“Co ivi oguereco yara!” (Esta terra tem dono), é o brado de Guairacá contra o invasor europeu, atribuído depois também a Sepé Tiaraju (c.1723–1756). Guairacá, “durante mais de 50 anos, entre 1550 e 1601, liderando mais de 100 mil índios, enfrentou e derrotou os espanhóis, impedindo assim que eles conquistassem o atual território do Paraná” (Hermógenes Lazier, Guairacá: herói paranaense e brasileiro).
No começo do século XVII, o padre espanhol Antônio Montoya pretendia atrair o chefe Guairacá e catequizá-lo na redução de Jesus-Maria, cidade indígena organizada pelos jesuítas, mas antes disso ela foi arrasada pelos bandeirantes. “E entre os milhares de guaranis escravizados e levados a São Paulo estava ele, Guairacá” (Nivaldo Kruger, Paraná Central: A Primeira República das Américas).
O já idoso Guairacá conseguiu fugir dos bandeirantes, internando-se novamente na mata e reiniciou a luta, morrendo em combate. Para Romário Martins (1874−1948), Guairacá foi “o grande guerreiro que confederando os Guaranis de dez povos poderosos, com eles defendeu dos invasores vindos do mar a terra de que eram donos”.
Lobo de campos e águas?
Quando os espanhóis quiseram dominar o atual Paraná, escreveu Cândido Rondon (1865−1958), “a rebelião Guarani soou por toda parte, como os estrondos do trovão. A figura de Guairacá levantou-se com o leão que domina o deserto”.
Guarani é um termo genérico para “guerreiro”. Os europeus qualificavam assim todos os índios no início da colonização, até começar a defini-los como Carijós (segundo os portugueses) e Cariós (pelos registros espanhóis).
Guairacá, “embora afável e hospitaleiro com os viajantes, soube empunhar o arco e a flecha com bravura, no momento em que percebeu a voracidade dos estrangeiros” (Josué Corrêa Fernandes, Socialismo Utópico à Beira do Ivaí – Trajetória do dr. Jean-Maurice Faivre).
Adversários de Romário Martins o acusaram de inventar Guairacá para ser um símbolo paranista. No entanto, o cacique foi mencionado antes com muito respeito por padres jesuítas em seus escritos.
Também chamado como Guayrá (Kuaira), este nome, segundo o etnógrafo Plinio Ayrosa, significa em idioma Tupi “o lugar intransponível”. Para Clóvis Chiaradia, em Dicionário de Palavras Brasileiras de Origem Indígena, guai=gente; rá=abundância. Há também apreciações de que Guairacá significaria “Lobo dos Campos e das Águas”. Nada preciso, portanto.
João III forma o Brasil
Em 1530, o Brasil era apenas uma enorme prisão a céu aberto, para isolamento dos degredados lusitanos. Suas matas costeiras serviam só para a extração de pau-brasil, madeira apreciada por fornecer um valioso e raro corante púrpura, até então encontrado apenas em moluscos.
O rei João III decidiu adotar um sistema que já havia apresentado bons resultados nas ilhas de Cabo Verde e Madeira: o regime de capitanias hereditárias. O monarca europeu “foi o verdadeiro criador do Brasil, que rapidamente se tornou o elemento fundamental do império português, assim o sendo até o início do século XIX” (Paulo Drummond Braga, D. João III).
“O que é doado a cada um desses capitães é verdadeiramente um reino: cada um desses territórios não é menor que o próprio Portugal e alguns são tão grandes como a França ou a Espanha” (Stefan Zweig, Brasil, país do futuro).
Estimular os donatários a ocupar o território fazia parte da tática para conter os espanhóis que dominavam o Rio da Prata e organizavam expedições ao Norte. Ação inicial nesse sentido foi o envio da primeira missão exploradora ao Brasil, tendo à frente Martim Afonso de Sousa, que dá início às primeiras incursões para verificação do potencial produtivo das costas brasileiras e envia as primeiras expedições para prospectar o interior.
Pode-se considerá-lo o primeiro governante do Paraná, só abaixo do rei de Portugal, porque sua Capitania de São Vicente abarcava a parte portuguesa do Paraná de hoje. Seu irmão, Pero Lopes de Sousa, ganhou a contígua Capitania de Santana, da qual faziam parte a Ilha do Mel e Santa Catarina” (Projeto Livrai-Nos!, Ouro, Guerra e Colonos, parte 1).
400 escravos carregados de prata
Entre a formalização nunca verdadeiramente aceita do Tratado de Tordesilhas por Portugal e a assinatura do Tratado de Madri em 1750, a guerra fria com a Espanha transcorria no trânsito de naus entre a Europa e a América do Sul trazendo exploradores para avaliar riquezas e aventureiros para ocupar os espaços sob controle indígena.
Ancorando em Cananeia em agosto de 1531, Martim Afonso de Sousa tem a esperá-lo o degredado Francisco de Chaves, que participara diretamente da jornada aos Andes, sobrevivente do ataque ao acampamento de Garcia no Paraguai.
Chaves sugeriu uma nova expedição, preparada para o rigor da viagem e a ofensiva indígena – “pediu gente para fazer uma entrada e prometeu voltar no fim de dez meses com quatrocentos escravos carregados de prata” (Capistrano de Abreu, Capítulos de História Colonial).
A proposta de Chaves seduziu o comandante por sua experiência como conhecedor da região e pela garantia de receber de volta centenas homens com tesouros para o reino português em crise econômica.
Na próxima semana: 80 exploradores armados em busca de muita prata
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