“Capitais valorizáveis”, a lição dos gaúchos

Ney Braga ocupou o espaço político do ex-cunhado Bento Munhoz. Matelândia: elo importante da Rota Oeste. Anúncio de Armando Zanato: Cascavel, a maior e mais rápida valorização conhecida

É impossível dissociar a aceleração dos projetos dos colonizadores gaúchos dos grandes eventos políticos da década de 1940: a emenda constitucional que pôs fim ao Território Federal do Iguaçu, proposta pelo professor Bento Munhoz da Rocha Neto, e o projeto Paraná Maior, do governador Moysés Lupion.

PRINCIPAIS NOTÍCIAS PELO WHATS: ENTRE NA COMUNIDADE. TAMBÉM ESTAMOS NO TELEGRAM: ENTRE AQUI.NOS NO GOOGLE NEWS.

A projeção conquista por Bento ao resgatar a integridade do Paraná e o sucesso administrativo de Lupion terão como consequências a eleição do primeiro ao governo do Estado – e as sucessivas eleições de Lupion ao Senado e novamente eleição ao governo estadual.

A conjuntura favorável no Estado proporcionada pelo ânimo de ter o Paraná inteiro novamente e a propaganda de obras inauguradas diariamente por todo o Estado permitiu às colonizadoras deslanchar de uma só vez projetos que poderiam se desenrolar por anos a fio. 

Nascida na mesma fonte de capitais gaúchos associados da qual jorrou a Maripá, a colonizadora Pinho & Terra de imediato virou a década iniciando mais dois novos focos de colonização em 1950, trazendo agricultores de Farroupilha para formar Céu Azul, com Reinaldo Biazus e Emílio Gomes, e de Flores da Cunha e Caxias do Sul para criar Matelândia, com Benjamin Biazus.

Se é certo que Cafelândia e Ramilândia têm seus nomes derivados das culturas agrícolas, o nome Matelândia não se deve ao esgotado ciclo da erva que deu riqueza ao Paraná antigo. 

Homenageia o colonizador Miguel Emílio Matte, o empresário que tentou povoar a região, mas perdeu as terras por não conseguir saldar o empréstimo de cem mil pesos que tomara junto ao argentino Alfredo Giombelli (https://x.gd/sSlCI).

O curioso caso de Braganey

A chegada de colonos prosseguiu em abril de 1950 com pequenas caravanas ou famílias que se deslocavam ao Paraná. Em terras devolutas ou adquiridas nas empresas colonizadoras, eles se instalam no interior do Distrito de Cascavel para projetos agrícolas. 

Foi o caso das famílias de Joaquim Correa e outros pioneiros que se fixaram inicialmente às margens do Rio Tigre, atual Rio Novais, interessados na produção de café, em região que na qual brotaria o Município de Braganey.

Joaquim Correa mais tarde iria se associar a Isidoro Primo Frare e Pedro Pereira de Godoy em novo projeto de colonização, que além da venda de lotes rurais e previa um centro de prestação e serviços: lotes urbanos dotados de arruamento. O lugar inicialmente recebeu o nome do acidente geográfico mais característico, de acordo com o costume da época: Rio Tigre.

Todo felino selvagem era chamado de “tigre” pelos colonos, mas o nome foi considerado seria impróprio, já que o animal que não pertence ao bioma paranaense. Logo a influência religiosa fez a comunidade mudar o nome da vila de Rio Tigre para São Roque, enquanto o curso de água passava a ser conhecido como Rio Novais. 

Mais tarde, São Roque virou Braganey, truque cínico para driblar a lei que impedia dar o nome de pessoas vivas a locais e logradouros públicos. Na tradicional bajulação aos governantes, a negociação para criar o Município de São Roque envolveu a aceitação do nome disfarçado do governador Ney Braga, em campanha ao Senado. 

Militar, mas político civil

O general Ney Braga foi iniciado na política pelo cunhado Bento Munhoz da Rocha Neto. Era casado com Maria José Munhoz da Rocha, filha do ex-governador Caetano Munhoz da Rocha, que morreu em 1944, ano em que Ney foi promovido a capitão.

Ao se eleger para o governo do Paraná em 1951, Bento nomeou Ney para uma discreta participação no Conselho Regional de Desportos do Estado. No ano seguinte, porém, tomou partido no racha militar interno que dividia as Forças Armadas entre os oficiais nacionalistas ligados ao getulismo e a Cruzada Democrática, que iria desembocar na frustrada “revolução” de abril de 1964.

A destacada atuação na CD valeu ao major Ney Braga em agosto de 1952 o grau de cavaleiro da ordem do mérito militar concedido espertamente pelo presidente Getúlio Vargas. 

No xadrez político do Paraná nessa época, em dezembro ele foi convidado pelo cunhado Bento a substituir o tenente-coronel Albino Silva, futuro chefe do Gabinete Militar do presidente João Goulart e presidente da Petrobrás, para comandar a polícia do Paraná. Ainda não existia a Secretaria da Segurança Pública nos moldes atuais.

Cidade Ney Braga

Como chefe de polícia, Braga se tornou um herói dos colonos do interior ao combater os jagunços. Cm prestígio, elege-se prefeito de Curitiba em 1954, no clima de consternação pelo suicídio do presidente Vargas. 

Eleito deputado federal em 1958, quando se afasta da liderança de Bento e cria a sua própria, partiu para a candidatura ao governo do Estado. Seu primeiro mandato, via voto popular, transcorreu entre 1961 e 1965, no curso do qual foi promovido a general do Exército. 

Enquanto no interior do Paraná a colonização particular avançava e os projetos do Estado sofriam embaraços pela grilagem e a reação violenta dos posseiros às arbitrariedades da polícia e dos jagunços das colonizadoras, Braga iniciou uma campanha de desarmamento no interior que também implicaria o desmonte da cumplicidade da polícia estadual com o jaguncismo.

E assim, por pacificar o interior, prendendo posseiros, jagunços e policiais envolvidos, em lugar da inviabilizada Cidade Munhoz da Rocha, que iria imortalizar Bento, foi seu ex-cunhado e já desafeto Ney Braga quem recebeu a homenagem de dar nome a uma cidade. 

A Copa do Oeste

Em 1950, o Brasil em geral vive um clima de euforia e confiança no futuro, com democracia e envolvido no clima da Copa do Mundo, que se realizaria em seis cidades brasileiras – uma das quais Curitiba.

Enquanto caravanas estrangeiras chegavam a Curitiba para se instalar nos hotéis à espera dos dois jogos da Copa a se realizar no Paraná – Espanha 3 x 1 Estados Unidos, em 25 de junho, e Suécia 2 x 2 Paraguai, no dia 29 –, no dia 11 de junho de 1950 partia do Sul, comandada por Benjamin Luiz Biazus, uma caravana interessada em um jogo mais atraente: iniciar Matelândia, um dos principais elementos de formação da Rota Oeste (Cascavel–Foz do Iguaçu)  

Em julho, a imprensa gaúcha publicava anúncio que indicava prejuízos para o capital não utilizado ou investido em bancos:

“Não se prejudique retendo o dinheiro em casa ou depositando a juros. Tudo está aumentando continuamente e quanto mais aumenta mais desvaloriza o cruzeiro*. Adquira capitais valorizáveis comprando terras na cidade de Matelândia. Terras especiais para o cultivo do café bem como de quaisquer culturas. A cidade de Matelândia já possui todos os recursos necessários para o bem-estar dos moradores como sejam: telefones, casas comerciais, hotéis, diversas indústrias, etc, etc, que bem atestam o sólido o desenvolvimento da Matelândia” (Jornal Correio Riograndense, 20 de julho de 1950)

*Cruzeiro: criado em 1942 e extinto em 1993, devorado pela inflação

Zanato, olho clínico para terras 

O mais ativo propagandista da fertilíssima terra vermelha do Oeste paranaense na imprensa do Sul foi o corretor de imóveis Armando Zanato (1907–1973), que também chegou a Cascavel em 1950, contratado pela Fundação Paranaense de Colonização e Imigração.

Trazia a missão de pacificar os posseiros, negociar com eles a legalização das terras, “possibilitando à Fundação a venda do saldo de terras de cada lote, depois de acertar com cada posseiro o que lhe cabia” (Elcio Zanato, filho de Armando). 

“Ao andar pelo sertão, descobriu um cruzo de caminhos, ligando Cascavel à barranca do Rio Piquiri e outro caminho que vinha da região de Sertãozinho à estrada que ligava Cascavel ao Piquiri, por outro traçado, passando pela Placa, atual Central Santa Cruz, à época pertencente à Cascavel e hoje pertencente a Cafelândia. No cruzo destes dois caminhos, fundou Corbélia, primeiro Distrito de Cascavel”.

Armando Zanato também focava a terra paranaense como a aplicação ideal para o capital acumulado pelas famílias sulinas. Para ele, em folheto distribuído no Norte do RS, as terras da região de Cascavel eram “o melhor emprego de capital”. 

Eleições trazem o passado, mas não o repetem 

Os símbolos paranaenses – bandeira e hino abolidos em 1922 pelo governador Caetano Munhoz da Rocha – foram restabelecidos oficialmente pelo governador Moysés Lupion.

O gesto configurava um tapa de luva em seu principal adversário e filho do ex-governador, Bento Munhoz, que surgia como o candidato favorito da velha oligarquia à sucessão de Lupion.

Em fins de julho de 1950, porém, um novo fator, desta vez político e de cunho nacional, iria robustecer a oposição ao governador do Paraná: o PTB preparava o retorno do “velho” ao poder, oficializando a candidatura presidencial de Getúlio Vargas, então com 68 anos.

O retorno ao poder de antigos dirigentes com a imagem reciclada depois de uma onda de denúncias e forçado afastamento, como ocorreu com Vargas, não é novidade no país ou no exterior. No entanto, as mudanças ocorridas nas instituições, na economia e na conjuntura externa nos anos de ausência do líder político desmontam a ilusão de que sucessos anteriores possam se reproduzir. 

Nem Vargas, nem Lupion conseguiram repetir o melhor de seus governos anteriores. O governo Vargas acabou em suicídio e o de Lupion deixou um rastro de práticas corruptas que determinou sua cassação e a perda de direitos políticos. Esta, aliás, forçada por Ney Braga e seus camaradas militares e democratas-cristãos.

Fonte: Fonte não encontrada

Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *