Autor: Alceu Sperança

  • Rumo ao Oeste pelo sertão e por água

    Rumo ao Oeste pelo sertão e por água

    A ação armada na ocupação dos campos do Tibagi e de Guarapuava foi recomendada pelo governador paulista, Luís Botelho Mourão, conhecido em Portugal pelo título “Morgado de Mateus”, como resposta a ataques indígenas reportados anteriormente pelos bandeirantes.

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    Começou a ser praticada na quadra final do século XVIII (1775/1800) e nos próximos cem anos levará ao desenho completo do Paraná, integrando seu território de Leste a Oeste, fixando os limites também ao Norte, embora perca, já no século XX, as porções ao Sul que tocavam o Noroeste do atual território gaúcho.

    O projeto de Portugal para a região se desdobrava em defesa militar e exploração do potencial econômico. Esta se realizará com relativo êxito, mas a estratégia militar do governador paulista, Luís Mourão, vingou só parcialmente: venceu os espanhóis no Mato Grosso e no Sul, mas não os índios, cuja resistência não permitiu a vitória aos portugueses. 

    Os nativos somente seriam completamente vencidos um século mais tarde, após a Guerra do Paraguai, quando a força militar do Império já estava definitivamente consolidada e daria origem à República.

     

    Voluntários ou escravos?

    O plano do governador paulista Luís Mourão para iniciar a ocupação portuguesa da imensa porção Oeste do atual Paraná, compreendendo todo o Terceiro Planalto, segundo Romário Martins, começa com “30 bandeirantes sem remuneração” que partiram a pé de Curitiba em 5 de dezembro de 1768.

    Ao custo de 70 mil réis em mantimentos, canoas e munições, a primeira expedição, sob o comando dos tenentes Domingos Lopes Cascais e Bruno da Costa Filgueiras, alcançou o Porto de Nossa Senhora da Conceição da Caiacanga (atual Porto Amazonas), de onde inicia a descida fluvial pelo Rio do Registro, que Portugal conhecia também como “Rio Grande de Curitiba”, os índios chamavam de “Goio-Covó” e conhecemos por Rio Iguaçu. 

    Começava a jornada de três meses de penosa viagem, desprovidos de referências, completamente às escuras, sem noção do que vinha pela frente.

    O grupo embarcou em Caiacanga formando monção* de três canoas que desceu o Rio Iguaçu “coisa de 70 léguas” até onde a proximidade dos saltos obriga a interromper a navegação (atual Bituruna). 

    *Monção – nome dado a uma expedição fluvial

    A base da geografia

    Feitas as anotações necessárias, agora já se sabia que o Rio Iguaçu é navegável desde a corredeira de Caiacanga, a duas léguas de Palmeira, até o Porto da Vitória, numa extensão de aproximadamente 350 km.

    Começava assim uma das mais importantes e desafiadoras aventuras da história paranaense. Cada anotação feita na marcha traçava a base da geografia paranaense e dos próximos passos da saga.

    Chegando ao início dos saltos, em Porto Vitória, trinta quilômetros adiante de onde hoje se localizam as cidades-gêmeas de Porto União (SC) e União da Vitória (PR), Domingos de Cascais não considerou prudente a transposição dos saltos.

    “Descendo o Rio Iguaçu, ao atingir o boqueirão do rio na Serra da Boa Esperança, a expedição prosseguiu por terra até atingir novamente trecho navegável do rio. Em seu relatório constam dados sobre a primeira porção de seu curso e seus principais afluentes” (Jonas Elias Volcov, Cerâmica Tupiguarani e os Processos de Interação Cultural no Alto Rio Iguaçu, PR).

    Nas proximidades da foz do Rio Jangada o grupo registrou as confluências dos rios das Pedras e Potinga, da margem direita, e dos rios Negro, Paciência e Timbó, da margem esquerda. No retorno, penetrou os rios Timbó (então chamado de Mogi-Grande) e Paciência (Mogi-Pequeno). 

    Evitando os índios

    Na expedição pioneira, que se estenderia até março de 1769, não ocorreram encontros com índios. “Eram caminhos seguros para atravessar, pois o cenário, traduzido segundo suas noções de territorialidade, indicava ausência de domínio, como já era esperado” (Dora Shellard Corrêa, Descrições de paisagens – construindo vazios humanos e territórios indígenas na capitania de São Paulo ao final do século XVIII).

    Apesar desse relato, depois se soube que “o território era dominado pelos ameaçadores Botocudos, como os Xokleng, eles que, ao contrário dos índios Kaigang – que foram aldeados mais cedo – ofereciam resistência a qualquer tentativa de contato do elemento branco” (Nilson Thomé, A Formação do Homem do Contestado).

    De imediato o capitão Afonso Botelho de Sampaio Souza, primo do governador Mourão, comandante da Praça de Paranaguá, cargo equivalente à posição de governador regional, detalhou os procedimentos a ser seguidos pela segunda expedição, a ser comandada pelo capitão Estêvão Ribeiro Bayão:

    “Em todo lugar que o capitão tiver alguma demora fará roças para bastante planta, cuja se fará em toda ocasião que houver, e a todos os campos que encontrar porá fogo, e sempre na entrada e saída das matas fará cortar árvores grandes, e em outras fará cruzes e descreverá alguns caracteres nos troncos das árvores e em pedras, que digam Viva El-Rei de Portugal e outras coisas semelhantes, que em todo tempo se conheça chegou por aí a expedição: nas barras dos rios e lugares mais notáveis deixarão os ditos caracteres, e no roteiro virão marcados para saber onde ficam”.

    Alcançar áreas inexploradas e deixar ali marcas para reconhecimento era a primeira condição para ser dono das terras.

    “Rio Mourão”

    Em 1769, com “77 homens, gente forte, robusta e acostumada ao serviço do sertão” (Francisco Negrão, Genealogia Paranaense), o grupo seguiria até o Porto de São Bento, no Rio Tibagi, de onde partirá para a mata desconhecida sob as ordens de Bayão.

    Na jornada, o grupo encontrou o Rio Ivaí, que os índios chamavam de Ubatuba, e por ele navegou até o Rio Paraná, localizando as Sete Quedas. 

    De volta a Paranaguá e relatando o feito às autoridades, o governador Luís Mourão determinou ao parente que ele pôs no comando administrativo e militar do Paraná dessa época, Afonso Botelho, renomear o Rio Ubatuba (atual Ivaí) como Rio Dom Luís de Mateus, “de sorte que fique bem estampada a memória dos autores deste descobrimento, para os tempos futuros”. Dom Luís era ele próprio, Mourão.

    Segundo a determinação de Afonso Botelho, todo o território deveria ser marcado com nomes das famílias dominantes portuguesas. “Campo Mourão” tem origem nessa norma.

    Portugal teria, assim, argumento nas futuras negociações com a Espanha pela posse de territórios disputados. 

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    Salto Caiacanga, ponto de partida para a viagem que registrou o trecho navegável do Rio Iguaçu e definiu o percurso das expedições | Foto: Leonardo Ingenito

     

     

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  • Mourão e Andrade, “pais” do Paraná agrícola e urbano

    Mourão e Andrade, “pais” do Paraná agrícola e urbano

    A receita do governador paulista, Luís Mourão, para ocupar os vazios demográficos do interior do futuro Paraná tinha a finalidade de assentar na região “famílias bem instaladas e satisfeitas”. O plano de Mourão descia até os detalhes, como determinou em carta endereçada ao capitão-mor de Curitiba, Lourenço Ribeiro de Andrade, em abril de 1767: 

    “Mandar lançar roças (…), levar os casais a fundar a igreja em sitio seco, alegre e desembaraçado, abrir-lhe praça quadrada, cordear* as ruas muito direitas, com suas travessas, formando quadras largas, para poder nas casas haver quintais, plantar logo estações e fundar nos ângulos ou cantos das ruas as primeiras casas, que logo fique figurada a terra na sua direitura para que seja mais agradável a sua vivenda”. 

    Isso já era possível no litoral, em Curitiba e algumas fazendas dos Campos Gerais. Governando Curitiba por 34 anos, Andrade será considerado o pai da agricultura paranaense, além de primeiro urbanista de uma cidade-referência.

    *Cordear – Alinhar, arruar.

    Freguesia, a cidade pioneira 

    Seguindo as ordens do rei José I e de Mourão, Andrade determinou que fossem escolhidos os lugares mais bem situados, onde já havia “quinze, vinte e trinta vizinhos”, aos quais se deveriam agregar outros para estabelecer uma povoação, com circulação de mercadorias, prestação de serviços e segurança.  

    O plano traçado pelo governo paulista para estabelecer o domínio sobre o interior do atual Paraná, portanto, era bem preciso e minucioso. Por sua vez, Andrade o cumpriu enfrentando a resistência dos ricos fazendeiros de gado.   

    A estratégia de povoação orientada pelo governador paulista para ocupar o então abandonado (mas não pelos índios) interior do Paraná era, em áreas estratégicas, tais como os pousos às margens do caminho tropeiro, plantar uma igreja dotada de um amplo patrimônio a ser explorado economicamente para assim estabelecer uma população fixa no lugar: a freguesia.

    Formada por moradias ao redor das igrejas, com casas de frente e amplo fundo para plantar e criar animais, a freguesia é o modelo e a origem das futuras cidades do interior. 

    Sobrenomes seculares

    Antes que dessa orientação brotassem as primeiras belas cidades do interior, porém, seria necessária a ação militar para garantir a soberania portuguesa na região. 

    Assim, Mourão fez publicar, ainda em abril de 1767, um bando (proclamação) determinando que em cumprimento à vontade do rei fosse providenciado o alistamento necessário ao esforço de guerra para barrar o avanço espanhol.

    Lourenço de Andrade fez melhor: além de recrutar e treinar os soldados, ele próprio os comandaria na conquista dos Campos de Guarapuava, junto a Afonso Botelho, o parente de Mourão enviado para governar o futuro Paraná.

    O sobrenome Andrade, também ligado às famílias Borba e Ribas, como seria depois também com os Machado, Camargo, Munhoz e algumas outras referências, inseriu-se profundamente e por mais de dois séculos na história da construção do Paraná entre as grandes forças produtivas da Federação.   

    A margem esquerda do Rio Paraná 

    Com o amplo esforço de organização militar, os portugueses voltaram a se apoderar da margem Norte de Rio Grande, além de repelir a invasão do Mato Grosso pelo Oeste, “tentada por tropas conjugadas de Santa Cruz, Peru e Buenos Aires” (Pedro Calmon, História da Civilização Brasileira).

    A ação defensiva foi chefiada por Antônio Rolim de Moura Tavares, o Conde de Azambuja, ex-governador do Mato Grosso. Por resistir e vencer os espanhóis, no final de 1767 ele assumiu as funções de vice-rei do Brasil, posição na qual assegurou novos avanços estruturais para a força militar.

    O desbravamento da margem esquerda do Rio Paraná foi proposto pelo governador Luís Mourão em 1768 ao Conde de Oeiras, futuro Marquês de Pombal e primeiro-ministro de Portugal no reinado de José I, mas não foi atendido de imediato.

    Rolim de Moura teve outras prioridades, como a construção do Forte Príncipe da Beira, no atual Estado de Rondônia. Pombal, por sua vez, concentrou-se em fortalecer seu poder em Lisboa, perseguir os jesuítas e cobrar impostos dos “homens-bons” das minas: a derrama, que dará origem à Inconfidência Mineira. 

    Sem campos, sem prioridade

    A ação proposta por Mourão (Grande Projeto) teria uma dupla finalidade: prevenir o avanço dos espanhóis que tentavam reconquistar as terras perdidas depois do Tratado de Madri e expulsar os índios do caminho das tropas.

    “Era pelo Oeste que ele temia realmente o avanço dos espanhóis sobre a Capitania de São Paulo. O Grande Projeto concretizou-se nas Expedições do Tibagi” (Roselys Vellozo Roderjan, A Formação de Comunidades Campeiras nos Planaltos Paranaenses e sua Expansão para o Sul).

    Para os portugueses, a região mais interior – Oeste e Sudoeste – precisava ser ocupada militarmente mas não era prioridade porque a vegetação cerrada, sem campos, não favorecia a criação de gado. 

    Seu único atrativo eram os ervais, territórios antes controlados pelos jesuítas espanhóis que precisariam disputar com os índios. 

    Ordem de invasão

    Quando o perigo imediato deixou de ser a Espanha, as atenções lusas se voltaram naturalmente para os índios. A ação armada na ocupação dos campos do Tibagi e de Guarapuava foi justificada por ataques indígenas reportados anteriormente pelos bandeirantes.  Mourão alegou “contínuas saídas do gentio, que ocupa os grandes Sertões do Tibagi há 9 anos a esta parte, tendo morto bastantes pessoas, e achando-se já muito próximos da estrada, que vem da cidade de S. Paulo para estes Campos Gerais, e Rio Grande”.

    Para ele, as muitas fazendas da região e os grandes riscos de quem passava pelo caminho das tropas exigiam do governo paulista “invadir o dito sertão e aplicar os meios mais possíveis para reduzir a estes bárbaros”. 

    Logo será enviada uma ampla força militar, mas os índios, conhecedores do terreno, rechaçaram todas as investidas. Algo estava faltando. Uma “arma” que já havia sido usada com sucesso na antiga República dos Guaranis: a religião.

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    Rolim de Moura: prioridade para

     

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  • Exército se forma com a missão de ocupar o Oeste

    Exército se forma com a missão de ocupar o Oeste

    Portugal precisava ocupar logo o Oeste paranaense, mas ainda na segunda metade do século XVIII não havia interessados nessa empreitada. Além da resistência indígena no interior e das incertezas quanto às fronteiras, que se moviam a cada tratado entre Espanha e Portugal, havia terras fartas entre os Campos Gerais e os de Guarapuava e Palmas propícios à criação de gado. 

    O Tratado de El Pardo, de 1761, atendeu aos interesses lusitanos que pretendiam recuperar Sacramento. Servia também às Missões porque os jesuítas queriam se proteger dos bandeirantes que os perseguiam.

    No entanto, o estado de beligerância entre portugueses e espanhóis iria se estender até o início do século XIX. A imprecisão sobre limites, mesmo por longo tempo discutidos e por fim resolvidos pacificamente, prosseguiu até o século XX, depois do fim do Império e do tumultuado início da República.

    Guerra Mundial número Zero

    El Pardo anulava o Tratado de Madri, mas não reduzia – ao contrário, intensificava – as hostilidades entre os reinos europeus, porque o mundo vivia a Guerra dos Sete Anos, conflito que envolveu diversas nações europeias e suas colônias na Ásia e nas Américas. 

    Ganhando amplitude em 1756, essa que deveria ser considerada a primeira guerra mundial se estenderá até 1763: de um lado, França, Áustria, Saxônia, Rússia, Suécia e Espanha; do outro, Inglaterra, Portugal, Prússia e Hanôver.

    O Oeste era um dos territórios em disputa. Em abril de 1762 se justificou o temor de quem receava se estabelecer a Oeste: no interior do Mato Grosso, forças espanholas transportadas em quarenta canoas pelo Rio Itonamas – entre 800 e 1.200 homens – atacaram o forte de Nossa Senhora da Conceição.

    Era urgente interiorizar a presença militar portuguesa no interior. Com esse objetivo, o Brasil Colônia foi oficializado por uma Carta Régia e passava à condição de Vice-Reino de Portugal em junho de 1763. 

    Mourão, a solução

    Com o Vice-Reino e a mudança da capital de Salvador para o Rio de Janeiro, Portugal priorizava a reconquista das posições perdidas no Sul e a ocupação das vastidões dos atuais Paraná e Mato Grosso (Norte e Sul).

    O rei José I comunicou em fevereiro de 1764 ao vice-rei do Brasil, Antônio Álvares da Cunha, a recriação da Capitania de São Paulo, desligando-a do Rio de Janeiro. 

    São Paulo ficará sob as ordens do capitão-general Luís Antônio de Sousa Botelho Mourão, o Morgado de Mateus, que vai governar quase metade do atual Brasil. 

    Chegando em junho de 1765, com Mourão a região de São Paulo iniciará a escalada que a fará a “locomotiva” do Brasil. Sob suas ordens haverá a ocupação territorial do Paraná ainda controlado pelos índios que escaparam do genocídio e da escravização empreendidos pelos bandeirantes. 

    “Um dos primeiros atos do morgado é o de fazer povoar metodicamente os sertões de Curitiba e todos os imensos campos da região, até a margem direita dos rios Pelotas e Uruguai. O forte argumento para essa tomada de decisão é o de fazer frente aos espanhóis confinantes, que haviam ocupado uma grande parte do território do Rio Grande do Sul” (Edson Day, História do Contestado).

    A origem de Foz do Iguaçu 

    O Conde de Oeiras, que os brasileiros viriam a conhecer melhor por seu próximo título – Marquês de Pombal –, recomendou ao governador de São Paulo fundar um estabelecimento militar na fronteira com o Paraguai, em território hoje paranaense. 

    Pode-se considerar este o marco inicial das ações que levariam à formação de Foz do Iguaçu, mais de um século depois. A partir dessa ordem, Mourão mandou elaborar um completo levantamento da imensa Capitania que vinha governar. 

    Ao receber as informações, interessou-se pelos Campos Gerais, assinalados como parte do “Distrito da Vila de Curitiba”, com uma população já expressiva estabelecida pelo tropeirismo. Decidiu enviar um representante de sua confiança para avaliar o potencial econômico e militar da região. 

    Para a tarefa, designou Afonso Botelho de Sampayo e Souza, “aparentado seu, com ele vindo de Portugal seu ajudante-de-ordens, dando-lhe a incumbência de inspecionar as fortalezas e reorganizar em Santos os Regimentos de Milícias” (Roselys Vellozo Roderjan, A Formação de Comunidades Campeiras nos Planaltos Paranaenses e sua Expansão para o Sul).

    Antes dos colonos, os militares

    Os Regimentos de Milícias eram uma forma de reorganização dos antigos “Terços de Auxiliares”. Em seguida, Afonso Botelho se desloca para a 2ª Comarca (Paranaguá) em dezembro de 1766, encarregado de comandar militarmente a área e inspecionar as obras da Fortaleza de Nossa Senhora dos Prazeres. 

    Sua outra tarefa será enviar expedições militares para fazer o reconhecimento do interior, explorando as antigas posses espanholas.

    “Havia uma carta régia de 1765 que autorizava ao governador da capitania a conquista do Tibagi. Sabe-se que havia intuito de agressão à província [por parte] do Paraguai, daí o interesse de criar estabelecimentos nos sertões do Tibagi e de Guarapuava” (Osvaldo Pilotto, Sinopse Histórica do Paraná). 

    Não se tratava, portanto, povoar já a região, mas antes de estabelecer seu controle militar.

    Pode-se identificar na ação de Afonso Botelho, assim, o início efetivo do Exército como força armada permanente. “Exército regular, só o teve a colônia depois de 1764” (Pedro Calmon, História da Civilização Brasileira).

    A respeito da estruturação das Forças, é digno de nota que o vice-rei Antônio da Cunha criou no Rio de Janeiro o Arsenal da Marinha, em 1763.  

    Cada cidadão seria um soldado

    Na véspera do Natal de 1764 embarcaram para o Brasil setenta oficiais encarregados de aplicar aqui o regulamento do Conde de Lippe (1724–1777), inspirado na formação militar inglesa de Gustavo Adolfo, que institui a milícia governamental paga.

    Preparar soldados profissionais e promover a defesa dos domínios portugueses na América, assediados pelos espanhóis, foi, portanto, a função central do Paraná na época do Brasil como Vice-Reino. 

    Com a vinda dos instrutores militares, em consequência, cresce o recrutamento de homens para fazer a defesa do Sul contra a ofensiva espanhola. 

    Em 1766, Aviso Régio dirigido ao governador Luís Antônio Mourão ordena que no território de sua Capitania “fizesse alistar toda a gente sem exceção de nobres, plebeus, brancos, mestiços, ingênuos [NR: filhos de escravo nascidos livres]; e libertos” (Antônio Vieira dos Santos, Memória Histórica da Cidade de Paranaguá e seu Município). Todos no Exército. Afinal, são tempos de guerra.

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  • Riqueza, crime e conflito

    Riqueza, crime e conflito

    Interessado em ganhar a nomeação do rei José I para fazer o controle das riquezas achadas no solo do futuro Paraná, Ângelo Pedroso declarou em 1753 às autoridades portuguesas ter descoberto minerais preciosos na região. Logo depois chega ali, aparentemente por acaso, um foragido da Justiça: o mineiro Francisco Martins Lustosa.

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    Riqueza, crime e conflito andavam sempre juntos no remoto e despovoado interior na metade do século XVIII. Em plena corrida pelos diamantes, as preciosidades ficavam com quem chegasse antes, com a obrigação de entregar parte da coleta ao reino português. 

    Foi o rei João III (1502–1557) quem criou a regra tributária de que era imposto devido à Coroa um quinto de toda a produção de metais e pedras preciosas introduzida no mercado.

    Envolvido em feroz luta entre mineiros e paulistas pela posse e controle das riquezas minerais, o português Francisco Lustosa foi acusado de cometer um crime nas Minas de Sapucaí, no Sudeste mineiro, das quais era o administrador.

    Fugindo para o Sul, Lustosa se viu perseguido por uma bandeira punitiva da Câmara de Curitiba e se refugiou no sertão do futuro Paraná. Especialista em minas, esbarrou com os diamantes descobertos por Ângelo Pedroso.

    O sumiço dos diamantes 

    Sabendo que a descoberta de minas assegurava benesses junto ao rei português, de seu esconderijo na região diamantífera mandou a notícia de que descobriu jazidas e requeria as vantagens prometidas a quem encontrasse minas.

    Criava um problema para Pedroso, que pretendia ser o administrador das minas da região. Lustosa, de seu refúgio no Tibagi, declarava-se descobridor da lavra de Pedra Branca, e apesar de sua condição de fugitivo, era conhecido por sua capacidade de descobrir e administrar minas. 

    Perseguido pelos mineiros, mas ligado às autoridades paulistas, Lustosa pedia que um filho fosse nomeado “escrivão das minas”, que significava ter o controle sobre a exploração de ouro e pedras preciosas. 

    O naturalista Saint-Hillaire reportou que o diamante era retirado de contrabando, feito “não só por alguns habitantes do lugar como também por garimpeiros que vinham de fora e até mesmo da capitania de Minas Gerais” (Jefferson de Lima Picanço e Maria José Mesquita, O Sertão do Tibagi, os diamantes e o mapa de Angelo Pedroso Leme [1755]).

    Financiou fazendas

    Falava-se em abundância de diamantes, mas só uma pequena parte chegava de fato a Portugal, sempre em crise e agora tendo à frente a tarefa de reconstruir Lisboa, destruída pelo terremoto de 1755.

    À medida que a cobrança se intensificava, crescia a ocultação, o desvio e o contrabando, fazendo também aumentar a fiscalização e o policiamento por parte de Portugal. 

    O ouvidor de Paranaguá*, Antônio Melo Porto Carreiro, enviou ao Tibagi uma bandeira de 200 soldados para controlar a ação dos posseiros e garantir o aproveitamento dos recursos minerais da região.

    Encaminhada pela Câmara de Curitiba, a guarda se instalou no Registro de Nossa Senhora do Carmo, na foz do Rio Capivari, para vigiar os garimpos de diamantes. Ali foi instalado um forte militar e montes de diamantes foram efetivamente encontrados. 

    Uma parte foi para Lisboa, outra fez a riqueza dos futuros criadores de gado e Antônio Porto Carreiro foi chamado a dar explicações para a diferença de volume entre o grande tesouro que se supunha encontrado e a pequena quantia de fato remetida a Portugal.

    Denunciado pelos interesses que contrariou, Porto Carreiro foi preso em 1757, acusado de dar sumiço nos diamantes paranaenses.

    *Cargo equivalente ao atual governador do Estado

    As três tarefas

    A grande prioridade portuguesa era fazer a colônia render o máximo para fortalecer o reino. Nesses meados do século XVIII foram definidas com ênfase as três tarefas que deveriam ser cumpridas na Capitania de São Paulo, que abrangia também o atual Paraná.

    Para o governador Luís Botelho Mourão, as ações necessárias seriam “primeiro, defender as fronteiras; segundo, povoá-la para que possa defender-se a si mesma e, terceiro, tornar lucrativo o uso das minas e dos benefícios que venham a ser descobertos neste vasto continente”.

    Celebrado o entendimento com a Espanha em torno da entrega da Colônia do Sacramento, o esforço português estava agora direcionado a apoiar as demarcações, iniciadas em 1759, que definiriam as fronteiras entre as regiões do Oeste do Paraná e os domínios espanhóis. 

    As comissões mistas de demarcação iniciaram os trabalhos, mas progrediam lentamente, enfrentando a resistência indígena e as dificuldades de acesso.

    De volta às hostilidades

    Não havia mapas para facilitar os trabalhos. As plantas existentes eram conflitantes e crescia o descontentamento nos dois lados do colonialismo ibérico.

    A morte do rei espanhol Fernando VI, em agosto de 1759, com a posterior ascensão de Carlos III, contrário ao tratado de 1750 com Portugal, veio causar uma enorme reviravolta na região. O desenvolvimento dessas tensões levou à quebra do acordo anterior.

    Com a entrega de Sacramento em troca dos territórios espanhóis a Oeste da linha do Tratado de Tordesilhas, os tropeiros desbravaram no centro do Paraná, para além dos Campos Gerais, um território extremamente propício para a criação, descanso e engorda de animais: Guarapuava.

    Os índios toleravam a presença dos portugueses, que ainda eram poucos, mas a tolerância acabou a partir de 1760, quando os tropeiros já se espalham pelos Korumbang-Rê, denominação dos Campos de Guarapuava na língua Caingangue.

    Criar gado ou lutar na mata oestina?

    As primeiras expedições que tentam conquistar a região fracassam frente à resistência indígena. O capitão de cavalos dos Campos Gerais, Francisco Carneiro Lobo, supôs que os ataques dos índios se deviam à atração exercida sobre eles pelas ferramentas portadas pelos tropeiros.

    Não supôs que os ataques fossem um revide aos contínuos massacres sofridos pelas tribos indígenas, “a exemplo do que ocorreu com os Carijós, no litoral de Paranaguá, após longo período em que se constituíram objeto constante das ávidas bandeiras escravagistas” (Do Ouro à Soja, Secretaria do Planejamento do Paraná, 1976).

    O Oeste paranaense mais uma vez vivia uma situação incerta. Ocupá-la era uma necessidade, por conta do princípio internacional que assegurava o direito de posse por ocupação e moradia efetiva. 

    Mas se havia ainda os Campos de Guarapuava inteiros a aproveitar, com a perspectiva de criação de muito gado, que interesse havia em se meter na mata para caçar encrencas com índios aguerridos e espanhóis armados? 

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    Em meados do século XX, mergulhador com escafandro recolhe diamantes no Rio Tibagi

     

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  • A febre dos diamantes

    A febre dos diamantes

    Em meados do século XVIII, os índios aldeados nas missões do Sul já português desde o Tratado de Madri, de 1750, recusaram-se a aceitar a expulsão dos jesuítas, que deveriam se retirar para posições dominadas pela Espanha, mas não partiram.

    Como a reação já era esperada, Portugal deu ordens para que suas autoridades no Brasil recrutassem uma força militar especial para combatê-los. Um aviso régio determinou alistar nas milícias “toda a gente sem exceção de nobres, plebeus, brancos, mestiços, indígenas e libertos”.

    Foram montadas onze companhias de infantaria e três de cavalaria. As montadas ficaram conhecidas como “Hussares de Curitiba”. A origem do nome dessa cavalaria estava nos hussardos, heroicos cavaleiros poloneses célebres por raramente perder uma batalha. No Brasil, ela só existiu no Paraná, segundo Gustavo Barroso.

    Foi a preparação para as Guerras Guaraníticas – a ofensiva ibérica para desalojar “a população residente nas reduções jesuítico-guaranis situadas no agora território brasileiro e que se recusavam a partir para o lado espanhol do Prata” (Anna Eliza Finger, Ferrovias e Arquitetura do Ferro no Brasil e no Mundo).

    Um interesse brilhante

    A força militar recrutada a partir de Curitiba não servia às necessidades da região nem para apoiar as tarefas de penetração ao Oeste, mas como o ouro seduzia os milicianos a abandonar os quartéis e sair à mata em busca de riquezas, logo os diamantes também vão atrair as atenções dos aventureiros para o interior do futuro Paraná. 

    O foco das autoridades portuguesas ainda estava na defesa do Sul quando a “febre dos diamantes” começou, com o aparecimento dos cobiçados brilhantes nas explorações que resultariam na “descoberta dos Campos de Guarapuava”, iniciadas em 1753.

    Ao tomar conhecimento de que pedras preciosas foram vistas na região do Rio Tibagi, o governo luso finalmente voltou a se interessar pelo interior do futuro Paraná. 

    Determinou o completo reconhecimento da área e ainda a criação de uma colônia militar para impor o controle das terras conquistadas na troca feita com a Espanha pela Colônia do Sacramento, via Tratado de Madri. 

    Seria “um núcleo populacional e militar junto ao Rio Iguatemi, visando dificultar o acesso espanhol e criar uma base para incrementar o povoamento dos Campos de Vacaria” (Acyr Vaz Guimarães, Mato Grosso, sua evolução histórica).

    Um mapa caprichado

    A região foi explorada pelos irmãos Ângelo Pedroso Lima (ou Leme) e Marcelino Rodrigues de Oliveira, filhos de frei Bento Rodrigues de Santo Ângelo, religioso carmelita que morou na Fazenda do Capão Alto, em Castro.

    Eles se comprometeram com o ouvidor de Paranaguá, Antônio Pires Porto Carreiro, a obter informações sobre o descobrimento de ouro e feitura de roças entre os atuais Mato Grosso do Sul e Paraná.

    Para documentar suas entradas pelo interior e comprová-las ao ouvidor, Pedroso Lima mandou elaborar um mapa, executado por Manuel Ângelo Figueira de Aguiar. Um trabalho excepcional, considerando as condições da época (1755). 

    O Mappa do Certam* de Tibagy será o principal documento cartográfico da região no século XVIII. É a base da Planta do Sertão de Tibagi Que se Acha Descoberto (1769), elaborado com base em dados colhidos pelas incursões de Afonso Botelho.

    *Sertão.

    Gurapuaba e Campo do Mourão

     O mapa mostra dois campos de “Gurapuaba”. Um entre o Rio Grande do Registro (Iguaçu) e o rio Ubatuba (Ivaí), onde estão realmente os Campos de Guarapuava. O outro, entre os rios Tibagi, Paranapanema, Ubatuba e um afluente deste último, na região depois chamada Campo do Mourão.

    “No mapa consta a vila de Curitiba, os vales dos rios do Rio Grande do Registro (Iguaçu), Ubatuba (Ivaí) e Tibagy, assim como os Campos de Garapuava [sic]. O vale do Tibagi é o mais bem detalhado, com indicação e nome dos afluentes, maior densidade de picadas e a indicação das roças feitas na região por Ângelo Pedroso (Jefferson de Lima Picanço e Maria José Mesquita, O Sertão do Tibagi, os diamantes e o mapa de Angelo Pedroso Leme [1755]).

    Também estão indicados “os rios e ribeiros com ocorrências auríferas, assim como o morro da Pedra Branca, o qual teria ouro em suas vertentes”. O mapa assinala os “férteis campos para criar animais” e por ser bem detalhado também orientou a futura Carta Corográfica dos Dois Sertões de Tibagi e Ivaí. 

    O vasto “Paraná” 

    Na época, o Paraná (nome que só virá em 1853, em homenagem ao marquês Hermeto Carneiro Leão), estendia-se até o atual Rio Grande do Sul. Era uma região vastíssima, desconhecida e propícia a conquistas, ocupações e descobertas. 

    Em julho de 1755 registra-se o “Ato da Demarcação do Distrito da Vila de Curitiba pela baliza das Lages (Rio Pelotas) no continente Pedra Branca”. É um “auto de retificação de posse” assinado por dezenove testemunhas. 

    No documento, o escrivão da Câmara de Curitiba determina que o território do Paraná dessa época segue do Rio Itararé, como limite ao Norte, confinando com a Vila de Sorocaba, até o Rio  Pelotas  ao  Sul,  tendo como seu Oeste “todo  o  sertão  do  Tibagi”. 

    Nos limites da Vila de Curitiba também são mencionados os rios Paranapanema e Ivaí e ainda os pouco explorados Campos de Guarapuava, a Oeste.

    “A Câmara Municipal de Curitiba legislava sobre todo o território que se encontrava nos então Campos de Curitiba que faziam divisa com o Rio Grande do Sul, tendo muitas vezes intervindo naquela província a mando do vice-rei” (Câmara Municipal de Curitiba, Livro dos 300 anos).

    Maremoto, destruição e socorro 

    Em fins de 1755, depois da posse do vice-rei Marcos de Noronha e Brito (1712–1768), o Conde dos Arcos, o explorador Ângelo Pedroso se apresentou como descobridor das maravilhas minerais do interior paranaense.

    Ao comunicar à Superintendência de Terras Minerais de São Paulo e ao ouvidor João de Souza Filgueiras haver descoberto ouro no Sertão do Tibagi, firmava posição frente a um conflito judicial pela posse e jurisdição das terras exploradas. A vitória valeria o cargo de superintendente das minas da região.

    Ao achar diamantes, Pedroso abriu novos ganhos para Portugal, que teriam um endereço definido de imediato: no fim de 1755, a terra tremeu, um maremoto de 20 metros e múltiplos incêndios devastaram a capital portuguesa, fazendo mais de dez mil mortos. O ouro brasileiro e os diamantes paranaenses teriam que socorrer a matriz e reconstruir Lisboa. 

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    Região diamantífera do Paraná, novo alvo das atenções de Portugal no século XVIII

     

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  • Fim da guerra: Oeste deixa de ser espanhol

    Fim da guerra: Oeste deixa de ser espanhol

    Armistício assinado em Paris em 16 de março de 1737 entre os reinos ibéricos pretendeu pôr fim às hostilidades entre Espanha e Portugal no Sul da colônia brasileira. O futuro Paraná, ainda limitado ao litoral, Curitiba e Campos Gerais, iria triplicar de tamanho. 

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    Os portugueses perderiam Sacramento, mas o embrionário Paraná iria ganhar o território entre os Campos Gerais e o Rio Paraná, que ainda pertencia à Espanha.

    Com o Tratado de Madri, o Paraná ganhará também a região Oeste da futura Santa Catarina, perdida mais tarde para o Estado catarinense em longa batalha judicial. 

    Pelo acordo, “o Oeste paranaense é ratificado como português, sendo o Rio Paraná a fronteira natural com as possessões espanholas” (José Augusto Colodel, Cinco Séculos de História).

    Uti possidetis, a chave da posse

    O “Tratado de Limites das Conquistas entre os Muy Altos e Poderosos Senhores D. João V, Rei de Portugal, e D. Fernando VI, Rei da Espanha”, assinado em janeiro de 1750, redefinia as fronteiras de seus reinos na América do Sul. É o Tratado de Madri, que pôs fim ao Meridiano de Tordesilhas. 

    “Por este tratado, Portugal ficaria com o Rio Grande do Sul, Mato Grosso e com a Amazônia e receberia dos espanhóis os Sete Povos das Missões, em troca da cessão da Colônia do Sacramento” (Evandro Ritt, A Colônia Militar De Foz Do Iguaçu – PR Um Projeto de Consolidação de uma Fronteira: 1880 – 1920).

    “O lugar da linha ancestral na delimitação recíproca das soberanias foi preenchido então por um conceito oriundo do direito civil romano: o uti possidetis [interdito possessório: a posse legitimada e justificada por uma circunstância de realidade, pela ocupação efetiva]” (Demétrio Magnoli, O corpo da pátria).

    “Do lado português, fora [foi] um dos diplomatas mais capazes o brasileiro Alexandre de Gusmão. Parece ter sido boa, ou pelo menos equitativa a barganha, porque ambos os países, depois, se pretenderam logrados” (Afrânio Peixoto, História do Brasil). 

    As origens do Contestado 

    Gusmão abriu caminho às posteriores conquistas do Barão do Rio Branco. Um dos imbróglios foi o Rio Peperi, citado pelo Tratado de Madri como novo limite entre o Brasil e as colônias espanholas. 

    Para a Argentina, Peperi era o Rio Chapecó. Surge aí a Questão do Contestado, ao redor da qual, depois da vitória brasileira sobre a Argentina, muito sangue seria derramado já na disputa entre o Paraná e Santa Catarina.

    Portugal, com o Tratado de Madri, ficava com as margens orientais dos rios Paraná, Paraguai, Guaporé e Madeira. A Espanha recebia as Filipinas e Sacramento. 

    As primeiras contestações ao tratado vêm depois de julho de 1750, quando morre o rei português João V, na história por alargar significativamente os limites do Brasil e submeter seu país e colônias ao domínio inglês. 

    As riquezas brasileiras, a partir de agora, financiam o avanço do capitalismo global, comandado pela Inglaterra.

    Tentativa de matar o rei

    Sobe ao trono o rei José I (1714–1777), o Reformador, cujo reinado ficará sob o controle do ministro Sebastião José de Carvalho e Melo (1699–1782), o Marquês de Pombal. 

    Será um período acidentado, repleto de conspirações. O rei, que havia sido príncipe do Brasil, sobreviveu ao terremoto de Lisboa e a uma tentativa de regicídio. Teve um governo pautado por tensões: guerra com Espanha e França, corte de relações com a Santa Sé e no final séria crise econômica.

    O avanço britânico e as dificuldades de Portugal para aproveitar bem seu território vasto e inexplorado serão fatores de estímulo ao apetite inglês pelo controle do Oeste paranaense. 

    As primeiras contestações ao Tratado de Madri, que fez do Paraná espanhol um território português, aparecem em 1752, quando os chefes da missão demarcadora do Sul, Gomes Freire de Andrada por parte de Portugal e o Marquês de Valdelirios, pela Espanha, encontraram-se no começo de setembro e no mês seguinte seguiram ao trabalho de campo.

    Afinal, quem “descobriu” o Oeste?

    Por influência dos religiosos espanhóis, contrários à sua expulsão da região missioneira, os aguerridos índios Guaranis, “habituados a obedecerem unicamente a eles, recusaram sujeitar-se” (Agostinho Marques Perdigão Malheiro, Índice cronológico dos fatos mais notáveis da História do Brasil desde seu descobrimento em 1500 até 1849). 

    Os índios preferiram permanecer com os jesuítas espanhóis no território das Missões. Como a resistência já estava prevista, em junho de 1752 Portugal iniciou o alistamento dos soldados que iriam acompanhar o coronel Cristóvão Pereira de Abreu, comandante do Regimento de Hussares de Curitiba, para fazer a defesa do Sul. 

    Os duzentos homens recrutados patrulharam “a linha de limite, desde o Rio Pardo até ao Sacramento” (Walter Spalding, Construtores do Rio Grande). Rio Pardo era a metade Oeste do atual Rio Grande do Sul, onde ficavam as Missões.

    Na medida em que da passagem de Cabeza de Vaca nada ficou e da República Guarani só restaram ruínas, os historiadores procuram traçar os passos para a conquista do interior paranaense, mas o recuo no tempo produz sombras.

    De acordo com Francisco Adolpho de Varnhagen, o desbravamento dos Campos de Palmas começou com a primeira incursão de Zacarias Dias Cortes, datada de 1726, muito antes, portanto, de Pereira de Abreu partir para o Sul.

    Dias Cortes, herói paranista

    Há historiadores que duvidam da presença de Zacarias Dias Cortes na região e supõem que a referência feita a ele por Varnhagen estava errada. 

    No entanto, ele havia penetrado “nos sertões parananianos, com uma comitiva que se destinava a Vacaria – do Rio Grande do Sul com a intenção de dali trazer gado vacum e muar para o comércio nas minas de ouro de Cuiabá e Goiás” (Francisco de Paula Negrão, Campos de Palmas). 

    A controvérsia surgiu porque Dias Cortes não retornou pelo mesmo caminho: na ida, constatou que a região era habitada por “hordas selvagens”, segundo Negrão. Seria arriscado voltar por ali.

    Não voltou, mas registrou a existência desses campos, que os índios chamavam de Butiatuba e não foram explorados de imediato por conta da resistência indígena. 

    Isso, para Negrão, determinou o esquecimento da passagem pioneira de Dias Cortes pela região, quando desbravou até a cabeceira do Rio Uruguai em busca de ouro. 

    O grupo contatou os índios (I)Biturunas, que habitavam os arredores do Rio Chopim. Dias Cortes demarcou também o Rio Chapecó. Isso basta para pôr fim à polêmica.

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    Mapa europeu de 1875 mostra a região percorrida por Zacarias Dias Cortes, o bandeirante curitibano

     

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  • A marcha indireta para o Oeste

    A marcha indireta para o Oeste

    Depois de encerrado o ciclo do ouro paranaense, arrematado em fins do século XVII pela frustração com a lendária serra de prata, Portugal sofreu uma forte crise, socorrendo-se no apoio financeiro inglês. “O ouro não faz senão transitar. O beneficiário é a Inglaterra, cujas indústrias, excedentes ao consumo interno, vêm para Portugal e Brasil” (Afrânio Peixoto, História do Brasil).

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    “No Brasil, a febre do ouro enfraquecia as guarnições militares desfalcadas pelas deserções. Homens sem recursos embrenhavam-se nos sertões praticamente sem armas, equipamentos e alimentos, confiando na sorte e na caça para chegarem vivos às minas” (Mário Maestri, Uma História do Brasil: Colônia).

    Enquanto a febre do ouro toma conta do Brasil, a economia do Paraná já se estrutura sob as patas do gado. O fim da ilusão com os minérios de certa forma foi positivo para o futuro Paraná. Formou-se nessa época, até início do século XVIII, a estrada do gado, mais conhecido como Caminho de Viamão, iniciado nas Vacarias do Sul. 

    Os Campos Gerais foram escolhidos como território de descanso e engorda para os animais, que chegavam magros da longa jornada desde o Sul e dali seguiam à Feira de Sorocaba como primeiro destino, distribuindo-se em novas tropas que se dirigiam a São Paulo, às “minas de Cataguases” (Minas Gerais) e Nordeste.

    O mundo e o futuro Paraná 

    O trânsito das tropas logo também vai originar Guarapuava, vastíssima região ainda controlada pelos índios. À medida que muitas sesmarias de ampla extensão eram cedidas pela Coroa lusa aos interessados em colonizar e desenvolver a pecuária, mais empreendimentos se abriam, expandindo o desbravamento rumo ao Oeste.

    Nesse início do século XVIII, na Europa, com a submissão da Escócia à Inglaterra, forma-se a Grã-Bretanha, integrada também por Irlanda e País de Gales. O inventor Thomas Newcomen (1663–1729) cria a primeira máquina a vapor prática para bombear água, dando a largada para a Revolução Industrial. 

    O rei Pedro II morre em 9 de dezembro de 1706 e sobe ao trono o jovem João V (1689–1750). Com 17 anos, será o soberano que mais vai explorar o ouro brasileiro, servindo-o aos ingleses para financiar o florescimento do capitalismo. 

    As concessões de sesmarias nos primeiros anos do século XVIII formam o desenho do Paraná Colônia em seu período pós-mineração. Então limitada aos arredores do litoral e de Curitiba, a expansão do primitivo Paraná para os Campos Gerais, Guarapuava e Palmas, entre os rios Itararé e Iguaçu, sinaliza, balizada pela criação, transporte e comércio de gado, para a delimitação do território que seria o futuro Estado.

    “Os antigos sesmeiros e seus descendentes viriam a formar a influente aristocracia campeira, da qual saíam os homens destinados aos postos elevados das classes armadas, do clero e do governo” (Monika Gryczynska, O Casarão da Serra).

    O esboço da Estrada Boiadeira

    A região se emancipa oficialmente do Rio de Janeiro em 25 de fevereiro de 1714, passando a integrar a Capitania de São Paulo. Começará aí uma batalha quase sesquicentenária para se emancipar também de São Paulo.

    O Arraial Forquilha, futura Cuiabá, elege Pascoal Moreira em 1719 para comandar aquela região, acontecimento que será muito importante para o futuro Paraná. A febre do ouro atrairá àquela região aventureiros e prestadores de serviços que vão precisar de alimentos para viver e trabalhar.

    É a largada para a conquista do Oeste brasileiro, que acrescenta assim, de forma destacada, um novo e importante endereço às remessas do gado que chega do Sul. Abre-se o esboço de uma nova rota: a Estrada Boiadeira.

    Faz parte desse contexto a concessão ao curitibano Zacarias Dias Cortes de uma sesmaria no Tibagi, em 1716. Com ele também teria início mais um dos vários episódios polêmicos da história do Paraná rumo à ocupação do Oeste. 

    Dias Cortes, bandeirante paranaense 

    Atribui-se a Dias Cortes, em 1720, segundo o historiador Francisco Adolpho de Varnhagen, informação aceita pelo paranaense Romário Martins, a “descoberta” dos Campos de Palmas.

    Eles relatam que parte do Vale do Iguaçu foi explorada inicialmente nessa época por Dias Cortes em sua marcha para explorar as minas de Inhanguera (atual Oeste catarinense). 

    Cortes relatou ter encontrado na região uma “uma nação indígena que habitava as fraldas serranas e grande extensão do Rio Chopim – eram os índios Biturunas” (João Carlos Vicente Ferreira, Municípios Paranaenses Origens e Significados de seus Nomes). 

    Veio daí a descrição dos campos de Palmas, um território “[..] mui grande, mui raso e com muitos butiás que dão muita e boa farinha e por baixo dos butiás tem muita erva mimosa” (Francisco Adolpho de Varnhagen, História Geral do Brasil, Volume 2).

    Italiano diz que “descobriu” Palmas

    A lenda da serra de prata paranaense e do suposto ouro que havia em áreas do atual Sudoeste sob controle dos índios mais agressivos do Sul brasileiro motivou sucessivas expedições de busca e trouxe boas consequências para a estruturação do futuro Paraná e também à formação do Rio Grande do Sul. 

    “O intento da bandeira que dirigiu ao Sul do Iguaçu e que atingiu o Norte do Uruguai, foi a exploração do ouro que se dizia existente no morro do Ibituruna, onde as lendas da época situavam maravilhosas riquezas” (Romário Martins, Bandeiras e bandeirantes em terras do Paraná).

    Esse primeiro descobrimento notificado de Palmas foi contestado pelo explorador italiano Fidel Franco Bolloto, referindo-se a uma estrada aberta no sertão por ele com o capitão Gabriel Alves de Araújo e outros curitibanos. Bolloto, de acordo cm Romário Martins, “não conseguiu provar que sua exploração tivesse atingido os campos de Palmas, mas sim que havia explorado parte do sertão do Sul”.

    Sempre uma polêmica

    A historiografia paranaense sustenta que em sua bandeira Zacarias Dias Cortes percorreu vasta região do interior, descobriu e explorou as lavras de Inhanguera, nome que os nativos davam ao Rio Chapecó. 

    Ao tomar conhecimento do sucesso da expedição de Zacarias o governador da Capitania de São Paulo, Rodrigo César de Meneses, oficiou à Câmara de Curitiba para exigir de Cortes uma planta da região e um diário do seu percurso. 

    É a esse diário que o historiador Francisco Adolfo de Varnhagen faz menção, afirmando que as terras entre as cabeceiras do Uruguai e do Iguaçu eram já conhecidas pelos curitibanos por um “antigo roteiro”.

    A marcha para o Oeste, portanto, foi iniciada pelos extremos: ao Norte pelas atividades no Mato Grosso. Ao Sul, pela ocupação do atual Sudoeste paranaense. O futuro eixo que viria a ser a BR-277 ainda não estava em perspectiva.

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    Rei João V: com o ouro do Brasil, fez de Lisboa uma cidade rica e atraente

     

     

     

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  • Mentira causou o abandono do Oeste

    Mentira causou o abandono do Oeste

    Quando as cidades jesuíticas do Oeste do Paraná foram varridas pelos ataques dos bandeirantes, só Vila Rica do Espírito Santo, junto ao Rio Ivaí, manteve-se, apoiada no comércio de erva-mate.

    Sem os espanhóis, as autoridades portuguesas instaladas em Paranaguá teriam que iniciar a povoação do interior do futuro Paraná, mas isso requeria recursos para expedições de conquista (as entradas). 

    Agostinho de Figueiredo, administrador das minas de ouro e prata do Sul, estava no cargo desde 1670 sem apresentar os resultados que o rei Pedro II ansiava. Para se prestigiar junto ao trono português, o provedor das minas de Paranaguá, Manuel de Lemos Conde, mentiu ao rei que no interior havia uma fabulosa serra de prata. 

    Ávido pela fartura prateada, o monarca luso enviou ao Brasil um especialista em prospecção de minerais para avaliar a descoberta. Rodrigo de Castelo Branco vinha substituir Agostinho de Figueiredo e chegou de Portugal no fim de 1673.

    Sem prata, suicídio e assassinato

    Em pesquisas, Castelo Branco percorreu desde o Nordeste um vasto território, avaliando as possibilidades das regiões passíveis de boa extração mineral. Só em 1677 ele chegou a Paranaguá, de onde partiu para o interior do atual Paraná em busca da prometida serra de prata. 

    “Foi-lhe, pois, confiada uma bandeira para ir ao sertão buscar a prata que afirmara ter sido descoberta e descobrir outras se possível fosse. A bem aprestada expedição transpôs a Serra do Mar, penetrou nos Campos Gerais, derivou para o sul até o Iguaçu e o Uruguai e nada descobriu” (Romário Martins, Bandeiras e bandeirantes em terras do Paraná).

    Quando o logro de Lemos Conde foi descoberto, ele caiu em desgraça e teve os bens sequestrados. Humilhado e preso, suicidou-se em 1681. A disputa por cargos na colônia motivada pela prata lendária chegou ao fim um ano depois, quando Rodrigo Castelo Branco se envolveu em briga com Manuel de Borba Gato (1649–1718) e foi assassinado.

    A desilusão com o futuro Paraná foi grande e o rei Pedro II se desinteressou pela região. Decidiu determinar ao governador da Capitania do Rio de Janeiro, Manoel de Lobo (1635–1683), a fundação da Colônia do Sacramento, no atual Uruguai.

    O desvio da mão de obra

    Na ofensiva lusitana no Uruguai de hoje está a raiz da futura Guerra do Contestado, inaugurando as questões de limites travadas inicialmente entre Brasil e Argentina.

    “Os portugueses não queriam abrir mão do território por eles ocupado fora da linha de Tordesilhas, especialmente no denominado Continente de São Pedro e no interior dos atuais estados de Santa Catarina e do Paraná” (Nilson Thomé, Rio Branco e o Contestado – Questão de Limites Brasil-Argentina).  

    Com o Tratado de Lisboa, firmado em 7 de maio de 1681, a Espanha entregou Sacramento a Portugal. Findo o sonho prateado, a prioridade dada pelo reino português ao Sacramento prejudicava a região Oeste. Já ignorada pela Espanha, passou a ser ignorada também por Lisboa.

    Além de não investir no Paraná, o governo português exigiu que os trabalhadores da região – índios já “mansos” e em pleno vigor – fossem transferidos para o Sul ou remetidos à exploração das Minas Gerais.

    Quem ficou, sofreu epidemia

    A tímida reação contra a política de esvaziar a mão de obra do Paraná não chegou a desafiar o rei Pedro II. Além de perder seus jovens trabalhadores, o futuro Paraná foi assolado em 1686 por uma epidemia – a Peste da Bicha. 

    Surto de febre amarela, supostamente detonado por um estoque de carne podre em barris vindos da Bahia, “a situação era tão dramática que as igrejas dessas vilas litorâneas chegavam a suspender o dobre dos sinos para não aterrorizarem ainda mais as populações” (Antônio Vieira dos Santos, Memória Histórica de Paranaguá). 

    “Estavam cheias as casas de moribundos, as igrejas de cadáveres, as ruas de tumbas” (Sebastião da Rocha Pita, História da América Portuguesa).

    No plano mundial, nessa época, o grande acontecimento é a Revolução Gloriosa: em 1688, contra o rei inglês Jaime II, limitou os poderes do monarca, propôs a supremacia do Parlamento, a liberdade de imprensa e individual e proteção à propriedade. É a burguesia atacando a ordem feudal.

    Capitalismo e tropeirismo

    A revolução, além de pôr fim ao absolutismo monárquico na Inglaterra, criou o primeiro Estado burguês do planeta, alicerçado na monarquia parlamentar. A burguesia avançaria ainda mais a partir dessa época, impondo a liberdade de mercado, ponto de partida para a vitória do capitalismo. 

    Os ingleses começavam a conquista do mundo e no futuro também viriam tomar conta do Oeste. Para Portugal, o interior do Paraná voltou a interessar apenas como ponto de passagem.

    Em 1698, Artur de Sá e Menezes, governador do Rio de Janeiro, escreveu ao rei informando sobre a descoberta de um caminho para as Minas Gerais dos Cataguases do Ouro Preto, citando “a utilidade dos Campos Gerais, os quais são tão férteis para os gados”.

    Começava o tropeirismo. O gado traria riqueza e importância a Curitiba, mas nenhuma ação povoadora no extremo-Oeste. Então os Campos Gerais são a nova frente de colonização e enriquecimento dos paulistas, consolidando-se a partir do início do século XVIII. 

    Prioridade ao eixo Viamão-Sorocaba

    Com o litoral já em início de produção industrial, Curitiba é cercada de lavouras e as famílias tradicionais financiam negócios com o gado, dirigindo a ocupação dos campos que ligam a região com Sorocaba e São Paulo, onde estavam os compradores. 

    A política de concessão de terras não se dava mais a título de gratidão, recompensa ou pagamento por serviços prestados a Portugal. O governador do Rio de Janeiro, Álvaro da Silveira de Albuquerque, estabeleceu que os novos donos de terras as usassem para criar currais, “tudo no intuito de desenvolver a pecuária e gradativamente a povoação destes lugares” (Diocese de Ponta Grossa, O Povoamento de Ponta Grossa).

    O desagrado entre as lideranças locais com o esvaziamento populacional induzido por Lisboa aumentou em 1698, quando o governo geral exigiu o fornecimento dos índios aldeados para reforçar uma expedição encarregada de combater “índios bravios” no Rio Grande do Sul. 

    Mesmo quando os combates terminavam logo, a mão de obra paranaense não retornava, deslocada para servir nas Minas Gerais, cujo ouro financiará a riqueza europeia. Para o interior, nada.  

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    A burguesia avançou com a deposição do rei inglês Jaime II

     

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  • Oeste despovoado terá um futuro inglês

    Oeste despovoado terá um futuro inglês

    No plano mundial, o fim da primeira metade do século XVII, em 1649, registrou fatos decisivos para a história. Na Inglaterra, a decapitação do rei inglês Carlos I, acusado de pensar em interesses pessoais e não no povo. Na Holanda, a revolução agrícola dos nabos, que reorientou o processo produtivo mundial. 

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    Em seguida, a Inglaterra republicana atacou os navios da Holanda, que governava o Nordeste do Brasil, iniciando uma guerra pelo controle do comércio marítimo. Havendo uma prolongada instabilidade em Portugal, a situação determinou abalos em suas colônias e apresentou reflexos também no futuro Paraná. 

    Com milhares de índios já escravizados e outros tantos fugindo para as missões no Sul, minguou o “estoque” de nativos na região. A atenção dos portugueses se dirigia agora prioritariamente para se libertar da invasão holandesa. 

    Desajustes familiares

    O Brasil lusitano, espelhando a matriz, também estava mergulhado em problemas. A ocorrência crucial foi a colônia sofrer uma crescente influência inglesa, favorecida pela criação da Companhia Geral do Comércio.

    O conflito com a Inglaterra enfraqueceu a Holanda, o que ajudou Portugal a retomar o Nordeste, mas seu governo estava nas mãos de uma família muito complicada. Espanhola, a rainha de Portugal, Luísa de Gusmão, exercia grande influência sobre o marido, o rei João IV.

    Caindo enfermo em 1648, o rei nomeou Luísa como regente de Portugal durante a menoridade do herdeiro do trono, Afonso VI. João IV morreu em novembro de 1656 e contra a vontade da mãe, que pretendia continuar governando, o filho Afonso VI foi coroado muito jovem, aos 14 anos. 

    A Corte lusa considerava que Afonso VI tinha “cabeça perturbada”, subindo ao trono em má hora para os interesses lusos ultramarinos. A fragilidade do governo português, ainda tentando se libertar totalmente do domínio espanhol, foi determinante para a ascensão da influência inglesa. 

    Índios com muito ouro

    Enquanto esses fatos mudavam o mundo, no futuro Oeste do Paraná o despovoamento causado pelas bandeiras portuguesas nesta região e a expulsão dos jesuítas espanhóis fortaleceu os bandeirantes, cuja nova ocupação principal na área passava a ser a busca de ouro, prata e diamantes. 

    Retornando o Brasil Colônia inteiro ao domínio luso, a necessidade de Portugal se fortalecer para enfrentar a Espanha e salvar sua economia impunha fazer com que os territórios desbravados lhe proporcionassem um rendimento máximo.

    Agora, em lugar dos cruéis caçadores de homens, as expedições luso-paulistas em território do futuro Paraná se faziam acompanhar por técnicos em minas e geologia. 

    Um deles, Luís de Góis Sanches, “andando pelos lados do morro de Capivaruçu, próximo às nascentes do Ivaí, em 1641, encontrou índios com muitas folhetas de ouro” (Afonso Botelho, Notícia da conquista e descobrimento dos sertões do Tibagi). 

    O Paraná, assim, foi alvo de uma corrida do ouro e a parte da produção aurífera entregue ao reino português como tributo tinha o apelido de “quinto dos infernos”. 

    Expulsão custou caro

    Todo o ouro dos quintos existente nos cofres do Paraná, aos cuidados de Eleodoro Ébano Pereira, segundo determinação baixada em 1652 pelo governador do Rio de Janeiro, Salvador Correia de Sá, deveria ser repassado “à Rainha Nossa Senhora” de Portugal – d. Luísa de Gusmão (1638–1705). Depois disso, Ébano Pereira ficou sem funções.

    O ouro paranaense que Salvador de Sá mandou Eleodoro Ébano rapar em 1652 para entregar à rainha foi destinado ao esforço da Coroa lusitana para derrotar os holandeses, que capitularam em 1654. 

    Expulsar os holandeses foi um bom uso para o ouro paranaense? Nem tanto, já que ida dos holandeses causou uma forte crise na economia colonial. Sem o Brasil, passaram a produzir açúcar em suas colônias nas Antilhas, mais próximas da Europa e com terras virgens. 

    O Brasil, sem planejamento e com terras cansadas, perdia a posição de vanguarda na produção açucareira. A concorrência holandesa derrubou os preços e o volume exportado caiu pela metade. 

    Governantes retardados

    A regência da Rainha Viúva, Luísa de Gusmão, termina em junho de 1662 com a ascensão ao trono do menino-rei Afonso VI, convencido por áulicos da Corte a contrariar a mãe, por fim afastada a contragosto.

    Afonso e o rei espanhol Carlos II (1661–1700) eram tidos pelas próprias famílias como fracos, retardados e imbecis. Afonso em breve seria deposto pelo irmão, Pedro II. Carlos, que morreu aos 39 anos sem deixar herdeiros, era conhecido como “o amaldiçoado”.

    No futuro Paraná, Fernão Dias Paes Leme ocupava a Serra da Apucarana, onde o bandeirante estabeleceu um “arraial com o troço* das suas armas, para vencer a redução daquele reino, que se dividia em três diferentes reis” (Affonso Taunay, A grande vida de Fernão Dias Paes). 

    Não sem trabalho, a tropa de Paes Leme capturou os caciques da nação Guainá, ancestrais dos Caingangues, levando-os prisioneiros para São Paulo com todo o seu povo. A tarefa demorou três anos, entre 1661 e 1663.

    Sobre a conquista de Paes Leme, padre Antônio Vieira escreveria a sua versão sobre o massacre sofrido pelos índios: “Toda aquela gente se acabou ou nós a acabamos; em pouco mais de trinta anos (…) eram mortos dos ditos índios mais de dois milhões” (Darcy Ribeiro, O Povo Brasileiro).

    *Troço – Base para assentar um canhão.

    Portugal perde o interesse

    O rei Afonso VI teve um curto reinado de muitas batalhas externas, culminando com um desmoralizante complô chefiado pelo irmão Pedro II (1648–1706), então com 19 anos, em 1667.

    Assumindo na condição de regente sob a alegação de instabilidade mental do irmão rei, aprisionado em Sintra, Pedro II lhe tomou até a esposa, a francesa Maria Francisca de Saboia, de 22 anos, em 1668. O governo de Pedro II iria se caracterizar por mais submissão à Inglaterra e uma febril exploração das minas brasileiras.

    Os primeiros sinais de descontentamento do interior do futuro Paraná com a administração geral do Brasil Colônia se verificam logo depois de se constatar que o ouro paranaense já não atendia mais às ávidas pretensões de Portugal. 

    Em breve a ilusão da fartura de veios de prata também acabaria por se desvanecer e o litoral paranaense deixaria de ser interessante aos governantes do Rio de Janeiro, tanto quanto seu interior, a Oeste, já não atraía mais os bandeirantes luso-paulistas.

    Entre famílias complicadas e governos inseguros, ao Oeste do Paraná só restava esperar por dias melhores. Eles tardaram mas vieram, e o comando, a partir daí, será inglês.

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    O jovem rei Pedro II acreditava que havia uma fabulosa “serra de prata” no Paraná

     

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  • Ordem: limpar os cofres do Paraná

    Ordem: limpar os cofres do Paraná

    Com a fuga dos jesuítas e seus índios reduzidos, ou seja, aldeados em redutos e doutrinados para a produção comunitária exportável, o futuro Paraná começou a se caracterizar como “território de passagem”, tese sustentada por muitos historiadores.

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    As expedições de Aleixo Garcia, Cabeza de Vaca e tantas outras só passaram. Os jesuítas vieram, tentaram construir mas foram obrigados a passar. Os bandeirantes só passaram, sem deixar nada construído. Em seu rastro ficaram apenas as ruínas das cidades de índios criadas pelos jesuítas nas três primeiras décadas do século XVII.

    Com o despovoamento de índios, o interior só continuou na mira dos bandeirantes à procura de ouro, necessário para salvar o reino português. Eles, porém, não só levaram ouro e índios para escravizar: também deixaram rastros históricos.

    Em 1637, em bandeira pela região sob o comando de Fernão Dias Paes Leme, chega o jovem Mateus Martins Leme (1619–1697), que será no futuro nomeado “capitão povoador de Curitiba”. Fernão Dias, por sua vez, ainda faria muita história pelos sertões do Paraná.

    Revolução longa e cara

    O ano de 1640 foi pródigo em tensões em Portugal que afetariam o futuro do Paraná. Uma delas foi A Botada dos Padres Fora, que culminou na expulsão dos jesuítas. 

    Foi uma vingança contra os religiosos que inspiraram um Breve (determinação pessoal) do papa Urbano VIII “ameaçando de castigos e cóleras divinas os ímpios que atentassem contra a liberdade dos indígenas, quer dos convertidos, quer dos infiéis” (Auguste de Saint-Hilaire, Viagem à Província de São Paulo). 

    A revolução de Portugal contra o domínio espanhol eclode em 1º de dezembro de 1640. É a Guerra da Restauração, que vai durar 28 anos. Sob o nome de d. João IV, o Duque de Bragança (1604–1656), é aclamado rei de Portugal.

    O domínio espanhol arruinou os cofres lusos e levou Portugal a perder importantes áreas coloniais, mergulhando o reino em séria crise econômico-financeira. 

    Libertava-se da Espanha e se tornava escravo dos cofres vazios, já sem as perspectivas econômicas com que ingressara vitoriosamente na segunda metade do milênio. Com isso, o ouro do Paraná será necessário para pagar parte dos custos da revolução portuguesa. 

    Só o ouro interessava

    Desdobramento da situação revolucionária na península ibérica, em 1641 os holandeses ocuparam o Maranhão, aproveitando-se da fragilidade de Portugal, com os cofres vazios depois de décadas de submissão à Espanha.

    Eleodoro Ébano Pereira foi enviado em 1649 à Vila de Nossa Senhora do Rosário de Paranaguá, primeiro núcleo urbano do Paraná, para comandar uma expedição. Ela teria que subir os rios, passar a Serra do Mar e alcançar o Planalto com o objetivo de encontrar ouro e índios para capturar. 

    Concentrando-se no ouro, o grupo reunido por Ébano Pereira era formado por sertanistas do litoral. Eles conheciam bem a região e os bons resultados logo apareceram, com a identificação dos sítios auríferos.

    Em fins de 1651, o rei João IV ordenou a Luís Salema de Carvalho, desembargador da Relação da Bahia, ir ao Sul “para fazer examinar as minas do descobrimento do capitão Eleodoro Ébano Pereira”. As notícias foram ótimas: diversos veios de ouro foram achados.

    Atraso e abandono

    O reino tinha pressa em levar o máximo de ouro para custear a força militar de combate ao domínio holandês. Oficializado como administrador das minas de ouro da Capitania de Paranaguá, Eleodoro Ébano recebeu um ofício encaminhado em maio de 1652 pelo governador do Rio de Janeiro, Salvador Correia de Sá. A ordem era limpar os cofres e entregar a quantia apurada ao emissário do governador, João Rodrigues Morales. 

    Uma das causas do atraso no desenvolvimento do interior paranaense, a perda desse primeiro ouro oficial fará com que por longo tempo o Oeste fique fora das atenções dos governos sediados no Rio de Janeiro e São Paulo. 

    Além de incursões esporádicas dos bandeirantes em busca de ouro, não encentrado no Oeste, a ação governamental se limitará ao eixo Curitiba-Litoral, depois nos Campos Gerais e só no fim do século XIX chegará a Guarapuava.

    “Gostosos” com o conquistador

    Em São Paulo, o mito do heroísmo bandeirante criava corpo com Afonso Taunay, filho do governante paranaense e grande escritor Alfredo Taunay. Ele foi um dos principais responsáveis pela glorificação dos bandeirantes, mesmo reconhecendo que foram extremamente cruéis. 

    A ação dos bandeirantes, para Taunay, teria “as mais notáveis consequências para o futuro do Brasil”. Sem a ação de Antônio Raposo Tavares, escreveu, “a fronteira do Brasil seria hoje o Paranapanema. E Mato Grosso também não nos pertencera, espanizado pelas reduções dos Itatins”.

    “A lenda [do bandeirante] se incumbiu de ampliar-lhe o feito (,,,) fazendo-o entrar no Pacífico com a espada desembainhada e dele tomar posse em nome da coroa de Portugal” (Carlos Alberto Nunes, Os Brasileidas: Epopeia Nacional). 

    Na versão de Taunay, a submissão dos caciques indígenas ao bandeirante foi uma aventura pacífica: “Pôs-se em marcha o grande corpo daqueles reinos e todos seguiam gostosos esta transmigração debaixo do comando inteiramente do seu conquistador e amigo Fernão Dias”. 

    Índios, agora armados 

    Durante a resistência portuguesa ao domínio espanhol, os bandeirantes saíram em perseguição aos índios que fugiram pelo Rio Paraná. Mas após o desastre do Guayrá, em 1629, o rei Filipe IV os autorizou finalmente a usar armas “para que possam se defender dos irreparáveis danos que a experiência mostrou terem recebido aquelas reduções por parte dos portugueses da vila de São Paulo, ficando a maior parte delas destruídas, seus índios escravizados e como tais vendidos no Brasil ou mortos nos caminhos”.

    A resistência aos ataques bandeirantes virou o jogo em 11 de março de 1641, quando três mil homens da vanguarda paulista foram derrotados na confluência dos rios Uruguai e Mbororé pelo exército de índios Guaranis, em maior número. Cerca de dois mil homens dos dois exércitos tombaram na batalha.

    Em Portugal, já estavam em curso os protestos populares motivados pelos excessos tributários. Ao se agravar, essa agitação levaria à completa independência portuguesa, rompendo o controle espanhol.

    O clima revolucionário crescente em Portugal, também verificado na Inglaterra, afetou os moradores do Brasil, sinalizando para uma série de revoltas inicialmente baseadas na contrariedade com os impostos e em seguida ampliadas para o sonho de independência. Mas por ora, e durante 200 anos, o Oeste ficaria ignorado.

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    Papa Urbano VIII: “castigos e cóleras divinas” para quem oprimir índios

     

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