Cascavel, talhada para ser a capital do Iguaçu

O prefeito Nelson Ribeiro perdeu o cargo por um jogo de futebol. Coronel Garcez do Nascimento, governador que recusou Cascavel capital do Iguaçu por causa do Correio humilde. Cascavel lhe deu o troco, recusando ter o nome do cacique Guairacá

Cumprindo missão para a inteligência militar da fronteira, o terceiro sargento Manoel Corsino Dias Paredes, então com 25 anos, percorreu a cavalo em 1943 os portos de Foz do Iguaçu e o interior do Município.

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Eram os tempos da II Guerra Mundial e da ditadura do Estado Novo. Durante 15 dias, o sargento Paredes, que no futuro viria a ser comandante da Polícia Militar do Paraná, percorreu o Oeste do Paraná então conhecido para investigar a segurança na área.

O relatório da missão não trouxe lances cinematográficos de espionagem, incursões inimigas ou ação de terroristas. Só um crime apareceu: a crueldade cometida pelo regime ao expulsar os colonos italianos e alemães, cuja “culpa” era não saber falar direito o idioma português.

Sem os colonos filhos de imigrantes, os locais visitados pela equipe do sargento Paredes exibiam uma situação de abandono e destruição.

“Mantida de maneira a elogiar”

Evitando o enorme trecho desabitado entre Foz do Iguaçu e Cascavel, encurtando a viagem em vários dias, Paredes encontrou “muita dificuldade, em virtude das pontes estarem caídas, como a de São Francisco Falso”.

“Passando a serra de Boa Vista e Diamante, onde existe um depósito velho da Cia. Barthe”, o sargento Paredes encontrou mais instalações abandonadas em Barro Preto e seguiu até a Picada do Benjamin.

Passando por Boa Vista, onde mais tarde seria formada a comunidade de Céu Azul, Paredes seguiu “daí até Cascavel, passando por 2 de Maio, Tatu Jupi, Botu e Depósito Central da Cia. Barthe”.

Até essa altura da viagem, de todos os lugares que percorreu Paredes só teve elogios para o persistente Valentim Agostini, em Santa Helena. Mas no dia 6 de abril de 1943 outra comunidade o surpreendeu, pela ordem que encontrou:

“Cascavel […] nenhuma irregularidade ocorre nesse distrito, tendo notado que o povo dessa localidade está consciente do momento atual e a discreta vigilância policial está sendo mantida de maneira a elogiar”.

Crescimento com educação

A apreciação positiva da vila de Cascavel e sua gente fez Paredes passar dois dias no local, para descanso dos animais e da equipe. Depois retomou a viagem rumo a Porto Mendes acompanhando os fios da linha telefônica e seguindo a Lopeí, onde encontrou o guarda-linha Jorge Maceno, cuja família teve longa tradição de serviços prestados aos Correios no Paraná.

Mas até Lopeí e depois de lá, só queixas: “A estrada de rodagem de Cascavel a [Porto] Mendes Gonçalves está abandonada e com quase todas as pontes caídas, não permitindo mais o trânsito de carroças”.

Cascavel mereceu os elogios do sargento Paredes. A vila progredia e um indicador claro desse fato é que em 1943 a Casa Escolar recebeu a matrícula de 140 alunos, tendo que aumentar o quadro docente de uma para três professoras, dentre elas Dilair, filha do patriarca Jeca Silvério.

A estranha desculpa do governador

O sargento Paredes não foi o único a elogiar Cascavel em 1943. Nesse mesmo ano, o engenheiro militar Luiz Carlos Tourinho comunicou a João Garcez do Nascimento, amigo do presidente Getúlio Vargas e primeiro governador do Território Federal do Iguaçu, que havia uma localidade perfeita para ser a capital:

“Expus-lhe a magnífica situação de Cascavel como capital, chapadão apropriado para ali assentar uma grande e plana cidade, com possibilidade de obter água potável por gravidade. Bastaria, então, para povoar o Oeste com mais rapidez, construir estradas Cascavel-Guaíra e Cascavel-Foz do Iguaçu”.

No entanto, Garcez rejeitou Cascavel por um motivo que não convenceu: considerou impróprias as instalações postais da vila, alojadas em um casebre. Com a autoridade de governador ele poderia resolver essa deficiência, pois mandou construir um palácio de governo em Laranjeiras.

O Brasil vai à guerra

Em 9 de agosto de 1943, quando a União Soviética virava na Europa o jogo contra as forças nazifascistas, no Brasil o Ministério da Guerra criava a FEB (Força Expedicionária Brasileira).

Finalmente, depois de muita pressão sobre Vargas, surgia a possibilidade efetiva de uma intervenção militar brasileira na guerra, já que os Aliados planejavam uma ofensiva na Itália.

A estruturação da FEB coincide, em 23 de agosto de 1943, com a extinção da Companhia Independente da Fronteira, de 250 homens, instalada em Foz do Iguaçu. Em seu lugar o decreto 5.770 criou em 1º de setembro o 1.º Batalhão de Fronteira, que teria um efetivo de 700 homens.

A medida indicava que Foz do Iguaçu seria a capital do Território Federal do Iguaçu, criado por sua vez em 13 de setembro pelo Decreto-Lei 5.812.

Com uma área de 65.000 km², extraindo 44.000 km² do Paraná e 21.000 km² de Santa Catarina, o Iguaçu foi dividido em quatro municípios: Foz do Iguaçu (todo o Oeste paranaense), Clevelândia, Mangueirinha e Chapecó (o Oeste catarinense). Laranjeiras do Sul, que sequer fazia parte da área inicial do Território, foi escolhida para ser a capital.

Onde fica “Guairacá”?

As autoridades do Iguaçu decidiram também tirar de Cascavel seu nome histórico para diferenciá-lo da cidade homônima no Ceará. Tempos de ditadura, no embalo nacional-patriótico fascista da época, decidiram sem consultar a população, dar a Cascavel o nome de “Guairacá”, que a população recusou.

O novo nome ficou só na burocracia do TFI: a correspondência encaminhada à região era dirigia a essa fantasiosa “Guairacá”, que ninguém sabia onde ficava.

Por sua vez, confiando que o Território do Iguaçu lhes traria dias melhores que a perseguição injustificada, os colonos de origem italiana começaram a chegar em maior número. As famílias de Pedro Zandoná e Pedro Dal Prá foram as primeiras a se estabelecer em Guairacá/Cascavel.

Outras viriam porque os colonos que pretendiam se instalar ou voltar a Santa Helena não podiam seguir adiante pela impossibilidade de trânsito para as carroças, como alertou o sargento Paredes.

Prefeito brigou com o açougueiro

Apesar dos elogios à segurança da comunidade, quem chegava com carroça carregada de mudanças tinha o plano de seguir à fronteira, de onde teria acesso fluvial aos excelentes produtos vindos de Buenos Aires.

“[quando chegamos] Cascavel tinha quatro casas. A área onde hoje está a Avenida Brasil nós abrimos em 1943, com uma patrola que levamos de caminhão. Praticamente abrimos a estrada, a partir de Guarapuava, pois fomos obrigados a refazer o leito para passagem de nossos caminhões” (David Lupion).

Nesse ano, Foz do Iguaçu teve dois prefeitos. O tenente Nelson Nascimento Ribeiro, também chefe de polícia, atritou-se com os militares:

“Cerca de uns 3 meses [o tenente], brigou com o açougueiro […] e deixou a população praticamente sem carne. Interessante é que este mesmo açougueiro é agora seu substituto na delegacia. Aqui tem tanta gente em condições, mas o tenente escolheu o mais bronco, e mais rude, o mais ignorante. Parece até que houve um propósito em ofender o pessoal daqui” (Informe do comando do 1.º  Batalhão datado de 13 de outubro de 1943).

Futebol diplomático irritou militares

Os atritos se explicavam pela crescente reação à ditadura tanto entre os civis como entre os militares.

Não é de estranhar que os ataques chegassem a minúcias na intenção de desqualificar adversários: o prefeito-delegado jogou futebol no dia 7 de setembro daquele ano em Foz do Iguaçu à frente de uma equipe formada por paraguaios e supostos bandidos da fronteira, o que lhe rendeu uma denúncia dos militares por associação com maus elementos.

Se não fossem os atritos e as intrigas, a atitude festiva do prefeito no feriado seria tida apenas como ressocialização de prisioneiros e um ato diplomático com os vizinhos do outro lado da fronteira.

Mas a denúncia funcionou: em 3 de novembro, Ribeiro foi substituído na Prefeitura por Ayrton Ramos, o tesoureiro municipal.

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