Em outubro de 1949, quando, para surpresa do Ocidente, os comunistas tomaram o poder na China por meio de uma aliança revolucionária entre operários, camponeses e militares, a imprensa brasileira trombeteou a versão de que o Paraná estava entregue à revolta no campo.
PRINCIPAIS NOTÍCIAS PELO WHATS: ENTRE NA COMUNIDADE. TAMBÉM ESTAMOS NO TELEGRAM: ENTRE AQUI.NOS NO GOOGLE NEWS.
Eram realidades completamente diferentes, mas a insistência em uma rebelião generalizada no Paraná fazia parte da antipropaganda articulada para tentar impedir o retorno de Getúlio Vargas ao poder.
Puxada pelo jornal fluminense O Globo, em 20 de outubro de 1949 a campanha alcançou o clímax com uma extensa reportagem que não ocultava a intenção de desprestigiar o governo federal, desenhando um cenário caótico:
“O que observamos nessa visita ao Oeste paranaense não foram planos de invasões argentinas, nem as balelas* que se espalhavam na Capital da República. Foi, sim, o abandono a que o Governo Federal sempre relegou o Estado do Paraná, num descuido tal que pode ser considerado uma espécie de desprezo pelos homens que mourejavam nas cidades e nos campos daquela unidade da federação. O que verificamos na região do Iguaçu, em 1949, denunciamos à Nação pelas colunas de O Globo: fronteiras abandonadas e uma população esquecida”.
*A propaganda lupionista apresentava o Paraná como um milagre de progresso e paz em um país agitado.
O cofre era uma urna
Era só o começo de uma série de relatos assustadores. A reportagem prosseguia, no mesmo tom caótico:
– O próprio batalhão, sediado em Foz do Iguaçu, para alimentar a sua soldadesca, era forçado a contrabandear gado do Paraguai. As cartas hidrográficas, de que se servia a navegação brasileira, no Rio Paraná, eram argentinas. O cofre da capitania dos portos de Foz do Iguaçu era uma velha urna eleitoral. Os práticos brasileiros, para navegarem no Rio Paraná, faziam sua aprendizagem em navios de bandeira Argentina.
– O pinho, cujas reservas florestais são ali consideráveis não tinha forma de ser exportado naquela região em certa época do ano. E pilhas de tábuas, que apodreciam, eram queimadas. A construção do Hotel do Parque das Cataratas do Iguaçu estava paralisada e os argentinos, do outro lado do rio, das varandas do seu Hotel de Las Cataratas, ridicularizavam o Brasil, mostrando aos turistas aquela construção interrompida e a denominando “las ruínas de los incas”.
– Os pobres brasileiros daquela região, que recorriam aos armazéns argentinos da fronteira, em busca de gêneros alimentícios mais baratos, eram apelidados de “las hormigas”*. A estrada de rodagem, ligando Foz do Iguaçu ao resto do Brasil – estrada federal – encontrava-se também paralisada, em virtude de falta de pagamento aos empreiteiros. O brasileiro adoçava o seu café com açúcar de beterraba, produzido na Argentina. Hordas de paraguaios invadiam e saqueavam constantemente a região.
Até coisas irrelevantes eram alinhadas como “provas” do abandono do Oeste paranaense por parte do governo federal, mas ao ser apresentadas em bloco também arranhavam os planos de Lupion.
*O comércio dito “formiguinha” se tornou tradição, de fato
Tragédias familiares confirmavam
Havia, certamente, casos dramáticos. As tragédias familiares formavam notícias com potencial para se espalhar bem mais que os relatos de eventuais e insuficientes melhorias prestadas pelo Estado.
As narrativas antigetulistas e os sacrifícios, dificuldades e dramas da população da fronteira justificavam a certeza de que o Oeste do Paraná era uma fronteira sem lei.
Não só na região. nem sobretudo na fronteira, familiares assassinados deixavam as famílias em difícil situação, entre a orfandade e a indigência, mas a realidade complexa da tríplice fronteira sempre foi multiplicadora de problemas.
Uma das professoras pioneiras de Foz do Iguaçu, Maria Odete Rolon, sofreu na família uma dessas tragédias. Seu pai, Erasto Rolon, foi um dos paraguaios que fugiram do país escapando das tensões políticas.
Vivendo no Brasil e trabalhando na coleta de erva-mate na Argentina, dois de seus filhos foram encarregados de fazer o pagamento de mensus em um obrage e sofreram uma emboscada.
A armadilha foi montada por um compadre que sabia do deslocamento dos irmãos para fazer o pagamento. Os irmãos de Maria Odete reagiram ao ataque, mas um deles morreu nessa ocasião.
Alfabetizando os soldados
Como outros fronteiriços, a história de Maria Odete, apesar de marcada por essa tragédia, foi também uma história de trabalho e ação comunitária.
Ao contrário de professores que vinham formados, ela fez o curso primário na Escola Bartolomeu Mitre, a primeira da cidade, fundada em 1928.
“Terminado o primário, eu não sabia se ia a Curitiba estudar ou se ficava por aqui fazendo crochê. Minha mãe não queria que fosse. Queria que fizesse curso de datilografia para trabalhar em escritório. Nessa época as Irmãs Vicentinas construíram o Instituto São José, inaugurado em 1949. Lá fiz o ginásio. E depois cursei o normal regional” (Maria Odete Rolon, Gazeta do Iguaçu, 26/2/ 1994).
Em meio ao curso normal regional ela já lecionava aos sábados para os soldados analfabetos no quartel do Exército, mas a faculdade teria que ser feita em Guarapuava.
As dificuldades em geral, na educação e outros setores, teriam que ser vencidas pela ação comunitária. Prestando serviços, trabalhando na lavoura, na erva-mate e na indústria madeireira, os pioneiros ao acumular capital e ver os filhos crescendo contavam já com ações recreativas, de lazer e esportes, proporcionadas pelo Oeste Paraná Clube.
Criado em 1928, foi a primeira agremiação social-recreativa que se instituída em Foz do Iguaçu. Idealizado pelo engenheiro Lydio de Albuquerque e apoiado por Heleno Schimmelpfeng, filho do prefeito, o Oeste Paraná Clube teve o nome sugerido por Rômulo Trevisani, secretário da Prefeitura. Ali já se notava a emergência de uma elite oestina.
O hipismo deu base ao automobilismo
Em Cascavel, havia o Tuiuti Esporte Clube desde 1949, época em que também foram plantadas as bases do gosto pelas corridas, nas quais o poder econômico aparecia.
Eram competições só com cavalos, pois possuir um automóvel era praticamente impossível para os peões das serrarias e até para os prestadores de serviços e comerciantes de Cascavel.
As famílias que progrediam se destacavam pela qualidade dos cavalos que punham a disputar carreiras nas raias existentes em diversas vilas, sendo uma das atividades de lazer e esportes prediletas na década de 1950.
Apreciado pela nobreza britânica, o turfe tinha no Oeste do Paraná sua faceta toda própria, uma espécie de classificatória e testes para a seleção de animais que poderiam se aventurar a uma boa posição no “Grande Prêmio Brasil”, com prestígio crescente desde sua criação, em 1933.
Em Campo Mourão, as corridas de cavalo eram feitas em raia na praça central e eram grande atração em Cascavel desde 1949, quando ganhou fama Pitoco, um cavalo notável do plantel do futuro prefeito José Neves Formighieri, desde 1946 estabelecido na Colônia Centenário.
O cavalo campeão
A exemplo dos craques do futebol, os cavalos eram celebrados como, depois, seriam idolatrados os pilotos de Fórmula 1. O cavalo Secretariat foi o astro de um filme de grande bilheteria do Estúdio Disney.
Famoso por ganhar todas as carreiras de que participava, em competições por duplas de cavalos correndo em raias em torno de 500 metros, Pitoco era temido em toda a região. “Não tinha pra ninguém”, lembrou Alberto Rodrigues Pompeu, o filho caçula de Manoel Ludgero e Idalina Rodrigues Pompeu.
“Eu era criança ainda, tinha uns 12 anos. Conheci o Pitoco nas carreiras –corridas de cavalo – muito populares na época. O ex-prefeito de Cascavel, José Neves Formighieri, trouxe o Pitoco de um jóquei clube de Ponta Grossa para competir por aqui. Como era de raça, ganhava todas as corridas” (Newsletter Pitoco, n⁰ 1.000).
As apostas eram feitas em dinheiro, mas envolviam também objetos como carroças, sanfonas, outros animais. As dúvidas eram resolvidas por juízes e fotochart.
“Para a corrida principal era feito um contrato que estabelecia as normas, porém as apostas pequenas eram acertadas na hora. (…) Meses antes das carreiras, os apostadores e preparadores já se instalavam no local e por lá ficavam jogando baralho, comendo churrasco e bebendo” (Alberto Pompeu).
Saúde, foco da colonização
A carreira de cavalos era um happening social, como foram depois da construção do Autódromo as competições automobilísticas. Agenor Miotto, por exemplo, fez sucesso com a égua Jardineira.
Além das atividades recreativas e de lazer, as maiores exigências dos novos moradores das cidades do Oeste do Paraná durante a atração de colonos ampliada pela campanha Paraná Maior de Moysés Lupion eram capelas religiosas e assistência médica.
Foi por fortes exigências na estruturação de seu projeto colonizador que a Companhia Maripá conseguiu o quase milagre de interessar um jovem médico a trocar a perspectiva de uma bela carreira em cidade já estruturada no Sul para vir ao desconhecido sertão paranaense apresentado na imprensa em 1949 como a antecâmara do inferno.
Ernesto Dall’Oglio não conhecia o Oeste, mas o Oeste conhecia os Dall’Oglio desde que representantes dessa família deram início ao projeto da Rota Oeste, completada pela influência de Celeste Dall’Oglio entre Medianeira e Santa Helena.
Gente jovem e forte
Nascido em Veranópolis (RS), Ernesto estudou em Passo Fundo e Porto Alegre, onde em 1847 se formou em Medicina pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Trabalhou em Carazinho e Sarandi, onde conheceu a italiana Vanda Mariani, com quem se casou.
Ao ser convencido em outubro de 1949 a vir a Toledo, Ernesto estava com 29 anos, a dois meses de completar os 30, sem jamais imaginar que três anos depois seria o primeiro prefeito dessa cidade.
Ele atribuiu tudo à sorte, pois seria terrível chegar a uma terra que se dizia palco de mortes sem fim e não dar conta de garantir bons índices de saúde.
“A sorte é que só tinha gente nova, na faixa dos 20 ou 30 anos que veio para cá para trabalhar. Era uma gente forte que dificilmente adoecia”, disse, em depoimento ao Jornal do Oeste.
Foi exatamente por ter pioneiros bem jovens que Cascavel passou a ter um médico atendendo na cidade só em 1951.
O dia a dia do médico na área da Maripá também incluía feridos com armas de fogo, mas ficava preocupado mais frequentemente com quedas de toras sobre operários, que podiam causar fortes sangramentos e requeriam atenção imediata.
Mas a juventude facilitava a cura. No caso mais grave que Dall’Oglio atendeu, comentou, “limpei tudo aquilo, apliquei a penicilina para não infectar e 3 dias depois o sujeito já estava jogando bola de novo”.
A Anja da Selva
Pouco antes de Ernesto Dall’Oglio chegar a Toledo a fronteira ganhara a forte personalidade da argentina Martha Teodora Schwarz.
Puerto Iguazú já contava com um hospital, mas estava sem médicos. Nascida em Buenos Aires, formada em Medicina e especialista em pediatria, ela aceita em se deslocar a Puerto Iguazú por conta de uma desilusão amorosa.
Chegando, assustou-se com a constância das mordidas de cobras e a alta incidência da malária, geralmente fatal para os peões acometidos.
Martha passou a atender enfermos também de localidades do interior do Paraguai e do Brasil. Quando os doentes brasileiros não podiam ir a Puerto Iguazú, ela atravessava o Rio Paraná de bote e corajosamente seguia a cavalo pela mata cheia de animais selvagens até chegar aos que sofriam.
Premiada pela ONU em consideração ao conjunto de sua obra, a residência onde ela morava foi transformada na Casa Museu “A Anja da Selva”.
Fonte: Fonte não encontrada