

    Depois de alcançar as Cataratas do Iguaçu, o grupo se deparou com uma inesperada tropa espanhola. Preso pelos castelhanos e remetido a Buenos Aires, ali Peixoto ficou detido por sete anos. Quando retornou a Paranaguá estava doente e falido.  

    Há quem suponha a conquista do Oeste como espontânea, mas a cada passo as provas atestam o contrário. Pode-se apagar os heróis e até diminuir seus feitos, mas é impróprio inventar uma espontaneidade que não houve.

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    Movimentações de exploradores portugueses no futuro Estado do Paraná entre 1760 e 1780

     

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