O sonho de cursar Medicina no Brasil estava fora dos planos, e do bolso, de Danielly Luz, mas após pesquisar muito e dialogar com a família, a pernambucana de 22 anos viu a chance de chegar à tão sonhada formação quando encontrou cursos de Medicina no Paraguai e que estavam praticamente focados em brasileiros, nas ementas e nos valores.
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Enquanto no Brasil a mensalidade pode passar de R$ 10 mil em universidades particulares – nas públicas a disputa costuma ser superior a 100 candidatos por vaga – no Paraguai a média das mensalidades é de menos de R$ 2 mil.
A estudante não está sozinha nessa lista imensa. Há neste momento, segundo análise do Idesf (Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras), cerca de 40 mil brasileiros cursando Medicina em cidades como Pedro Juan Caballero, na fronteira dom o Mato grosso do Sul, e Cidade do Leste, na fronteia com o Paraná, em Foz do Iguaçu. “E geralmente esses brasileiros não vivem no Paraguai, moram no Brasil, nas cidades de fronteira e atravessa todos os dias para estudar lá”, afirma o presidente do Idesf, Luciano Barros.
O Idesf endossou um estudo sobre o impacto na economia das cidades de fronteira, estimulo pela presença de estudantes e seus familiares que resolvem viver nestes municípios., “De modo geral é um impacto positivo porque costumam vir para a região profissionais qualificados e muitos destes estudantes permanecem por aqui após formados Isso ajuda a movimentar a economia e a qualidade de vida”, completou Barros.
O levantamento mostrou que há na região estudantes de várias partes do Brasil, principalmente das regiões Norte e Nordeste. Somente em Ponta Porã, estimava-se que a cidade havia recebido de 12 mil a 15 mil estudantes nos últimos anos, fora os familiares. Somado a Foz do Iguaçu, rumo a Cidade do leste, esse número passa dos 40 mil.
Movimentos analisados por pesquisadora
Três movimentos fizeram a advogada e Procuradora Municipal de Ponta Porã, Laura Karoline Silva Melo, realizar uma pesquisa de Mestrado pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul. Com o título “Estudantes de medicina e políticas públicas na fronteira: um olhar sobre as cidades gêmeas de Ponta Porã (BR) e Pedro Juan Caballero (PY)”. “Nas narrativas dos entrevistados – Laura utilizou o método qualitativo, com coleta de dados a partir de entrevistas com roteiro semiestruturado com agentes públicos e privados – é ponto comum a percepção de que, dentre os pontos positivos da chegada dos estudantes à cidade, está a movimentação da economia: novos trabalhadores, aumento na arrecadação municipal, no setor de serviços, alimentação, setor imobiliário, etc”, reforçou.
“Por outro lado, o poder público também observa alterações no orçamento municipal, principalmente com maior demanda aos serviços de saúde e educação; este último, bastante afetado pela necessidade de mais vagas em centros de educação infantil”, considerou.
A advogada explicou sobre alguns pontos de atenção em relação a este fenômeno. “Há uma série de dados e aspectos que necessitam de uma análise mais apurada. No Sistema Único de Saúde, por exemplo, se olharmos os pacientes que são atendidos no centro de especialidades de Ponta Porã, podemos projetar um mapa do Brasil. Na educação o que me chamou a atenção é que ela recebe repasse de verbas no ano posterior, então fazer o planejamento nesse setor se torna mais complicado, tamanha a movimentação de tais estudantes, pois alguns permanecem na cidade, outros desistem, outros ainda se mudam para o outro lado da fronteira. Acredito que por causa desse dinamismo, as cidades gêmeas deveriam ter legislação diferenciada”, reiterou a pesquisadora, em levantamento replicado pelo Idesf.
Brasil e Paraguai precisam alisar potencialidades
Para Luciano Barros, presidente do Idesf, os dois países – Brasil e Paraguai – precisam ficar atentos às vocações que as cidades de fronteira têm para que possam trabalhar em conjunto seus potenciais. “Nos últimos anos o Paraguai tem se descoberto em relação aos cursos de Medicina e que isso pode trazer benefícios importantes para a população: a qualificação de mão de obra que vem para a região, o desenvolvimento de atividades formais, acréscimo na renda local e também mais mão de obra na área médica, normalmente deficitária em diversas partes do Brasil. Essa conversa estratégica entre os países precisa acontecer”.
Danielly Luz vai se formar em 2025 e se antes sua preocupação era entrar num curso de Medicina, agora seu foco é outro: como fazer para que seu diploma valha no Brasil e possa atuar no Brasil. Para começar a medicar, não basta o estudante estrangeiro estar com o diploma debaixo do braço.
Aqui aparece outro movimento que tem mexido com a dinâmica regional, tanto no Brasil quanto no Paraguai. Um dos caminhos para atuar no Brasil é passar pelo Revalida. Trata-se de um exame que subsidia o processo de revalidação dos diplomas de médicos que se formaram no exterior e querem atuar no Brasil. O exame é direcionado tanto aos estrangeiros formados em medicina fora do Brasil quanto aos brasileiros que se graduaram em outro país e querem exercer a profissão em sua terra natal, esclarece o Ministério da Saúde.
Outra opção tem sido a de solicitar transferência dos cursos no Paraguai para o Brasil na reta final da formação. Os que conseguem precisam, na maioria das vezes, estudar por mais alguns anos no Brasil até a conclusão. “É comum, no caso de transferências, alguns alunos que estariam há um dois anos para se formar no Paraguai levar até quatro anos para concluir no Brasil, em instituições públicas, apesar do tempo, é importante esse caminho para quem consegue. O problema que não é nada fácil conseguir”, destacou a estudante.
Revalida ou transferências
A esperança para uma revalidação do diploma estrangeiro está, por enquanto, pautado na reabertura do programa Mais Médicos, que prevê a contratação até o fim do ano, pelo governo federal, de 15 mil profissionais. Ocorre que, por enquanto, os formados em outros países não estão contemplados no programa.
“O Mais Médicos foi retomado oficialmente em março de 2023 e prevê a abertura de 15 mil novas vagas até o fim do ano. A intenção do governo federal é chegar a 28 mil profissionais em todo o país, levando em conta os contratos ainda ativos, com presença principalmente em áreas de extrema pobreza. As bolsas são de cerca de R$ 12,8 mil, acrescidas de ajuda de custo de moradia”, esclareceu o Ministério da Saúde.
“Enquanto isso a gente segue estudando, se preparando e em busca de uma colocação na tão sonhada medicina”, concluiu a estudante.