Se nos grandes centros urbanos do país as preocupações no início da década de 1950 se concentravam no aumento do custo de vida, que levou a fortes protestos dos trabalhadores, no interior do Paraná persistia a ânsia por melhorar a infraestrutura de transportes.
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História iniciada quando os exploradores ibéricos aproveitaram o Caminho do Peabiru para se locomover, continuou com os tropeiros abrindo a Estrada de Laguna/Viamão, mais próxima ao litoral, e se interiorizou com a Ferrovia São Paulo–Rio Grande, que deu origem à Guerra do Contestado e aos conflitos de terras no Oeste paranaense.
Abrir estradas para escoar a crescente produção agrícola e colonizar o interior de onde os índios foram expulsos ou massacrados eram as tarefas da época no Paraná, mas no Rio de Janeiro estava em discussão o planejamento governamental e, com a contribuição dos geógrafos, a divisão regional do Brasil.
São Paulo pertencia ao Sul, mas em breve se destacará para compor a região Sudeste, evitando a pretensão de um novo e poderoso país reunindo SP, PR, SC e RS.
Vida ou morte
O debate sobre a definição de regiões também empolgava os meios acadêmicos paranaenses. “A imprensa, por sua vez, criticava o governo do Paraná, que não encontrava meios de ligar a região Norte à Sul” (Elzio dos Reis Marson, No Limiar do Horizonte).
Nesse ainda caótico Paraná, que em 1946 recuperou seu Oeste e Sudoeste aliviando o trauma de perder território a SC em 1916, o resgatado Sudoeste sofria a invasão de colonos gaúchos e o Norte araucariano pretendia acompanhar São Paulo como parte da Região Sudeste.
Mesmo calado pela pronta ação do governador Munhoz da Rocha em seus primeiros meses de gestão, ainda era forte o projeto de emancipar o Norte do Paraná como novo Estado, facilitando o atrelamento a São Paulo e assim deixar de pertencer à região Sul do Brasil.
Longe dos meios acadêmicos, na dura realidade das frentes de colonização, obter e manter a posse da terra era uma questão de vida ou morte para os colonos do Centro e Sul do Paraná, filhos de imigrantes europeus, que tentavam vida nova nas frentes de colonização enfrentando as dificuldades da mata e os jagunços.
Um estimado ex-governador do Paraná – Manoel Ribas – havia prometido terras para quem quisesse trabalhar e o novo governador, Bento Munhoz, reforçou o compromisso de garantir aos posseiros o direito à terra ocupada, mas a prática não seria tão simples.
Expulsando posseiros e índios
Atormentado pela pressão paulista e com dificuldades para atender às necessidades do vasto interior onde tudo era necessário, Bento tentou reforçar o apoio do Estado à colonização dando carta branca aos empreendimentos particulares e buscando retomar na Justiça o domínio das terras antes ocupadas pelo Território Federal do Iguaçu.
No entanto, a Justiça enfrentava dificuldades pela complexidade de interesses envolvidos. Havia uma cascata de ações em curso para definir questões de domínio, titulação legal ou ilegal e posse comprovada ou usurpação.
Bento ficou alheio ao fato de que colonizadores gananciosos corrompiam agentes do Estado para apoiar suas milícias particulares – os jagunços, que a polícia qualificava como “guarda-costas” –, para servir ao objetivo de “limpar” as terras do interior de posseiros e índios.
Escrivão e eventualmente delegado de polícia em Cascavel no auge dos conflitos, Aparício Lara sintetizou a situação desta forma: “Na região do Piquiri havia muita invasão de terras e as companhias grandes tinham a sua equipe de guarda-costas – os jagunços”.
Para o povo, jagunço era toda pessoa sem farda que portava armas ostensivamente. Para o governo, os milicianos das colonizadoras eram agentes particulares de segurança, os “guarda-costas”.
Morte à espreita
Relatando os tempos em que foi policial, trabalho iniciado em sua terra natal, Foz do Iguaçu, Aparício Lara lamentou o morticínio pela posse da terra, que quase causou uma vítima inesperada: ele mesmo.
Na tentativa de mediar um conflito, ele teria sido assassinado por jagunços se não fosse a interferência de dois amigos, um dos quais o vereador Adelino Cattani, que depois viria a tombar atirado em plena Avenida Brasil em um confronto com o comerciante e ex-delegado de polícia João Miotto, em 1953.
“Aqui todos conheciam a turma dos jagunços, que eram todos empregados dos fazendeiros e das companhias de terras. As grandes firmas vinham se instalar na região com documentação da terra fornecida pelo governo. Encontravam os pequenos fazendeiros, que usavam a terra e acontecia o conflito. Além disso tinha as titulações que eram dadas a mais de uma pessoa” (Aparício Lara, Prisma Cascavel, 5/8/1994).
Em geral os posseiros ameaçados se retiravam de imediato, levando o que podiam carregar, saindo da história tão anônimos quanto entraram, mas não foi o caso da família Lozovey.
A família ucraniana
Ameaçados de perder as terras adquiridas por posse familiar, posteriormente tituladas em favor de terceiros com empresa, influência no governo e na polícia, Lara mencionou os três irmãos Lozovey como um exemplo raro de colonos oprimidos pelos jagunços que se recusaram a sair pacificamente das terras.
Família paranaense de origem ucraniana, os Lovezoy vieram para o Brasil em 1913, estabelecendo-se como lavradores na região de Irati. Com o crescimento da família, alguns foram se estabelecer no interior de Cascavel.
A área de posse dos Lozovey era reivindicada pela Companhia Brasileira de Imigração e Colonização (Cobrimco), que desde 1950 vendia propriedades a colonos no interior de Cascavel propagando a perspectiva de riqueza com o café.
Paulo Bittencourt, diretor da empresa, anunciava “o ganho de mais de um milhão de cruzeiros do sitiante que em 1951 possuía dez mil pés de café, para apregoar o enriquecimento, em curto prazo, de todos aqueles que se estabelecessem na região para cultivar o café” (Cássia Regina Soares Cardoso, O processo de ocupação do Noroeste paranaense nas décadas de 1950 e 1960).
Na ponte do Rio dos Porcos
A Cobrimco por várias vezes teve seu nome ligado a expulsões violentas de posseiros e de índios Xetás, contando com jagunços próprios e o apoio de agentes do governo do Estado.
Foi esse o pano de fundo da ameaça de expulsão supostamente comunicada pelos jagunços da empresa à família Lozovey.
Entrincheirados em uma carroça no acesso à cidade de Corbélia, os Lozovey se prepararam para receber os jagunços, que chegaram em um jipe, reforçados com soldados da Polícia Militar.
“Um dos maiores e bárbaros crimes dessa época do domínio da terra, aconteceu no córrego denominado Rio dos Porcos em que uma família inteira foi dizimada […] Muitas histórias foram escritas pela violência das armas e a truculência de assassinos profissionais que recebiam somas em dinheiro para assassinar” (Elcio Zanato, Corbélia de minha Juventude).
Confissões de João do Norte
Junto ao Rio dos Porcos, nome que tem origem nas varas de porcos do mato encontradas no local, surgiria uma povoação que para suavizar o nome do lugar teve a denominação alterada para “Pingo de Ouro”, que não pegou.
Por imposição da colonizadora, o lugar foi finalmente denominado como Anahy, nome da filha de um gerente da empresa.
Prometendo resistência, os três irmãos Lozovey, negando-se a entregar a terra, atacaram o jipe que trazia os jagunços. “O combate foi na ponte. Dois Lozovey e um guarda-costas morreram. Um dos irmãos escapou” (Aparício Lara).
De certa forma, os jagunços, empregados pelas colonizadoras, foram os primeiros trabalhadores rurais, assim considerada a mão de obra assalariada no campo. Nessa época, todo o trabalho nas terras era realizado pelos posseiros e suas famílias. Empregados, de fato, só os “guarda-costas”.
Os jagunços matavam, mas também eram emboscados e sofriam vinganças. Em raro depoimento, um jagunço que sobreviveu aos conflitos e chegou à velhice, coisa rara no meio em que a morte chegava antes dos 30 anos de idade, João Gonçalves de Oliveira, o João do Norte, funcionário da Colonizadora Norte do Paraná, tinha 69 anos quando contou como se deu sua transformação de simples camponês em jagunço.
Corpos no Rio Piquiri
Contratado para abrir estradas na mata por Alípio Lopes e José Nini, administradores da empresa, ao iniciar os trabalhos em campo se deparou com posseiros e voltou para comunicar o obstáculo.
Foi quando recebeu a proposta de um certo Otaviano, que seria cunhado do colonizador Adízio Figueiredo, para matar os posseiros. “Receberia como pagamento, além do revólver e 10 contos de réis, uma área de 4 alqueires de terra” (Jornal Hoje, 25/8/91).
João disse à polícia que recusou a oferta, mas confessou que ajudou a enterrar 18 corpos na Fazenda São Silvestre (na época Fazenda Tapejara), ao lado de uma árvore de jequitibá.
“Disse também que com esta proposta, deixou de trabalhar para a colonizadora, passando a trabalhar como autônomo para posseiros. Afirma que foi obrigado pelos jagunços da colonizadora a ajudar a enterrar os mortos. E que, mesmo depois de deixar a empresa, pescando no Rio Piquiri, várias vezes deparou com corpos boiando na água”.
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