Autor: Alceu Sperança

  • Narrativas de tragédias e famílias enriquecendo

    Narrativas de tragédias e famílias enriquecendo

    Em outubro de 1949, quando, para surpresa do Ocidente, os comunistas tomaram o poder na China por meio de uma aliança revolucionária entre operários, camponeses e militares, a imprensa brasileira trombeteou a versão de que o Paraná estava entregue à revolta no campo.

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    Eram realidades completamente diferentes, mas a insistência em uma rebelião generalizada no Paraná fazia parte da antipropaganda articulada para tentar impedir o retorno de Getúlio Vargas ao poder.

    Puxada pelo jornal fluminense O Globo, em 20 de outubro de 1949 a campanha alcançou o clímax com uma extensa reportagem que não ocultava a intenção de desprestigiar o governo federal, desenhando um cenário caótico:

    “O que observamos nessa visita ao Oeste paranaense não foram planos de invasões argentinas, nem as balelas* que se espalhavam na Capital da República. Foi, sim, o abandono a que o Governo Federal sempre relegou o Estado do Paraná, num descuido tal que pode ser considerado uma espécie de desprezo pelos homens que mourejavam nas cidades e nos campos daquela unidade da federação. O que verificamos na região do Iguaçu, em 1949, denunciamos à Nação pelas colunas de O Globo: fronteiras abandonadas e uma população esquecida”. 

    *A propaganda lupionista apresentava o Paraná como um milagre de progresso e paz em um país agitado.

    O cofre era uma urna

    Era só o começo de uma série de relatos assustadores. A reportagem prosseguia, no mesmo tom caótico:

    – O próprio batalhão, sediado em Foz do Iguaçu, para alimentar a sua soldadesca, era forçado a contrabandear gado do Paraguai. As cartas hidrográficas, de que se servia a navegação brasileira, no Rio Paraná, eram argentinas. O cofre da capitania dos portos de Foz do Iguaçu era uma velha urna eleitoral. Os práticos brasileiros, para navegarem no Rio Paraná, faziam sua aprendizagem em navios de bandeira Argentina. 

    – O pinho, cujas reservas florestais são ali consideráveis não tinha forma de ser exportado naquela região em certa época do ano. E pilhas de tábuas, que apodreciam, eram queimadas. A construção do Hotel do Parque das Cataratas do Iguaçu estava paralisada e os argentinos, do outro lado do rio, das varandas do seu Hotel de Las Cataratas, ridicularizavam o Brasil, mostrando aos turistas aquela construção interrompida e a denominando “las ruínas de los incas”. 

    – Os pobres brasileiros daquela região, que recorriam aos armazéns argentinos da fronteira, em busca de gêneros alimentícios mais baratos, eram apelidados de “las hormigas”*. A estrada de rodagem, ligando Foz do Iguaçu ao resto do Brasil – estrada federal – encontrava-se também paralisada, em virtude de falta de pagamento aos empreiteiros. O brasileiro adoçava o seu café com açúcar de beterraba, produzido na Argentina. Hordas de paraguaios invadiam e saqueavam constantemente a região.

    Até coisas irrelevantes eram alinhadas como “provas” do abandono do Oeste paranaense por parte do governo federal, mas ao ser apresentadas em bloco também arranhavam os planos de Lupion.

    *O comércio dito “formiguinha” se tornou tradição, de fato 

    Tragédias familiares confirmavam

    Havia, certamente, casos dramáticos. As tragédias familiares formavam notícias com potencial para se espalhar bem mais que os relatos de eventuais e insuficientes melhorias prestadas pelo Estado. 

    As narrativas antigetulistas e os sacrifícios, dificuldades e dramas da população da fronteira justificavam a certeza de que o Oeste do Paraná era uma fronteira sem lei.

    Não só na região. nem sobretudo na fronteira, familiares assassinados deixavam as famílias em difícil situação, entre a orfandade e a indigência, mas a realidade complexa da tríplice fronteira sempre foi multiplicadora de problemas.

    Uma das professoras pioneiras de Foz do Iguaçu, Maria Odete Rolon, sofreu na família uma dessas tragédias. Seu pai, Erasto Rolon, foi um dos paraguaios que fugiram do país escapando das tensões políticas.

    Vivendo no Brasil e trabalhando na coleta de erva-mate na Argentina, dois de seus filhos foram encarregados de fazer o pagamento de mensus em um obrage e sofreram uma emboscada.

    A armadilha foi montada por um compadre que sabia do deslocamento dos irmãos para fazer o pagamento. Os irmãos de Maria Odete reagiram ao ataque, mas um deles morreu nessa ocasião.

    Alfabetizando os soldados

    Como outros fronteiriços, a história de Maria Odete, apesar de marcada por essa tragédia, foi também uma história de trabalho e ação comunitária. 

    Ao contrário de professores que vinham formados, ela fez o curso primário na Escola Bartolomeu Mitre, a primeira da cidade, fundada em 1928.

    “Terminado o primário, eu não sabia se ia a Curitiba estudar ou se ficava por aqui fazendo crochê. Minha mãe não queria que fosse. Queria que fizesse curso de datilografia para trabalhar em escritório. Nessa época as Irmãs Vicentinas construíram o Instituto São José, inaugurado em 1949. Lá fiz o ginásio. E depois cursei o normal regional” (Maria Odete Rolon, Gazeta do Iguaçu, 26/2/ 1994).

    Em meio ao curso normal regional ela já lecionava aos sábados para os soldados analfabetos no quartel do Exército, mas a faculdade teria que ser feita em Guarapuava.

    As dificuldades em geral, na educação e outros setores, teriam que ser vencidas pela ação comunitária.  Prestando serviços, trabalhando na lavoura, na erva-mate e na indústria madeireira, os pioneiros ao acumular capital e ver os filhos crescendo contavam já com ações recreativas, de lazer e esportes, proporcionadas pelo Oeste Paraná Clube.

    Criado em 1928, foi a primeira agremiação social-recreativa que se instituída em Foz do Iguaçu. Idealizado pelo engenheiro Lydio de Albuquerque e apoiado por Heleno Schimmelpfeng, filho do prefeito, o Oeste Paraná Clube teve o nome sugerido por Rômulo Trevisani, secretário da Prefeitura. Ali já se notava a emergência de uma elite oestina. 

    O hipismo deu base ao automobilismo

    Em Cascavel, havia o Tuiuti Esporte Clube desde 1949, época em que também foram plantadas as bases do gosto pelas corridas, nas quais o poder econômico aparecia.

    Eram competições só com cavalos, pois possuir um automóvel era praticamente impossível para os peões das serrarias e até para os prestadores de serviços e comerciantes de Cascavel.

    As famílias que progrediam se destacavam pela qualidade dos cavalos que punham a disputar carreiras nas raias existentes em diversas vilas, sendo uma das atividades de lazer e esportes prediletas na década de 1950.

    Apreciado pela nobreza britânica, o turfe tinha no Oeste do Paraná sua faceta toda própria, uma espécie de classificatória e testes para a seleção de animais que poderiam se aventurar a uma boa posição no “Grande Prêmio Brasil”, com prestígio crescente desde sua criação, em 1933.

    Em Campo Mourão, as corridas de cavalo eram feitas em raia na praça central e eram grande atração em Cascavel desde 1949, quando ganhou fama Pitoco, um cavalo notável do plantel do futuro prefeito José Neves Formighieri, desde 1946 estabelecido na Colônia Centenário. 

    O cavalo campeão

    A exemplo dos craques do futebol, os cavalos eram celebrados como, depois, seriam idolatrados os pilotos de Fórmula 1. O cavalo Secretariat foi o astro de um filme de grande bilheteria do Estúdio Disney.

    Famoso por ganhar todas as carreiras de que participava, em competições por duplas de cavalos correndo em raias em torno de 500 metros, Pitoco era temido em toda a região. “Não tinha pra ninguém”, lembrou Alberto Rodrigues Pompeu, o filho caçula de Manoel Ludgero e Idalina Rodrigues Pompeu.

    “Eu era criança ainda, tinha uns 12 anos. Conheci o Pitoco nas carreiras –corridas de cavalo – muito populares na época. O ex-prefeito de Cascavel, José Neves Formighieri, trouxe o Pitoco de um jóquei clube de Ponta Grossa para competir por aqui. Como era de raça, ganhava todas as corridas” (Newsletter Pitoco, n⁰ 1.000).

    As apostas eram feitas em dinheiro, mas envolviam também objetos como carroças, sanfonas, outros animais. As dúvidas eram resolvidas por juízes e fotochart. 

    “Para a corrida principal era feito um contrato que estabelecia as normas, porém as apostas pequenas eram acertadas na hora. (…) Meses antes das carreiras, os apostadores e preparadores já se instalavam no local e por lá ficavam jogando baralho, comendo churrasco e bebendo” (Alberto Pompeu).

    Saúde, foco da colonização 

    A carreira de cavalos era um happening social, como foram depois da construção do Autódromo as competições automobilísticas. Agenor Miotto, por exemplo, fez sucesso com a égua Jardineira. 

    Além das atividades recreativas e de lazer, as maiores exigências dos novos moradores das cidades do Oeste do Paraná durante a atração de colonos ampliada pela campanha Paraná Maior de Moysés Lupion eram capelas religiosas e assistência médica. 

    Foi por fortes exigências na estruturação de seu projeto colonizador que a Companhia Maripá conseguiu o quase milagre de interessar um jovem médico a trocar a perspectiva de uma bela carreira em cidade já estruturada no Sul para vir ao desconhecido sertão paranaense apresentado na imprensa em 1949 como a antecâmara do inferno.

    Ernesto Dall’Oglio não conhecia o Oeste, mas o Oeste conhecia os Dall’Oglio desde que representantes dessa família deram início ao projeto da Rota Oeste, completada pela influência de Celeste Dall’Oglio entre Medianeira e Santa Helena. 

    Gente jovem e forte

    Nascido em Veranópolis (RS), Ernesto estudou em Passo Fundo e Porto Alegre, onde em 1847 se formou em Medicina pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Trabalhou em Carazinho e Sarandi, onde conheceu a italiana Vanda Mariani, com quem se casou. 

    Ao ser convencido em outubro de 1949 a vir a Toledo, Ernesto estava com 29 anos, a dois meses de completar os 30, sem jamais imaginar que três anos depois seria o primeiro prefeito dessa cidade.

    Ele atribuiu tudo à sorte, pois seria terrível chegar a uma terra que se dizia palco de mortes sem fim e não dar conta de garantir bons índices de saúde. 

    “A sorte é que só tinha gente nova, na faixa dos 20 ou 30 anos que veio para cá para trabalhar. Era uma gente forte que dificilmente adoecia”, disse, em depoimento ao Jornal do Oeste. 

    Foi exatamente por ter pioneiros bem jovens que Cascavel passou a ter um médico atendendo na cidade só em 1951. 

    O dia a dia do médico na área da Maripá também incluía feridos com armas de fogo, mas ficava preocupado mais frequentemente com quedas de toras sobre operários, que podiam causar fortes sangramentos e requeriam atenção imediata.

    Mas a juventude facilitava a cura. No caso mais grave que Dall’Oglio atendeu, comentou, “limpei tudo aquilo, apliquei a penicilina para não infectar e 3 dias depois o sujeito já estava jogando bola de novo”.

    A Anja da Selva

    Pouco antes de Ernesto Dall’Oglio chegar a Toledo a fronteira ganhara a forte personalidade da argentina Martha Teodora Schwarz.

    Puerto Iguazú já contava com um hospital, mas estava sem médicos. Nascida em Buenos Aires, formada em Medicina e especialista em pediatria, ela aceita em se deslocar a Puerto Iguazú por conta de uma desilusão amorosa.

    Chegando, assustou-se com a constância das mordidas de cobras e a alta incidência da malária, geralmente fatal para os peões acometidos.

    Martha passou a atender enfermos também de localidades do interior do Paraguai e do Brasil. Quando os doentes brasileiros não podiam ir a Puerto Iguazú, ela atravessava o Rio Paraná de bote e corajosamente seguia a cavalo pela mata cheia de animais selvagens até chegar aos que sofriam.

    Premiada pela ONU em consideração ao conjunto de sua obra, a residência onde ela morava foi transformada na Casa Museu “A Anja da Selva”. 

    Fonte: Fonte não encontrada

  • Os filós dos aeronautas e das Cataratas

    Os filós dos aeronautas e das Cataratas

    O filó, desde a antiguidade, era o fio de linho, que resulta em um tecido forte, bonito e confiável. A palavra, com o tempo, veio a designar outros tecidos igualmente apreciados, até obter seu sentido figurado mais brilhante: a força, a beleza e a confiabilidade da união entre amigos.

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    Foi assim que na tradição dos imigrantes o termo filó veio designar a reunião de vizinhos para combinar ações, celebrar ou simplesmente conviver em tempos nos quais ainda não havia clubes sociais.

    “A informalidade do filó era uma iniciativa das famílias para atividades conjuntas, mas os jovens queriam mais. Esportes, por exemplo, que exigem uma organização mais específica e complexa que as simples reuniões caseiras. Por sua vez, os recém-chegados jovens militares, com saudades de suas regiões de origem e das capitais nas quais foram preparados para cumprir missões no vasto interior brasileiro, ansiavam por mais atividades sociais, como bailes e teatro. Como nem tudo poderia vir do Estado, no final da década de 1940 havia chegado a hora de unir a comunidade em torno de algo maior que o filó: um clube social” (Regina e Alceu A. Sperança, Tuiuti, a Presença Azul).  

    Ele surgiu em Cascavel no dia 25 de agosto de 1949, confirmando que uma das grandes contribuições dos imigrantes e seus descendentes foi multiplicar pelo País afora as associações recreativas e cívicas.

    O aviso de que haveria uma reunião das lideranças da comunidade cascavelense no Hotel Pompeu dos Reis para organizar uma nova sociedade naquele 25 de agosto de 1949, Dia do Soldado, gerou um clima de ansiosa expectativa.

    Os 35 líderes comunitários – entre os quais uma única mulher, Maria Maceno – acomodaram-se para ouvir a palavra do sargento José Rufino Teixeira, escolhido para presidir a reunião que resultaria na fundação do Tuiuti Esporte Clube. 

    Ninguém ainda pensara neste nome: só a data comemorativa ao Dia do Soldado havia sido determinada previamente pelos militares da Aeronáutica para ser o encontro de fundação da sociedade. 

    Era natural que o primeiro presidente fosse o sargento Teixeira. Mas, por humildade, não concordou em presidir a sociedade, indicando o nome de seu superior hierárquico no posto do Correio Aéreo e também entusiasta das atividades clubísticas: o primeiro-sargento João Arquelau Soares. 

    Tudo aconteceu na vida de Teixeira com muita rapidez. Nascido em Balsa Nova, próxima a Campo Largo e Araucária, ele servia à Aeronáutica em Curitiba como segundo-sargento radiotelegrafista quando foi designado para compor o efetivo do posto da Força Aérea Brasileira criado em Cascavel.

    No final dos anos 1940, sede de um importante distrito de Foz do Iguaçu, Cascavel já despontava como cidade importante na região do Médio-Oeste por conta da indústria madeireira, a qualidade da prestação de serviços e seu comércio dinâmico. 

    Teixeira aporta nessa ainda pequena cidade com entusiasmo, lamentando, entretanto, aos muitos amigos jovens que rapidamente fez nos filós cascavelenses, que não havia uma sociedade esportiva e recreativa para o lazer da juventude depois de um dia árduo de trabalho.    

    Tuiuti, preparação para o Município 

    Jovens como Paulo Rodrigues Pompeu, o Dodô, os filhos e genros do madeireiro Florêncio Galafassi pensavam o mesmo e convenceram os pais e demais lideranças da comunidade a concretizar a ideia de criar uma associação nos moldes idealizados pelo sargento Teixeira.

    Assim, em 29 de gosto de 1949, presidindo a criação do Tuiuti Esporte Clube, em cujo salão logo germinaria a proposta de criar o Município de Cascavel, Teixeira propôs a composição da primeira diretoria da sociedade: 

    Presidente: João Arquelau Soares 

    Vice-Presidente: Helberto Schwarz, genro de Florêncio Galafassi 

    Primeiro Secretário: Watzlaf Nieradka, chefe do escritório da Comissão de Estradas de Rodagem (CER-1) 

    Segundo Secretário: Paulo Rodrigues Pompeu, o Dodô, filho de Manoel Ludgero Pompeu  

    Primeiro Tesoureiros: Horácio Ribeiro dos Reis, genro de Manoel Pompeu 

    Segundo Tesoureiro: José Bartnik, comerciante  

    Departamento de Esportes: Arci Labourdette (contador da Comercial Oeste Paraná Ltda, Copal, ligado à família Dalcanale), Antônio Alves Massaneiro (enfermeiro e farmacêutico) e João Alves dos Santos (professor) 

    Orador Oficial: Gabriel Fialho Gurgel (dentista cearense, futuro prefeito de Terra Roxa)

    Conselho Deliberativo: Anibal Lopes da Silva (comerciante, professor), João Miotto (comerciante e delegado de polícia) e Emiliano Afonso da Silva (sargento do Exército, doou tereno para a construção do Hospital Nossa Senhora Aparecida, de Wilson Joffre)

    Comissão de Festas: Clary Boaretto (carpinteiro ligado à Copal) e Osvaldo Zandoná (representante da família que iniciou a migração de colonos italianos a Cascavel)

    Todos pioneiros oestinos com variadas contribuições comunitárias que no futuro valeriam a muitos deles nomes a ruas em várias cidades e a outros ligações permanentes com famílias locais.

    João Arquelau Soares, por exemplo, casou-se com a professora Theonília Pompeu, filha de Manoel Ludgero e Idalina Rodrigues Pompeu.

    Nascido em Guarapuava, Soares tinha 31 anos quando foi transferido para Cascavel em 1942, designado para chefiar o destacamento da Força Aérea. 

    Na condição de militar, contribuía para com o transporte de enfermos para centros médicos. Na qualidade de cidadão, apoiava e se juntava aos esforços comunitários nas rodas de chimarrão, os filós.

    Pouco depois, Teixeira é designado para nova missão em Curitiba, onde morreu prematuramente em 1964, antes de completar 42 anos.  

    Domingo nas Cataratas

    O filó em Foz do Iguaçu rapidamente saiu dos sítios para um destino muito natural. Quando Agnese Betio Giovenardi chegou à fronteira, naquele mesmo ano de 1949, trazia uma vida de muito trabalho e sofrimento.

    Sua família fornecia carnes no interior de Santa Catarina, mas o negócio foi arruinado pela disseminação da febre aftosa no gado. Tentavam a vida em Irati, sem sucesso, quando foram alcançados pela propaganda do Paraná Maior, cujo foco era a ocupação do remoto Oeste, prejudicado pela inércia do Território Federal do Iguaçu.

    Agnese, descendente de italianos e gaúcha de Nova Bassano, o marido Antônio Giovenardi e sete dos dez filhos chegaram a Foz do Iguaçu de carona em um caminhão. Os outros três filhos estudavam em seminário, no RS.

    Enquanto se alojavam, Antônio já saía atrás de carnes para servir em seu açougue, que também vendia roupas e outros artigos trazidos por camelôs. A “geladeira” para guardar as carnes era o estômago dos clientes, pois não havia recursos frigoríficos.

    “Só podíamos abater os animais cuja carne fosse vendida no mesmo dia, ou então para fazer linguiça, salame. A primeira geladeira para o açougue compramos em 1954” (Entrevista a Juvêncio Mazzarollo, jornal Gazeta do Iguaçu).

    A família Giovenardi adotou logo ao chegar o hábito de aos domingos reunir-se com os amigos em piqueniques junto às Cataratas. O filó junto aos Saltos de Santa Maria rendeu muitos negócios, decisões para o futuro da região e consolidou a utilização brasileira das Cataratas, já explorada com sucesso pela Argentina.  

    Antônio Giovenardi morreu em 1964 e foi um dos formadores da Frimesa (Frigorífico de Medianeira). Um dos filhos de Antônio e Agnese participou da construção da Ponte da Amizade, a serviço da empresa Sotege. 

    China, posseiros e Medianeira

    Em outubro de 1949 os camponeses comunistas apoiados por militares tomaram o poder na China. A imprensa sensacionalista trombeteava que o Paraná estava entregue à revolta camponesa, tomado pelo banditismo e logo iria virar “uma China”.

    Na maior parte da região Oeste, porém, as colonizadoras trabalharam com terras sem contestação camponesa, a não ser por algumas posses que os jagunços das colonizadoras desfaziam expulsando os colonos.

    As mortes ocorridas nesse período se deviam à reação dos posseiros aos ataques dos jagunços, escorados pela polícia do Estado. Via de regra, a matança de posseiros era ignorada. 

    Na versão oficial, era culpa de quem reagiu à lei e à ordem. Já a reação violenta dos posseiros era anunciada como “banditismo”. 

    Foi ainda em terras sem contestação que em 20 de outubro de 1949 começou a colonização de Medianeira, a partir de projeto da Companhia Industrial e Agrícola Bento Gonçalves, sob o comando de Pedro Soccol e José Callegari.

    Medianeira brotou da atração de colonos sobretudo de Bento Gonçalves e Guaporé (RS). Em pelo menos dois fatos explosivos no futuro a cidade seria notícia em todo o mundo: com a revolta de posseiros na Gleba Silva Jardim, na atual Serranópolis do Iguaçu, em 1961, e na reabertura à força da Estrada do Colono, em 1997.  

    Fonte: Fonte não encontrada

  • Entre o legal e o ilegal, trabalho e sacrifícios

    Entre o legal e o ilegal, trabalho e sacrifícios

    Carroça, carroção, burro cargueiro, cavalo, raros automóveis e vários caminhões eram os meios de transporte dos pioneiros, mas os aventureiros vinham a pé. Silvino Bell’Aver contrariou o preocupado pai aos quinze anos de idade, partindo da região serrana do Rio Grande do Sul para enfrentar o desconhecido sertão oestino cercado por lendas de tesouros e riquezas. 

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    Como tantos outros, também veio a pé o mineiro José Araújo Prates, com uma história muito similar à de Bell’Aver. Nascido em 1936, partiu de Minas Gerais escondido dos pais até parar em um lugar paranaense com um sugestivo nome: Terra Rica. 

    Lá, Prates foi recrutado pela colonizadora Sinop* para meter os pés no mato e dar início a uma novo projeto da empresa, no local que depois de muito trabalho veio a se chamar Ubiratã. 

    Para chegar às terras escolhidas para a formação de uma futura cidade, não havia outro meio senão caminhar com os pés calçados apenas com uma precata** (chinelo). 

    O calçado era conhecido como “chega-já”, onomatopeia para o ruído que fazia ao caminhar quando estava molhado. 

    Era 1949 e Prates estava com apenas 13 anos. Para não passar fome, ia comendo o que achava no mato. Depois de abertas as primeiras clareiras, na completa ausência de estradas, a alimentação dos trabalhadores da Sinop vinha por avião. As estradas em condições para o deslocamento por automóveis ainda eram só um sonho.

    *Sinop – Sociedade Imobiliária Noroeste do Paraná. 

    **Variação cabocla de alparcata (do árabe al-pargat, calçado com sola de corda ou borracha ajustada ao pé com tiras de couro ou pano).

    Primeiras estradas

    Por essa mesma época, um fiscal geral da Fundação Paranaense de Colonização e Imigração, Aldino Formighieri, primo do futuro prefeito de Cascavel, José Neves Formighieri, chegava à região de Corbélia para mais tarde abrir caminho aos primeiros colonos: as famílias de João Fridolino Dillemburg, Homero Baú e Francisco Mânica.  

    Ali abriram as primeiras estradas a partir das margens dos córregos Rancho Mundo e Arroio dos Porcos e do Rio Sapucaia. Formighieri tinha a missão de promover acordos com os posseiros e impedir a ação de intrusos que invadiam as terras pertencentes à Fundação de Colonização, trabalho desenvolvido com amplitude por Armando Zanato, originário de Carazinho (RS), que idealizou a cidade de Corbélia.

    Formighieri tinha então vinte anos de idade e trazia a missão de promover acordos com os posseiros e impedir a ação de intrusos que invadiam as terras pertencentes à Fundação de Colonização. 

    Teve tão bom desempenho na expulsão de intrusos que o governador Moysés Lupion o convidou para dirigir o setor de segurança da Fundação como delegado e comandante de polícia na região.

    300 famílias arruinadas

    No entanto, o estrago já estava feito. As instituições do Estado foram permeabilizadas por ingerências de interesses externos, de acordo com o experiente ex-agente de terras do Estado, Alir Silva, que no Norte do Estado havia lidado até com denúncias de ataques de vampiros.

    Para Silva, as tragédias de Campo Bonito começaram quando a Fundação de Colonização vendeu indiscriminadamente glebas inteiras a um só indivíduo, deixando ao desabrigo e completamente espoliados nada menos de 300 famílias. 

    “Muito embora a Fundação se apresente com a finalidade de praticar o minifúndio, isto é, coadjuvar a colonização através da venda de pequenas propriedades, cujas terras lhe foram cedidas pelo Governo do Estado para este fim específico, o que vem praticamente é uma verdadeira aberração, usurpando de posseiros todos os seus bens, arrancando bruscamente esses elementos que já estavam fixados à terra e, não raro, muito antes da cessão que lhes foi feita pelo Estado em 1949” (Depoimento ao jornal O Estado do Paraná,  26 de julho de 1959).

    A movimentação de posseiros na área de Diamante do Sul começou em 1929, com a chegada de uma família de origem gaúcha que não suportou ficar sozinha no mato, daí porque só a partir de 1949 a região começou a ser povoada efetivamente, por imigrantes de origem italiana, vindos do Norte de Santa Catarina em um espécie de êxodo ao Paraná. 

    A solidão dos pioneiros 

    Em minucioso relato sobre a estruturação da Rota Oeste, Arlindo Mosé Cavalca contou que as ações conclusivas nesse objetivo começaram no Rio Grande do Sul com várias reuniões na residência de Celeste Dall’Oglio, seu futuro sogro.

    Ali se fez a montagem de um consórcio com a finalidade de formar o grupo que constituiria futuramente a Industrial e Agrícola Bento Gonçalves Ltda, fundadora da cidade de Medianeira.

    Formou-se nesse ano de 1949 uma nova caravana de associados, composta por Alfredo Ruaro, Dacir Dall’Oglio, José e Davi de Calegari e Cavalca, que já vinha para ficar em Gaúcha, origem de São Miguel do Iguaçu.

    “Quando saí de Bento Gonçalves, já estava convencido que o sr. Benvenuto Verona se encontrava em Gaúcha, mas qual foi a minha surpresa, quando cheguei e soube que havia viajado para passar alguns dias no Rio Grande do Sul… Os companheiros insistiram para que eu voltasse com eles para Bento Gonçalves e não ficasse sozinho naquela selva, mas eu já havia decidido que iria enfrentar as dificuldades que aparecessem” (depoimento ao Projeto Memória de São Miguel do Iguaçu).

    Aos 28 anos, Cavalca não temia nenhum desafio. Com pena de deixar Cavalca sozinho no meio do mato, Dacir Dall’Oglio o presenteou com um par de botas, “apavorado com tantos mosquitos”.

    De repente, paraguaios armados

    Alojado em um rancho coberto de capim, Cavalca decidiu esperar a volta de Verona enquanto ouvia a caravana seguindo rumo à futura Medianeira, cantando as habituais canções italianas obrigatórias nas reuniões de imigrantes e seus filhos.

    “As vozes foram diminuindo na imensidão da floresta, o dia perdendo a intensidade, o sol mandando seus últimos raios entre a galhada verde da floresta. Na mata escurece mais depressa”.

    Na solidão, sobrava tempo para lembrar os pais Alcides e a mãe Eulália Umiltá, já idosos, participantes da colonização de Bento Goncalves, a irmã Olívia e a namorada Addy, que lembrava em lágrimas na despedida.

    “Mas era preciso ser forte, passar por cima das emoções. Saí para ver o céu estrelado e ouvi as vozes dos companheiros, acampados a uns três quilômetros. Eles esperavam o dia amanhecer para continuar a viagem a Medianeira porque não havia condição de andar por aquela picada a noite. As vozes dos companheiros foram aos poucos sendo abafadas pelos ruídos da mata. Foi uma noite difícil”.

    Até porque, narrou, chegaram também paraguaios, armados com metralhadoras, pedindo para trabalhar como torradeiros*: “Eram fugitivos políticos que se escondiam na imensa floresta fronteiriça”.

    Assim se incorporaram à colonização do Oeste guerrilheiros paraguaios que não puderam mais voltar para seu país, vivendo em 1949 as grandes agitações político-militares que deram início ao longo predomínio do Partido Colorado. 

    *Torradeiros: operários que derrubavam árvores para transformar em toras. 

    Perigos e sofrimentos

    As agitações guaranis também tiveram o Oeste do Paraná como palco, como contou Amanda Fritzen a respeito da tragédia que vitimou seu marido, o alemão João Holler, na mercearia da família na Estrada das Cataratas.

    Era o dia 4 de agosto de 1949. Ao entardecer, o casal tomava chimarrão na companhia dos filhos quando apareceu um cliente e João para atendê-lo abriu o bar, na frente da casa. 

    “Logo chegaram dois paraguaios pedindo cachaça. Percebi que estavam nervosos. Não fazia calor, mas eles suavam. Desconfiada, eu pedia em alemão ao meu marido que os mandasse embora e fechasse o bar. Ele não deu importância. De repente entrou outro paraguaio e começaram a atirar contra meu marido, que correu para fora, mas morreu em seguida. Eu corri com as crianças para o mato. Os bandidos entraram na casa, reviraram tudo e roubaram o que puderam carregar” (Gazeta do Iguaçu, 18/7/1993).

    Um dos assassinos foi preso, mas Amanda ficou viúva com três filhos. Casou-se mais tarde com o sargento Bernardino Etelvino Velho, revolucionário brasileiro supostamente ligado ao MR-8 e iniciador de Santa Terezinha de Itaipu, com quem teve o filho advogado Domingos Jorge Velho.

    Enquanto cuidava dos filhos, um dos quais Írio Holler, que seria diretor do Planejamento Urbano e secretário de Obras de Foz do Iguaçu, Amanda atendia aos eventuais clientes no balcão da mercearia da família e veio a fazer uma clientela ainda maior com sua habilidade na arte da costura. 

    “Fazia vestidos de noiva, bombacha (artigo que não se encontrava aqui e quem quisesse tinha que mandar vir do Rio Grande do Sul). A máquina de costura ficava atrás do balcão da loja. Quando não havia freguês para atender eu costurava. Muitas vezes, costurando, vi o dia amanhecer”.

    O final da década de 1940, portanto, foi um período de intenso trabalho e muito perigos. 

    Fonte: Fonte não encontrada

  • A família Sbaraini e o aventureiro Bell’Aver

    A família Sbaraini e o aventureiro Bell’Aver

    A base da atualidade oestina se constrói com a progressiva chegada de corajosas famílias pioneiras nas décadas de 1930 a 1950, das quais são exemplares as famílias de Frederico Blum e Carlos Sbaraini, que pressionados pelas dificuldades conjunturais da época apostaram no Oeste e tiveram sucesso. 

    O ferreiro Blum, nascido em Lages (SC), trouxe a família para Cascavel em abril de 1949 seguindo a trilha de oportunidades aberta pela forte propaganda da colonização no Médio-Oeste.

    Já na altura dos 67 anos, com larga experiência como eletricista e carpinteiro, vinha de Guarapuava com a esposa Berta Rickli e os filhos Rosa, Alberto, Otto Paulo, Ernesto Paulo e Elza Blum. 

    Dedicou-se com os filhos, Alberto, de forma destacada, à construção e montagem de serrarias e moinhos. Alberto, nascido em Imbituva, já no Paraná, veio ao Oeste já com 38 anos e também trabalhou com moinhos, além de ser caminhoneiro e agricultor. 

    Os dois apoiaram Tarquínio Joslin dos Santos na montagem da Associação Rural de Cascavel. O pai foi o mais idoso entre os fundadores da entidade que daria origem aos atuais sindicatos Patronal Rural e dos Trabalhadores Rurais, também o berço do cooperativismo cascavelense.

    Por sua vez, a família Sbaraini veio de Sarandi (RS) por conta de uma relação antiga de Carlos com Willy Barth. Filho dos italianos Giovanni Baptista Sbaraini e Elisa Vicentini, provenientes de Brescia (Lombardia), que chegaram ao Brasil ainda crianças, Carlos transportava madeira embalsada para a Argentina pelo Rio Uruguai e nessa atividade conheceu Barth.

    Depois da II Guerra Mundial o governo platino criou obstáculos que levaram Carlos a abrir estrategicamente uma empresa importadora de madeira naquele país.

    Sob a pressão de Juan Perón

    Ao lado de outros madeireiros da região de Passo Fundo e Sarandi, Carlos Sbaraini e vários sócios importavam por essa empresa criada na Argentina a própria madeira para distribuí-la no mercado interno, atendendo às exigências platinas.  

    Já com a participação do filho Benjamin, de seu casamento com Mathilde Fuga, as atividades de Carlos Sbaraini na Argentina se ampliaram até que o governo de Juan Domingo Perón nacionalizou a madeira e impediu as importações por firmas particulares.

    Com os negócios na Argentina sob pressão e os pinhais no Sul se esgotando, observou Benjamin, contador formado em Porto Alegre e administrador das várias empresas que o pai abriu para fazer os negócios madeireiros na Argentina e no Brasil, Carlos se viu em dificuldades. A exportadora fechou e em fevereiro de 1949 o pinhal disponível acabou de ser serrado em Sarandi.

    Brasília e JK, a salvação 

    Carlos e Benjamin aceitaram a proposta de Willy Barth de organizar o negócio da madeira em troca de um pinhal da Maripá. Mas não havia um pinhal com a amplitude prometida e a madeira produzida era barata.

    Para sorte dos Sbaraini, a construção de Brasília por iniciativa do presidente Juscelino Kubitschek abriu o caminho para o sucesso da atividade por meio de uma bonificação por dólar exportado.

    “Na época o Brasil estava tendo déficit na balança comercial e com a construção de Brasília, quando foi gasto muito dinheiro, Juscelino resolveu estabelecer uma bonificação às exportações em geral e a madeira pegou a primeira bonificação: 10 cruzeiros por dólar exportado” (Benjamin Sbaraini).

    “Essa bonificação foi aumentando, a cada dois, três meses aumentava. Então nós tivemos a sorte de pegar um preço final muito bom na exportação. Isso nos possibilitou comprar muitos pinhais aqui no Oeste do Paraná”. 

    Em 1955 a firma Carlos Sbaraini & Filho Ltda já se tornara um nome respeitado no setor madeireiro, contando até com porto no Rio Paraná.

    Terra plana, um sonho

    O típico aventureiro que veio para o Oeste com a cara e a coragem foi Segundo Silvino Bell’Aver. Frustrado com as limitações da criação de porcos do pai em Guaporé (RS), encantou-se com as histórias contadas pelo comprador de suínos Danilo Badotti sobre as maravilhosas terras planas do Paraná.

    Falar em terra plana para quem vive em região montanhosa é acenar com o paraíso, mas o pai o desaconselhou a partir para o Oeste paranaense. Um menino ainda, com 15 anos, aceitou o convite de Badotti e embarcou em um caminhão Chevrolet para cumprir 23 dias de viagem por estradas precárias.

    Trazia 500 mil réis, “uma muda de roupa para dia santo, duas para os dias de serviço e um par de botas”. 

    O destino final de Badotti era a Rocinha (Mato Queimado), mas Bell’Aver queria a terra prometida onde tudo acontecia. Só viu mato pela frente, sem ninguém disposto a contratar um jovem inexperiente. 

    Pegou uma carona até Cascavel, onde o mato parecia ainda mais fechado e misterioso, mas já sabendo que havia atividade colonizadora mais adiante.

    “De Cascavel para frente não tinha estrada, era uma picada, então o jeito foi vir a pé até o Rio Toledo. Andei até um local onde havia três casas, na época o povo chamava de Vila Cristo Rei e hoje é a sede dos Pioneiros. Cheguei e perguntei para as famílias que ali moravam se tinha serviço. Isso foi no dia 18 de julho de 1949” (Silvino Bell’Aver, depoimento ao Jornal do Oeste, Toledo).

    A única opção era trabalhar quase como escravo: “Lembro que aqui tinha um inspetor de polícia que mandava mais do que um delegado ou até mesmo um juiz. Ele colocava todo mundo para trabalhar. Quem trabalhava, comia. E quem não trabalhava, apanhava”. 

    Palácio coberto de taquaras

    Ao procurar o engenheiro Eugênio Gustavo Keller o jovem soube que a única condição para ser admitido era querer trabalhar. 

    “Naquela época, ninguém perguntava quanto ia receber pelo trabalho, se perguntasse era mandado embora na mesma hora. Era preciso trabalhar um dia para saber quanto merecia pelo serviço feito”. 

    Na tarefa de picadeiro, que era abrir picadas no mato para a turma da agrimensura registrar as condições das terras, “a jornada de trabalho começava na segunda-feira ao clarear do dia e só terminava no sábado à noite quando os picadeiros retornavam do meio da mata”.

    Sua recompensa imediata foi aprender a analisar mapas e localizar as melhores terras, que achou na Linha Tapuí. 

    “A Companhia Maripá dava as terras para quem quisesse realmente trabalhar e até cedia as ferramentas e tudo mais o que era preciso para iniciar o plantio. As pessoas pagavam depois, como e quando podiam”. 

    Começou sua dupla jornada, de trabalhar para a companhia e nas horas vagas cuidar de construir moradia na área escolhida. Agora reinaria isolado no mato, rei do sertão em seu palácio, um rancho de 10 m² coberto de taquaras.  

    “O começo não foi fácil. Comprei algumas panelas no empório da Maripá só mesmo para poder cozinhar. O fogo eu fazia no chão. Comecei a trabalhar nas minhas roças, era de onde eu tirava a minha comida, plantava e colhia para comer. Comprar só mesmo sal, pimenta e querosene”, recordou Bell’Aver. 

    Fica ou a onça come

    Depois de cinco anos trabalhando em Toledo, decidiu ir ao Sul encontrar uma companheira. A eleita foi Natalina Miotto, de família amiga dos Bell’Aver. A mudança para Toledo “coube perfeitamente em apenas uma mala” e a escolha pela viagem aérea pouparia Natalina dos dissabores do longo percurso.

    Enquanto estiveram no avião tudo foi bem, mas depois de sucumbir à noite ao cansaço da viagem no “palácio” perdido no mato, a rainha Natalina despertou e não viu um só traço de civilização por todo lado que olhasse. Aos prantos, pediu a Silvino para ir embora e voltar à família. 

    “Perguntei por que caminho ela iria, ela apontou para a direção que hoje nos leva a Pato Branco. Então disse que se ela fosse mil metros para dentro do mato ela seria comida por uma onça. Eu tinha contado como era a vida aqui, mas ela disse que não tinha acreditado” (Jornal do Oeste).

    A adaptação à nova terra veio com o trabalho intenso, pois havia tudo a fazer. A produção agrícola vinha robusta, mas não havia compradores. 

    “Em um ano, eu e a mulher plantamos e colhemos 114 sacas de arroz e não achamos comprador, seguramos a produção estocada por uns três anos até criar larvas, tivemos que jogar tudo fora. Feijão a gente também colhia e jogava fora porque não tinha para quem vender, não tinha comércio”. 

    A produção começou timidamente a sair com a chegada de um tropeiro chamado Joaquim Lino, que com seu burro de carga vendia banha e linguiça e levava diversos produtos aos clientes que encontrava no caminho.

    A exemplo de Frederico Blum, fundador da Associação Rural de Cascavel, Silvino Bell’Aver fundou o Sindicato Rural de Toledo. Por sua vez, Benjamin Sbaraini antes de se associar ao Sindicato Rural de Cascavel já participava da Coopavel. 

     

    Fonte: Fonte não encontrada

  • Rebeldes paraguaios, a reserva de mão de obra

    Rebeldes paraguaios, a reserva de mão de obra

    A escassa mão de obra disponível na pequena Cascavel no fim da década de 1940 estava majoritariamente empregada na indústria rural – a extração e a serragem da madeira. Toledo e a companhia Maripá não podiam contar com ela, portanto.

    A força de trabalho na vila se reduzia às famílias de prestadores se serviços, que atraíam parentes de outras regiões para aproveitar as oportunidades, que consistiam em ocupar chácaras junto às principais estradas e requerer terras devolutas no interior. 

    Como já havia acontecido antes no Caixão (Cafelândia), as empresas colonizadoras aproveitavam a única mão de obra disponível: os descendentes dos mensus paraguaios coletores de erva-mate.

    Os colonos vinham para trabalhar com todos os membros de suas famílias diretamente nas inúmeras tarefas necessárias à formação de uma produção rural diversificada. 

    Foragidos do Sul ou de São Paulo que vinham se esconder no interior achavam ocupação como jagunços das colonizadoras ou mão de obra para serrarias e abertura de estradas, mas para prestar de serviços especializados às empresas era necessário atrair aventureiros de outras regiões que viessem por ambição e não para fugir da polícia.

    Aventureiros como o carioca Argemiro Marujo dos Santos, órfão que cursava a escola de marinheiros no Rio de Janeiro quando viu no quadro de avisos uma pergunta: “Quem quer ir para Foz do Iguaçu?”

    A enxuta Marinha da fronteira  

    Uma ilustração das Cataratas convenceu Argemiro a fazer a viagem ao desconhecido. Do Rio, foi de trem (“Maria-Fumaça”) a São Paulo, onde esperou duas semanas por outro trem que o levaria a Ourinhos e de lá a Porto Epitácio.

    Embarcado até Guaíra, porto do que jamais ouvira falar, surpreendeu-se com as Sete Quedas. De Guaíra, novo trecho de trem até Porto Mendes, onde embarcou no famoso navio argentino Cruz de Malta, que transportava erva-mate para a Argentina.

    Ao chegar a Foz do Iguaçu, novo susto ao ver que não havia ali a cidade que imaginou: “Não estou vendo nada!” O que viu foi a barranca do Rio Paraná, o batalhão do Exército e a instalação da Marinha em uma velha casa de madeira.

    “Na Marinha éramos eu, o comandante Pimentel, o capitão Mendes [que veio com Argemiro] e um artilheiro. No dia seguinte, o comandante me mandou buscar leite a cavalo na propriedade de um tal de Samek. Então vi o que era Foz do Iguaçu: uma casinha aqui, outra ali, mato por todo lado”.

    A Marinha em Foz do Iguaçu só teve o efetivo aumentado, por meio do Corpo de Fuzileiros Navais, depois de um tumultuado incidente internacional: com o Paraguai praticamente em guerra civil, um grupo de paraguaios sequestrou um marinheiro do Brasil alcunhado “Alemão” e seu barco.

    “O comandante Pimentel foi ao Paraguai negociar a devolução, mas nada conseguiu, então pediu reforço. No dia 7 de setembro de 1950 chegou o Corpo de Fuzileiros. Saltaram de paraquedas e tomaram conta do Rio Paraná” (Entrevista a Juvêncio Mazzarollo, 1994). 

    Paraguaios sempre disponíveis

    Eram raros, porém, chegarem aventureiros com a qualidade de Argemiro Marujo, estimado na fronteira e também em Cascavel pelos bailes que animava com seu pistom, integrando a banda Os Senhores do Samba, e pelo refinado futebol que jogou no Tuiuti Esporte Clube.

    A melhor, mais barata, mais confiável e menos complicada força de trabalho estava em um exército de reserva de mão-de-obra sempre disponível: os trabalhadores paraguaios que fugiam da perseguição política em seu país depois da guerra civil de 1947.

    A posse do presidente Federico Chaves naquele país deu início ao longo ciclo de poder do Partido Colorado, poucas vezes interrompido daí por diante. 

    Com o Paraguai em crise econômica, inflação e estagnação produtiva, os trabalhadores especializados optavam por migrar para outros países. E com a perseguição aos opositores e a repressão os descontentes, muitos trabalhadores paraguaios se deslocaram ao Brasil, em fuga isolada ou com a família. 

    Adolfo Ângelo Seganfredo, o chefe do escritório do braço madeireiro da colonizadora Maripá, não hesitava em recorrer a essa mão-de-obra fácil e disponível no lado de cá da fronteira, especialmente nas tarefas portuárias, passando madeira pelas barrancas do rio Paraná.

    “(…) quando o serviço apurava, ele pedia mais gente, e dentro de 24 horas apresentavam-se mais 50 ou 100 paraguaios dispostos para o trabalho” (Ondy Niederauer, Toledo no Paraná).

    Polcas e guarânias

    Gaúcho de Veranópolís, nascido em 17 de setembro de 1919, Adolfo Seganfredo veio para fazer uma breve visita à região e foi recrutado por Willy Barth para onze anos de atuação na mais difícil tarefa do braço madeireiro da Maripá.

    Designado para atuar no Porto Britânia, ele era o responsável por toda a estrutura que começava com a produção de toras, recepção e separação dos lotes de madeira para exportar, e a administração do pessoal: carregadores e motoristas. 

    “A Maripá tentou executar os trabalhos do porto somente com trabalhadores brasileiros. Havia alguns em Toledo que eram empregados na roçada de beira de estrada, no empilhamento de tábuas nos depósitos e serrarias, infelizmente, porém, eles não resistiam e acabavam solicitando o retorno a Toledo” (Ondy Helio Niederauer).

    Seganfredo chegou comandar mais de 300 homens envolvidos no carregamento de madeira, número inalcançável sem recorrer aos paraguaios, que, segundo Niederauer, “nunca provocavam algum elemento brasileiro, e somente brigavam com brasileiro quando eram desacatados”.

    “Nas horas de lazer reuniam-se em torno de um violão, e, às vezes, até uma harpa aparecia. Em véspera de dia de folga, podia-se escutar suas polcas e outras músicas ao melodioso som das cantigas guaranis”.

    A família de Marcelino Alegre, “bugre brasileiro”, segundo o historiador, fornecia o rancho aos paraguaios a serviço da Maripá. 

    Sem imunidade

    “Os paraguaios enfrentavam e resistiam com valentia e destemor o trabalho pesado que empreitavam, mas uma simples doença de criança podia ser-lhes fatal. (…) quando um deles contraiu sarampo, a doença rapidamente contaminou os demais” (Niederauer).

    Nessa ocasião, um grupo de 26 paraguaios a serviço da Maripá adoeceu. Mesmo socorridos pelo médico Ernesto Dall’Oglio e pelo administrador Arthur Mazzaferro, sete deles morreram.  

    A confiança dos colonizadores em contratar um número tão elevado de trabalhadores e investir em facilidades para os colonos estava lastreada na promessa do governador Moysés Lupion, que em campanha rumo ao Senado anunciou na Assembleia Estadual o programa Paraná Maior – conjunto de ações planificadas:

    “Na consciência de nosso progresso encontramos a emulação para mais progresso, o entusiasmo para mais trabalho e a amálgama para essa união dos espíritos que faz hoje com que o Paraná se apresente como um conjunto coesíssimo, para o esforço de construção de sua grandeza”. 

    Foi nesse tempo dinâmico, de trabalho intenso e confiança inabalável, que em 1949 um experiente conhecedor do interior paranaense foi designado para assumir as funções de subprefeito de Cascavel: Manoel Ludgero Pompeu.

    Ao fixar residência em Cascavel, em 1949, Manoel Ludgero Pompeu (ver https://bit.ly/3I7kPFN) também assumiu o cargo de subprefeito do distrito, em lugar de Jeca Silvério. A família Pompeu se tornou um dos eixos da vitalidade cascavelense, ao lado dos Galafassi, Formighieri e outras famílias numerosas.

    Vida de estradas

    Comerciante e conselheiro municipal de Foz do Iguaçu (função na época equivalente à do atual vereador), Pompeu foi nomeado como intendente distrital em outubro de 1949.

    Nessa função, abriu caminhos interligando regiões que estavam desconectadas diretamente, dependendo de trechos isolados de velhas estradas indígenas e ervateiras que uniam locais próximos, como áreas de concentração de erva-mate e postos de coleta dos fardos. 

    Logo ao chegar, Pompeu fez a exploração, a locação e o desmatamento de toda a estrada que seguia de Cascavel ao Porto 1, no Rio Piquiri, passando por Melissa, Central Santa Cruz, Cafelândia, Iguaçuzinho e Nova Aurora, permitindo a primeira ligação por via rodoviária desta região com o Norte do Paraná, então inacessível.

    “Juntamente com o falecido Pompeu, fiz a estrada que vai do Tamoio 1 até a Foz do Piquiri, no muque. Esta estrada que passa no Brasmadeira, na Melissa, Meia Lata, Central Santa Cruz, Bananeira, Cafelândia – cujo nome era Caixão –, depois Anta Gorda, Roda de Carro, fomos nós que abrimos” (Aladin de Souza Leal, Prisma Cascavel).

    Aladin, o tarefeiro

    Nascido em 1916 na localidade que no futuro seria a sede do Município de Ibema, Aladin desde 1927 conhecia a Encruzilhada dos Gomes, onde em 1930 Jeca Silvério começou a formar a cidade de Cascavel.

    Ele trabalhou com Pompeu depois de ter sido guarda-linhas a serviço de Horácio Reis junto ao Arroio Marreco, onde havia um posto telefônico. 

    Guarda territorial do Iguaçu, desempregado com o fim do Território Federal, foi incorporado por Manoel Pompeu aos trabalhos rodoviários de Cascavel.

    Mesmo sem contar com qualquer tipo de máquina, Pompeu fez também a abertura da atual Rua Paraná, entre as Ruas Sete de Setembro e Rio Grande do Sul.

    Com a instalação do Município de Cascavel, em 1952, Pompeu participou da gestão do prefeito José Neves Formighieri na abertura de ruas, estradas e com recursos próprios, em 1954, partiu do prolongamento da Avenida Carlos Gomes em direção ao Sul.

    Abrindo picadas no sertão, encontrou a antiga linha telegráfica e chegou ao Rio Iguaçu, onde hoje se localiza o Município de Capitão Leônidas Marques, na primeira tentativa conhecida de ligar diretamente esta região ao Sul.

    Fonte: Fonte não encontrada

  • Barth: cooperação e competição com Cascavel

    Barth: cooperação e competição com Cascavel

    Tudo foi muito rápido na vida de Willy Barth. Gaúcho de Rio Pardinho, no interior de Santa Cruz do Sul, o filho de Adolfo e Maria Blodina Schilling Barth começou a trabalhar ainda adolescente como balconista, mas logo saiu para se movimentar intensamente entre o comércio e a colonização de terras com potencial de progresso. 

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    Casado em 1941 com Diva Rodrigues Paim, de família de fazendeiros de Vacaria, teria com ela as filhas Vera Regina, Ana Beatriz, Maria Bernardette e Maria Cristina.

    Ele viajava cada vez mais longe, a ponto de ser advertido pela esposa por um telegrama: “Favor comunicar o dia mês e ano que pretende voltar para casa”.

    A ironia produziu efeito, remetendo Willy rapidamente para uma visita urgente à família. A cada viagem, partindo ou voltando, ele se associava a mais gente, formava empresas e criava projetos de expansão.

    Associou-se ao colonizador Alberto Dalcanale e aos irmãos Ernesto e Josué Anoni, com os quais, ao lado de Gastão Bonetti, fundou a empresa Barth & Anoni, com sede em Carazinho e atuação na colonização de glebas em Vila Oeste (SC), local que mais tarde se tornaria o município de São Miguel do Oeste.

    O salto maior começou quando convidou o amigo Alfredo Ruaro, comerciante em Farroupilha, para ser seu corretor de terras, apresentando-o aos também colonizadores Alberto e Luiz Dalcanale Filho.

    Desse encontro histórico resultou que Ruaro e os Dalcanale compraram a Fazenda Britânia, propriedade inglesa intermediada pelo coronel Jorge Schimmelpfeng. 

    Reconhecimento a Ruaro

    Constituía-se desta forma a companhia Maripá, à qual Barth se integrou e depois viria a comandar. Entre os principais acionistas figuravam os nomes de Willy Barth, Alberto Dalcanale, Alfredo Paschoal Ruaro, os irmãos Egon e Kurt Bercht e Leonardo Júlio Perma. 

    O chamado “grupo alemão” controlava 66% das ações, mas era o italiano Ruaro quem dava as cartas na colonização do Oeste. Em 7 de abril de 1946, com muitas terras a colonizar e um mar de madeiras a explorar, o projeto cresceu: os sócios da empresa decidiram formar a Serraria Maripá.

    O encontro de Barth com o Médio-Oeste do Paraná aconteceu em 1948, quando veio apenas com o propósito de conhecer as novas terras que precisavam ser colonizadas.

    Quando Alfredo Ruaro se retirou para desenvolver outros projetos colonizadores, dentre os quais Céu Azul, para o substituir Willy Barth foi eleito gerente da colonizadora Maripá em 25 de março de 1949.

    Anos depois, em 1961, em discurso aos formandos de segundo grau do Colégio La Salle, um emocionado Barth lembrou “o estoicismo do primeiro administrador, Alfredo Ruaro, sempre laborioso e otimista, a enfrentar diariamente as longas jornadas de trabalho e a encontrar sempre tempo, à noite, para incentivar seus companheiros de colonização com reuniões alegres, onde as velhas canções da longínqua Itália eram entoadas, em coro”.

    Sbaraini, um velho conhecido

    Barth assumiu a direção da Maripá com sua equipe trazida do Sul, distribuindo tarefas entre os dois focos centrais: a colonização e a indústria e comércio da madeira. 

    Já havia trabalhado com Carlos Sbaraini na venda de madeira, embalsada e exportada pelo Rio Uruguai. Com ervais no Sul e no Mato Grosso, Sbaraini apostava sem hesitar em projetos de futuro, o que lhe valeu ser sócio de nove empresas.

    Foi natural, assim, deixar Sarandi (RS) para se associar à Maripá e Willy Barth em projeto no qual a colonizadora entrava com o pinhal e Carlos Sbaraini com sua experiência madeireira.

    Sem pretender se ausentar do Paraná, com uma ampla região para atuar, Barth decidiu trazer a família de Porto Alegre em agosto de 1950. 

    A esposa Diva conta o luxo que encontrou em Toledo: a casa em que foi morar estava sem portas e janelas. Só havia a madeira bruta, mais nada.

    A marca da agilidade 

    A chegada de Willy Barth a Toledo deu agilidade a todas as frentes de ação. Organizou a exportação de madeira, estimulou a instalação de novas indústrias, casas comerciais e de prestação de serviços.

    Surgiram, além das serrarias, fundições, cerâmicas, mercearias, oficinas mecânicas, moinhos, fábricas de bebidas, alfaiatarias, sapatarias, ferrarias, gabinetes dentários, hotéis e outros estabelecimentos (Oscar Silva, Rubens Bragagnollo e Clori Fernandes Maciel, Toledo e Sua História). 

    Deu início às vilas de Marechal Cândido Rondon, Quatro Pontes, Vila Margarida, Nova Concórdia, Vila Nova, Novo Três Passos, Vila Mercedes, Nova Santa Rosa, Novo Sobradinho, Vila Maripá, Sede Curvado, Pérola Independente, Entre Rios, São Roque, Pato Bragado, Iguiporã e outros povoados. 

    Determinado a construir um aeroporto, uniu a comunidade de Toledo e em apenas 52 horas concluiu a pista na qual pouco depois pousaria o primeiro avião. 

    Piadas, mas cobranças

    Como dirigente da Maripá, Barth apoiou com recursos financeiros a instalação de casas de saúde, correio, telégrafo, clubes sociais, usina hidrelétrica, igrejas católicas e evangélicas, bem como escolas particulares e públicas. 

    Alternava bom humor com nervosas cobranças de desempenho, “mas, mesmo nos momentos de nervosismo, ajudava e animava a todos indistintamente, falando sempre no progresso de Toledo” (Oscar Silva et alia).

    Barth encarnou, rapidamente, todo o poder em Toledo e arredores. Sua influência se estendia a todos os setores da comunidade, a ponto de se dizer que tudo o que saía da boca de Barth era lei.

    Certa vez, o Tuiuti Esporte Clube, que raramente perdia na região, foi jogar contra uma seleção toledana e perdia já por 3 a 0 quando um jogador de Cascavel caiu na área toledana e reclamou pênalti. 

    “O juiz, na dúvida se marcava ou não a infração, foi consultar a opinião de Willy Barth. Como nós já estávamos perdendo por um escore bem avantajado, o Willy Barth falou: ¬– É pênalti, mesmo!” (Amadeu Pompeu, em Tuiuti, A Presença Azul, de Regina e Alceu A. Sperança).

    Dois teimosos

    Episódio que revela a personalidade de Barth foi a queda de braço entre ele e o padre Antônio Patuí, um italiano que sobreviveu a duas guerras e sempre conseguia o que propunha. Se Barth não fosse evangélico, hoje Toledo teria o nome de Cristo Rei, exigido pelo padre.

    “Afinal, senhor Willy”, dissera padre Antônio Patuí ao grande colonizador do Oeste, “o senhor é evangélico luterano, e eu sou católico, e assim somos ambos cristãos. Portanto, nada mais justo que mudar o nome de Toledo para o nome de Cristo Rei”.

    “Willy respondeu-lhe que o nome da vila era o do arroio Toledo, e este era um nome já muito antigo na região, e que não havia hipótese alguma de mudá-lo. O bom padre Antônio recorreu, então, a uma ideia alternativa: ‘Então o nome de Cristo Rei será dado à praça que fica em frente da nova igreja que se projeta construir!’ Willy informou que não seria possível. A praça seria uma homenagem ao diplomata que, ao convencionar as divisas da nossa região, fixou em definitivo que este solo fosse brasileiro. Levaria a praça, portanto, o nome do Barão do Rio Branco” (Ondy Hélio Niederauer, Toledo no Paraná).

    Mas o padre não desistiu: “Bem no centro da Praça Barão do Rio Branco vamos colocar uma estátua bem grande de Cristo Rei!”

    A insistência do padre já estava deixando Willy impaciente:

    – Não, padre. No centro irá a estátua do Barão do Rio Branco. E se o senhor quiser pode, ao redor da praça, a espaços iguais, colocar tantas estátuas de Cristo Rei quantas quiser, desde que cada uma não seja maior que trinta centímetros. 

    No fim, orgulho cultural 

    Willy Barth se elegeu prefeito de Toledo em 1960 e estava destinado a ter uma carreira política brilhante pela frente pela capacidade de gestão. 

    Como prefeito, não recebeu recursos públicos. Ao contrário, cedeu máquinas da Maripá para serviços da Prefeitura e emprestou dinheiro do próprio bolso para pagar os compromissos da administração municipal. 

    Flutuando entre a competição e a cooperação com as autoridades cascavelenses, sobretudo as lideranças do PTB, mergulhou na campanha eleitoral de 1962 mirando a conquista de influência nacional.

    Já fazendo um balanço de seus dois anos como prefeito e do passado como colonizador do Médio-Oeste, Barth considerava a Maripá um sucesso no campo da cultura:

    “Podemos afirmar, com altivez e orgulho, que a região da Fazenda Britânia, hoje compreendendo as comunidades de Toledo e Rondon, é a de menor índice de analfabetismo em todo o Oeste e Sudoeste paranaense. Esta liderança cultural já é uma consagrada conquista nossa”.

    Concorrendo pelo PTB a uma suplência no Senado da República, em 2 de abril de 1962, com o entusiasmo que sempre aplicava aos seus projetos, discursava com vibração em um comício em Guaraniaçu quando se sentiu mal. 

    Levado às pressas ao hospital, não resistiu ao ataque cardíaco fulminante. Estava com 55 anos de idade e muitos planos, continuados por sucessores também ousados e dinâmicos, dentre os quais Egon Pudell.

    Segundo prefeito de Toledo, Pudell foi indicado ao cargo por Barth e depois fez a campanha de Barth à Prefeitura enquanto fazia a própria campanha a deputado estadual. 

    Em estado de luto, Pudell venceu a eleição de 1962 em dobradinha com o cascavelense Lyrio Bertoli. Barth estava morto, mas contribuíra para a eleição dos primeiros deputados estadual e federal oestinos. 

    Fonte: Fonte não encontrada

  • O homem que completou a Rota Oeste

    O homem que completou a Rota Oeste

    No Rio Grande do Sul, a família Biazus é uma lenda ligada ao setor automotivo. Na história do Oeste, a presença dessa família de descendentes de imigrantes italianos teve início em 1949, quando a colonizadora Pinho e Terras comprou o imóvel Terreno Iguaçu, de Miguel Emílio Matte, com 193,6 milhões de m². 

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    Benjamim Luiz Biazus destacado pela empresa para comandar a Colonizadora Matelândia, nome que não se devia à história da erva-mate na região, mas ao antigo proprietário do imóvel, que, não podendo ele mesmo colonizar a região, facilitou a aquisição das terras aos desbravadores gaúchos.

    Começava ali a contribuição de Biazus, que excederia a colonização de Matelândia para se integrar ao conjunto da formação da Rota Oeste, que ele completou ao vincular Matelândia aos interesses de Cascavel.

    A colonizadora Pinho e Terras teve uma participação importante para a consolidação da cidade de Cascavel. Proprietária da Oeste, a primeira empresa de transportes rodoviários de passageiros da região de Cascavel, instalou a segunda estação rodoviária da cidade em seu prédio.

    Seu maior legado foi a doação do imóvel onde se encontra o parque do Tuiuti Esporte Clube, no bairro São Cristóvão, mas teve o ativo da cooperação ao desenvolvimento da cidade manchado pela fama de patrocinar o jaguncismo, expulsando posseiros a ferro e fogo.

    Por outro lado, “(a colonizadora Pinho e Terra) foi um exemplo de colonização. Abria uma gleba, loteava e dotava de infraestrutura mínima, com igreja, escola, praça, um núcleo populacional que passava a ser embrião de uma cidade. Assim surgiram Santa Terezinha de Itaipu, São Miguel do Iguaçu, Matelândia…” (João Samek, depoimento a Juvêncio Mazzarollo, Gazeta do Iguaçu, 19 de julho de 1993). 

    Forçando a construção da BR-277

    Arlindo Mosé Cavalca, outro construtor de cidades e também ligado a Biazus, conta um episódio que dá uma ótima visão de como o desenvolvimento da região e a formação da Rota Oeste aconteciam nesse final da década de 1940:  

    “A Colonizadora Criciúma (hoje Santa Terezinha de Itaipu), tinha como diretor Silvino Dal Bó; a Colonizadora Gaúcha, dirigida por Benvenuto Verona, com a minha ajuda; a Colonizadora Industrial Agrícola Bento Gonçalves (hoje Medianeira), dirigida por Pedro Soccol e José Calegari e a Colonizadora Matelândia, cujo diretor era Luiz Biazus, unidas com a Industrial Madeireira de Cascavel, dirigida por Florêncio Galafassi, decidiram abrir a estrada de Matelândia a Foz do Iguaçu”.

    A estrada sofreu descontinuidade com a aventura frustrada da ditadura Vargas de construir uma megaestrada no Paraguai. Com o fim da ditadura e do Território Federal do Iguaçu, as obras rodoviárias reclamadas insistentemente pelos colonizadores finalmente tiveram sequência. 

    De graça até conseguir pagar

    Todos os pioneiros que fizeram a Rota Oeste ganharam o reconhecimento de suas comunidades pelo esforço realizado quando esse trecho da atual BR-277 eram várias estradas ervateiras e indígenas antigas e precárias cortando timidamente uma densa floresta na qual zuniam os mais famintos borrachudos do país.

    O reconhecimento a Silvino Dal Bó é atestado por uma estátua em praça pública em Santa Terezinha de Itaipu. Vereador em Foz do Iguaçu, ele também foi prefeito interino desse Município, que na época abrangia toda a região.

    Benjamin Biazus, o menos lembrado de todos, cunhou uma fórmula para fazer de Matelândia um local atraente até para aventureiros sem posses, similar ao de Jeca Silvério, em Cascavel: oferecer lotes urbanos de graça a quem estivesse disposto a trabalhar nas matas ao redor.

    Os primeiros 40 colonos vieram para ganhar um terreno na vila, com a condição de comprar um lote rural que custava 12 contos de réis por apenas cinco contos, mais a facilidade de pagar prestando serviços, como contou Biazus ao historiador José Augusto Colodel (Matelândia, História e Contexto).   

    Karine Albano (Trabalhadores Rurais e Sindicato em Matelândia) também narra o caso de uma família que ao chegar se instalou em uma casa da colonizadora sem precisar pagar aluguel. O chefe da família trabalhou fazendo transporte com carroça e assim acumulou recursos para pagar pela propriedade. 

    Padre, personagem essencial

    O interesse de Biazus era apresentar no Sul a propaganda de uma cidade já formada e uma colonização em pleno progresso, para interessar os colonos gaúchos, pressionados pelo minifúndio familiar, a migrar ao Paraná.

    Oferecia “terras férteis, legalizadas e baratas e boa infraestrutura básica para recomeçar a vida no sertão oeste paranaense’, segundo Roberto Marin: 

    “Pode-se enumerar cinco fatores que contribuíram para o sucesso da empreitada da Pinho e Terra: excelente divulgação na imprensa (vias jornais Correio Riograndense e Correio do Povo); escrituras legais; e a presença da igreja, escola e atendimento médico já nos primórdios da colonização” (Roberto Marin, Medianeira e Matelândia, da colonização à emancipação).

    Oferecer a presença da Igreja Católica era essencial ao projeto e nesse objetivo a família Biazus foi vítima do “segundo roubo” de padre acontecido na região. 

    O primeiro se deu quando o padre Antonio Patuí foi “sequestrado” em Cascavel por emissários da colonizadora Maripá e levado a Toledo, onde foi convencido a ficar com ofertas de apoio a obras religiosas (https://bit.ly/425jGpJ).   

    O segundo foi narrado no livro Cascavel: Uma Santa na Encruzilhada (https://bit.ly/3QaKbnt), de Regina e Alceu A. Sperança, contando que Biazus pediu ao padre Domingos Fiorina, superior geral dos padres missionários de Nossa Senhora Consoladora, no Seminário de Três Vendas, em Erechim, que enviasse um padre para assistir espiritualmente aos colonos. 

    No início de 1952, Fiorina efetivamente enviou o padre Luiz Luíse para que fosse conhecer Matelândia e em seguida se apresentar ao prelado de Laranjeiras do Sul, d. Manoel Könner. 

    O trator desaparecido 

    Chegando a Foz do Iguaçu via aérea, o padre Luíse seguiu a Matelândia, dirigindo-se após a Laranjeiras do Sul, onde se entrevistou com o prelado. Dom Manoel aceitou a presença do missionário de Nossa Senhora Consoladora na sua prelazia, mas determinou que padre Luiz fosse trabalhar em Cascavel, atendendo a insistentes pedidos da comunidade local. 

    No dia 4 de maio padre Luiz Luíse chegava pela segunda vez a Foz do Iguaçu, onde o aguardava Florêncio Galafassi. O diretor da Industrial Madeireira conduziu o religioso a Cascavel, hospedando-o em sua residência. 

    Não era cárcere privado, mas o padre jamais retornou a Matelândia: estava, definitivamente, “roubado”. Matelândia teve que contar por algum tempo com as visitas mensais do padre Martinho Seitz, que rezou a primeira missa de Matelândia e mensalmente partia de Foz do Iguaçu para apoiar a nova colonização.

    Biazus também sofreu um sequestro de trator. A melhor tecnologia da época consistia em máquinas poderosas que estendiam a força do braço humano ao máximo permitido pelo metal e pelo motor: os tratores.

    No caso do trator de esteira TD 18, importado dos EUA, o equipamento inovador foi recebido com festa, churrascada e foguetório ao chegar a Matelândia. Mas o festejado trator logo desapareceu.

    Abrindo a Estrada do Colono

    A história oficial conta que a abertura da Estrada do Colono foi feita por um trator cedido pela empresa colonizadora de Medianeira, a Industrial e Agrícola Bento Gonçalves Ltda, máquina operada por Elizeo Magno Verdum, enquanto um segundo trator teria sido oferecido por Benjamin Luiz Biazus.

    Não foi bem assim, de acordo com o historiador Riberto Marin:

    O trator estava em Medianeira, tendo como tratoristas Francisco Bonadel e Agenor Fontana, que sob o comando de Olívio Biazus abriram o chamado Caminho (ou Estrada) do Colono, ligando Serranópolis do Iguaçu a Capanema até ser fechado pela Justiça.

    O trator sequestrado serviu para abrir a Estrada do Colono até ser recuperado pela comunidade de Matelândia, após dois meses de trabalho longe de casa.

    Foi também na época do início da formação de Matelândia que Willy Barth assumiu em Toledo a direção da colonizadora Maripá e passou a desenvolver o maior projeto de todo o ciclo do qual também participou Alfredo Ruaro desde o Rio Grande do Sul. 

    Barth, líder empresarial e político 

    Willy Barth foi considerado um dos maiores exemplos da capacidade empresarial do pioneiro oestino pelos historiadores paranaenses. 

    Se Tio Jeca Silvério foi o grande artífice de Cascavel e Jorge Schimmelpfeng o ousado desbravador de Foz do Iguaçu, Barth foi a competência empresarial encarnada para fazer de Toledo uma referência importante no contexto da colonização estadual.

    Willy nasceu em 20 de junho de 1906, no lar do comerciante Adolfo Barth, que vivia em Santa Cruz do Sul (RS). Estudou até o 2˚ grau e se tornou viajante comercial, integrando a administração da firma Bier & Ullmann, de Porto Alegre. 

    Seu trabalho era vender tecidos, armarinhos e confecções da B&U na região de colonização italiana. 

    A certa altura de sua vida, Willy Barth decidiu abandonar o comércio de tecidos, de escala reduzida, optando por uma nova e promissora vertente do comércio na época, para a qual não parecia haver limites de expansão: colonizar terras. Nela, viria a ser um dos mais bem-sucedidos agentes do ramo.

    Fonte: Fonte não encontrada

  • Fronteira abandonada e Paraná Maior: a guerra das narrativas

    Fronteira abandonada e Paraná Maior: a guerra das narrativas

    Com o esmagamento da luta armada dos posseiros, isolados no foco Norte/Noroeste do Estado, o governo Lupion passou a enfrentar uma polarização em que as armas eram imagens e aparências.

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    A propaganda lupionista do “Paraná Maior” enfrentou denúncias ferozes: o governo que se orgulhava de construir o interior era acusado de deixar o Oeste supostamente entregue a estrangeiros e criminosos. 

    O pacote completo do “Paraná Maior” foi despejado sobre a Assembleia Legislativa em pronunciamento do governador Moysés Lupion em 1949, mas já estava se desenhando durante todo o ano de 1948.

    O projeto era a idealização do que seria o Paraná. Se fosse posto em prática, a promessa é que deixaria de ser sugado por parasitas para ser um dos mais importantes estados da Federação.

    Na essência, os técnicos do governo já nessa época defendiam a ideia, jamais posta de lado desde o fim dos anos 1940, de que o futuro do Paraná dependia de uma ação planificada para transformar o potencial do Estado em progresso palpável.

    O inexistente “conjunto coesíssimo”

    A ação planificada deveria ser conduzida, segundo o governador, por “homens que, como eu, estão empenhados nesta grande batalha da construção de um Paraná Maior e num ensaio único de realizar a grande obra do futuro”. 

    Seria “um governo empreendedor”, entendendo que “a falta de audácia na ação, a falta de visão política e a pequenez nas determinações representam traição ao futuro”. 

    “Na consciência de nosso progresso encontramos a emulação para mais progresso, o entusiasmo para mais trabalho e a amálgama para essa união dos espíritos que faz hoje com que o Paraná se apresente como um conjunto coesíssimo, para o esforço de construção de sua grandeza”. 

    Tudo imponente e majestoso, mas sem a superlativa coesão anunciada nem ainda a arrecadação suficiente para pôr em prática os sonhos e ideias anunciadas com tanto entusiasmo.

    Para ter os cofres públicos abastecidos e dar conta das obras planejadas os técnicos do governo defendiam a necessidade de não se limitar a monoculturas (madeira, erva-mate ou café) e desenvolver atividades que projetariam o desenvolvimento imaginado: industrialização urgente e estrutura de apoio à dinamização do comércio e serviços.

    A solução teria que ser o interior 

    O Brasil pós-guerra e pós-ditadura, favoravelmente ao projeto lupionista, era uma sociedade que precisava ousar por si mesma, depois de muitos anos asfixiada por pressões e imposições vindas do Rio de Janeiro.

    A vontade de agir apoiava o entusiasmo dos políticos e dos técnicos do governo paranaense. Lupion não era um conservador: ele queria mudar e a transformação proposta foi “uma preocupação que levei para o governo e que vejo hoje necessária ainda – através da participação das novas gerações dos homens que têm responsabilidades neste país”.

    As terras que o ex-governador Manuel Ribas havia prometido aos posseiros continuavam à espera de famílias para trabalhar e a propaganda do Paraná Maior contagiava o Sul, no qual as prolíficas famílias de imigrantes retalhavam por herança as colônias com as quais iniciaram sua trajetória no Brasil, em Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

    Lupion disse que a procura por terras foi tão grande que os serviços de demarcação estadual não venciam a demanda por lotes. E nas áreas urbanas as sedes de distritos cresciam, transformando-se em cidades. Até o fim do governo o Paraná iria dobrar o número de municípios. 

    Visão (ainda) progressista

    O plano de colonização para o Norte do Estado se dividia em dois setores distintos. O primeiro, abrangendo as terras do Norte e do Noroeste, nas bacias dos rios Paranapanema e Ivaí. O segundo, localizado à margem esquerda do rio Ivaí, abrangendo as terras férteis de Campo Mourão, até o Rio Piquiri.

    Para além, Lupion se orgulhava de ter criado o Departamento Administrativo do Oeste em outubro de 1947, “para resolver os problemas fundamentais da região da colonização de suas grandes áreas inaproveitadas e riquíssimas”.  

    O governador do Paraná tinha uma diferença com a maioria dos outros, eleitos por máquinas coronelistas e corruptas: ele veio de uma base progressista interessada em mudar, tentando ser a extensão do governo Manuel Ribas.

    De resto, Lupion não era só um político a mais: formado em Economia pela Fundação Álvares Penteado, em São Paulo, ele e seus técnicos definiram corretamente a via da colonização como o meio de crescimento do Paraná. 

    Esse processo ficou conhecido como “parcelamento” de terras. No conjunto, a aplicação do plano econômico fez a arrecadação crescer rapidamente, aproveitando-se da venda de terras da melhor qualidade. 

    De vilas quase paradas no tempo emergiram cidades dinâmicas, tais como Paranavaí, Campo Mourão, Cascavel e Maringá, impulsionadas pelo início da cafeicultura e coincidindo com a expansão da indústria madeireira, o que atraiu para o Paraná sucessivas correntes migratórias.  

    A visão aérea de João Bertoli 

    A visibilidade de Lupion, com discursos que mesmo pretensiosos encontravam razoável correspondência nos fatos, cresceu na mesma medida em que ao contrariar ex-aliados criou uma oposição conservadora implacável, que se aproveitou do ímpeto dos posseiros em defender seus interesses para bombardear o governo.

    Quando os primeiros colonos sulistas chegaram ao Norte do distrito de Cascavel foram recebidos por esse clima de polarização, primeiramente no embate entre os posseiros, que se defendiam da aliança entre jagunços das colonizadoras e a Polícia Militar de Lupion. Depois, pelo choque de notícias sobre falta de assistência aos colonos e abandono à região.

    No Norte do distrito de Cascavel, em processo de colonização iniciada na perspectiva do plano então progressista de Lupion, logo se destacou a comunidade de Cafelândia.

    A vinda de colonos sulistas para essa região começaria quando João Bertoli, um catarinense do Alto Vale do Itajaí, ao sobrevoar em 1949 as matas à margem direita do Rio Piquiri, decidiu requerer terras para estender a cafeicultura à região, nas quais em breve daria início à colonização de Ubiratã.

    Já em terras à margem esquerda, sua família favoreceu a vinda de colonos para formar a futura Cafelândia, para onde logo viriam colonos catarinenses com recursos e vontade de produzir. 

    “Em 1951, com autorização do governo estadual, sob o compromisso de fixar famílias para povoar e desenvolver a gleba de terras, João Bertoli se instalou com mais vinte e duas pessoas e teve início a comunidade São João” (Selene Cotrim de Carvalho, Ubiratã, História e Memória).

    Herança histórica inapagável

    A história anterior à presença de colonos sulinos não pode ser apagada. Cafelândia começou antes que as primeiras famílias de colonos sulistas chegassem para se estabelecer na área.

    A região foi explorada durante muitos anos por ervateiros proibidos de fixar moradia, principalmente paraguaios e argentinos a serviço das obrages.  

    Deve-se aos trabalhadores paraguaios do extrativismo ervateiro a primeira denominação de Cafelândia, lugar inicialmente conhecido como Caixão.

    Havia antes também safristas igualmente sem posses registradas, mas essas atividades já estavam em declínio e fora dos planos do “Paraná Maior”. 

    As primeiras famílias do Sul chegaram já em 1948, dentre as quais as de Daniel Perboni, Noríbio Tomaz, Francisco Krachuski, Benito Fernandes e João Cruz.

    O que animou os pioneiros cafeicultores foi a qualidade do solo, próprio para o cultivo da rubiácea. Mas a região, embora tenha as mais preciosas terras produtivas do planeta, estava fora da faixa mais propícia à cultura, por conta de um clima então ainda não avaliado pela assistência técnica.

    “(…) verificou-se que a cultura cafeeira tinha um aliado, a uberdade da terra, e um inimigo mortal, as frequentes geadas” (Paraná Gente, Secretaria de Estado da Cultura).

    Muitos colonos, escassa estrutura

    Também por conta do chamado ribista de que os direitos dos posseiros seriam respeitados, centenas de recém-chegados passavam a ocupar áreas em terras devolutas – ou não – no Noroeste e no Oeste do Paraná.

    Ainda em 1948, chegaram à região da Encruzilhada Tapejara as famílias Essar, Bazanella e Cristóvão Moraes Filho. A vila e cidade que iniciaram nessa região, entre Cafelândia e Quarto Centenário, foi primeiramente identificada com a Fazenda Roda de Carro.

    Ela chegou a ser mapeada como “Alto Iguaçuzinho” até receber o nome de Nova Aurora, atribuído pelo padre Luiz Bernardes, da Paroquia de Corbélia.

    Quando o encanto da publicidade de Lupion mais funcionava sobreveio uma fortíssima onda de antipropaganda. Parte da campanha para impedir o retorno de Vargas ao poder, a narrativa, de cunho nacional, arruinou a imagem positiva do Paraná.   

    A propaganda de Lupion relatava maravilhas, mas a realidade era difícil pela falta de infraestrutura. Aí uma narrativa em parte real e em parte distorcida chegou em seu auge a propagar a tranquila e acolhedora Cascavel, por conta da associação ao veneno da cobra, como um antro de pistoleiros e assassinos.

    Fonte: Fonte não encontrada

  • Colando os pedaços do Paraná

    Colando os pedaços do Paraná

    O Paraná descrito no fim da década de 1940 mapeava com detalhes apenas as regiões aristocráticas do eixo capital-litoral, Campos Gerais, Guarapuava e Sul histórico. O mapa político exibido já apresentava o grande Estado que é hoje, mas o Oeste e o Sudoeste ficaram isolados no período em que vigorou o Território Federal do Iguaçu e seu Norte era na realidade uma extensão do Sul de São Paulo.

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    Tanto o Norte velho quanto o novo sofriam a influência paulista em toda a cadeia da cafeicultura e no projeto ferroviário, vinculado ao aparecimento de novas grandes fazendas, vilas e cidades ligadas a São Paulo. 

    Para o historiador maletense Valfrido Piloto (1903–2006), nascido no Sul paranaense, o Norte do Estado “é tudo, menos Paraná” (Onde o Paraná desaparece, Gazeta do Povo, 9/4/1947).

    “As riquezas geradas por suas terras férteis, ainda pouco exploradas, voltavam-se todas para o Estado vizinho, São Paulo, através da rede ferroviária que ligava o sertão paranista ao Porto de Santos” (Ayrton João Cornelsen, secretário do governador Moysés Lupion).

    Energia e ensino, duas bases

    Diante disso, o governo estadual apostou em uma ousada estratégia para dinamizar a economia e fazer o Paraná funcionar em um bloco só, começando por viabilizar energia elétrica a todas as regiões.

    Em outubro de 1948, o Daee (Departamento de Águas e Energia Elétrica) é criado para executar o Plano Hidrelétrico do Estado. O PHE determinava o aproveitamento dos sistemas elétricos do Sul (apoiado nas usinas de Capivari-Cachoeira e Salto Grande do Iguaçu), do Norte (abastecido pelas usinas de Salto Grande e Capivara, no rio Paranapanema, e Mourão), e do Oeste (contando com centros geradores isolados).

    O Daee passa a instalar motores e conjuntos a diesel com capacidade entre 70 e 154 kVA em muitas localidades, em caráter de emergência, para atender às exigências do crescimento industrial e urbano da capital e interior, declarada prioridade do governo Moysés Lupion, da qual se orgulhava, já em campanha aberta rumo ao Senado.

    Estratégia semelhante foi aplicada no setor de ensino. A popularidade do governador subiu às alturas em consequência da criação rápida e disseminada de escolas por todo o interior, começando pela “sua” Cascavel.

    Ainda em 1948 foi inaugurada a modelar Escola de Trabalhadores Rurais de Foz do Iguaçu, embrião do futuro Centro Estadual de Educação Profissional Manoel Moreira Pena.

    Até no mais escondido interior, na vila de São João do Oeste, cercada por ainda poucas propriedades de colonos eslavos, o governo plantou uma Escola Isolada Estadual, futuro Grupo Escolar Rocha Pombo.

    Polarização e propaganda

    Enquanto o governo do Paraná se preocupava em colar suas regiões ainda desconexas, o país vibrava com a Convenção Nacional de Defesa do Petróleo, que iniciou a campanha “O Petróleo é Nosso” em 18 de outubro de 1948.

    A campanha levou às massas a polarização entre nacionalistas (adeptos do monopólio estatal do petróleo) e entreguistas (defensores do livre mercado).

    A polarização habitualmente institui e fortalece mecanismos de propaganda pró e contra, o que vai explicar as decisões tomadas pelo governo Lupion a partir da lei 121, de 30 de outubro de 1948, ao criar a Câmara de Expansão Econômica e Propaganda do Estado. Com ela, a Secretaria de Educação e Cultura passava a ter um Departamento da Cultura e Divulgação.

    Havia também a propaganda comunista. O envolvimento do PCB na luta dos posseiros de Porecatu em 1948 se deu por meio do Comitê de Jaguapitã, dirigido pela família Gajardoni, que vendeu sua farmácia para comprar terras de mata virgem nas margens do ribeirão Tenente para apoiar os posseiros.

    “Aos poucos, conseguiram organizar os posseiros em grupos, conscientizando-os da importância de defenderem suas posses: primeiro legalmente, depois pelas armas” (Angelo Priori, A revolta camponesa de Porecatu).

    Entre dois fogos

    Apoiaram a luta armada dos posseiros o vereador londrinense Manoel Jacinto Corrêa, que na época também esteve em Cascavel, o advogado Flávio Ribeiro e o médico Newton Câmara, levando-lhes roupas, suprimentos alimentares, remédios e dinheiro.

    A luta armada foi decidida pelos posseiros em novembro de 1948, depois de frustradas as tentativas de defesa por meios legais.

    A suposta necessidade da luta armada e a maquiagem aplicada na repressão aos posseiros como se fossem ações pacificadoras passaram a se expressar por todos os meios de propaganda possíveis: rádio, jornais, telegramas, panfletos, faixas, placas e cartazes.

    Em dezembro de 1948, quando chegou a Cascavel, Mário Thomazi, catarinense de Valões, hoje Irineópolis (SC), primo do agropecuarista José Neves Formighieri, tinha 20 anos de idade.

    Ele foi de imediato submetido ao impacto das duas propagandas: a que pregava a defesa armada das terras atacadas por jagunços e grileiros e a que desqualificava a luta dos posseiros como “anarquia e subversão”.

    Múltiplas atividades

    Thomazi recebia as duas propagandas porque amava dirigir entre a vila de Cascavel e a propriedade da família, na chamada Melissa Velha, situada entre a futura cidade de Corbélia e Central Santa Cruz, onde já chegava a propaganda sugerindo a resistência dos posseiros.

    Quando vinha fazer compras na vila, Thomazi se hospedava no Hotel Pompeu Reis, onde conheceu os fundadores do Tuiuti Esporte Clube e também foi alcançado pela propaganda dos posseiros, pois Horácio Reis, dono do hotel, era chefe do PTB local.

    Com a criação do Município, Thomazi foi trabalhar como chefe do serviço rodoviário, o que significava dirigir e fazer a manutenção da patrola do Município, empregada para abrir ruas e seguir a orientação de Manoel Ludgero Pompeu na abertura de estradas.

    Nas eleições de 1960, Thomazi obteve uma suplência da bancada do PTB e assumiu o mandato em substituição a titulares, aprovando a abertura de ruas, estradas e a construção da usina hidrelétrica do Rio Melissa.

    Perseguidor depois foi perseguido

    Por seu amor aos carros e ao esporte, Mário Thomazi também foi piloto pioneiro das provas automobilísticas, fundador do Automóvel Clube e do Cascavel Country Clube.

    Em janeiro de 1964, presidia o Tuiuti Esporte Clube quando foi chamado pelo presidente João Goulart para chefiar o serviço de repressão ao contrabando no Oeste.

    Não chegou a assumir. Em 1º de abril um golpe de Estado depôs o presidente e Mário entrou na lista dos perseguidos, por sua militância no PTB. 

    Ironicamente, Thomazi havia se qualificado para o cargo com atividades desenvolvidas como suplente de delegado de polícia. Nessas funções, testemunhou a gravidade das lutas travadas na região do Piquiri, onde os posseiros acossados pelos jagunços reagiam à altura.

    Mesmo sendo simpatizante da causa dos posseiros, como policial foi mandado para reprimir o levante armado.

    “Em uma ocasião nós fomos até o Piquiri e trouxemos de lá 14 presos e depois vieram de lá dois cadáveres para serem enterrados aqui no cemitério antigo na rua Rio Grande do Sul” (Mário Thomazi, depoimento a Regina Sperança).   

    Posseiros chegam e dinamizam o comércio

    Na região Norte conflitada pela questão agrária, atrocidades desumanas eram cometidas. Cruzar desconhecidos nas empoeiradas estradas poderia levar a um tiroteio sangrento, condenando corpos a boiar nas águas dos rios mais próximos.

    Exatamente nesse período, em dezembro de 1948 a ONU proclamou a Declaração Universal dos Direitos do Homem.

    Como se atendendo a um pedido dos já estropiados posseiros, que morriam sob as balas dos jagunços e da polícia, a Declaração aceitava o direito à rebelião como “supremo recurso” contra a tirania e determinava que “ninguém pode ser arbitrariamente privado da sua propriedade”.

    Driblando as tragédias, a indústria cascavelense começava forte e exportando, pois o boom madeireiro não parava. Começava pelo corte das árvores, logo transformadas em toras que serradas viravam tábuas, vigas, caibros e ripas.

    Os produtos da madeira eram transportados a Foz do Iguaçu “nos valentes caminhões International KB-7 e KB-11” para abastecer os grandes centros (Elcio Zanato, Corbélia da Minha Juventude).

    A madeira fez Cascavel se transformar de vila em cidade já em 1948, desenhando as bases da futura metrópole pelo dinamismo do comércio e da prestação de serviços no trecho da rodovia federal denominado Avenida Brasil.

    Atraídas pela madeira e a perspectiva de praticar a agropecuária sobre as terras desmatadas, famílias de colonos chegavam diariamente ao interior, passando em Cascavel e se abastecendo de alimentos e combustíveis.

    Fonte: Fonte não encontrada

  • Fim da década de 1940 abre um Paraná novo

    Fim da década de 1940 abre um Paraná novo

    Com o fim da ditadura, a década de 1940 fechou com muita confiança em um Brasil melhor, abalada na década seguinte pela Guerra Fria e, no Paraná, com a reversão de expectativas do governo Moysés Lupion.

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    Afamado por seu sucesso pessoal, Lupion chegou ao poder com a promessa de fazer de cada paranaense pobre como ele foi também um vencedor.

    E começou bem. Em 1948, apesar da forte oposição de ex-aliados, seu governo foi positivamente democrático e estruturante, atendendo às pressões recebidas da sociedade.   

    Não era propaganda falsa ou exagerada dizer que “a planificação e controle da execução das obras foram os elementos impulsionadores para a criação dos meios fundamentais para o desenvolvimento” (Relatório do governo Moysés Lupion).

    “Órgãos como o Departamento Estadual de Rodagens (DER), DAEE (Departamento de Energia Elétrica), a Secretaria de Viação e Obras receberam investimentos para o aparelhamento humano e maquinário para as suas principais obras”, prosseguia o relatório.

    “O Estado serviu-se como agente catalítico de investimentos, estatais e privados, para promover reformas e à criação da infraestrutura necessária ao desenvolvimento de modo generalizado e permanente”.

    Generosa vaca

    O Estado assumido por Lupion era uma imensa mas subnutrida vaca sugada pelas forças políticas dominantes no Estado, comprometendo 80% de seu orçamento com o custeio de pessoal. 

    Herança da ditadura, os reajustes salariais concedidos aos servidores sem equivalente aumento de receita abalavam as finanças do Estado.

    Na capital havia nichos ricos de conforto, mas as cidades do interior eram ainda apenas pequenas vilas de prestadores de serviços carentes de tudo. Sequer era possível ter um automóvel.  

    Depois de organizar a Industrial Madeireira do Paraná em Cascavel, Florêncio Galafassi voltou ao Sul para rever os parentes e trouxe na volta o primeiro veículo com tração nas quatro rodas: um jeep Willys importado pela Imapar de Caxias do Sul, que antes de vir a Cascavel fez demonstrações espetaculares naquela cidade.

    “Inclusive subiu e desceu as escadarias da Catedral de Caxias, para o espanto dos assistentes” (Dercio Galafassi, depoimento a Carlos Sperança). “Logo após trouxe ainda um automóvel de uso particular, um Ford 1940, muito bem conservado e de alto luxo”.

    Ninguém mais além de Galafassi podia dispor desses luxos na época. Não havia serviços mecânicos aos automóveis e para rodar os veículos precisavam se abastecer na Serraria Central, onde havia uma bomba de gasolina manual que também socorreu os pioneiros de Toledo.

    Vilas com escassos recursos 

    Um retrato do Paraná em 1948 apresentava as vilas como simples pontos de passagem e prestação de serviços básicos entre as fontes de abastecimento e as serrarias. 

    Quem negociava com Guarapuava e Ponta Grossa trazia de lá na volta combustíveis, tecidos e outros produtos industrializados. Para trazer quantidades maiores, porém, teria que ir a Curitiba.

     A extensão desse retrato ao interior mostra centenas de posseiros com suas carroças e cavalos ocupando terras devolutas ou oferecidas pelas colonizadoras no Noroeste e no Oeste do Paraná, em consequência do estímulo trazido pelo Departamento do Oeste.

    O governo estadual cedia às pressões, com interesse na eleição de Moysés Lupion ao Senado, já que a lei não permitia dois mandatos seguidos. Dezenas de leis, decretos e portarias atendiam às demandas das vilas e das colonizadoras. A providência fundamental foi intensificar a construção rodoviária.

    Os esforços para a conclusão da rodovia de primeira classe entre Ponta Grossa e Foz do Iguaçu prosseguiam, em 1948, com a instalação, em Cascavel, da 5ª Seção da Comissão de Estradas de Rodagem (CER-1), substituindo o modesto escritório aberto na vila em 1945.

    A CER-1, na qual pontificou o coronel Adalberto Mendes da Silva, era como se fosse uma prefeitura, socorrendo a população em suas carências.

    Vai começar uma nova história  

    A 5ª. Seção relatou na época que as obras da futura BR-277, sob sua responsabilidade, já estavam adiantadas no rumo de Foz do Iguaçu, cidade à qual os viajantes tinham difícil acesso por trechos de caminhos alternativos, paralelos às obras da via federal: a estrada velha de Guarapuava.

    Com uma população em torno de 1,2 milhão de pessoas – equivalente à de Curitiba em 1990 –, o Paraná é então um Estado repartido em pedaços desconexos: o eixo capital-litoral em permanente intercâmbio desde o início da formação do Paraná; o Norte como extensão de São Paulo; o Sudoeste ainda marcado pelos ressentimentos do Contestado; e por fim o Oeste, em medida similar à do Sudoeste, progressivamente submetido à influência sulina.

    O Oeste/Sudoeste, por conta da imposição ditatorial do Território Federal do Iguaçu, que tirou quase um quarto do território paranaense, teve como compensação ao impedimento do Estado do Paraná de agir na área a organização e fortalecimento político dos colonos de origem gaúcha.

    Para o Oeste do Paraná, a coleção das leis e decisões governamentais do biênio final dos anos 1940 viria a completar o losango histórico Foz do Iguaçu – Cascavel – Toledo – Guaíra. 

    No novo Paraná, o Oeste será um cartão de visitas de maravilhas (Sete Quedas, Cataratas) e colonização dinâmica. 

    A lei dos novos tempos 

    A nova história do Oeste vai se caracterizar pelo fortalecimento dos polos urbanos de Foz do Iguaçu, Cascavel e Toledo, o sucesso dos projetos privados de colonização no interior dos três municípios, a força política dos netos de imigrantes e a conquista de avanços governamentais que darão origem a dezenas de municípios desmembrados dos três.

    Essa nova história vai começar de fato com a lei estadual 105, de 30 de setembro de 1948, que determinou a planificação do Paraná em dois grupos: de um lado, obras e serviços fundamentais; de outro, obras e serviços correntes.

    As obras e serviços fundamentais foram divididas em seis partes. A primeira seria a construção de uma rodovia ligando o ponto terminal da estrada de Ferro Central do Paraná ao Porto de Paranaguá, passando por Curitiba, “de elevado nível técnico e revestidas de concreto, asfalto ou paralelepípedo”.

    Como a Jaguariaíva de Lupion não poderia ficar de fora, o segundo item era a construção de uma “rodovia de primeira classe, revestida, ligando Jaguariaiva a Antonina, passando por Cerro Azul”. Contemplava no item 3 a ampliação e reaparelhamento do Porto de Paranaguá e também a construção do Porto de Antonina. 

    Todas as regiões contempladas

    O ponto 4 era o aproveitamento hidrelétrico das bacias dos rios Capivari e Cachoeira, até a instalação da Usina Central de Cotia; do Salto do Capivara, no rio Paranapanema, completando pelo “Salto Grande, no Rio Iguaçu” e “os serviços de distribuição de energia elétrica do plano geral do Estado”.

    No bloco 5, a instalação dos serviços de água e esgoto em Foz do Iguaçu e outras 22 cidades-polo, contemplando todas as regiões.

    O item 6 tinha a finalidade de superar os fatores que minavam a qualidade da produção rural, determinando o fomento da produção baseado no combate às pragas da lavoura e às epizootias e enzootias (doenças animais contagiosas).

    Já as obras e serviços correntes estiveram elencadas em quinze itens, começando pela ampliação da rede rodoviária do Estado, com a construção de diversas estradas, dentre as quais a ligação Ponta Grossa-Reserva-Campo Mourão, de Barracão “até um ponto da estrada federal de Foz do Iguaçu” e Araruva-Campo Mourão-Cascavel. 

    Inegavelmente, um bom governo 

    Previam ainda a instalação de 11 postos de Monta e 3 campos experimentais e de multiplicação de sementes, o aperfeiçoamento do sistema de colonização do Estado, por meio da Fundação Paranaense de Imigração e Colonização, e a instalação, “em todos os municípios do Estado, de unidades sanitárias e de postos de puericultura e associações de proteção à maternidade e infância”.

    Também na área da saúde, a instalação de 2.000 leitos hospitalares, com a construção e ampliação de hospitais oficiais. Na educação, mais de 700 salas de aulas, com a construção de casas escolares, além de reforço ao ensino profissional rural, com a reforma, ampliação e reaparelhamento das escolas de trabalhadores rurais e a instalação de mais 13 em todo o Estado.

    A previsão de recursos foi meticulosamente estabelecida, inclusive prevendo a hipótese de acelerar as obras com empréstimos no país e no exterior. 

    Nos casos de intercorrência com municípios e a União, a lei previa acordos com esses entes e também entidades paraestatais. 

    Era, portanto, um bom governo. O mau governo viria depois de Lupion chegar ao Senado e obter o segundo mandato estadual, em 1955, pondo o Paraná em situação de guerra entre jagunços e posseiros. 

     

     

     

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