As dificuldades dos moradores de Cascavel e Toledo no primeiro ano dos dois municípios, criados em 14 de novembro de 1951, aumentaram pelo vácuo de poder reinante até sua efetiva instalação, em 14 de dezembro de 1952.
Com a lei 790/51, que criou dezenas de municípios paranaenses, a Prefeitura de Foz do Iguaçu se desobrigou de priorizar distante interior, às voltas com necessidades urgentes da colonização no eixo Foz-Gaúcha, futura São Miguel do Iguaçu.
Cascavel e Toledo, na verdade, só começaram a existir em 1953, pois a instalação dos municípios no fim de 1952 só serviu para algumas leis urgentes e decretos para organizar as burocracias locais, até então inexistentes.
Novos moradores chegavam do Sul diariamente, entusiasmados pela propaganda das riquezas oferecidas pela terra roxa e logo percebiam que os divulgadores jamais mencionavam o jaguncismo ou a disparidade de documentação entre as escrituras das colonizadoras e as posses dos antigos moradores.
Raro propagandista sincero, Armando Zanato fez circular em 1953 um folheto cujas vantagens atraentes influenciaram a decisão de muitos sulistas de migrar ao Paraná. Como trabalhou com a regularização fundiária, ele podia oferecer áreas “limpas” de jagunços recentes e posseiros antigos.
Jovens e com capital
Carazinho, no Norte gaúcho, onde nasceu o político Leonel Brizola, foi uma região destinada ao assentamento de imigrantes alemães, italianos e russos desde a segunda metade do século XIX. No entanto, eram pequenas propriedades para famílias numerosas.
Após a primeira geração ocorreu a minifundiarização. Os jovens herdeiros tinham dinheiro e muita vontade de achar amplas terras para aplicar os conhecimentos acumulados e proporcionar uma vida melhor aos filhos, antes do retalhamento ainda maior das propriedades herdadas.
Eles tinham dinheiro e sonhos. Só precisavam descobrir para onde ir com a certeza de um bom futuro. Em agosto de 1953 o folheto de Zanato começa a circular pelas comunidades de Carazinho, sugerindo o Paraná como “o melhor emprego de capital”.
Cascavel era apresentada por Armando Zanato como uma versão do paraíso, “com bom campo de aviação com linhas regulares de diversas companhias para todos os pontos do país e internacionais”. E mais:
– Hospital completo e ótimos médicos
– Correio, telégrafo e rádio telegrafia
– Muitas linhas de ônibus
– Ótimas estradas federais e estaduais
– A maior valorização e mais rápida até hoje conhecida
“Sê previdente. Adquire para ti e teus filhos terras no Município de Cascavel, Estado do Paraná. A terra da promissão”.
A prazo e sem juros
“Planas terras roxas, apuradas e encaroçadas para todas as culturas, como trigo, milho, café, algodão, fumo etc” prosseguia o folheto publicitário. “Terras fertilíssimas, cobertas por matas e pinheirais, irrigadas por grandes e generosos rios e muitas cascatas, para completar a riqueza dos futuros proprietários e da região, que em breve será a maior região agrícola e industrial”.
“As madeiras que existem em grande quantidade (cedro, peroba, louro cabriúva etc) pertencem aos compradores das respectivas terras, que são vendidas pela Fundação Paranaense de Colonização e Imigração, órgão criado pelo governo do Estado do Paraná pelo decreto-lei n° 646 de 19 de junho de 1947 para proceder o loteamento e a venda de terras devolutas do Estado”.
Zanato havia iniciado o projeto de Corbélia, destacada no folheto como opção para compra na região de Cascavel, com igreja, hospital, grupo escolar, mediante “vendas à vista e a prazo sem juros” com os menores preços por alqueire disponíveis.
“Agricultor! Não percas tempo. Compra o teu lote para ti e para teus filhos, assegurando assim o teu futuro e dos teus. Onde as formigas, geadas e secas não roubam as colheitas. Não encontrarás pedras nem morros para subir. Compra antes que seja tarde”.
Pai assassinado por bandidos
Todo o Norte gaúcho foi invadido por folhetos tão detalhados quanto os de Zanato, anunciando que a terra roxa fazia milagres produtivos e a infraestrutura já estava disponível.
Antônio Zandoná, que viria a ter uma relação dinâmica e profunda com a futura cidade de Cascavel, tinha a data de 14 de novembro como referência de vida, já que nasceu nesse dia, em 1917, na localidade de Paim Filho, parte do Município de Lagoa Vermelha e próxima a Erechim.
Aos sete anos ele perdeu o pai, José Zandoná, assassinado por bandidos, e abreviou a infância trabalhando nos negócios da família. Foi balseiro na travessia do Rio Forquilha, operou o barbaquá na produção de erva-mate, cuidou de roça e criação de porcos.
A mãe, Tereza Balbinoti, enviuvando com seis filhos, casou-se posteriormente com João Formighieri, por sua vez viúvo com cinco filhos. Famílias numerosas, portanto, têm a migração como perspectiva imediata e assim Antônio partiu rumo ao Paraná na década de 1940.
Inicialmente em Pato Branco no Sudoeste, começou a formar a própria família ao se casar com a jovem Elmira Camozzato, com quem teria sete filhos: Maria Eraide, Alceu, Carlos Arnaldo, José (que não sobreviveu), Altair José, Sonia Maria e Sérgio Luiz, que já nasceu em Cascavel.
Zandoná também fez propaganda
A chegada de Zandoná a Cascavel, onde tinha familiares, deu-se em 18 de agosto de 1953. Na Rua Nereu Ramos, no antigo Patrimônio Velho, construiu uma casa de madeira com telhado de tabuinhas, como tantas outras residências da época.
Com a construção da estrutura termelétrica, em 1957, providência para abastecer a cidade de energia, Zandoná foi obrigado a sair do local devido ao risco de incêndio por fagulha. Deslocou-se, assim, para a parte mais nova da cidade, na Rua Paraná.
Nesse interim, foi motorista de táxi e corretor de imóveis, contribuindo para divulgar Cascavel no Rio Grande Sul, para onde levava couro de caça aos curtumes, trazendo gaúchos para conhecer a região e lhes vender terrenos urbanos e terras rurais férteis e baratas.
Foi bem-sucedido em tudo que empreendeu. O filho Altair Zandoná, ao traçar a crônica da família no livro Alceu Dispor (https://x.gd/4YDYl), conta que Antônio, na década de 1960, teve sucesso com o Bar e Sorveteria São José, na Avenida Brasil, “mais famoso pelo seu café, produzido em seu sítio em Nova Aurora, torrado em casa e moído na hora da preparação”.
Brasil x EUA
Mais uma vez, porém, Antônio Zandoná se viu na obrigação de abandonar o local por determinação da Prefeitura. A Avenida Brasil foi alargada em 15 metros para esfalfamento, em 1968. Zandoná teve que fechar o estabelecimento para a demolição do prédio.
A vinda de Antônio Zandoná a Cascavel em 1953 foi um sucesso familiar, mas se deu em um período tenso para o país, com o esfriamento das relações entre o governo nacionalista de Getúlio Vargas e os EUA, que repartia o mundo com a antiga União Soviética.
Contrariando os militares e civis alinhados na Guerra Fria ao lado dos EUA, em outubro de 1953 Vargas assina lei criando a Petrobrás para administrar o setor petrolífero do País sob monopólio estatal. Começam aí os atritos que em breve levarão o presidente ao suicídio.
Desembargador não aceitou presentes
O primeiro aniversário dos municípios de Cascavel e Toledo, em 24 de dezembro de 1953, foi comemorado com a criação de suas respectivas Comarcas, por determinação do desembargador José Munhoz de Mello.
A Comarca de Cascavel não estava nos planos do Judiciário, mas o prefeito José Neves Formighieri, com a ajuda do advogado Antônio Gabardo, amigo de Munhoz, conseguiu o feito.
Em sinal de gratidão, o Município de Cascavel decidiu presentear Munhoz com dois terrenos diante do atual Colégio Marista. O desembargador não aceitou. Sabia que no futuro alguém faria maliciosas suposições.
Nesse local foi construída a nova Prefeitura de Cascavel, que veio a ser alvo de incêndio criminoso em 1960. À distância, Zandoná chegou a ver um dos incendiários.
Sinal da grande cordialidade reinante entre a população de Cascavel com os militares que construíam a BR-35, futura BR-277, por ordem do chefe da 5ª Secção da CER-1 (Comissão de Estradas de Rodagem), major Dalmo Leme Pragana, a parte central da Avenida Brasil recebeu revestimento em pedras que mais tarde o major Oscar Ramos Pereira estendeu até o bairro São Cristóvão.
A cidade progredia. Antônio Zandoná e sua família, apesar de tantos obstáculos, não tinham dúvidas: estavam de fato na “terra prometida”.
100 anos da revolução: Esquerda sem comunismo
Em 24 de maio de 1924 já existia o Partido Comunista (PCB), criado em 1922, mas a força dominante na esquerda era o anarquismo. Nessa data, o jornalista carioca Domingos Braz escrevia:
“É preciso educar, preparar, regenerar as massas. E essa educação, essa preparação, essa regeneração deve começar por nós mesmos, no nosso lar, a fim de que, pelo nosso exemplo, se irradie pelas obras, pelas oficinas, pelas fábricas e pelos campos, criando as raízes, os alicerces inabaláveis da sociedade futura, da sociedade anarquista”.
Os anarquistas admitiam não ser a revolução com a qual sonhavam, mas viam potencial revolucionário na rebeldia militar. Seu objetivo seria “uma revolução o mais nossa que seja possível”, segundo o jornal A Plebe.
Os militares rebeldes aceitaram o apoio dos anarquistas ao movimento, mas apenas nas ações de propaganda e mobilização civil de respaldo às suas ações. Não pretendiam mudar a sociedade. Bastava-lhes tirar o governo das mãos do presidente Bernardes. O modo de governo seguiria a Constituição vigente.

Fonte: Alceu Sperança
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