Autor: Alceu Sperança

  • Bandeirantes expulsam os jesuítas

    Bandeirantes expulsam os jesuítas

    Enquanto puderam, os jesuítas fundaram diversas cidades de índios – as reduções. O padre Simão Maceta edificou Jesus-Maria e outras reduções por orientação de seu superior, Antonio Ruiz de Montoya, para criar o fato consumado de que o Oeste do futuro Paraná era espanhol e sob controle jesuíta: uma república de índios para servir de exemplo ao mundo.

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    Além de se dispor a catequizar os primeiros dois mil índios que passaram a viver no aldeamento Jesus-Maria e organizar o trabalho para a exploração de “matas abundantes em erva-mate”, Maceta estava obcecado por um objetivo, que determinou como sua grande missão no fim da década de 1620: converter o aguerrido cacique Guairacá ao cristianismo.

    A defesa que os jesuítas faziam dos índios, tentando protegê-los de uma exploração impiedosa por parte dos militares espanhóis e de ser levados como escravos para domínios portugueses, acabaria por lhes custar muito caro. 

    “As bulas pontificais e os éditos reais contra a escravização dos índios produziram irritação e rebeldia entre os escravagistas de São Paulo e até do Rio” (Afrânio Peixoto, História do Brasil).

    Crianças em canoas, os mais fortes a pé

    Eles em breve seriam expulsos do Brasil. “Infelizes os jesuítas reais, primeiro desmoralizados, depois expulsos de suas obras, encarcerados, mortos de fome e frio em fortalezas europeias, onde, muitas vezes, nem mesmo receberam um sepultamento decente” (Pedro Ignácio Schmitz, A missão: peripécias das reduções jesuíticas).

    Até o sítio completo imposto em 1631 pelos bandeirantes, na batalha final da região, a Ciudad del Guayrá chegou a abrigar cinco mil pessoas, em uma área de 120 hectares, com mais doze mil ao redor. 

    Todos fugiram quando os bandeirantes paulistas, armados de arcabuzes, espingardas de pederneiras, pistolas, adagas e espadas, cercaram seus redutos desarmados.  “Está a vila muy apertada e atrincheirada por estar cercada pelos portugueses de São Paulo”, escreveu à Espanha o bispo Cristóvão de Aresti.

    Com a aproximação dos bandeirantes a Guayrá, as canoas foram lançadas desesperadamente nas águas. Além do grupo embarcado, com idosos, mulheres e crianças, seguiu outro, a pé. 

    A marcha dos doze mil

    O padre Montoya foge com cinco mil dos doze mil retirantes e a maior parte se desloca inicialmente para as reduções de Natividad e Santa Maria La Mayor, a misteriosa redução supostamente plantada nos arredores da futura Foz do Iguaçu.

    Os demais foram reconstruir as reduções de Loreto e San Ignácio Mini, em território hoje argentino, junto ao Rio Jubaburu, ao cabo de quase dois mil quilômetros de marcha. Era o fim do sonho de civilização no interior do Paraná, que seria qualificado pelo padre Clóvis Lugon como “República Comunista Cristã dos Guaranis”.

    As cidades indígenas, bem organizadas e produtivas, foram arrasadas pelos bandeirantes, mas no contexto de uma narrativa hegemônica paulista eles foram transformados em heróis brasileiros. A destruição causada pelos bandeirantes na primeira experiência civilizadora no Oeste do Paraná foi maquiada pela história oficial no mito do “bandeirante herói”.

    Os historiadores Afonso Taunay e Alfredo Ellis Jr. preferiram forjar para os caçadores de homens uma imagem positiva, mas ambos sabiam que eles “estavam treinados para escravizar e matar” (Eduardo Bueno, História do Brasil).

    A maldição dos bandeirantes

    Em 1632, as últimas reduções foram saqueadas e destruídas. A Ciudad Real del Guayrá foi abaixo e em seguida abandonada pelos destruidores. Seus habitantes seguiram para as missões do Rio Grande do Sul, após penosas marchas pelas selvas do Sul brasileiro. 

    Mas se o sonho de progresso, cultura e fraternidade dos jesuítas se transformou em ruínas, o destino dos cruéis bandeirantes Raposo Tavares e Manuel Preto não foi melhor.

    Manuel Preto foi morto a flechadas em algum ponto entre os futuros Paraná e Santa Catarina, em 22 de julho de 1630. Tavares durou mais. Sua expedição percorreu cerca de dez mil quilômetros em três anos, entre os rios Paraguai e Solimões-Amazonas, até o atual Pará. 

    Ali a selva o esmagou: sua tropa se viu reduzida a 59 brancos e alguns índios. Ao retornar a São Paulo, Tavares estava tão doente e desfigurado que sequer os parentes o reconheceram. Morreu em 1658.

    Mais fácil que criar a cultivar

    A “monocultura” da escravização de índios no interior do atual Paraná para o trabalho nas minas, fazendas de criação e usinas de açúcar de São Vicente e Nordeste sofreu um forte impacto com o despovoamento da região, afetando seriamente os negócios dos bandeirantes.

    “Tinham desistido de cultivar suas terras, de cuidar de seu gado, renunciando às doçuras do lar – a caça aos indígenas constituía sua única ocupação; era isso, para eles, uma verdadeira paixão, sendo-lhes também copiosa fonte de riquezas” (Auguste de Saint-Hilaire, Segunda viagem a São Paulo).

    A campanha de destruição das povoações dirigidas pelos padres jesuítas iria fazer de Antônio Raposo Tavares, o mais famoso bandeirante, o “responsável pela morte de quinze mil índios, e aprisionamento de outros sessenta e cinco mil, levados acorrentados para São Paulo, onde foram vendidos para servirem de mão-de-obra escrava aos senhores feudais” (João Carlos Vicente Ferreira, O Paraná e seus municípios).

    Em cinco anos, além dos aprisionados, “aproximadamente 40 mil fugiram e entre 100 e 150 mil foram mortos e feridos ou simplesmente dizimados” (Omar Fedato Aleksiejuk e Zido Raddatz, IBGE Cidades@).

    A perseguição continuou

    Com a fácil vitória dos bandeirantes lusitanos sobre os jesuítas espanhóis no Oeste do Paraná e seus índios desarmados, a frente de luta dos luso-brasileiros se desloca para a resistência ao domínio holandês no Nordeste. 

    Após a ocupação do Recife, em 1635, da Bahia até o litoral Norte o Brasil agora seria holandês, sob o comando de Maurício de Nassau (1604–1679), por mais de duas décadas.

    A preocupação com os holandeses não impediu que os lusitanos, sob o comando de Fernão Dias Paes Leme (c.1608–1681), o célebre Caçador de Esmeraldas, atravessassem os planaltos do Paraná para ultrapassar o Rio Iguaçu e ir atrás dos índios que se deslocaram ao Sul, rumo ao Rio Taquari (Alfredo Ellis Júnior, O Bandeirismo Paulista e o Recuo do Meridiano). 

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    Antônio Raposo Tavares: estátua no Museu Paulista celebra sua visão de desbravador

     

     

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  • Muitas cidades surgem e logo são destruídas

    Muitas cidades surgem e logo são destruídas

    Em 1626, mesmo ano em que teria surgido próxima às Cataratas a escondida redução jesuítica de Santa Maria la Mayor, o já muito rico sertanista Manuel Preto foi impedido de exercer o cargo de vereador para o qual foi eleito em São Paulo. 

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    Era uma punição pela crueldade cometida com os nativos nas entradas que empreendeu pelo sertão. Entradas foram ações governamentais portuguesas de desbravamento dos territórios sob controle espanhol. Bandeiras eram as iniciativas privadas de captura dos índios no sertão.

    A resposta de Manuel Preto, criador do bairro paulista Freguesia do Ó, foi voltar às matas do Oeste e promover uma destruição ainda maior. A propaganda do heroísmo bandeirante tem nele e em Antônio Raposo Tavares, a partir de 1627, seus grandes ícones. Eles dariam a pá de cal na república teocrática dos jesuítas em terras do futuro Paraná. 

    Cidades de curta duração

    Mesmo sofrendo agressões mais intensas, porém, os jesuítas ainda insistiam por essa época em plantar mais cidades de índios na região. A redução de Santo Antônio é formada junto ao Rio Ivaí, no atual Município de Grandes Rios, no centro do Paraná. 

    Sete Arcanjos de Taiaoba surge às margens do Rio Corumbataí, entre Jardim Alegre e Ivaiporã. São Miguel ficava no atual Município de Tibagi. Era a cidade indígena mais avançada na direção Leste.

    Também em 1627 vieram as reduções de São Pedro, no Rio Piquiri, em área do Município de Guarapuava, e Conceição de Nossa Senhora do Guaianá, ainda junto ao Piquiri, em Pitanga. 

    A redução de São Paulo, entre os atuais municípios de São João do Ivaí e Jardim Alegre, ficava no Rio Ivaí, bem próximo do local em que 220 anos depois o médico Jean Maurice Faivre fundaria a Colônia Teresa Cristina. No ano seguinte, surge São Tomé, no Rio Corumbataí, em Jardim Alegre.

    Jesuítas x Guairacá x portugueses

    Por essa época também ocorrem as últimas escaramuças entre espanhóis e o já idoso cacique Guairacá, que os padres chamam de Guiraverá. Era vital para seu programa converter o grande cacique, que ameaçava devorar os espanhóis caso não se retirassem da região. 

    Carta do padre Nicolau Durán datada dessa época revela que seus principais problemas ainda não eram causados pelos portugueses, “mas com os próprios espanhóis, que escravizavam os índios para o seu serviço, o que aumentava a desconfiança e a ferocidade de índios de outras tribos da região”. Explica-se assim o rancor de Guairacá para com os espanhóis, fossem eles militares, encomenderos ou padres. 

    Mas o lendário cacique não era o verdadeiro problema. Em agosto de 1628, Manuel Preto “pôs-se à frente da grande bandeira que atacou e arrasou a maioria das reduções jesuíticas existentes na região do Guayrá e dos campos do Iguaçu, o que levou o donatário da Capitania, d. Álvaro Pires de Castro e Sousa, conde de Monsanto, a premiar-lhe com a patente de governador das Ilhas de Sant’Ana e Santa Catarina” (Pedro Wilson Carrano Albuquerque, Árvore de costado de Lucília de Castro Barroso).

    O início da destruição

    O padre jesuíta italiano Simão Maceta criou a povoação de Jesus-Maria junto ao Rio Ivaí, no atual Município de Prudentópolis, e também as reduções Conceição de Nossa Senhora do Guaianá (Rio Piquiri, interior de Pitanga), São Tomé (Rio Corumbataí, Município de Jardim Alegre) e a Ermida de Nossa Senhora de Copacabana (Rio Piquiri, no hoje Município de Ubiratã).

    A formação rápida de novas reduções pretendia dar como fato consumado a ocupação espanhola, mas só fez incitar ataques mais fortes, até obrigar os padres a iniciar a transferência dos índios ainda não escravizados pelos paulistas para a região missioneira sulina. 

    Em 18 de setembro de 1628, na mais ousada ação contra os jesuítas, partia de São Paulo a bandeira que iria destruir a redução de Guayrá. Raposo Tavares desceu até Iguape, de onde subiu o Vale do Ribeira e chegou ao planalto paranaense. 

    Quartel de inverno

    A bandeira de Raposo Tavares e Manuel Preto é uma cidade em movimento. Constitui-se de 900 mamelucos e dois mil índios auxiliares, dirigidos por 69 paulistas qualificados como lugares-tenentes de Raposo. Foi o estopim para a destruição do até então bem cuidado projeto de civilização no Oeste do Paraná.

    A virtual cidade ambulante formada pelos bandeirantes para assediar as reduções indígenas criadas pelos espanhóis no Noroeste do Paraná se estabeleceu por quatro meses em posição estratégica, na forma de um campo entrincheirado à margem esquerda do Rio Tibagi, no atual distrito de Natingui, ao Norte de Ortigueira.

    O bandeirante Raposo Tavares destruiu uma a uma todas as reduções a partir do Vale do Tibagi (Santo Antônio, Encarnación, Los Angeles etc). Parte da bandeira desceu ao Vale do Iguaçu, onde destruiu doze aldeamentos. Dentre as mais importantes, sucumbem as reduções de São Miguel, Jesus Maria, São Xavier e São José.

    Maceta qualificou o amplo acampamento entrincheirado à margem esquerda do Rio Tibagi, estabelecido por Raposo Tavares e Manuel Preto, como “quartel de inverno dos bandeirantes” (Davi Carneiro, Afonso Botelho de São Payo e Souza) – “uma paliçada forte de paus, perto de nossas aldeias”. 

    Ataque ao sonho jesuíta 

    No princípio, o forte passou a manter intercâmbio comercial com os jesuítas, até ser forjado o pretexto para a ofensiva final. Um índio chamado Tataurana, instruído pelos paulistas, simulou escapar do acampamento bandeirante e pediu asilo na redução de Santo Antônio.

    Alegou aos padres ter sido ali sua origem de catequese. Os paulistas exigiram a devolução do suposto fugitivo, mas o padre Pedro Mola, caindo na armadilha, recusou-se a restituí-lo, alegando ser “injusto cativar-se um homem livre e cristão”. 

    A recusa a entregar Tataurana deu pretexto ao assalto final dos bandeirantes à redução jesuítica de Guayrá, em 29 de janeiro de 1629, sob o comando de Antônio Raposo Tavares e Manuel Preto, encontrando grande facilidade no ataque porque os índios Guaranis foram proibidos de portar armas – o rei espanhol Filipe IV mais tarde se arrependeu de proibi-las.

    Depois dessa enorme bandeira, Manoel Morato Coelho, que deixaria descendentes no Paraná, em 20 de março desse mesmo ano bate um recorde: com 3.100 homens, chega com a orientação de Tavares e Preto para atacar a redução de Jesus-Maria e levar da região cerca de 20 mil índios “de corda” (amarrados).

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    A Província espanhola do Guayrá ocupava a maior parte do atual Estado do Paraná

     

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  • Entre a história e a lenda, um grande filme

    Entre a história e a lenda, um grande filme

    O rei espanhol Filipe III se tornou também Filipe II de Portugal e rei do Brasil ao ser entronizado em Lisboa, em 1619. Nesse mesmo ano, o bandeirante Raposo Tavares, com “dois mil mamelucos” (mestiços de índio e branco), tomava posse do quadrilátero formado pelos rios Paranapanema, Iguaçu, Tibagi e Paraná, incluindo todo o vale do Rio Ivaí.  

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    Havia duas dezenas de instalações jesuíticas nas regiões Oeste e Noroeste do futuro Paraná. As reduções agrupavam os índios da região próxima. Uma vez que os padres não permitiam aos catequizados a resistência armada, os bandeirantes facilmente os capturavam.

    O rei Filipe III morre em 31 de março de 1621, subindo ao trono o filho Filipe IV (1605–1665), então com 16 anos. Foi o período em que os holandeses atacaram os centros açucareiros no Brasil e os portugueses se rebelavam contra os altos tributos.

    Filipe IV herdou do pai a colônia portuguesa na América do Sul dividida em dois estados: Brasil e Maranhão. O Estado do Brasil era formado pelas capitanias ao sul do Rio Grande do Norte atual. O Estado do Maranhão seguia do cabo São Roque (RN) à Amazônia. 

    Tavares, o grande bandeirante 

    Enquanto os holandeses criavam a Companhia das Índias Ocidentais e aproveitando as trapalhadas do jovem rei Filipe IV se apossavam da riqueza açucareira do Brasil, os bandeirantes seguiam acossando as posições dos jesuítas no Oeste do Paraná.

    Uma das primeiras instaladas na época da ascensão de Filipe IV foi a redução de San Francisco Javier, no vale do Rio Tibagi, onde hoje se encontra o Município de Ibiporã. Surgiu em 1622, ano em que o padre Antonio Montoya recebeu a designação para dirigir a Missão do Guayrá.

    O religioso espanhol agilizou a expansão missioneira, mas fracassou ao tentar conter a pressão dos bandeirantes que escravizavam os índios. Concentradas na ofensiva holandesa sobre o litoral, as autoridades espanholas prevaricaram (descuidaram) e a região ficou exposta aos ataques dos caçadores de índios.

    A primeira grande bandeira portuguesa veio com Antônio Raposo Tavares (1598–1658). Chegando ao Brasil em 1622 com o pai, Fernão Vieira Tavares, capitão-mor de São Vicente, Raposo aldeou milhares de índios, apanhados no futuro Paraná e escravizados em sua fazenda de Quitaúna (periferia de Osasco, SP). 

    O carrasco Céspedes

    O governador do Paraguai, Luís Céspedes, sabia das intenções que animavam a formação da “grã bandeira” de Tavares, mas fez um pacto com os bandeirantes: não alertou os jesuítas e impediu qualquer chance de defesa nas aldeias indígenas do Paraná, sem proteção militar.

    “Desde logo no governo paraguaio dom Luís mostrou-se contrário ao Estado Independente do Guairá, em mãos dos jesuítas, ocupante de importantes e ricas regiões hidrográficas no Paraná espanhol. Havia por parte de dom Luís, também, o temor de uma nação Guarani organizada e poderosa” (Celso e Junko Sato Prado, Razias).

    A redução de Los Angeles, criada junto ao Rio Piquiri, e outras duas no Vale do Tibagi – Nossa Senhora da Encarnação (atual Ortigueira) e San José, entre Ibiporã e Sertanópolis –, segundo o padre Antonio Montoya, foram formadas sobre antigas aldeias Guarani e Jê.

    Desarmadas, tiveram como resposta intensos ataques bandeirantes. Sob constante assédio português e forçados a trabalhar para os espanhóis, muitos índios fugiam das aldeias, que em 1623 já haviam encolhido pela metade.

    Santa Maria e as Cataratas

    Em 1626, ano da criação de Santa Maria La Mayor, intensificava-se a ação dos bandeirantes luso-paulistas na região. Logo em fevereiro desse ano, o bandeirante Francisco Pedroso Xavier prendeu os líderes religiosos da redução de Vila Rica e desarmou a população indígena. Aliás, o pai de Xavier, João Pedroso de Morais, um dos lugares-tenentes de Raposo Tavares na destruição do Guayrá, tinha o apelido de Terror dos Índios.

    Há uma polêmica sobre a verdadeira localização da cidade indígena de Santa Maria, supostamente formada pelos jesuítas nos arredores ou dentro do atual Parque Nacional do Iguaçu, nas cercanias de Foz do Iguaçu.

    Com poucos registros documentais, a crença na existência da redução ficou reforçada pelo sucesso entre historiadores do filme A Missão (Roland Joffé, 1986). Com astros importantes do cinema, como Robert de Niro, Jeremy Irons e Liam Neeson, o filme atraiu atenções para as cidades indígenas esmagadas pelos bandeirantes e pôs a nu seus métodos cruéis.

    Se faltam dados concretos sobre sítios, não faltam relatos sobre a vida e a cultura dos índios sob os jesuítas. Com base neles, o roteirista Robert Bolt, duas vezes vencedor do Oscar (Doutor Jivago e O Homem que Não vendeu sua Alma) idealizou A Missão, também vencedor da Palma de Ouro, de Cannes.

    Trabalhadores e artistas, não guerreiros

    A redução Santa Maria La Mayor, estabelecida pelos padres Diogo de Boroa e Cláudio Royer em algum lugar entre o Rio Acaray (margem esquerda do Rio Paraná) e a margem direita do Rio Iguaçu, permanece um registro documental sem confirmação precisa. 

    “O local provavelmente deve ter existido dentro do Parque Nacional do Iguaçu, porém não foram encontrados vestígios arqueológicos de sua existência até o presente momento. Esta redução ficava longe das demais reduções jesuíticas que existiam ao longo do território paranaense desde o século XVII” (Fabio Krawulski Nunes, pesquisador catarinense).

    No cenário paradisíaco das matas oestinas, a música dos índios foi um elemento marcante: até os rudes caçadores de índios “maravilhavam-se em ver a disciplina dos índios quando cantavam e tocavam seus violinos e até compunham canções que os jesuítas escreviam e imprimiam” (IBGE, Cidades@).

    “Em cada uma das reduções, existia uma escola de música – um verdadeiro conservatório – cercado por um florido artesanato que produzia todos os tipos de instrumentos, de violinos a órgãos, de harpas a trombetas” (Gianpaolo Romanato, Música sacra nas Reduções jesuíticas).

    Na mesma região é citada a redução de São Carlos, que com esse nome jamais existiu. De qualquer forma, a preocupação de evitar os territórios mais batidos pelos bandeirantes explica porque Santa Maria não está no roteiro das ruínas de reduções criadas pelos jesuítas no atual Paraná.

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    Pelo menos no filme A Missão, Santa Maria La Mayor ficava junto às Cataratas do Iguaçu

     

     

     

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  • Jesuítas enfrentam Chico das Manhas

    Jesuítas enfrentam Chico das Manhas

    Os jesuítas espanhóis denunciaram insistentemente as incursões dos bandeirantes de São Vicente, enviadas por Luís de Sousa Henriques, filho do governador geral da Repartição do Sul do Brasil, Francisco de Sousa, apelidado Francisco das Manhas por desviar dinheiro público para seu engenho.

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    Obcecados por achar muito ouro, Francisco morreu em 1611 na miséria, mas certo de que finalmente havia achado fabulosas minas. Luís ganhou metade do Brasil como herança, mas perdeu o domínio em 1612, quando o Brasil passou a ser um só, tendo fim a separação com o Norte determinada em 1577. Se Chico das Manhas tivesse encontrado ouro é possível que o Brasil continuasse um do Rio de Janeiro para o Sul e outro formado pelas regiões Nordeste e Norte.  

    As duas primeiras reduções jesuíticas espanholas na região do Guayrá datam de 1610. A de Nossa Senhora de Loreto, na foz do Rio Pirapó com o Paranapanema, era a capital da Missão do Guayrá, formada por aproximadamente dez mil índios Guaranis.

    “Doze léguas à esquerda do Paranapanema e à direita do Pirapó”, o padre Lourenço de Lorenzana fundou a redução de Santo Inácio Mini (ou do Ipaumbucu), “na foz do Rio Santo Inácio, com numerosos índios Tucutis, denominação regional da vasta nação dos Tupis do Sul” (Romário Martins, Paiquerê, Mitos e Lendas).

    O começo do fim

    Nas cidades de índios dos jesuítas no futuro Paraná, além da extração da erva-mate os nativos mantêm lavouras, criam gado e produzem tecidos de algodão e lã. Aprendem ofícios e artes e pagam impostos ao rei espanhol.

    Um severo atrito ocorrido entre espanhóis e portugueses em 1611, porém, antecipa uma contenda irreconciliável. O bandeirante Manuel Preto, que abriu a escalada de ataques a Guayrá em 1607, retornou em 1611, agora acompanhado de Pero Vaz de Barros.

    Apresentou-se em Guayrá “com uma bandeira preadora de índios não aldeados, sofrendo a humilhação de ser atacado por d. Antônio Añasco, governador do Paraguai, que o alcançou e tomou-lhe os índios” (Romário Martins, Bandeirantes no Paraná).

    A intensificação das bandeiras deu início ao despovoamento da região das missões no território do atual Paraná. Dentre as incursões, uma nova bandeira de Manuel Preto dava um duro troco aos espanhóis, escravizando grande parte da população indígena da região do Rio Piquiri. Ele retornaria em diversas ocasiões e só seria parado em 1630, abatido por flechas  indígenas.

    O primeiro gado 

    O bandeirante Vaz de Barros foi beneficiado pela “Ley sobre a Liberdade do Gentio da Terra, e Guerra que Se Lhe Pode Fazer”, de 10 de setembro de 1611, que reconheceu legal o cativeiro de índios já aprisionados, embora estabelecesse a liberdade para os demais índios. Uma liberdade que a natureza já garantia: bastava não ser capturado para o índio ser livre.

    Enquanto os portugueses desafiavam os espanhóis, Hernandarias introduzia a criação de gado na margem oriental do Rio Uruguai. Essa iniciativa teria muito a ver com a futura história do Paraná – o tropeirismo será a busca do gado sulino para abastecer os mercados de São Paulo e Minas Gerais, tendo os Campos Gerais do Paraná como área de engorda. É a atividade que dará estrutura a Curitiba.

    O padre Antonio Ruiz Montoya chega ao Guayrá em 1612, como auxiliar dos jesuítas italianos José Cataldino (1571–1653) e Simão Masceta. Trazia 44 bovinos e algumas ovelhas e cabras – “os primeiros a pisar o solo paranaense” (Almanach dos Municípios do Paraná). Sua vinda coincidiu com uma nova denúncia contra os bandeirantes, que acabavam de levar cerca de quatro mil índios para São Paulo.

    O primeiro livro

    Além de dar início à pecuária paranaense, Montoya escreveu na região, em 1613, o primeiro livro das Américas: Arte y Vocabulário de la Lengua Guarani, que depois seria impresso na redução de Santa Maria Maior.

    Enquanto os espanhóis ainda dominavam o Oeste, os portugueses iniciavam sua colonização partindo do litoral. Em 1614, Diogo Unhate, morador da Vila de Santos, tabelião de São Vicente e escrivão da Câmara de São Paulo, requeria para si a região de Paranaguá.

    Em 1615, o capitão Lázaro da Costa lança-se “com grande acompanhamento de paulistas e índios mansos” (Romário Martins) contra os Carijós do sertão do Sul. Com ele, destacam-se na atividade os bandeirantes Pero Vaz de Barros, Sebastião Preto e Antônio Pedroso.

    Fazia parte da bandeira de Pedroso o menino Gabriel de Lara (1612–1682), filho de espanhóis. Com a família espanhola pioneira Peneda, Lara fundou a povoação na ilha de Cotinga, que depois se transferiu para a margem esquerda do Rio Taquaré (hoje Itiberê). É no Oeste e ao mesmo tempo no litoral, portanto, que começa a se desenhar a história do Paraná.

    Mão de obra e minas

    Em 1617, a Espanha dominava Portugal e, por extensão, também suas colônias, como o Brasil. Para governar melhor o imenso império, havia um governo para a América portuguesa e outro para a América espanhola. 

    O governador regional Hernando Arias Saavedra propôs ao rei Filipe III que dividisse a segunda também em duas administrações. Assim, a administração do Rio da Prata passou abranger Buenos Aires, Santa Fé, Corrientes e Concepción del Bermejo, um esboço da futura Argentina. 

    Por sua vez, a governança do Guayrá (ou Paraguai), que se estendia desde Assunção até Santiago de Jerez, na região do Itatim, atual Mato Grosso do Sul, incluindo a Ciudad Real del Guayrá e Vila Rica, no Oeste do atual Paraná sofreu grandes perdas territoriais pela ação dos bandeirantes. 

    A atividade rendosa dos portugueses na região foi capturar índios, mas durante o percurso também tinham a missão de procurar terrenos favoráveis à mineração. 

    Depois de longas jornadas em busca de minas que não achou, Manuel Preto ganhou o título de “mestre de campo” e com seu irmão Sebastião Preto capturou “grandes contingentes de índios das aldeias de Jesus Maria e de Santo Inácio” (Romário Martins, Bandeiras e bandeirantes em terras do Paraná). A civilização que se construía no Oeste começava a ruir.

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    Padre Antonio Montoya e o primeiro livro das Américas, escrito no Oeste

     

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  • Desemprego virou crime no século 17

    Desemprego virou crime no século 17

    O jovem rei espanhol Filipe III, influenciado pela Igreja, era oficialmente contra a exploração desumana dos índios e em 1601 aboliu o trabalho forçado na América do Sul. No entanto, nesse mesmo ano a rainha Elizabeth I (1533–1603), decretou a nova “lei dos pobres”, considerando crimes o desemprego e a mendicância.

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    Sendo uma exigência da classe ascendente, a burguesia, fora das vistas dos religiosos o monarca espanhol expediu instruções secretas ordenando retomar a escravidão caso a libertação “fizer fraquejar a produção”. Nesta região, os soldados espanhóis encomendeiros a mantiveram, mas os índios resistiram.

    “Em todos os momentos, e por várias etnias, a resistência foi renhida e sangrenta. O território do Guairá foi palco de guerras variadas e constantes. A conquista dos territórios indígenas foi feita palmo a palmo com o uso da espada, do arcabuz e da cruz” (Lúcio Tadeu Mota, A Guerra de Conquista nos Territórios dos Índios Kaingang do Tibagi).

    O primeiro “Estado” do Paraná 

    O governador do Rio da Prata, Hernando Arias de Saavedra, o Hernandarias, denunciou a miséria dos índios capturados pelos bandeirantes e sugeriu à Espanha o envio de padres para catequizar uma população de 150 mil índios agregados à Ciudad Real del Guayrá, agora com apenas 30 colonos, e Vila Rica, onde operavam outros 100. 

    Nova ordem real concedeu em 1605 a liberdade aos nativos que trabalhassem sob orientação religiosa. O padre Diego de Torres Bollo (1551–1638) é enviado para instituir em Assunção a Província Jesuítica do Paraguai, em 1607. 

    Ela “abarcava os territórios de Argentina, Uruguai, Chile, Bolívia, parte do Brasil e Paraguai, cujo provincial tinha sua sede em Córdoba” (Irma Zanellato y Noemi Viñuela, Instituciones Políticas y Sociales de América hasta 1810). 

    Surge assim a Oeste dos limites do Tratado de Tordesilhas, via carta régia espanhola de 1608, a Província del Guayrá, tendo por capital a Ciudad Real. Considerada o primeiro “Estado” paranaense, “os limites de tal Província estavam assim definidos: a leste, até o rio Tibagi; ao norte, ao rio Paranapanema; ao sul, ao rio Iguaçu; e a Oeste, ao rio Paraná” (Jayme Antonio Cardoso e Cecília Maria Westphalen, Atlas histórico do Paraná). 

    Fazenda com dois mil escravos

    A ação dos jesuítas coincidiu com novas expedições lusas em busca de índios para abastecer as minas, fazendas e produção de açúcar na vila de São Vicente e Nordeste.

    Para o jovem padre Antônio Ruiz de Montoya, que virá comandar a teocracia imposta pelos jesuítas aos Guaranis, os religiosos eram justos e respeitavam as orientações do papa, mas os bandeirantes eram bandidos que prendiam índios para “vendê-los como pombas”.

    Eles deram o troco ao jesuíta recorrendo a distorções bíblicas: “É Deus que nos dá a ordem, no Livro de Moisés: combatei as nações pagãs”, retrucou o bandeirante Raposo Tavares. 

    A partir de 1607, várias entradas atuam no interior do futuro Paraná e o bandeirante Manuel Preto promove o primeiro grande ataque ao Guayrá, começando o progressivo despovoamento da região.

    Ao cabo de sua “farta caçada de índios nas proximidades de Vila Rica do Espírito Santo (Rio Ivaí)”, segundo Romário Martins, o bandeirante povoou sua fazenda – Nossa Senhora da Expectação, onde tinha cerca de mil índios a seu serviço.

    O sistema dos jesuítas 

    Além de perder índios para os portugueses, os soldados espanhóis logo teriam que compartilhar com os religiosos o controle da força de trabalho nativa. Os padres se dispunham a converter “cidadãos talhados para o Reino dos Céus”.

    “Os padres jesuítas fundaram as Reduções do Guayrá e criaram cerca de trinta missões, onde estabeleceram um sistema social cooperativo, com economia baseada em diferentes formas de trabalho comunitário e na socialização da produção e do consumo” (Monika Gryczynska, Os cinco continentes de gondwana).

    O sistema de redução (aldeamento e doutrinação) dos índios, instituído pelos jesuítas após o Sínodo de 1603, em Assunção, teve a concordância de religiosos e autoridades. 

    Os jesuítas consideravam sua instalação um reduto defensivo, mas para os bandeirantes, segundo Romário Martins, reduzir o índio era prepará-lo para a escravidão. Além disso, sem mais poder escravizar os índios, os espanhóis os vendiam aos bandeirantes de São Vicente e São Paulo de Piratininga. 

    Havia um intercâmbio comercial entre as vilas portuguesas e as espanholas do Guayrá: “Ferro, armas, roupas e outros gêneros eram fornecidos pelas primeiras em troca dos índios das segundas” (Domingos van Erven, O Paraná Espanhol).

    Um ano de trabalho pela liberdade

    Na primeira década do século XVII, Vila Rica é o grande centro de comercialização de erva-mate na região e já tem uma população maior que a da capital, Ciudad Real Del Guayrá. A Ciudad Real tinha 300 habitantes e Vila Rica cerca de 500, mais dezenas de milhares de índios aldeados.

    Os espanhóis pretendiam que as cidades indígenas, com a catequese, abastecessem seus ervais com farta mão-de-obra: “O mais justo dos encomienderos fazia todos os seus índios trabalharem seis meses de cada ano, sem pagamento algum; sendo que os colonos mais rudes chegavam a obrigar os índios a trabalhar de dez a doze meses por ano” (padre Antonio Montoya).

    Advertido pelos religiosos de que o trabalho excessivo na extração da erva dizimava os índios, em 30 de julho de 1609 o rei Filipe II expede alvará determinando a libertação total dos nativos. 

    Foi como abrir as comportas para caçadas gerais de índios nas matas do futuro Paraná: sem conseguir aldear os índios em suas encomiendas, os soldados espanhóis se afastaram. 

    Ao mesmo tempo, aumentaram as incursões de portugueses à região em busca de índios para aprisionar e levar para servir como escravos nas lavouras e lavras de minérios. Não podendo mais trabalhar para os espanhóis, os nativos eram arrastados para São Paulo. 

    Uma síntese do século XVII seria que nesse período os bandeirantes despovoaram o futuro Oeste do Paraná.

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    Bandeirantes disfarçados de padres prendem índios e os levam a São Paulo

     

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  • A primeira grande epidemia brasileira de gripe

    A primeira grande epidemia brasileira de gripe

    Depois da incursão de Alonso Riquelme na região da futura Campo Mourão, os espanhóis comunicaram novamente a Madri que subjugaram os índios revoltados no Guayrá. 

    Por conta disso, em 1570 o delegado espanhol para o Prata, Juan de Garay (1528–1583), informado de que havia nas margens do Rio Ivaí “certa paragem que tinha aspecto de farto em minerais”, ordena a Ruy Diaz Melgarejo que siga para a região, onde deverá fundar a terceira cidade espanhola do futuro Oeste paranaense.

    Acompanhado de 40 homens, ele alcança o campo situado entre os rios Ivaí e Piquiri, na atual Nova Cantu, onde funda a Vila Rica do Espírito Santo.

    Nomeado “governador e capitão general de todas as províncias do Rio da Prata” em 1574, Garay, que depois também seria o fundador da segunda Buenos Aires, foi castigado por mentir que os índios estavam dominados.

    A expedição empreendida pelo próprio Juan de Garay foi em 1576 combatida tenazmente pelo cacique Guairacá, “lobo dos campos e das águas” e chefe dos “Povos das Doze Aldeias dos Cem Mil Arcos Vencedores”. 

    Gripezinha para europeus, fatal para índios

    Entre 1588 e 1589, uma epidemia de gripe na Vila Rica do Espírito Santo matou 4.160 pessoas. Quase todos eram índios. O padre Manuel Ortega, que já se encontrava no Guayrá nessa época, seguiu para lá com o padre Filds para prestar atendimento aos doentes.

    As doenças trazidas pelos europeus contribuíram para reduzir o “estoque” de índios. Com isso, as bandeiras lusas, em virtude da extinção progressiva das tribos no território paulista, viam a grande população indígena do Guayrá como fonte de suprimentos para sua urgência de mão-de-obra escrava. 

    Vila Rica foi uma decepção para os espanhóis. Esperavam encontrar minas de ouro mas só acharam algum ferro. Assim, em 1592 a cidade foi transferida por ordem do capitão Ruy Guzmán para a foz do Corumbatai com o Ivaí.

    Nesse mesmo ano, Hernando Arias de Saavedra (1561–1634), o Hernandarias, genro de Juan de Garay, assumiu o governo de Assunção. Hernandarias tentou confirmar o domínio espanhol na região, mas as investidas dos bandeirantes iriam crescer muito a partir de 1594, quando chegaram a prender até quatro mil índios de uma só vez.

    Escravidão proibida em 1595

    Acorrentados pelo pescoço, os índios seguiam para trabalhar como escravos nas fazendas paulistas e nordestinas. A história glamurizou os bandeirantes como heróis, mas eles matavam os velhos e as crianças indígenas, tidos como inservíveis. 

    Chefe da nação Dorin, Guairacá “durante mais de 50 anos, entre 1550 e 1601, liderando mais de 100 mil índios, enfrentou e derrotou os espanhóis, impedindo assim que eles conquistassem o atual território do Paraná” (Hermógenes Lazier, Guairacá: herói paranaense e brasileiro).

    As encomiendas, sistema escravizante pelo qual os espanhóis catequizavam os índios para explorar sua mão-de-obra, motivou o aparecimento de focos de rebeldia indígena em toda a região do Guayrá, nome derivado da fama do líder indígena. Derrotar as forças europeias lhe valeu o respeito do reino espanhol.

    Em 1595, o rei Filipe II proíbe enfaticamente a escravidão dos índios por meio de guerras e declarou ilegítimos os cativeiros resultantes das guerras promovidas pelos bandeirantes, mas isso não impediu que os portugueses de São Vicente organizassem bandeiras “de prea”, segundo Romário Martins.

    Filipes, os reis globais

    Com a morte do rei Filipe II, em setembro de 1598, desaparecia o primeiro monarca a estender seus domínios sobre uma extensa área direta “onde o sol jamais se punha”, superando Ghengis Khan e precedendo o império britânico. 

    Sobe ao trono o jovem rei Filipe III (1578–1621), então com 20 anos. Com o trono, ele herda o Brasil com 4,2 milhões de habitantes – apenas 50 mil brancos, 30 mil escravos, 120 mil índios capturados e outros quatro milhões ainda isolados. É uma nação de índios dominada pela minoria ibérica. 

    Na virada do século XVII, a resistência indígena à escravidão ainda se mantinha: em 1601, Hernandarias Saavedra combate os índios no Guayrá e é também derrotado pelos guerreiros de Guairacá. 

    Até então grande vitorioso no combate aos índios rebeldes, Saavedra “não se saiu com tanta felicidade de suas expedições dirigidas à vasta província de Guaíra, cujos habitantes se tinham rebelado para se livrarem das exações e maus tratamentos dos comendadores” (Alfredo Demersay, História Geral do Paraguai).

    A vitória final de Guairacá

    Perdendo muitos soldados nas lutas, Saavedra volta a Assunção, vencido pelas flechas “do imenso exército regionalista de Guairacá” (Romário Martins). Propõe ao rei espanhol “renunciar à força das armas para submeter os índios, e tentar a sua conversão por meio de missionários que lhes levassem a palavra do Evangelho” (Alfredo Demersay).

    Sem dobrar a resistência indígena pela força das armas, as autoridades espanholas decidiram tentar pela cruz: a proposta de criar a República dos Guaranis tinha como base a catequese, a ser desenvolvida pelos padres jesuítas, muito influentes sobre os reis católicos. 

    No novo reinado, a Ciudad Real del Guayrá foi transformada em sede provincial, tendo como limites o Rio Iguaçu ao Sul, o Rio Paraná a Oeste, a linha do Tratado de Tordesilhas a Leste e o Rio Tietê (Anhembi), ao Norte.

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    Vila Rica do Espírito Santo: ao fracassar, foi transferida para a região da atual Fênix

     

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  • Europeus queriam ouro e gente para trabalhar

    Europeus queriam ouro e gente para trabalhar

    García Rodrigues de Vergara quis iniciar na primeira cidade do Oeste paranaense, Ontiveros, uma colonização planejada para ser um modelo de cooperação entre europeus e nativos, mas havia dois obstáculos: os soldados espanhóis que escravizavam os índios e as incursões dos exploradores portugueses – que viriam a ser conhecidos como bandeirantes – igualmente em busca de mão de obra escrava.

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    Com a missão de repelir ou desestimular os portugueses, Nuflo de Chaves e sua tropa deixaram Assunção em setembro de 1555. Segundo Alfredo Demersay (História Geral do Paraguai), ele voltou contando que venceu “muitos combates” e a região estava controlada.

    Os fatos demonstraram o contrário. Sob pressão, Ontiveros foi abandonada pela população espanhola e pelos índios Guaranis aldeados. Chaves, grande nome da história sul-americana, foi morto em combate com os índios em 1568.

    Cidade Real

    O governo espanhol decidiu transferir Ontiveros para três léguas ao Norte, com a denominação de Ciudad Real del Guayrá. A missão de fundar a cidade junto à foz do Rio Piquiri coube ao capitão Ruy Dias Melgarejo, que partiu de Assunção com cem soldados para reduzir e distribuir em encomiendas os índios subjugados.

    Reduzir era aldear, reunir em um reduto ou fortificação. A encomienda era um método de exploração do trabalho indígena. Um soldado espanhol exercia o controle da produção e cobrava impostos. As encomiendas foram na prática doações de territórios aos espanhóis com interesse em se fixar na região, aprisionar índios e explorar seu trabalho. 

    A Cidade Real do Guairá foi dividida em 60 partes, distribuídas entre igual número de soldados encomendeiros. Os índios que eles escravizavam no local (os encomiendados) chegavam a 40 mil (Gregorio Furnes, Ensayo de la Historia Civil del Paraguay).

    Homenagem a Guairacá

    As primeiras 320 encomiendas foram oficializadas por Domingos Martinez de Irala em 1556. Usar o trabalho forçado dos nativos para enriquecer os colonizadores estava na contramão de declarações reais e papais de piedade com os nativos, mas os interesses econômicos prevaleceram.

    Aos índios capturados cabia lavrar a terra, caçar e pescar para os novos donos da região, além de prestar serviços na construção de habitações e, sobretudo, na coleta da erva-mate, que se tornaria a grande riqueza exportável da região.

    O nome Guayrá para a Ciudad Real veio do lendário cacique Guairacá, dos Guaranis. Mais tarde a designação se estendeu a toda a região conquistada pelos espanhóis, entre os rios Paranapanema e Uruguai: Província del Guayrá.

    “Estes estabelecimentos (Ontiveros e Ciudad Real) que ao princípio prosperaram, não tardaram a decair pelo excessivo trabalho, exigido por senhores ávidos de riquezas, para quanto antes deixarem o país e regressarem à Europa a gozar dos frutos de suas violentas exações e de sua avareza” (Alfredo Demersay).

    Chegam os bandeirantes

    No litoral do futuro Paraná, aumentava a população de portugueses atraídos pelas minas de ouro. No escambo com os índios são tecidas relações entre esses primeiros paranaenses com os nativos e assim começa a formação do Paraná: os nativos adquirem ferramentas diversas e anzóis dos portugueses em troca de algodão e alimentos.

    Já a experiência espanhola se perdeu na falta de realidade dos informes a Madri e nas disputas por poder. Em 1557, a Coroa espanhola recebeu notícias mais exatas sobre as rebeliões indígenas na região do Guairá, resolvendo reagir às prepotências escravistas de Ruy Dias Melgarejo.

    São enviados os padres jesuítas Manoel de Ortega e Tomás Filds, que percorrem a região e informam a existência de cerca de 200 mil índios na área. Esse “estoque” de braços atraía as atenções dos portugueses. Com isso, a captura e escravidão de índios se soma à busca do ouro como as primeiras atividades econômicas mais fortes do início da formação do Paraná.

    A primeira bandeira conhecida a escravizar índios pelo vasto sertão do Paraná de hoje foi chefiada em 1558 pelo capitão Jerônimo Leitão, comandante de São Vicente.

    Bandeiras eram as explorações territoriais de iniciativa particular. Entradas, as penetrações determinadas pelo governo luso. Leitão, portanto, foi o pioneiro das grandes apreensões de índios na região do Guayrá.

    Bordado de araucárias

    Os espanhóis já não conseguiriam mais conter as incursões das bandeiras lusitanas em busca de índios para aprisionar, mas o principal interesse dos portugueses ainda era achar ouro, missão a cargo das entradas. O litoral paranaense foi o palco das primeiras, no período 1550–1560.

    As entradas e bandeiras portuguesas, segundo o historiador Afrânio Peixoto, ao “devassar o sertão em busca de minas, dão endereços ao Brasil colonial predador, agrário, criador e mineiro” e “trouxeram a consequência da integração do país, além do litoral possuído”.

    No interior do atual Paraná, ao chegar à década de 1560, ainda prevalecia a iniciativa espanhola. Em 1561, o capitão Alonso Riquelme de Guzmán (1523–1577), com cem soldados, penetrou em direção Leste nas matas entre os rios Ivaí e Piquiri. “Ali ele iria encontrar e assinalar o Campo Aberto Bordado de Araucárias” (Pedro Altoé, Campina da Lagoa, Estrela do Vale do Piquiri).

    É a região da atual Campo Mourão, que Riquelme qualificou de “formosos campos”.

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    Província do Guairá: de Ontiveiros, a cidade de índios se transferiu para a Ciudad Real

     

     

     

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  • Como nasceu a primeira cidade do Oeste

    Como nasceu a primeira cidade do Oeste

    A primeira cidade do Oeste paranaense tem origem na decisão do capitão geral (governador) do Rio da Prata, Domingos Martínez de Irala (1509–1556), substituto de Juan de Ayolas, de fundar um porto na margem direita (lado paraguaio) do Rio Paraná. Na altura de Porto Mendes, em 1544, o Porto Mbracayú (ou Santa Vitória de Los Saltos del Guaíra) aproveitava a base de um velho povoado indígena – Canendiyú.

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    O fundador oficial da cidade, García Rodríguez de Vergara, preposto do governador Irala, trazia consigo 60 espanhóis e estabeleceu ali cerca de 40 mil famílias indígenas – população superior à da atual Guaíra.

    “Admirado dos recursos e riquezas desta bela província e querendo, também, assegurar a liberdade de suas comunicações com a costa do Brasil e com a metrópole, pondo a nascente colônia ao abrigo das invasões dos portugueses, Irala decidiu fundar a cidade Ontiveros, junto à margem do Paraná (…)” (Alfredo Dernersay, História Geral do Paraguai).

    A fundação da primeira cidade espanhola na região, junto ao Rio Paraná, originou-se da aliança dos espanhóis com os índios Guaranis com a finalidade de combater os Tupis. Considera-se Ontiveros também a origem do futuro Porto Britânia dos ingleses, já no século XIX.

    Localizada entre as províncias espanholas de Nueva Toledo e Nueva Andalucia, o fato justifica a curiosidade sustentada por alguns historiadores de que “Toledo veio antes de Cascavel”.

    Relatos de um viajante

    Visitante da região que deixou registros da passagem, o soldado mercenário alemão Ulrich Schmidl partiu de Assunção em dezembro de 1552 em companhia de outros quatro europeus e vinte índios Carijós. Passando pela foz do Iguaçu, segue à foz do Piquiri, daí ao Cantu, Corumbataí, Ivaí e Tibagi.

    Neste, ao contrário de seguir o ramal usado por Aleixo Garcia e Cabeza de Vaca, que veio de Santa Catarina, seguiu para Piratininga, Sorocaba e Itu, onde alcançou o Rio Tietê. Chegou a São Vicente em junho de 1553, embarcando finalmente para a Europa, onde publica seus relatos e permite conhecer o início da formação histórica do Oeste paranaense.

    No ano seguinte vem o sevilhano Ruy Díaz de Melgarejo (1519–1602), que havia participado do governo de Cabeza de Vaca, mas também caiu em desgraça e fugiu para São Vicente. Seguiu o já tradicional caminho indígena do Peabiru, pelo qual também retornaria ao ser perdoado pelo adversário (e parente) Martínez de Irala, o governador. 

    Irala incumbiu o capitão Melgarejo de dar sequência ao projeto de ocupação da região do Guayrá. Sob suas ordens, é levantada uma fortificação que dará origem à Ciudad Real del Guayrá.

    Capitão retorna com poderes

    À frente de uma centena de soldados, transfere parte das instalações de Ontiveros para a foz do Rio Piquiri e ali terá início a “República dos Guaranis”.

    Muitas controvérsias sobre a história do Paraná ainda continuam na gangorra das versões opostas. A localização de Ontiveros, a cidade de índios fundada pelos espanhóis, é uma delas.

    O jornalista Romário Martins (1876–1948), um dos mais célebres historiadores paranaenses, e o general Luiz Carlos Pereira Tourinho (1914–1998), cujo conhecimento da região o fez propor Cascavel como capital do antigo Território Federal do Iguaçu, indicam a localização ao Sul da atual Santa Helena. Entretanto, há estudos indicando Ontiveros como localizada a cerca de 50 quilômetros ao Norte das Sete Quedas.

    Martins foi diretor do Museu Paranaense e se dedicou à elaboração de mapas criteriosos. Ele assinalou a localização das ruínas de Ontiveros “na foz do rio São Francisco, afluente da margem esquerda do Paraná”. Tourinho, por sua vez, presidiu o Instituto Histórico Geográfico e Etnográfico Paranaense, e confirmou a indicação de Martins. 

    Primeira ponte Brasil-Paraguai

    Romário Martins, autor de uma obra empenhada em valorizar a terra e a gente do Paraná, atribui a definição da importância estratégica do Paraná ao cacique indígena Guairacá, que sob o grito de guerra “Co ivi oguerecó yara!” (Esta terra tem dono!), liderou diversas guerras índias.

    Guairacá foi um forte obstáculo ao projeto colonizador de Martínez de Irala no Oeste brasileiro, cujo marco seria a “construção da ponte pênsil de aproximadamente 77 metros ligando o alto ao baixo Paraná, ou seja, também, à época, o Paraguai ao Brasil” (IBGE, Cidades).

    Em meados do século XVI crescia a movimentação de viajantes pelo Oeste paranaense, sobretudo espanhóis. Também aconteciam frequentes combates entre ibéricos e índios. Tentando vencer a resistência indígena para afirmar o domínio espanhol na região, Irala enviou uma forte expedição militar dirigida por Nuflo Chaves (1518–1568), que depois fundou o vice-reinado do Peru.

    A missão de Chaves era combater os ainda invencíveis índios Tupis. Os índios do cacique Guairacá. Os espanhóis se aproveitaram com sucesso das divisões entre as tribos para se impor, mas foram os portugueses – os bandeirantes – que logo viriam para derrotar de vez os índios da região e também expulsar os espanhóis.

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    Alguns registros históricos supõem Ontiveros como próxima às antigas Sete Quedas, mas esta é a localização mais provável

     

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  • Cabeza de Vaca enfrentou índios honestos e brancos traiçoeiros

    Cabeza de Vaca enfrentou índios honestos e brancos traiçoeiros

    Frustrado no sonho de governar a Flórida, em julho de 1537 Álvar Núñez Cabeza de Vaca partiu de Havana, escapou da ameaça de um corsário francês e chegou aos Açores sob a proteção da armada portuguesa. Em Lisboa, encontra os integrantes da expedição de Pedro de Mendoza, o fundador de Buenos Aires, que morreu na viagem.

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    Soube então pelo piloto Gonçalo da Costa que os índios dificultavam o acesso dos espanhóis às riquezas do Rio da Prata. Na América do Sul, nessa época, Juan de Ayolas, o sucessor de Mendoza, estava desaparecido.

    Durante a busca pelos rios Paraná e Paraguai, Juan de Salazar em 15 de agosto de 1537 funda uma cidade na baía de Caracará, na margem Leste do Rio Paraguai: Nossa Senhora de Assunção.

    Vivos e trazendo ouro e prata, Ayolas e seus homens voltam em 1538 ao porto de Candelária, onde Domingos Irala tinha ordens para esperá-lo com os barcos. Mas algo o desviou desse compromisso, provavelmente a fundação da Colônia de Maracaju, e os índios Paiaguás atacaram, matando Ayolas, 80 outros espanhóis e os carregadores.

    A longa jornada

    Depois desse golpe, as aventuras dos exploradores espanhóis também foram desestimuladas. É quando o já calejado Cabeza de Vaca recebe, em 1540, uma “licença” para “conquistar e pacificar e popular as terras” como “adelantado del Río de la Plata”, o que faria dele o futuro (e polêmico) administrador da região do atual Paraguai. 

    Partindo de Santa Catarina em 18 de outubro de 1541, com 250 homens armados, 36 cavalos e alguns índios vaqueanos, “atravessou a Serra do Mar, a margem oriental do Campo do Tenente e o Iguaçu nas proximidades de Araucária. (…) Prosseguindo, alcançou o Rio Tocoarí (Ivaí), onde foi socorrido com víveres que lhe ofereceram os índios Guaranis chefiados por Abangabí” (Romário Martins, Bandeiras e bandeirantes em terras do Paraná).

    A expedição transpôs as serras da Esperança e do Cantu. Em 1º de dezembro “varou o Iguaçu ou Água Grande e, dois dias depois, o Tibagi (…) levava, portanto, a caravana na direção Noroeste” (Lima Figueiredo, Oeste paranaense). Os espanhóis souberam pelos índios aliados, nos arredores da futura Catanduvas, que poderiam navegar sem problemas pelo Rio Iguaçu, mas na região do Piquiri não haveria facilidades: os índios de lá eram hostis.

    Saltos de Santa Maria

    Cabeza de Vaca dividiu a expedição em três partes. Duas seguiriam pelas margens, a pé e a cavalo, e a terceira, com ele e 80 besteiros e espingardeiros, iriam por água, em canoas fornecidas pelos índios informantes.

    O reinício da viagem, em 1º de janeiro de 1542, foi acompanhado de muitas dificuldades. Com a escassez de víveres, “tiveram de se alimentar de vermes de taquara, que fritavam”, matando a sede com “a água das chuvas passadas que as canas guardam por muito tempo” (Romário Martins). 

    No desvio da marcha para o Sul, Cabeza de Vaca chega em 14 de janeiro de 1542 novamente ao Rio Iguaçu. Depois de transpor as Cataratas, batizadas como Saltos de Santa Maria, desce até a barra no Rio Paraná.

    “Quando nos aproximamos deste rio [Iguaçu], soubemos, por informação dos índios, que o mesmo se lança no Paraná, também chamado Rio da Prata, e que nas margens destes dois cursos d’água os indígenas tinham morto os portugueses mandados por Martim Afonso de Sousa para descobrir este país”, escreveu Alvar Cabeza de Vaca, reportando suas andanças pela região.

    O relato do cronista

    Na foz do Rio Iguaçu o enviado espanhol encontrou os índios Guaranis, para cuja hostilidade os exploradores já estavam advertidos. Negociaram com eles, em troca de presentes, a ultrapassagem do grande rio, feita com sucesso.

    O interior do Paraná, meio século após o “achamento” do Brasil por Cabral, era um teórico domínio espanhol desde o Tratado de Tordesilhas. Na realidade, era alvo de disputas territoriais entre diferentes tribos, como constatou Cabeza de Vaca, conhecedor dos costumes indígenas. Suas crônicas e comentários permitiriam retraçar toda a trajetória dessa expedição pelas terras do atual Paraná. 

    “Foi o primeiro documento a informar que quase todo o interior do Paraná estava habitado e, ao mesmo tempo, mostrar que havia uma divisão política entre esses diversos grupos de mesma matriz cultural, organizados politicamente em cacicados (conjunto de aldeias sob a liderança de um prestigioso cacique, que dominavam certas porções de territórios bem definidos)” (Lúcio Tadeu Mota e Francisco Silva Noelli, Índios, Jesuítas, Bandeirantes e Espanhóis no Guairá nos séculos XVI e XVII).

    Valeu pelas Cataratas

    Após uma peregrinação de seis meses, na manhã de 11 de março de 1542 Cabeza de Vaca chega a Assunção, onde passaria momentos ainda mais difíceis que os vividos como escravo dos índios na América do Norte. Sua passagem pelo futuro Paraná foi paradisíaca perto do que enfrentou a seguir.

    Em fevereiro de 1543, um grande incêndio destrói Assunção. Os espanhóis ficam sem roupas e abrigo. Doente, em 25 de abril de 1544 o governador é surpreendido por trinta espanhóis que invadem sua casa gritando: “Liberdade! Liberdade” Com espadas, adagas, arcos e arcabuzes, gritam ameaças de morte. Rende-se e é conduzido amarrado a um cômodo cercado de guardas.

    Em março de 1545 é embarcado à força para a Espanha, acusado de traição, roubos, escravização e assassinato de índios. Para os brasileiros, entretanto, passou à história como o “descobridor” das Cataratas do Iguaçu.

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    O percurso do explorador espanhol pelas terras do atual Paraná

     

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  • 80 exploradores armados em busca de muita prata

    80 exploradores armados em busca de muita prata

    A proposta feita ao donatário Martim Afonso de Sousa por Francisco de Chaves, sobrevivente da trágica jornada de Aleixo Garcia, era tentadora: homens e armas em troca do retorno “com quatrocentos escravos carregados de prata”. Tinha ainda a vantagem de ser rápida, sem a necessidade de acompanhar o litoral até a foz do Prata e subir por este para a longa jornada aos Andes, onde os tesouros estavam.

    Em trinta dias, Martim Afonso organizou a nova expedição, não se sabe se exatamente com 400 escravos respaldados por 80 homens armados: quarenta besteiros e quarenta espingardeiros. Besteiros eram os soldados que usavam uma arma – a besta (é) conhecida também como balestra – formada por um arco, cabo e corda, com que disparavam bolotas, pedras ou setas. 

    Sob o duplo comando de Francisco de Chaves e Pero Lobo, este o capitão do galeão São Vicente, da esquadra de Martim Afonso, a comitiva partiu em 1º de setembro de 1531 com a missão de encontrar as fabulosas riquezas que já se sabia existirem na “serra de prata” dos Incas.

    Mais uma derrota no Oeste 

    Confiantes em que fariam a conquista militar do ainda desconhecido Império Inca, localizado a dois mil quilômetros de distância, a nova expedição “era uma reprise da aventura de Aleixo Garcia, realizada sete anos antes” (Eduardo Bueno, Náufragos, Traficantes e Degredados).

    A expedição (ou entrada, como os portugueses qualificavam as iniciativas oficiais de exploração) guiou-se pelo Caminho do Peabiru. Cruzou o Rio Iguaçu pouco acima da foz e entrou no território dos índios Paiaguás. Quatro meses depois da partida, no fim de 1531, os europeus foram bloqueados pelos índios.

    Ao impedir o avanço da tropa, os índios atraíram os invasores para campo raso, onde se deu o confronto e a completa derrota dos portugueses, narra Sérgio Buarque em Visão do Paraíso. 

    O Paraná conhecido dessa época, sem mais notícias de exploradores nas perigosas terras do Oeste, limitava-se a trechos litorâneos das Capitanias de São Vicente e Santana. Ao Norte, a Capitania de São Vicente, doada pelo reino português a Martim Afonso de Sousa. Ao Sul, a de Santana, concedida a seu irmão, Pero Lopes.

    A primeira se estendia por uma costa de 45 léguas, desde Bertioga até a ilha do Mel. A outra, abrangendo 40 léguas, desde essa ilha até Laguna, a considerar o limite inferior do Tratado de Tordesilhas (Eduardo Bueno, Brasil: uma História). 

    Irmãos Sousa desistem do Paraná 

    O limite não era entendido da mesma forma por portugueses e espanhóis. Para os portugueses, o limite ambicionado, era, na realidade, o Rio da Prata, que, aliás, Pero Lopes de Sousa subiu, em sua exploração da região, e chegou a assinalar “com seus padrões a posse da Coroa portuguesa”, ignorando assim aquele tratado (História Geral da Civilização Brasileira, A Época Colonial, Tomo I, organização de Sergio Buarque de Holanda).

    A carta de doação concedendo a Martim Afonso a posse sobre cem léguas de costa brasileira, aí constando o litoral do Paraná, foi assinada em 7 de outubro de 1534, mas o donatário já não se interessava mais pela propriedade.

    Nesse mesmo ano, a região do atual Oeste do Paraná foi doada pelo rei Carlos V (1500–1558, também referido como Carlos I de Espanha) a Pedro de Mendoza y Luján (Marcelino Machuca Martinez, Atlas histórico e descritivo do Paraguai Gigante).

    Pedro de Mendoza, fundador de Buenos Aires, enfrentou sérios dissabores para manter a posse. Conseguiu controlar por algum tempo a região do Prata doando alimentos aos índios, mas Buenos Aires foi destruída em um ataque em dezembro de 1536. Mendoza abandonou a América do Sul e ao voltar à Espanha adoeceu em alto-mar e morreu em junho de 1537.

    Papa repudia escravizar índios

    Já sem o interesse dos irmãos Sousa em ocupar o Oeste, o substituto de Mendoza, Juan de Ayolas (c.1493–1538) encontrou um índio sobrevivente da expedição de Aleixo Garcia, que se dispôs a guiá-lo em busca de ouro e prata.

    “Em 1537, partiu em direção aos Andes, travando combates com tribos hostis, e chegando a alcançar algumas que possuíam ouro e prata. Com a expedição enfraquecida pelas perdas em combate e por doenças, e sabedor de que forças poderosas se preparavam para atacá-lo, bateu em retirada. Ao chegar ao Rio Paraguai com grande carga de metais, teve a mesma sorte de Garcia. Foi morto pelos mesmos Paiaguás, e o tesouro que levava desapareceu” (Nivaldo Kruger, Paraná Central: A Primeira República das Américas).

    As tentativas dos ibéricos para escravizar índios na América foram desautorizadas pelo papa Paulo III, que em 28 de maio de 1537 condenou à excomunhão os apresadores, mercadores e exploradores de índios. A bula Veritas Ipsa defendia os indígenas como plenamente humanos e condenava a escravização. A bula Sublimis Deus, de 2 de junho, reconhece aos índios direito de posse sobre seus bens.

    Uma parte da Capitania de São Vicente e a Capitania Santana eram as duas únicas partes do atual Paraná que pertenciam a Portugal, segundo a primeira interpretação do Tratado de Tordesilhas

     

    Na próxima semana: Cabeza de Vaca enfrentou índios honestos e brancos traiçoeiros

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