Categoria: Alceu Sperança

  • Cascavel, talhada para ser a capital do Iguaçu

    Cascavel, talhada para ser a capital do Iguaçu

    Cumprindo missão para a inteligência militar da fronteira, o terceiro sargento Manoel Corsino Dias Paredes, então com 25 anos, percorreu a cavalo em 1943 os portos de Foz do Iguaçu e o interior do Município.

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    Eram os tempos da II Guerra Mundial e da ditadura do Estado Novo. Durante 15 dias, o sargento Paredes, que no futuro viria a ser comandante da Polícia Militar do Paraná, percorreu o Oeste do Paraná então conhecido para investigar a segurança na área.

    O relatório da missão não trouxe lances cinematográficos de espionagem, incursões inimigas ou ação de terroristas. Só um crime apareceu: a crueldade cometida pelo regime ao expulsar os colonos italianos e alemães, cuja “culpa” era não saber falar direito o idioma português.

    Sem os colonos filhos de imigrantes, os locais visitados pela equipe do sargento Paredes exibiam uma situação de abandono e destruição.

    “Mantida de maneira a elogiar”

    Evitando o enorme trecho desabitado entre Foz do Iguaçu e Cascavel, encurtando a viagem em vários dias, Paredes encontrou “muita dificuldade, em virtude das pontes estarem caídas, como a de São Francisco Falso”.

    “Passando a serra de Boa Vista e Diamante, onde existe um depósito velho da Cia. Barthe”, o sargento Paredes encontrou mais instalações abandonadas em Barro Preto e seguiu até a Picada do Benjamin.

    Passando por Boa Vista, onde mais tarde seria formada a comunidade de Céu Azul, Paredes seguiu “daí até Cascavel, passando por 2 de Maio, Tatu Jupi, Botu e Depósito Central da Cia. Barthe”.

    Até essa altura da viagem, de todos os lugares que percorreu Paredes só teve elogios para o persistente Valentim Agostini, em Santa Helena. Mas no dia 6 de abril de 1943 outra comunidade o surpreendeu, pela ordem que encontrou:

    “Cascavel […] nenhuma irregularidade ocorre nesse distrito, tendo notado que o povo dessa localidade está consciente do momento atual e a discreta vigilância policial está sendo mantida de maneira a elogiar”.

    Crescimento com educação

    A apreciação positiva da vila de Cascavel e sua gente fez Paredes passar dois dias no local, para descanso dos animais e da equipe. Depois retomou a viagem rumo a Porto Mendes acompanhando os fios da linha telefônica e seguindo a Lopeí, onde encontrou o guarda-linha Jorge Maceno, cuja família teve longa tradição de serviços prestados aos Correios no Paraná.

    Mas até Lopeí e depois de lá, só queixas: “A estrada de rodagem de Cascavel a [Porto] Mendes Gonçalves está abandonada e com quase todas as pontes caídas, não permitindo mais o trânsito de carroças”.

    Cascavel mereceu os elogios do sargento Paredes. A vila progredia e um indicador claro desse fato é que em 1943 a Casa Escolar recebeu a matrícula de 140 alunos, tendo que aumentar o quadro docente de uma para três professoras, dentre elas Dilair, filha do patriarca Jeca Silvério.

    A estranha desculpa do governador

    O sargento Paredes não foi o único a elogiar Cascavel em 1943. Nesse mesmo ano, o engenheiro militar Luiz Carlos Tourinho comunicou a João Garcez do Nascimento, amigo do presidente Getúlio Vargas e primeiro governador do Território Federal do Iguaçu, que havia uma localidade perfeita para ser a capital:

    “Expus-lhe a magnífica situação de Cascavel como capital, chapadão apropriado para ali assentar uma grande e plana cidade, com possibilidade de obter água potável por gravidade. Bastaria, então, para povoar o Oeste com mais rapidez, construir estradas Cascavel-Guaíra e Cascavel-Foz do Iguaçu”.

    No entanto, Garcez rejeitou Cascavel por um motivo que não convenceu: considerou impróprias as instalações postais da vila, alojadas em um casebre. Com a autoridade de governador ele poderia resolver essa deficiência, pois mandou construir um palácio de governo em Laranjeiras.

    O Brasil vai à guerra

    Em 9 de agosto de 1943, quando a União Soviética virava na Europa o jogo contra as forças nazifascistas, no Brasil o Ministério da Guerra criava a FEB (Força Expedicionária Brasileira).

    Finalmente, depois de muita pressão sobre Vargas, surgia a possibilidade efetiva de uma intervenção militar brasileira na guerra, já que os Aliados planejavam uma ofensiva na Itália.

    A estruturação da FEB coincide, em 23 de agosto de 1943, com a extinção da Companhia Independente da Fronteira, de 250 homens, instalada em Foz do Iguaçu. Em seu lugar o decreto 5.770 criou em 1º de setembro o 1.º Batalhão de Fronteira, que teria um efetivo de 700 homens.

    A medida indicava que Foz do Iguaçu seria a capital do Território Federal do Iguaçu, criado por sua vez em 13 de setembro pelo Decreto-Lei 5.812.

    Com uma área de 65.000 km², extraindo 44.000 km² do Paraná e 21.000 km² de Santa Catarina, o Iguaçu foi dividido em quatro municípios: Foz do Iguaçu (todo o Oeste paranaense), Clevelândia, Mangueirinha e Chapecó (o Oeste catarinense). Laranjeiras do Sul, que sequer fazia parte da área inicial do Território, foi escolhida para ser a capital.

    Onde fica “Guairacá”?

    As autoridades do Iguaçu decidiram também tirar de Cascavel seu nome histórico para diferenciá-lo da cidade homônima no Ceará. Tempos de ditadura, no embalo nacional-patriótico fascista da época, decidiram sem consultar a população, dar a Cascavel o nome de “Guairacá”, que a população recusou.

    O novo nome ficou só na burocracia do TFI: a correspondência encaminhada à região era dirigia a essa fantasiosa “Guairacá”, que ninguém sabia onde ficava.

    Por sua vez, confiando que o Território do Iguaçu lhes traria dias melhores que a perseguição injustificada, os colonos de origem italiana começaram a chegar em maior número. As famílias de Pedro Zandoná e Pedro Dal Prá foram as primeiras a se estabelecer em Guairacá/Cascavel.

    Outras viriam porque os colonos que pretendiam se instalar ou voltar a Santa Helena não podiam seguir adiante pela impossibilidade de trânsito para as carroças, como alertou o sargento Paredes.

    Prefeito brigou com o açougueiro

    Apesar dos elogios à segurança da comunidade, quem chegava com carroça carregada de mudanças tinha o plano de seguir à fronteira, de onde teria acesso fluvial aos excelentes produtos vindos de Buenos Aires.

    “[quando chegamos] Cascavel tinha quatro casas. A área onde hoje está a Avenida Brasil nós abrimos em 1943, com uma patrola que levamos de caminhão. Praticamente abrimos a estrada, a partir de Guarapuava, pois fomos obrigados a refazer o leito para passagem de nossos caminhões” (David Lupion).

    Nesse ano, Foz do Iguaçu teve dois prefeitos. O tenente Nelson Nascimento Ribeiro, também chefe de polícia, atritou-se com os militares:

    “Cerca de uns 3 meses [o tenente], brigou com o açougueiro […] e deixou a população praticamente sem carne. Interessante é que este mesmo açougueiro é agora seu substituto na delegacia. Aqui tem tanta gente em condições, mas o tenente escolheu o mais bronco, e mais rude, o mais ignorante. Parece até que houve um propósito em ofender o pessoal daqui” (Informe do comando do 1.º  Batalhão datado de 13 de outubro de 1943).

    Futebol diplomático irritou militares

    Os atritos se explicavam pela crescente reação à ditadura tanto entre os civis como entre os militares.

    Não é de estranhar que os ataques chegassem a minúcias na intenção de desqualificar adversários: o prefeito-delegado jogou futebol no dia 7 de setembro daquele ano em Foz do Iguaçu à frente de uma equipe formada por paraguaios e supostos bandidos da fronteira, o que lhe rendeu uma denúncia dos militares por associação com maus elementos.

    Se não fossem os atritos e as intrigas, a atitude festiva do prefeito no feriado seria tida apenas como ressocialização de prisioneiros e um ato diplomático com os vizinhos do outro lado da fronteira.

    Mas a denúncia funcionou: em 3 de novembro, Ribeiro foi substituído na Prefeitura por Ayrton Ramos, o tesoureiro municipal.

    Fonte: Fonte não encontrada

  • Viagem a cavalo traçou retrato do Oeste

    Viagem a cavalo traçou retrato do Oeste

    Cascavel já estava solidamente colocada no mapa da madeira paranaense desde a primeira metade da década de 1940, vivendo uma saudável sensação de prosperidade crescente, mas o Brasil em geral vivia um estado de apreensão generalizada.

    Supunha-se que muitas vantagens viriam da adesão imediata do Brasil aos esforços dos Aliados para vencer o nazifascismo. A ditadura, dividida, hesitava entre a neutralidade e a declaração de guerra ao Eixo, exigência dos movimentos pela redemocratização do país.

    Getúlio Vargas relutava em enviar tropas à Europa. O jornalista Assis Chateaubriand (1892–1968), que viria a dar nome a uma importante cidade da região, tomou a iniciativa de organizar a Legião Latino-Americana, composta de voluntários brasileiros, argentinos, uruguaios e paraguaios dispostos a lutar junto aos Aliados.

    Chateaubriand comunicou a iniciativa ao ministro da Aeronáutica, Salgado Filho (1888–1950): “Agora já temos várias dezenas de cadáveres de brasileiros vitimados por torpedos nazistas disparados contra navios mercantes nossos e neste governo ninguém quer nem ouvir falar em luta armada. O Estado Novo não quer saber de entrar para valer na guerra, e Getúlio muito menos. (…) Estamos transformados num magote de sapos acovardados”.

    No último dia de agosto sai finalmente a declaração de guerra à Alemanha e Itália. Há manifestações de regozijo pela atitude corajosa finalmente tomada pelo governo brasileiro depois de muita hesitação.

     

    Cascavel mais aconchegante

    Alheio a essas movimentações, o interior do Paraná viveu um rigoroso inverno em 1942. Os viajantes que transitavam pela vila de Cascavel, a cada dia em maior número, para negociar pinhais, explorar e exportar madeira, sofriam para se alojar em boas condições.

    Eles chegavam a cavalo, de caminhão ou carroça à procura dos serviços oferecidos pela vila, como cuidados com os animais de montaria, consertos de carroças e alimentação.

    Para maior comodidade dos viajantes, José Bartnik e a esposa Bertha abriram um hotel com o nome da família, na Avenida Brasil, diante da futura loja Auriverde.

    Grande construção com 30 quartos e uma freguesia composta majoritariamente pelos motoristas de caminhão que transportavam madeira a Foz do Iguaçu, ali foram realizadas muitas festas de casamento e vários bailes. O médico Wilson Joffre se hospedava no Hotel Bartnik e deu consultas em seu quarto até construir o Hospital Nossa Senhora da Aparecida.

     

    Nazistas são rechaçados

    Entra setembro e oficialmente o Brasil já figurava como parte ativa no conflito mundial, mas a guerra declarada à Alemanha e Itália continuava só no papel. O ano de 1942 termina com todo o território nacional se preparando para viver em estado de guerra.

    No Rio de Janeiro, puxada pelos estudantes da UNE, cresceu em janeiro de 1943 a pressão popular pelo imediato ingresso do Brasil com força armada no conflito mundial.

    Aproveitavam que no final desse mês o ditador Vargas se encontraria com o presidente americano Franklin Roosevelt (1882–1945) em Natal (RN), no curso de negociações para o ingresso efetivo do Brasil na guerra.

    Fevereiro de 1943 começa com uma espetacular virada estratégica, jamais esperada pelos agressores nazistas: a União Soviética resistiu à invasão sofrida e venceu a batalha de Stalingrado, abatendo 200 mil soldados invasores e aprisionando outros 90 mil.

    A partir de agora, Hitler começará a se encolher para posições defensivas e a simpatia do governo brasileiro pelo nazifascismo se reduzirá na proporção direta da agora já concreta perspectiva de sua derrota e dos acenos dos EUA de vantagens ao Brasil em troca da adesão aos Aliados.

     

    O Oeste sem filhos de imigrantes

    A situação desoladora do Oeste depois da expulsão dos colonos de origem italiana e alemã ficou evidente por um relato bastante objetivo feito pelo terceiro sargento Manoel Corsino Dias Paredes, então com 25 anos.

    Ele percorreu a cavalo os portos de Foz do Iguaçu e o interior do Município a serviço da Delegacia Regional de Polícia. Inspecionando portos nos rios Iguaçu e Paraná, evitando o enorme trecho desabitado entre Foz do Iguaçu e Cascavel, Paredes fez um significativo retrato do Oeste paranaense durante a II Guerra Mundial.

    Expondo os esforços dos raros colonos que ficaram e as dificuldades da região com o conflito, mesmo distante do teatro das ações militares, o relato de Manoel Paredes trata mais da geografia que de crimes.

    O maior deles, aliás, foi a expulsão dos colonos alemães e italianos, que sem culpa, apenas com base nas etnias, foram jogados no desespero, despojados e partindo sem direito à defesa, deixando um quadro de graves prejuízos à economia da região.

     

    Paisagem de abandono

    O sargento Paredes partiu em 13 de março de 1943 e diariamente anotava o que via, mencionando os nomes dos raros colonos que encontrava e a situação dos portos e vilas esvaziadas.

    Relatou os serviços de balsa e travessias feitos por argentinos e paraguaios, a economia baseada nas culturas de subsistência, predominando plantações de milho, arroz, feijão, mandioca e fumo, além de criações de gado, carneiros, porcos e galinhas.

    Encontrou o Porto Ipiranga abandonado, com apenas um morador, o paraguaio Rozário Benítez. No Porto Ocoy, o mesmo Benítez, ali residente desde 1903, criava porcos e tinha um campo de aviação particular.

    O Porto Sete de Setembro, igualmente abandonado. No Porto Itacorá, nenhum movimento, a não ser a extração de madeira feita por Jerônimo Vargas. O Porto Sol de Maio, antiga sede da Companhia Espéria, desativado e sob a intervenção do administrador Agenor Silveira, que ficou para cuidar de lavouras e criação.

     

    Cooperativa quebrada

    Encontrando várias casas da companhia Espéria abandonadas e a Cooperativa Manoel Ribas, formada por 60 famílias de agricultores, quase à falência, havia um sinal de prosperidade desafiando tanta desolação: a casa comercial de Valentin Agostini.

    A história de Agostini é um dos mais significativos exemplos do esforço dos filhos de italianos que vieram para o Oeste desafiar as adversidades da época.

    Nascido em Estrela (RS), Valentim plantou milho em Buenos Aires até 1921, quando decidiu seguir para a anunciada colonização de Santa Helena, atendendo a um convite do colonizador André Zílio.

    Saindo de Porto Belo (RS), contratado por Zílio, a missão inicial de Agostini era construir um barco particular para o transporte da diretoria e empregados da colonizadora Méier, Annes & Cia, iniciadora do projeto inicial de Santa Helena, que ficou conhecido como “Santa Helena Velha”.

     

    O barco da honra

    Logo ao chegar ao Oeste do Paraná, ainda em 1921, Agostini construiu um moinho e descascador de arroz movido a roda d’água porque o projeto de construção do barco inicialmente projetado foi posto de lado com a falência da empresa.

    Mas Agostini não desistiu. Não só ficou, para trabalhar com o novo filão da exportação de madeira, como também manteve a ideia de construir o barco, que fez por sua própria conta.

    Na época em que foi visitado pelo sargento Paredes, Agostini dava continuidade ao antigo projeto de construir o sonhado grande barco brasileiro para navegar no Rio Paraná, finalmente lançado às águas em 1944. Ele morreu no ano seguinte, mas seu compromisso de honra foi cumprido.

    Depois de dar um dia de descanso aos cavalos da expedição, em 3 de abril de 1943 o sargento Paredes decidiu iniciar a viagem de Santa Helena a Cascavel por uma antiga estrada ervateira.

    Reduzida a um carreiro por onde carroças carregadas não mais passavam, o resultado da penosa viagem foi atestar a inviabilidade da estrada. No entanto, ao chegar à sede distrital de Cascavel o sargento Paredes, que no futuro iria comandar a Polícia Militar do Paraná, teve uma grande surpresa, que o fez permanecer dois dias no local.

    Fonte: Fonte não encontrada

  • Longe da guerra, a luta contra a perseguição

    Longe da guerra, a luta contra a perseguição

    Em novembro de 1942, o prelado (bispo) de Foz do Iguaçu, dom Manoel Koenner, regressava de viagem a Minas Gerais, onde participou de evento religioso. No porto, ao desembarcar do navio Cruz de Malta, foi revistado pela polícia da fronteira, que encontrou na bagagem uma carta escrita em alemão.

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    Em tempo de guerra, e em plena ditadura, qualquer suspeita de ligação com a Alemanha ou Itália valia por uma condenação. A carta era do religioso Irmão Gregório (Paulo [ou Pedro] Backers), que viveu em Foz do Iguaçu na década de 1930 e foi transferido para Belo Horizonte. Esta endereçada a um morador na fronteira, João Jorge Roth.

    Na carta, traduzida pelo engenheiro holandês Otto Trompczynski, o religioso apresentava condolências pela morte de uma pessoa da família Roth e lamentava as más condições da assistência de saúde à população (“nós estamos no Brasil, onde tudo é pesteado”), da carestia (“hoje em dia tudo é tão caro”) e da criminalidade desenfreada (“a canalhada entrou por aqui e quebrou tudo”), que a polícia considerou ofensivas ao Brasil.

    Uma vida sem paz

    Foi apenas o começo das dificuldades enfrentadas por Manoel Koenner. Ele e a família Roth foram convidados a se retirar da cidade. mas o religioso não acatou a ordem, por falta de motivo real para se afastar de suas atividades religiosas.

    Nascido na Silésia, Alemanha, em 1885 e ordenado sacerdote em setembro de 1910, Koenner partiu para missão de Moçambique, então colônia lusa. Em 1916, durante a I Guerra, os padres alemães das colônias foram presos, libertos somente em 1919.

    Depois de livre, padre Koenner se dirigiu novamente à Alemanha, de onde foi designado para atuar no Brasil, em 1921. Foi professor em Belo Horizonte (MG), onde chegou a superior provincial de sua congregação e recebeu designação para dirigir a Prelazia* de Foz do Iguaçu em dezembro de 1939, chegando à fronteira em junho do ano seguinte.

    Ignorava que no depósito da Prelazia estavam caixas pertencentes a um nobre húngaro – o arquiduque Karl Albrecht de Habsburg, membro da família real austríaca – que planejava um projeto agrícola no Paraguai e se hospedou na Prelazia, que alugava quartos na ausência de bons hotéis na cidade.

    *Prelazia era uma espécie de diocese católica.

    O flagrante: para agricultura ou terrorismo?

    Acompanhado por um químico, um médico e um aviador*, todos húngaros, o nobre austríaco se hospedou na Casa dos Padres e durante a semana ia ao Paraguai com sua equipe para estudar o solo da fazenda.

    “No início de 1938 foi para a Europa, mas prometeu voltar logo neste mesmo ano. Mas quando em março de 1938 as tropas de Hitler invadiram a Áustria ele foi preso e não voltou mais” (Martinho Seitz, História da Paróquia São João Batista de Foz do Iguaçu).

    Ficaram na Prelazia caixas com objetos pessoais e material de uso para trabalhos agrícolas e explorações minerais, além de fuzis, munição e alguma dinamite. Se portar uma simples carta valeu ao prelado a expulsão da cidade, esse material o levou a ser afastado das atividades religiosas e à prisão.

    Na madrugada de 19 de janeiro de 1943, o delegado regional Glaucio Guiss invadiu a Prelazia e acordou o prelado anunciando diligência policial. No depósito da Prelazia, ao lavrar a prisão em flagrante do prelado, comunicou ter encontrado “máscaras contra gases asfixiantes, dois caixões contendo munição para fuzil e grande quantidade de bombas”.

    “Ao interrogá-lo, o delegado ouviu que o padre desconhecia o conteúdo dos caixotes encontrados na igreja e que sabia apenas que pertencia a uma comissão austro-húngara que estivera em Foz do Iguaçu em 1937” (Micael Alvino da Silva, A Segunda Guerra Mundial e a Tríplice Fronteira).

    *O aviador era o piloto da aeronave própria do arquiduque.

    Três anos de prisão por guardar bombas

    Até ser novamente preso, Koenner atendia a uma vasta região. A Prelazia tinha abrangência do centro do Estado até as barrancas do Rio Paraná. Em Cascavel, rezava missas na pequena capela-escola mandada construir por Jeca Silvério próximo à Encruzilhada.

    Manoel Koenner andava sempre a cavalo em suas jornadas pelas capelas do interior. Usava botas altas, chapéu largo e guarda-pó, que mais tarde trocou por uma blusa de couro.

    Como os religiosos do Verbo Divino vinham da Alemanha, para tirá-los da pressão em Foz do Iguaçu as autoridades religiosas decidiram transferir a Prelazia para a sua capital do território Federal do Iguaçu, Laranjeiras do Sul.

    Destituído da Prelazia sem direito a defesa, em setembro de 1943 o religioso foi levado ao Rio de Janeiro, onde respondeu a processo sob liberdade vigiada, sendo condenado a três anos de prisão pela guarda de explosivos na fronteira.

    No início de 1944, d. Manoel recebeu a solidariedade de personalidades descontentes com o julgamento do ano anterior. Entre os que o defenderam se encontravam o ministro da Guerra, general Eurico Gaspar Dutra*, e a Nunciatura Apostólica no Rio de Janeiro.

    Motivo: a Santa Sé conseguiu uma declaração do arquiduque austríaco responsável pelo abandono de material bélico na Prelazia. Ele teria sido preso e torturado pelos nazistas e ficou sem condições de retornar às suas atividades.

    *Dutra seria eleito presidente da República em 1945

    O fim do pesadelo

    Koenner foi absolvido em fevereiro de 1944, com seu processo arquivado por carecer de base jurídica. Como consequência, os padres afastados de Foz do Iguaçu puderam retornar e no dia 27 de fevereiro houve a celebração de missa na Igreja de São João Batista em manifestação de júbilo pela correção do erro judicial.

    Koenner foi ordenado bispo em março de 1948. Mas só em 1959 d. Manoel Koenner foi totalmente reabilitado pela Nunciatura Apostólica, que admitiu haver cometido uma injustiça com o prelado por ocasião das denúncias contra ele assacadas durante a II Guerra.

    Koenner morreu em 9 de dezembro de 1968, na Alemanha, reabilitado e sepulto com as honras de bispo no pequeno cemitério da Casa Missionária de Dribug.

    O religioso alemão não foi o único perseguido sem direito a defesa. Cerca de 200 pessoas adultas estavam na relação dos expulsos da fronteira sem culpa formada. Em região pouco habitada, população reduzida e escassas famílias produzindo, perder 200 adultos e suas crianças comprometeu seriamente o desenvolvimento de Foz do Iguaçu e Santa Helena.

    “A maioria dos retirados tinha obtido no passado suas propriedades agrícolas com os militares (Colônia Militar), enquanto outros adquiriram por meio da Companhia Espéria. Eram posses que não tinham como levar consigo e que lhes garantiam pouco mais do que a sobrevivência” (Micael Alvino da Silva, A Segunda Guerra Mundial e a Tríplice Fronteira).

    Fonte: Fonte não encontrada

  • A primeira hidrelétrica do Oeste

    A primeira hidrelétrica do Oeste

     

    No início da década de 1940, os brasileiros que chegavam a Foz do Iguaçu se sentiam humilhados pela dependência da população à Argentina. Toda a energia elétrica consumida na região do Parque Nacional era produzida no país vizinho.

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    Assim, a inauguração da primeira usina hidrelétrica na região, em 1942, foi saudada como uma espécie de nova independência do país, 120 anos depois do 7 de setembro de 1822.

    Represada no pequeno Rio São João, a usina foi projetada pelo arquiteto mineiro Ângelo Murgel (1907–1978). A execução da obra ficou a cargo da empresa Dolabela e Portela, especializada em hidrelétricas.

    Tinha dois geradores Ateliers da fábrica Derlikon. Importados da Suíça, “os equipamentos desembarcavam no Porto de Santos, sendo transportados de trem até Presidente Epitácio, interior de São Paulo e pelo Rio Paraná em barcas especiais até Guaíra. De Guaíra à Foz do Iguaçu eram transportados em carros com tração animal” (Nivaldo Pereira da Silva, História de Foz do Iguaçu).

    Socorro argentino

    A Prefeitura de Foz do Iguaçu, Município formado por todo o Oeste paranaense, foi administrada nos primeiros meses de 1942 pelo capitão-prefeito-delegado Melchíades do Vale, substituído em setembro pelo major Artur Borges Maciel, que era tenente em 1924 e frente de um grupo de 23 soldados não conseguiu impedir os revolucionários de ocupar a região.

    Depois Maciel foi delegado de Polícia de União da Vitória, em 1930, e ao voltar à fronteira como prefeito não deixou saudades. Foz do Iguaçu não estava à altura da situação privilegiada de tríplice fronteira.

    “Pouco acima da margem do porto, um pequeno centro comercial permitia aos moradores locais venderem sua produção agrícola e comprarem produtos de abastecimento, como trigo e enlatados. Somente do lado argentino era possível comprar por reembolso postal e, em termos de serviços públicos, o correio e o telefone foram apontados com agilidade incomparável” (Depoimento de José Schloegoel ao historiador Micael Alvino da Silva).

    Até ler era proibido

    No início de 1942, depois dos torpedeamentos de navios brasileiros por submarinos alemães, o Brasil rompeu relações com o Eixo. O governo federal determinou que todos os imigrantes de origem alemã, japonesa e italiana que não falassem a língua portuguesa fossem retirados a uma “distância segura” de cem quilômetros das linhas divisórias internacionais, com a máxima urgência.

    Depois de levar alimentos para trocar em Puerto Aguirre (hoje Puerto Iguazú) por produtos que vinham de Buenos Aires, como farinha de trigo e querosene, o agricultor Martin Nieuwenhoff pegou em sua caixa de correio na Argentina um jornal escrito em alemão.

    Abordado pela polícia, foi preso pela posse da publicação em nome da “Lei de Fronteiras”, que dava total autonomia às autoridades policiais e militares no controle e repressão às colônias alemãs e italianas no Brasil.

    “A Lei de Fronteiras foi baixada a partir de informações coletadas, que davam conta da existência de uma forte organização ligada ao Partido Nazista Alemão, através da Ação Integralista Brasileira, dirigida por Plínio Salgado (…) Exerciam estas organizações uma flagrante autoridade sobre as escolas, hospitais, maternidades, sociedades de todo o gênero, comércio e indústrias pertencentes a alemães” (Memórias de Foz).

    Prejuízos à colonização

    “Quando a Delegacia Regional de Polícia de Foz do Iguaçu fez um levantamento dos súditos do Eixo que residiam na jurisdição, constatou que havia cerca de 160 famílias […] metade dos quais eram italianos que residiam concentrados na Cooperativa Manoel Ribas (Santa Helena)” (Micael Alvino da Silva, A Segunda Guerra Mundial e a Tríplice Fronteira).

    Ainda em 1942, a ditadura do Estado Novo, sob a alegação de que a empresa pertencia a italianos, baixou o decreto 4.166, confiscando todos os bens da Companhia Espéria, colonizadora que vendia terras localizadas no Oeste paranaense.

    A Espéria havia sido uma iniciativa do Instituto Nacionale di Credito per il Lavoro Italiano All’Estero. A empresa, que com dificuldades atraía colonos sulinos para povoar o Oeste do Paraná, iniciara o projeto da chamada Santa Helena Velha, em 1926, e havia criado os portos Santa Helena e Sol de Maio. Com o fracasso de seu projeto colonizador, a Espéria desativou o setor de colonização e passou a atuar apenas na extração da madeira.

    “Naquela época o medo reinava entre os agricultores de origem alemã e italiana, espalhados em pequenas e médias chácaras ao longo da Estrada Velha para Guarapuava e nos distritos de Santo Alberto e São João, no município de Foz do Iguaçu. Havia rumores de que os colonos estavam fazendo reuniões e que muitos de seus membros colaboravam com o nazismo” (Documentos Revelados, 21/8/2021).

    Delações por bajulação

    O delegado Cláucio Guiss, o escrivão de polícia Aracy Albuquerque Neira e o agrimensor da prefeitura, Otto Kucinski, informaram que “os alemães de Foz do Iguaçu estavam se armando e que durante as reuniões gritavam a famosa saudação nazista Heil Hitler”.

    “Devido a esses boatos, muitos colonos foram presos e enviados para Guarapuava. Os documentos […] informam os desterros e retorno de famílias pioneiras de Foz do Iguaçu, como a família Nadai, Kapfenberger, Holler, e outras” (Documentos Revelados).

    Para o efetivo cumprimento da imposição, criaram-se áreas de concentração para a permanência dessas populações “perigosas”.

    “Os estrangeiros eram proibidos de permanecer na fronteira. Meu pai [Pedro Basso], sendo italiano, tinha que ir embora de Foz do Iguaçu. Recebeu, porém, autorização do Exército para permanecer, porque as autoridades utilizavam muito seu hotel e restaurante” (Irineu Basso, jornal Gazeta do Iguaçu, 27/06/93).

    A desafiadora malária

    Além das perseguições sofridas pelos descendentes de imigrantes na fronteira – só um caso real de ação política nazista foi identificado na região Oeste – a colonização que andava rápida em Foz do Iguaçu sofreu também uma epidemia de malária em 1942.

    Para abalar ainda mais a ditadura do Estado Novo, a ampla divulgação em 1942 de que o mosquito transmissor da malária havia sido erradicado no Brasil teve uma dura resposta do próprio vetor, ao expandir seu ataque também para o Sul do país.

    “Tivemos que ir embora de Foz do Iguaçu devido a uma epidemia de malária. Não havia remédio, e o jeito foi ir embora para Curitiba, aconselhados pelo médico Dirceu Lopes. Levamos 21 dias para chegar a Curitiba, de caminhão. Eu, a mulher e os filhos estávamos quase todos com malária. De Curitiba fomos a Morretes” (Fausto Palma, Gazeta do Iguaçu, 1994).

    Sempre ela, a cloroquina

    Na época da II Guerra Mundial, quando a necessidade de combater a doença exigiu pesquisa e investimentos por parte dos governos envolvidos no conflito, foi anunciado um novo método para dar combate à malária: o sal de cozinha misturado a um medicamento denominado cloroquina.

    A aparente eficácia do método induziu à suposição de que a cloroquina seria a panaceia necessária para erradicar a doença, mas ela também causava problemas à saúde.

    A história da cloroquina é cercada de polêmicas e mortes. Anteriormente com outros nomes e variações, principalmente a resochina, apresentava graves efeitos colaterais derivados da alta toxidade.

    Testada em pacientes com distúrbios psiquiátricos em hospícios, ela esteve no centro de uma disputa entre pesquisadores estadunidenses e alemães. Mas pelo menos em 1942 o mosquito venceu tanto os nazistas quanto os Aliados. 

    Fonte: Fonte não encontrada

  • Mundo em guerra, Brasil em paz

    Mundo em guerra, Brasil em paz

    Com a criação do Ministério da Aeronáutica, em 1941, o Correio Aéreo Militar passou a se chamar Correio Aéreo Nacional e logo de saída propiciou a inauguração do Aeroporto do Parque Nacional do Iguaçu.

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    Sob a administração do Ministério da Agricultura, foi um marco de progresso que logo levou à conquista da linha internacional Rio de Janeiro-Assunção-Buenos Aires: a empresa Pan American Airways prometeu voos semanais a Foz do Iguaçu.

    A oferta de transporte aéreo abriu campo ao interesse pessoal dos empresários sulistas interessados em investir no Paraná. As visitas começam e se intensificam. Os mapas e as avaliações iniciadas com as primeiras viagens resultariam em projetos ambiciosos de colonização.

    Havia, no entanto, uma preocupação limitante: os empresários que chegavam a bordo dos aviões em seus roteiros semanais a Foz do Iguaçu encontravam praticamente uma terra estrangeira, com moeda e idioma alheios.

    Ao se inteirar da situação de insegurança na fronteira e ainda sem condições de projetar quando a II Guerra poderia terminar, os projetos eram traçados para ficar em compasso de espera, aguardando mais incentivos.

    Não era animador saber que as crianças brasileiras iam estudar na Argentina, onde cantavam o hino nacional daquele país. Foi assim que ainda em 1941 as autoridades locais se viram pressionadas a criar um espaço de brasilidade no “Brasiguai” que o Oeste do Paraná era então.

    Desencadeou-se “uma campanha de alfabetização com o maior sucesso, pois em determinados trechos da fronteira com a Argentina, as crianças brasileiras atravessavam-na para adquirir nas escolas desse país os conhecimentos que não lhes eram ministrados em nosso território” (Ademar Marques Curvo, Livro de Ouro do Ministério da Guerra III Exército).

     

    Hitler invade a Rússia, Japão ataca EUA

    Em junho de 1941 a II Guerra chegava ao auge da violência e insanidade. Hitler invadiu a Rússia com a elite de suas tropas, na Operação Barbarossa, e a União Soviética reagiu com a Grande Guerra Patriótica.

    Os nazistas ocupam a Ucrânia, mas enfrentarão severa resistência russa. O desfecho desse ataque, decisivo para os objetivos dos invasores, custou o sacrifício de 20 milhões de vidas.

    A essa altura, as pressões exercidas pelos EUA sobre a ditadura brasileira já havia produzido efeito. A neutralidade frente ao nazifascismo se convertia em bom negócio em 1º de outubro de 1941, quando foi celebrado o Acordo Brasil-EUA.

    O Brasil cedia Natal (RN) para ser uma base aérea estadunidense em troca do desenvolvimento da siderurgia nacional.

    Em novembro, a URSS vencia os nazistas na Batalha de Moscou e o Eixo tentaria um lance ousado em dezembro, quando o Japão atacou a base dos EUA em Pearl Harbor (Havaí).

    O resto de neutralidade que a ditadura brasileira ainda mantinha em relação aos países do Eixo se dissolve em 28 de janeiro de 1942, quando Vargas determina o rompimento de relações com a Itália e a Alemanha.

    Em represália, em fevereiro um submarino nazista afunda o navio brasileiro Buarque, fazendo 54 mortos, no primeiro de uma escalada de ataques.

     

    Tudo leva à guerra

    Em 18 de agosto de 1942, estudantes ocupam o clube alemão Germânia, no Rio de Janeiro, e o prédio se torna a sede da UNE.

    Como em resposta, a 22 de agosto o submarino alemão U-307 afunda cinco navios mercantes brasileiros, nas costas de Sergipe, com a perda de 607 passageiros. O povo irado sai às ruas exigindo que o Brasil declare guerra ao nazismo.

    A ofensiva alemã vai complicar a situação dos descendentes de imigrantes que vivem nas áreas fronteiriças. O governo federal determina que todos os imigrantes de origem alemã, japonesa e italiana que não falassem a língua portuguesa fossem retirados a uma “distância segura” de cem quilômetros das linhas divisórias internacionais, com a máxima urgência.

    Para o efetivo cumprimento da imposição, criaram-se áreas de concentração para a permanência dessas populações “perigosas”.

    A medida favoreceu a localidade de Cascavel, por exemplo, para onde vieram na época diversas famílias de origem italiana expulsas de Santa Helena.

    Cascavel ganharia de Santa Helena, até então a colonização mais bem-sucedida no Oeste do Paraná, baseada em colonos sulistas e descendentes de etruscos, a sua primeira leva importante de imigrantes italianos.

     

    Fronteira ainda pouco brasileira

    A certeza de que o Brasil precisava nacionalizar rapidamente seu Oeste se impôs acima das desgastantes pendências entre Estado e União que produzirão conflitos também sangrentos, de brasileiros contra brasileiros, em imensos desafios à lei e à Justiça.

    A Comissão Especial da Faixa de Fronteira fez um levantamento de dados sobre a realidade oestina. “Segundo pareceres emitidos […] o município de Foz do Iguaçu era despovoado, com uma densidade demográfica de 0,38 habitantes por quilômetro quadrado” (Luciana Grespan Zago, Fronteira e Segurança Nacional no Extremo Oeste Paranaense). 

    A vila pequena e isolada vive na dependência absoluta da navegação argentina: “[…] Toda zona ribeirinha, […] ligada por via fluvial a Posadas, Corrientes, Buenos Aires e ao mar, não tem sinal algum do Brasil e, não possui núcleos de habitação brasileira dignos de menção. […] A própria vila de Foz do Iguaçu não tem como se desenvolver por falta de meios de comunicação” (Theófilo Andrade (O rio Paraná e o roteiro da marcha para o oeste). 

    A pouco brasileira Foz do Iguaçu, entretanto, unia três nações e fazia parte da “avenida” fluvial que se estendia do Mato Grosso ao Atlântico, enquanto penosamente eram iniciadas as obras da ligação rodoviária entre o litoral paranaense e a isolada Foz do Iguaçu de 1941.

     

    Colonos vinham do Alto Uruguai

    Para o governo federal, o fato de Foz do Iguaçu ser um lugar despovoado preocupava muito, sendo um local de trijunção internacional de fronteira, encontro de três países: Argentina, Brasil e Paraguai. “O medo que estrangeiros dominassem extensas faixas de terra, principalmente na fronteira, era comum” (Luciana Zago).

    O esforço para abrasileirar o Oeste precisava de uma política mais resolutiva de ocupar a região com colonos brasileiros cativados pela propaganda da existência de boas terras acessíveis a qualquer um que chegasse.

    Os colonos que vinham à fronteira para ocupar os terrenos liberados para posseiros e colonos desde os tempos da Colônia Militar do Iguaçu eram filhos de imigrantes que ainda dominavam precariamente o idioma português, mas serão as principais forças de afirmação da presença brasileira no interior então despovoado.

    Nesse mesmo ano de 1941 chegavam à futura Santa Terezinha de Itaipu o colono Zeferino Ponzoni, a esposa Josefa Stachelski e os filhos, procedentes do Alto Uruguai.

    Da mesma região, denotando uma corrente, vinha Leonardo Pavlak de Marcelino Ramos (RS), com a esposa Maria e o filho Plínio, trazidos de carroça por Ludovi Jakubowski.

     

    Pegue a terra que quiser

    Percebe-se que alguns não chegavam para se apossar de terras devolutas, preferindo adquirir posses já estabelecidas sobre as melhores terras feitas anteriormente.

    Ponzoni, por exemplo, adquiriu a posse do polonês Adão Kultz, mas muitos outros, como Leonardo Pavlak, requeriam áreas de terras na Prefeitura de Foz do Iguaçu. Era tanto espaço disponível e ainda não requisitado que Pavlak saiu da Prefeitura com autorização para ocupar qualquer área, desde que respeitasse as posses já definidas.

    A tarefa foi bem fácil: conseguiu o local ideal depois de percorrer apenas dois quilômetros margeando o Rio São João. Estava orientado a não derrubar árvores, por conta das novas regras do comércio madeireiro.

    Enquanto os colonos gaúchos chegavam para ocupar terras com burocracia zero, a Comissão de Estradas de Rodagem (CER-1), sob as ordens do coronel José Rodrigues da Silva, dava início às obras de construção da nova estrada entre Ponta Grossa e Imbituva.

    Os trabalhos começaram com rapidez, mas sofreriam descontinuidade com o desgaste da ditadura: à medida que o combate ao nazifascismo aumentava mundialmente, seus simpatizantes no interior do governo eram isolados, a inclinação democrática da população crescia e o regime começava a entrar em colapso.

    Fonte: Fonte não encontrada

  • O enredo da BR-277 na trama geopolítica

    O enredo da BR-277 na trama geopolítica

    As agitações políticas continentais (dentre elas a ambição pró-nazista da Argentina de controlar o Brasil) e o recrudescimento da II Guerra Mundial ajudaram a apressar a iniciativa de construir uma boa rodovia ligando os Campos Gerais ao extremo-Oeste, mas foi uma carência histórica paraguaia o principal motor da continuidade das obras.

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    O que havia, até o início da década de 1940, era a antiga Estrada Estratégica, percurso que aproveitara os melhores trechos das picadas ervateiras.

    Enquanto estudava confiscar mais áreas do Paraná – que já havia perdido seu Sudoeste para Santa Catarina –, o governo federal tomou uma providência que ao contrário de prejudicar o Estado contribuiu fortemente para a integração entre suas regiões.

    Os rumores começaram a circular em março de 1941. Em abril houve o anúncio oficial e logo em 14 de maio de 1941 já surgia oficialmente, um mês depois de anunciada, a Comissão de Estradas de Rodagem para os Estados do Paraná e Santa Catarina (CERPSC).

    As primeiras providências vieram rapidamente: em junho era organizada a Comissão Construtora (CCER-PSC), com a missão de construir a rodovia Ponta Grossa–Foz do Iguaçu e também de reparar os trechos catarinenses Herval-Xanxerê-Itapiranga e completar o trecho São João–Barracão, “ficando ainda a seu cargo a conservação da estrada Curitiba-Joinville até 31 de dezembro de 1941” (Oscar Ramos Pereira, Estradas Paranaenses Construídas pelo Exército).

     

    “Pernambucano decidido”

    A Comissão Construtora foi instalada em Ponta Grossa em julho de 1941 com a tarefa de estudar e construir a “rodovia federal de primeira classe Ponta Grossa–Foz do Iguaçu”, segundo a recomendação feita em 6 de junho de 1941.

    “Posteriormente aquela comissão tomou o nome de Comissão de Estradas de Rodagem 1 (CER-1). Seu primeiro chefe foi o saudoso coronel José Rodrigues da Silva, que iniciou as obras de construção entre Ponta Grossa e Imbituva, aproveitando estudos feitos pelo Estado. Em seguida começaram os serviços de exploração e locação do eixo da rodovia estratégica até Foz do Iguaçu, tendo como pontos de passagem obrigatória Prudentópolis, Guarapuava, Laranjeiras do Sul e Cascavel, daqui seguindo diretamente para Foz do Iguaçu pelo divortium aquarium dos vales dos rios Iguaçu e Piquiri. No que tange ao traçado da BR-277 por Cascavel, aproveitou-se o da velha estrada estadual existente, pondo-o naturalmente em condições técnicas modernas e revestindo-o em parte com pedras poliédricas” (Oscar Ramos Pereira, depoimento ao livro Cascavel, a História). 

    O tenente-coronel José Rodrigues da Silva, designado para chefiar a Comissão Construtora, era um “pernambucano decidido, que nela trabalhou árdua e patrioticamente até 1º de julho de 1947”, segundo o major Oscar Ramos Pereira, no livro sobre as estradas paranaenses construídas pelo Exército:

    − O coronel Rodrigues iniciou os trabalhos de campo em agosto e deu começo, a quatro de setembro de 1941, à construção dos 25 km iniciais já projetados pelo Estado do Paraná. É que enxergava muito bem os duros 586 km a serem vencidos, transpondo todo e qualquer obstáculo que se lhe deparasse à frente, para atingir Foz do Iguaçu com uma estrada de primeira classe.

    Era o início da BR-35, mais tarde BR-277.

     

    O interesse do Paraguai

    Como se fosse um roteiro de cinema tendo como época a II Guerra, a Argentina, então inclinada para o nazismo, pretendia dominar o Brasil quando/se Hitler dominasse o mundo.

    Por outro lado, o Paraguai sempre sonhou com o acesso ao mar. Oferecer essa conquista ao Paraguai poderia garantir o apoio do governo guarani em caso de um conflito com a Argentina de Perón.

    O caudilho argentino, secretamente, como constatou a espionagem brasileira em Buenos Aires, aspirava controlar o Brasil a serviço do nazismo.

    Em 1939, o general José Félix Estigarribia assumiu a presidência do Paraguai e se declarou ditador “temporário” em fevereiro de 1940, prometendo entregar o comando quando fosse aprovada uma nova Constituição.

    Enquanto isso, ampliou a reforma agrária, reabriu a universidade e determinou uma série de medidas econômicas e projetos de desenvolvimento. Em agosto de 1940, com uma nova Constituição à sua feição, o general ganhou tempo para avançar em seus projetos.

    Um dos heróis paraguaios da Guerra do Chaco, Estigarribia teve a iniciativa de manter e ampliar intercâmbio comercial com o Brasil e os EUA, dos quais esperava apoio à sua pretensão estratégica: chegar ao mar.

    Era “um desejo veemente”, nas palavras do general, encontrar “saída na costa atlântica, para que o País contasse com duas avenidas* para seus contatos e suas comunicações com o mundo”.

    Não foi uma conquista imediata, mas ela seria facilitada em 1941 pelo primeiro passo para a nova obra, “de feitio homogêneo e de acordo com os padrões de trafegabilidade exigidos pelo transporte de caminhões carregados de madeira”.

    *Uma “avenida” seria o Rio Paraná. A outra, a BR-277.

     

    A força de Juarez Távora

    Quem passava pela antes desprezada Encruzilhada dos Gomes, desde 1938 a sede de um distrito de Foz do Iguaçu, começava a sentir que Cascavel teria um grande futuro.

    Surpreendentemente, ao contrário das demoradas providências governamentais, as obras começaram bem logo, apenas um mês depois de concluídos os trâmites burocráticos, em 7 de julho.

    A surpresa tinha nome: as obras foram apressadas por influência direta do coronel Juarez Távora (1898–1975) junto ao Estado Maior do Exército quando, na condição de subchefe na construção da estrada da Ribeira, estudou as necessidades estratégicas que já havia percebido em seus tempos de jovem revolucionário nas matas do Oeste.

    Távora havia participado da Revolução Paulista de 1924/5 e conhecia bem a região. Avaliava positivamente seu potencial e sabia o quanto a rodovia era importante para o desenvolvimento do interior do Brasil.

    Foi “diante do imperativo em se dar aos oficiais do Quadro Técnico da ativa, provenientes do 1º Batalhão Rodoviário de Curitiba, um aproveitamento de real amplitude no exercício de suas especialidades, que foi criada a Comissão de Estradas de Rodagem nº1; ou, simplesmente CER-1” (DER Paraná, histórico).

    Entre outras tarefas, cabia à CER-1 promover melhoramentos na rodovia Ponta Grossa-Guarapuava e realizar estudos do desafiador – e longo – trecho Guarapuava-Foz do Iguaçu. Com isso, o início foi rápido, mas as obras enfrentariam obstáculos criados pelo próprio governo por falta de democracia.

     

    Madeira, a grande motivação

    Embora a safra de café de 1941 tenha sido um sucesso, repetindo 1940, a nova rodovia seria prioritariamente voltada ao transporte da madeira. No mesmo ano do início das obras da nova estrada foi criado o Instituto Nacional do Pinho.

    Surgindo para promover o comércio desse produto no interior e exterior do País e contribuir para o reflorestamento nas zonas de produção, o INP já sinalizava a preocupação com a rápida devastação das florestas de araucária e a necessidade de ao menos promover e fomentar o reflorestamento.

    O Instituto foi encarregado de ao mesmo tempo defender os interesses da produção madeireira, pela criação de medidas legais e incentivos, e também “promover o reflorestamento das áreas exploradas e desenvolver a educação florestal nos centros madeireiros”.

    Historicamente, refletia a ascensão econômica e política definitiva da classe madeireira sulina junto ao governo federal (Miguel Mundstock Xavier de Carvalho, O desmatamento das florestas de araucária e o Médio Vale do Iguaçu). O chamado ciclo da madeira chegava ao auge.

     

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  • Os famigerados irmãos Zandoná: heróis ou jagunços?

    Os famigerados irmãos Zandoná: heróis ou jagunços?

    O começo da década de 1940 foi uma época extremamente difícil para o mundo. Em plena II Guerra Mundial, o Brasil estava asfixiado pela ditadura, havendo intensa perseguição aos filhos de imigrantes, sobretudo, no Sul, aos italianos e alemães.

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    Neste último caso, pela suposição de que todo alemão fosse nazista, como atualmente há quem suponha, sem noção da realidade, que todo russo apoie a ocupação da Ucrânia.

    O estopim para a perseguição se deu em março de 1941, quando o navio brasileiro Taubaté foi atacado por um avião de guerra nazista no Mediterrâneo, causando comoção nacional.

    No remoto interior paranaense, longe do conflito mas já trabalhando para a necessária reconstrução das áreas destruídas, a dedicação aos serviços madeireiros era recompensada por um rápido desenvolvimento.

    O estudo das atividades desenvolvidas pelas famílias já constituídas ao chegar à vila de Cascavel na primeira metade dos anos 1940 aponta uma diversidade de iniciativas.

    Sendo em geral numerosas, as famílias dividiam seus membros entre atividades rurais (lavoura, criação e tarefas com madeira) e urbanas (comércio e prestação de serviços). Alguns também serviam a órgãos do Estado.

     

    A parteira que teve muitos filhos

    Foi a diversidade de trabalhos prestados à comunidade que fez da família Zandoná uma das que participariam de forma decisiva e dinâmica na formação da cidade.

    Pedro e Gemma Barbieri Zandoná, a Mamãezinha, travaram contato com Cascavel em 1941, ao cabo de uma penosa viagem que durou 16 dias. Filhos de imigrantes italianos, Pedro e Gemma nasceram em Lagoa Vermelha (RS), onde também constituíram família e depois se transferiram para Concórdia (SC), cidade cujo nome harmonizava Paraná e Santa Catarina para dar fim aos atritos do Contestado.

    Gemma teve nove filhos: Laura (Miotto), Adelino, Vivaldino, Osvaldo, Elia (Lopes), Maria (Fávero), Dorivaldo, Donarino e Neli. Ganhou o apelido de Mamãezinha por ser parteira e assim chamar as jovens pioneiras que davam à luz na região.

    A maioria dos cascavelenses nascidos nos anos 1940 e 1950 viu a luz pelas mãos de Gemma Zandoná.

     

    A importância do Hotel Gaúcho

    A família logo se destacou, estabelecendo-se com loja, serraria e negócios com erva-mate, além de adquirir um terreno junto ao líder da comunidade, Jeca Silvério, para ali abrir o Hotel Gaúcho.

    Foi nessa hospedaria que o madeireiro Florêncio Galafassi morou por dois anos, até construir residência na cidade enquanto estruturava a Industrial Madeireira do Paraná (Imapar), da família Festugato.

    O Hotel Gaúcho foi também a base da família Zanato para iniciar a cidade de Corbélia e da família do alfaiate Ítelo Webber, que pretendia seguir para a região do Rio Piquiri mas decidiu não prosseguir por conta dos conflitos de terras entre Cafelândia e Nova Aurora.

    Ali o futuro vereador, prefeito e deputado estadual Fidelcino Tolentino também teve seu primeiro emprego na cidade, ainda bem jovem, trabalhando com o pai José, que comprou o hotel. 

    Pedro Zandoná tinha muita influência na comunidade. Seus filhos Vivaldino, Osvaldo e Dorivaldo participaram da fundação e diretorias do Tuiuti Esporte Clube.

    Pedro foi um dos líderes da comunidade que convenceu José Neves Formighieri a se candidatar à Prefeitura de Cascavel em 1952.

    Como toda família numerosa, sobretudo famílias que participam diretamente de suportaram o pior dos tempos pioneiros.

     

    Os irmãos nervosos

    Dorivaldo Zandoná, o Vesgo, tinha 9 anos quando a família veio para Cascavel. Adulto, foi motorista da Fundação Paranaense de Colonização e Imigração, tarefa na qual ganhou a fama de jagunço* perigoso.

    Sua péssima fama piorou ao ser preso por se envolver em briga na Churrascaria Maracanã, em 1956. Dela resultou a tragédia conhecida como o “Crime do Espeto”, na qual foi morto o proprietário do estabelecimento, Antônio Cirilo Perboni. Vesgo foi condenado a seis anos de prisão.

    O gerente bancário Rubens Nascimento, no livro Histórias Venenosas, conta que sabia da fama de jagunços de Dorivaldo e do irmão Donarino, o Bernardão, mas se surpreendeu no contato pessoal:

    “Vesgo não era vesgo, e até bem apessoado, embora ambos se mostrassem um tanto arredios, recatados, sem muitas palavras, mas se mostraram educados e respeitosos, até algo tímidos, como avessos à fama que gozavam”.

    A serviço da Fundação, na condição de guardas patrimoniais, Vesgo e Bernardão foram considerados heróis em diversas ocasiões.

     

    Técnica de convencimento

    Rubens Nascimento conta que certa vez os irmãos Zandoná foram chamados para apaziguar um posseiro de nome Danton, que impedia os topógrafos do governo de atravessar suas terras para prosseguir com a medição.

    O posseiro ameaçou os funcionários do Estado com uma espingarda junto à cerca e eles chamaram o apoio de guardas patrimoniais para dar sequência ao trabalho. Eram os irmãos Zandoná. Nunca se soube exatamente o que eles fizeram nessa diligência, mas os agrimensores relataram que logo ao chegar eles tranquilizaram facilmente o valentão.

    Inquiridos sobre como conseguiram a façanha, Vesgo, o mais comunicativo, disse ter dito ao posseiro: “Se você impedir a passagem dos topógrafos ou disparar um só tiro contra os agrimensores vamos te comer vivo”.

    A fama de bad boys do sertão, portanto, não era de todo injusta. Para os posseiros, embora os irmãos estivessem a serviço do Estado eram demônios humanos que “matavam só pra ver o tombo”.

    *O termo “jagunço” designava qualquer pessoa ostensivamente armada.

     

    Escapou vivo e fez história

    A tristeza pelo envolvimento do Brasil na guerra foi amenizada por uma notícia festejada com muita alegria já em abril de 1941: a solução para o grave problema do transporte entre Guarapuava e Foz do Iguaçu, que atrapalhava o comércio do médio-Oeste com os portos do Rio Paraná e nos dias de chuva atrasava por vários dias a recepção de mercadorias, estacionadas no centro do Estado.

    O que havia, até então, era a antiga Estrada Estratégica, que aproveitava os melhores trechos das picadas ervateiras e militares até o divisor de águas em Cascavel, de onde seguia para Foz do Iguaçu.

    A Estratégica veio projetar a então vila de Cascavel, pertencente a Foz do Iguaçu e até os anos 1930 apenas um ponto de passagem sem atrativos, como um futuro centro polarizador da região.

    As obras da rodovia federal tiveram início em 7 de junho de 1941, tendo por trás da pressa alguém que correu risco de vida por sua passagem no Oeste do Paraná.

    O coronel Juarez Távora era um dos soldados revolucionários que ocupou o Oeste do Paraná entre 1924 e 1925 e teria um triste destino se fosse capturado no cerco a Catanduvas. Do preso dois anos depois, mas fugiu da cadeia e continuou a lutar contra o governo.

    Com a revolução de 1930, agora vencedor, sua carreira militar avançou, bem como sua influência junto ao Estado Maior do Exército. Sendo conhecedor da importância da região, o parecer de Távora sobre a importância estratégica de uma boa rodovia no interior paranaense prevaleceu.

    Fonte: Fonte não encontrada

  • Os mundos paralelos de Pompeu e Silvério

    Os mundos paralelos de Pompeu e Silvério

    Nascido em Catanduvas, Aírton Pompeu Reis (1932–2007), que seria advogado, líder político oestino e secretário do governo do Paraná, declarou ao pesquisador Sérgio Antônio Thomé (A Primeira Escola Primária em Cascavel) ter estudado em Aparecida dos Portos entre 1940 e 1941, fazendo a segunda e terceira séries na Casa Escolar dessa vila.

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    Que “Aparecida dos Portos” é essa, que não figura sequer em antigos mapas? Oficialmente, a vila citada por Reis tinha o nome de Cascavel. Era a sede de um importante distrito de Foz do Iguaçu desde 1938, mas os religiosos insistiam em chamar o lugar de “Aparecida dos Portos”, nome cunhado erroneamente pelo prelado de Foz do Iguaçu, monsenhor Guilherme Maria Thiletzek, em 1931. Afinal, Cascavel possuía muitas nascentes e riachos, mas nenhum com portos, que estavam no Rio Paraná.

    A briga pelo nome da cidade

    Para os viajantes, de passagem, o lugar continuou sendo “Encruzilhada dos Gomes” até a criação do Território Federal do Iguaçu, em 1943, quando a ditadura tentou sem sucesso mudar o nome do lugar para “Guairacá” (Alceu e Regina Sperança, Cascavel: Uma Santa na Encruzilhada).

    Antes residentes em Guarapuava, a mãe de Aírton, Alvina Pompeu Reis (1913–2008), era professora e o pai, Horácio Ribeiro dos Reis (1912–1987), prestava serviços aos Correios e Telégrafos.

    A família Reis (Preto no Branco, 4/4) se transferiu para a vila porque Horácio foi designado para trabalhar em Cascavel, que era como os Correios consideravam o nome da vila.

    Para Aírton, os professores chamavam a localidade como “Aparecida dos Portos” porque o nome oficial, “Cascavel”, não era bem aceito por muitos e principalmente pelos mais religiosos.

    “Aírton contou que no cabeçalho do caderno escreviam o nome da comunidade (hoje Cascavel), Aparecida dos Portos” (Sérgio Thomé, A Primeira Escola Primária em Cascavel).

    Biografias entrelaçadas

    O ano de 1940 foi o auge da ditadura Vargas. Os partidos e entidades da sociedade civil estavam abolidos, os direitos suspensos, o Congresso Nacional fechado, a imprensa e as artes sob censura obrigadas a estabelecer o controle ideológico da população por meio do ufanismo, em vertente brasileira do fascismo europeu.

    Para conhecer o país que emergiu da revolução de 1930, o governo chamou um novo recenseamento nacional da população, que passaria a ser decenal. O encarregado de fazer o Censo na região de Cascavel foi Manoel Ludgero Pompeu, pai de Alvina Reis e avô de Aírton.

    Manoel, ligado aos getulistas, trouxe os filhos para Cascavel, dentre os quais Amadeu, então com treze anos, que viria a ser um dos fundadores da Acic. Com isso, passou a compartilhar o comando de Cascavel com Jeca Silvério.

    Há uma impressionante correlação entre as biografias dos dois, como se fossem personalidades destinadas aos mesmos propósitos. Eram amigos, correligionários e agiam de acordo.

    Jeca Silvério nasceu em 21 de março de 1888, em Candói (PR).

    Manoel Pompeu, em 26 de março de 1888, em Nonoai (RS).

    Silvério foi subprefeito distrital de Cascavel e seu sucessor foi Pompeu.

    As famílias dos dois participaram ativamente da afirmação de Cascavel como cidade, associadas às famílias de seus filhos, genros e noras.

    Manoel morreu em 24 de dezembro de 1966, na véspera do Natal. Silvério, em 31 de dezembro, na véspera do Ano Novo.

    Com vidas paralelas, ao se estabelecer em Cascavel eles foram complementares.

    A explosão do Norte

    O Censo Demográfico de 1940 registra o Paraná com 1.236.276 habitantes. Em todo o Oeste, havia uma irrisória população de apenas 7.645 habitantes, equivalente a um bairro de qualquer cidade média da região.

    Pelo censo de 1940 a vila de Cascavel constava com 404 habitantes, 80% desta população residentes na zona rural.

    Enquanto Estado e União se enfrentam na Justiça pelo domínio das terras do Sudoeste, no Norte do Paraná a colonização se acelerava sem obstáculos. Paralelamente à inglesa Companhia de Terras Norte do Paraná, várias outras empresas menores atuaram na região, nos anos seguintes também em direção ao Oeste, antecipando o boom imobiliário do pós-guerra.

    Eram elas Boralli e Held (Alto Paraná), Cobrinco (Santa Cruz do Monte Castelo), Leôncio de Oliveira Cunha (Paraíso do Norte), Armando Chiamulera e sócios (Nova Londrina), Tarquínio Ferreira e outros (Santa Isabel do Ivaí), Spinardi e Sebastião Delfino (Loanda), Gutierrez Beltrão (Tamboara), Organizações Ademar de Barros (Terra Rica), Imobiliária São Paulo-Paraná (Querência do Norte), Sivas Pioli (São Carlos do Paraná), Almeida Prado (Itaúna do Sul e Diamante do Norte).

    As imobiliárias recebiam do Estado áreas de 10 mil alqueires e deveriam abrir estradas e patrimônios e se incumbir da venda dos lotes. Depois desta fase, pagavam uma cota determinada ao Governo do Paraná, que expedia, então, os títulos definitivos de propriedade. (…) a maioria girava em torno de uns 250 hectares” (Ana Yara D. P. Lopes, Pioneiros do Capital – A Colonização do Norte do Paraná).

    Posse, venda e roubo de terras

    No início da década de 1940 já estavam concentrados na região Norte do Estado 340.449 habitantes, “o que correspondia a nada menos que 27,5 por cento do total do Estado” (Fernando Antonio Sorgi, Desenvolvimento Econômico Regional: Um Estudo do Norte Pioneiro do Paraná).

    Essa população responde por uma crescente produção de café no Estado, que em 1940 já é responsável por 7% da safra nacional. Mas o Oeste ainda continuava desafiador.

    O Estado não podia agir e a União pouco agia, mas um novo estímulo à procura por terras no interior começou a se apresentar em 14 de fevereiro de 1941, quando as sempre anunciadas mais ainda indefinidas colônias agrícolas federais foram regulamentadas por decreto-lei.

    Em meio à multidão de aventureiros que se deslocam ao Paraná há desde colonos com algum dinheiro e posseiros sem eira nem beira até colonizadores desonestos e grileiros.

    “A grilagem de terras no Paraná fica clara no Relatório da Interventoria Federal do Paraná ao Presidente da República – relativo ao período de 1932 a 1944, quando relaciona 20 grandes grilos de terra no Paraná, perfazendo uma área total de 2.434.567 alqueires, quase 20% de todo o território do Estado” (Valdir Izidoro da Silveira, Os Comunistas e a Reforma Agrária no Paraná).

    Epidemia abalou a ditadura

    Sabendo que a maior parte das áreas griladas pertencia a milhares de posseiros cujo pioneirismo de fato desbravou o interior do Paraná, o interventor Manoel Ribas afirmou, frente à gravidade da situação: “Precisamos acabar com esses senhores feudais”.

    As viagens dos colonos em busca de terras no remoto sertão sofreu então um forte obstáculo: no primeiro trimestre de 1941, chegando ao auge em março, uma epidemia de malária grassou nas regiões de colonização recente.

    O governo acabara de festejar a erradicação do mosquito transmissor no Nordeste quando a realidade superou a propaganda e mostrou sua gravidade no interior paranaense, obrigando à reorganização, já em 2 de abril, do Departamento Nacional de Saúde, do Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública, incluindo o Serviço Nacional de Malária.

    A propaganda ufanista desmoralizada pelos fatos foi uma das causas da crescente rejeição ao regime ditatorial, que ainda se aguentou até a guinada de Vargas para o lado dos Aliados na II Guerra Mundial, quando o anseio por democracia se tornou incontrolável.

    Foi a necessidade de vencer a malária, aliás, que empurrou o Brasil para a influência estadunidense e, assim, para o lado que venceria o conflito.

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  • Veio procurar petróleo e fundou um clube

    Veio procurar petróleo e fundou um clube

    Na queda de braço entre União e Estado para comandar o esforço de desenvolvimento e colonização no Oeste, em 1940 a Delegacia da Capitania dos Portos do Estado do Paraná, criada em 1924 por lei federal e instalada em 1933 como estadual, em 1940 foi recriada como Capitania Fluvial dos Portos do Rio Paraná por decreto do presidente Getúlio Vargas.

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    Os atritos entre União e Estado iriam dar em uma arrastada pendência judicial e conflitos sangrentos pela posse da terra, mas com a II Guerra em pleno curso e aumentando a destruição na Europa, a necessidade de reconstrução faz a década de 1940 começar altamente promissora para o Oeste do Paraná, por conta de suas matas cobertas de madeira.

    O movimento madeireiro abriu um leque de oportunidades para os aventureiros que vinham para a região. Os relatos indicam que eles chegavam, ocupavam uma área e partiam em busca das famílias. Na volta corriam o risco de encontrar outra família no local – ou, pior, os jagunços dos grileiros de terras.  

    Lavoura, moinho, mel, loja, hotel, ônibus…

    A história de José Bartnik, filho do marceneiro e carroceiro polonês Valentin e de Maria Galeski Bartnik, é um caso exemplar de sucesso entre os pioneiros. Nascido em 21 de junho de 1908 em Colônia Vieira, no Município catarinense de Canoinhas, José uniu as famílias Galeski e Bartnik à Tfardoski, de sua esposa Bertha, de origem austro-alemã, que vivia em Catanduvas.

    A família Bartnik pertence ao núcleo inicial de colonos poloneses e ucranianos que se deslocou de Santa Catarina ao Paraná na década de 1920. Os Bartnik se instalaram inicialmente em Catanduvas e depois em Formiga (Cascatinha).

    Até por volta de 1939 ele trabalhou na lavoura, vindo depois a montar um moinho para arroz, fubá e trigo, possuindo, ainda, cerca de 400 caixas de abelhas, vendendo os produtos da apicultura em Ponta Grossa e Guarapuava.

    Em 1940, vendendo essa propriedade “por 18 contos”, veio morar em Cascavel, montando uma loja de secos e molhados. Marceneiro, carpinteiro, comerciante, hoteleiro, também atuou no setor de combustíveis e teve uma empresa de ônibus na linha Cascavel-Corbélia.

    Além de fundar o Tuiuti Esporte Clube ao lado de outros pioneiros em 1949, Bartnik foi eleito vereador para a primeira legislatura, em 1952, e foi secretário da Câmara quando o Município começou a funcionar, em 1953. José Bartnik e Bertha tiveram nove filhos: Atacília, Ercílio, Valdir, Gládis, Ivone, Loudi, Zita, Neli e Judite. Ele morreu em 22 de setembro de 1968.

    Avião apoiava avanço dos colonos

    O cenário em que Bartnik se movia era a arrancada do ciclo madeireiro regional, favorecido pelo Correio Aéreo, que aproximava os colonos do contato com as famílias nas regiões de origem.

    A movimentação de correspondências, remédios e artigos perecíveis pelo ar aumentou, determinando em 1940 as reformas dos campos de aviação de Cascavel, Pinheirinho e Vinte-e-Quatro, tarefa entregue pelo Departamento de Aviação Civil ao feitor Floriano Borissa.

    Sebastião Alves Krassuski, que viria a ser um dos fundadores do Tuiuti Esporte Clube ao lado de Bartnik, dos aviadores e famílias ligadas a Florêncio Galafassi e Manoel Ludgero Pompeu, começou a se fixar na região de Cascavel em novembro de 1945, quando partiu de Laranjeiras do Sul, então capital do Território Federal do Iguaçu.

    Nascido em Guarapuava, Krassuski chegou para trabalhar na função de motorista de caminhão, empregado pela Comissão de Estradas de Rodagem, que prosseguia as obras da rodovia federal, futura BR-277, mas já conhecia Cascavel desde 1940, quando, aos 23 anos, fazia o transporte de operários para trabalhar na construção do segundo aeroporto cascavelense.

    Gaiotas: presentes em todas as obras

    A tecnologia para o transporte de material eram gaiotinhas puxadas por jumentos. A gaiota era um misto de carrocinha com vagonete, com mecanismo para deslizar sobre trilhos.

    Os operários contratados para a empreitada de reconstrução, vindos de outras regiões, ao concluir o serviço tinham duas opções. Voltariam aos locais de origem para esperar novos trabalhos. Ou aceitariam a oferta de terras para ficar na vila, onde já havia oportunidades na indústria madeireira e prestação de serviços.

    Mas Krassuski ainda voltaria a Guarapuava e só no final da II Guerra decidiu se radicar em Cascavel. O caminhão utilizado por Krassuski na época, segundo Antônio Coutinho, filho de José Coutinho, um dos operários que participou das obras do aeroporto, pertencia a uma companhia norte-americana de exploração petrolífera.

    Era a Standard Oil, da família Rockfeller, que por meio da Companhia Geral Pan-Brasileira, ligada a Moysés Lupion, perfurou dois poços de petróleo na região de Cascavel.

    Sinais dizem que há petróleo

    Hoje essa lembrança parece fantástica e surreal, pois não há petróleo em Cascavel. No entanto, fala-se em petróleo no Paraná desde fins do século 19, quando uma equipe norte-americana foi contratada para explorar e abrir 124 poços na bacia do Rio Paraná.

    Mapas geológicos estadunidenses da época apontavam para a existência de recursos minerais variados na região, inclusive petróleo. Isto se deve à presença de uma ampla camada de basalto, rocha firme resultante da existência de vulcões ativos na região na pré-história.

    Para saber o que ela esconde, só perfurando. Por isso o interior do Paraná foi pioneiro também na exploração petrolífera nacional. O primeiro poço do Brasil foi aberto em Inácio Martins, próxima a Guarapuava e Irati.

    Entre 1980 e 1982, a Paulipetro, estatal paulista criada pelo então governador Paulo Maluf, perfurou 69 poços sem achar jazidas viáveis. Entre 1998 e 2008, a Agência Nacional do Petróleo ofereceu em leilão 11 blocos para a exploração de petróleo, sem sucesso. Oito nem receberam lances.

    Em 2010 a ANP voltou àquela região, com mais de 600 homens encarregados de achar petróleo e gás desde o Sul até a área de Itapejara do Oeste.

    Foi mais uma das frustradas operações do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), mas deixou como legado o estudo exploratório da Bacia Sedimentar do Paraná.

    Das cartas ao ramo imobiliário

    Quando veio se fixar em Cascavel, Sebastião Krassuski não imaginava que iria se tornar uma das pessoas mais conhecidas e estimadas da cidade depois de participar em 1949 da fundação do Tuiuti Esporte Clube, do qual foi ecônomo.

    Em sua época, o Tuiuti funcionava como uma espécie de cassino informal. Sendo o jogo legalizado desde 1933 e proibido no governo Dutra em 1946, o clube, fundado em 1949, contava com um salão de jogos de cartas.

    Mesmo atacado pelos religiosos, o carteado funcionava porque as autoridades estavam distantes, em Foz do Iguaçu, e os policiais do distrito de Cascavel fechavam os olhos para o jogo, que não tinha ligações criminais, ficando sob a vigilância do ecônomo e rigorosa obediência às regras do clube.

    Com isso, eram permitidas as rodadas de pife-pafe e pôquer, que movimentavam a sociedade cascavelense. Com a instalação do Município, em 1952, e da Justiça Estadual, em 1954, os jogos de azar no clube não seriam mais aceitos.

    A extinção dos jogos de cartas inviabilizou o trabalho de Krassuski na administração dos jogos de salão no Tuiuti, mas o transformou em corretor de imóveis. O Município tinha muitos lotes para vender e precisava dessa renda para tocar as atividades da Prefeitura.

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  • Militares comandam o Oeste durante a guerra

    Militares comandam o Oeste durante a guerra

    Embora o governo do Paraná estivesse impedido de agir na região de fronteira, uma das razões pelas quais em 1940 a matriz Pinho & Terra criou a Colonizadora Gaúcha, que daria origem a São Miguel do Iguaçu, foi a orientação estadual de aproveitar os recursos florestais da região, antecipando-se aos madeireiros argentinos apanhados roubando madeira pelos militares que chefiavam a Prefeitura de Foz do Iguaçu.

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    Com a Colonizadora Gaúcha, entram para a história do Paraná os ítalo-gaúchos Alfredo Paschoal Ruaro, Luiz Dalcanale, Arlindo Mosé Cavalca e Benvenuto Verona. O desmatamento que eles trarão será considerado patriótico. Até o corte da primeira árvore pela empresa foi festejado como feito histórico.

    Além da atenção especial que a guerra obrigava o Exército a ter no patrulhamento da fronteira, a Delegacia da Capitania dos Portos do Estado do Paraná, criada em 1924, deixa de ser uma representação estadual: era promovida a Capitania Fluvial dos Portos do Rio Paraná, aos cuidados da Marinha.

     

    A II Guerra continua

    Enquanto o governo brasileiro aprimorava a fiscalização nas fronteiras, Benito Mussolini, em 10 de junho de 1940, declarava guerra à França e Inglaterra.

    Empolgado, no dia seguinte o ditador Getúlio Vargas faz um discurso pró-fascismo, a bordo do encouraçado Minas Gerais. Não ficaria só no discurso: em setembro, a Marinha inglesa aprisiona em Lisboa o navio brasileiro Siqueira Campos, que trazia armas alemãs para o Brasil.

    Se as bases para as informações históricas sobre o Médio-Oeste do Paraná foram as memórias de Sandálio dos Santos (1902–1964) e Alípio de Souza Leal (1889–1974), a base dos cenários regionais dos anos 1940 veio dos prefeitos militares de Foz do Iguaçu e de Oscar Ramos Pereira (1911–1982).

    A importância dos relatos começa já pela biografia de Ramos Pereira, cearense de Fortaleza nascido em 11 de abril de 1911. Primeiro da turma ao se formar no Colégio Militar da cidade natal, era aspirante a oficial da Engenharia, em dezembro de 1932, quando se integrou ao 12º Batalhão Rodoviário do Paraná.

     

    Oscar, um trunfo para Cascavel

    É desde essa época, portanto, que Ramos Pereira passa a anotar observações sobre os trechos de estradas que ajudou a construir.

    Chamado a participar da construção da Escola Militar de Rezende (RJ), atual Academia das Agulhas Negras, depois da obra, em 1940, que Oscar foi lotado na Comissão de Estradas de Rodagem (CER) Paraná-Santa Catarina, encarregada de construir a futura BR-277, oficializada em 1941.

    Nessa tarefa ele conheceu Cascavel, em 1952: vinha substituir o capitão Dalmo Lemos Pragana (1919–2004) na chefia da 5ª Seção da CER-1, setor regional da Engenharia do Exército criado em 1945.

    Logo Oscar se apaixonou pela cidade. Para ele, era como se uma criança estivesse nascendo e precisasse de cuidados para começar a andar. Foi pensando assim que aceitou convite do prefeito José Neves Formighieri para dirigir os serviços topográficos do novo Município.

     

    “Piquiriguaçu”

    É com o apoio dessa história de íntima relação com o interior do Paraná que Oscar Pereira resumiu o que encontrou na região nessa época. Ele no início se alinhava à ótica dos representantes de Vargas no apoio à Marcha para Oeste mas também viu distorções e passou a se alinhar aos paranistas.

    Em depoimento para a memória histórica de Cascavel, Oscar escreveu:

    – Em 1940, como nos anos anteriores, os governos estaduais muito pouco faziam para o desenvolvimento daquela portentosa região mediterrânea, que poder-se-ia chamar, em suave e eufônica toponímia composta, Piquiriguacu, por se situar entre os grandes cursos d’água, o Rio Piquiri e o Rio Iguaçu, com assinalados destaques na História paranaense.

    – Ante essa condição, o governo federal, atendendo à ótica de então, criou o Território Federal do Iguaçu, com área desmembrada dos Estados do Paraná e Santa Catarina, e sediando a capital do Território na cidade de Laranjeiras do Sul, semeando, assim, descontentamento no seio da tradicionalidade paranaense, que nunca aceitou como justo o ato do governo federal, ao estabelecer essa verdadeira capitis diminutio em relação à capacidade realizadora das administrações do Paraná, mas que feria, profundamente, todo um passado de iniciativas desbravadoras dos paranaenses, que, se melhor não puderam realizar na região territorializada, foi porque não se estendiam, nessa região, as programações administrativas governamentais.

    – Bem por isto e acolhendo o desagrado dos paranaenses é que foi incentivado por parlamentares paranaenses postulando no Congresso Nacional a reintegração da área federalizada, finalmente restabelecida em 1946 com a extinção do Território do Iguaçu, que salvo a experiência de mais um grande erro no período ditatorial, nada produziu, senão que acarretou enorme dessoramento de verbas federais, inocuamente dissipadas na pretendida nova unidade territorial.

     

    Os prefeitos militares

    Foz do Iguaçu teve dois prefeitos em 1940. O tenente Abílio Rodrigues e o capitão Miguel Balsi administram então um município correspondente a um oitavo do território paranaense, exercendo cumulativamente as funções de delegados regionais de polícia.

    Eles vigiam tanto a ofensiva dos argentinos no contrabando de madeira quanto a crescente chegada de colonos gaúchos que já somam nessa época ao redor de 15 mil pessoas na região (Jean Roche, A Colonização Alemã e o Rio Grande do Sul).

    Os prefeitos militares de Foz do Iguaçu serem também chefes policiais se explica pelo decreto-lei 2.262, de 3 de junho de 1940. Com ele, o presidente Getúlio Vargas determinava que cidades de interesse estratégico passavam a ser “consideradas guarnições especiais, em virtude de estarem situadas em locais de condições de vida precária”.

    Além de Foz do Iguaçu, figuravam no decreto, dentre outras, as cidades de Cáceres, Porto Velho, Macapá, Rio Branco e Oiapoque.

    A estratégia do governo estadual para intervir na faixa de fronteira se baseou, assim, no incentivo à colonização por empresas imobiliárias e, nas áreas devolutas, como no Sudoeste, a ocupação da terra pela posse.

     

    Bate-cabeça entre Estado e União

    “A partir destes fatos, intensificou-se o fluxo migratório na região com famílias se estabelecendo e, dando início a uma povoação partir de 1940, o governo federal estimulou a política de ocupação de espaços vazios. Desta forma intensificou-se a colonização, com mais levas de gaúchos e catarinenses e paranaenses de outras regiões do Estado” (João Carlos Vicente Ferreira, Municípios Paranaenses, Origens e Significados de seus Nomes).

    Já em 1930 uma vasta porção de terras antes entregue pelo governo brasileiro ao magnata norte-americano Percival Farquhar e sua falida empresa Brazil Railway havia retornado ao domínio do Paraná por um decreto estadual que anulou a concessão.

    Dez anos depois, ignorando a medida paranaense, a União tomou para si as glebas Missões e Chopim a pretexto de se ressarcir de uma dívida da Brazil Railway junto ao Tesouro Nacional.

    A incorporação foi contestada pelo Paraná com o argumento de que a empresa estadunidense não era mais detentora dos títulos de posse havia dez anos. Estará aí uma das principais causas dos conflitos de terras na região.

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