A ênfase dada pelo governo do Estado ao Oeste e Sudoeste para retomar o controle sobre as regiões perdidas durante a vigência do frustrado Território Federal do Iguaçu foi marcante, mas o êxodo de filhos de imigrantes ao Oeste do Paraná não destoava de outras ações.
AS PRINCIPAIS NOTÍCIAS PELO WHATS: ENTRE NO GRUPO. TAMBÉM ESTAMOS NO TELEGRAM: ENTRE AQUI. SIGA-NOS NO GOOGLE NEWS.
A chegada de imigrantes na década de 1950 às regiões tradicionais do Estado foi tão importante e está igualmente ligada à força original do agro paranaense.
Em Palmeira, a partir de 1951, instalaram-se os alemães menonitas, ocupando-se de atividades agropastoris e industriais. Chegavam também aos campos de Guarapuava refugiados da região do Danúbio.
Principalmente alemães, cerca de 350 pessoas fundam as colônias germânico-iugoslavas de Entre Rios: Jordãozinho, Cachoeira, Vitória, Samambaia e Socorro.
Esses novos grupos de imigrantes que acorrem ao Paraná na década de 1950 participam de movimentos planejados, assistidos por entidades internacionais. “Sua fixação foi bem dirigida e financiada, diferente da imigração pioneira no século anterior” (Ruy Christovam Wachowicz).
O custeio de alojamento, alimentação e a localização de emigrantes europeus nessas novas colônias é bancado pelo poder público e os resultados são gratificantes, com uma crescente e diversificada produção rural.
O início da lenda
O fluxo migratório às regiões tradicionais se beneficiou do fim do desgastante (e sangrento) episódio da Guerra de Porecatu, o primeiro e raro movimento de luta pela posse da terra em que os posseiros venceram. No Oeste, entretanto, não havia tantas facilidades.
Na região da Fazenda Britânia, cuja colonização começou em 1946, não havia situações de conflito, ao contrário do Norte do Distrito de Cascavel, onde ocorriam atritos entre posseiros e iniciativas empresariais de colonização.
Para evitar que o episódio de Porecatu se repetisse, em 1952 o tenente João Rodrigues da Silva Lapa foi designado pelo governo estadual para aplacar os conflitos entre jagunços e posseiros no interior.
Instalando-se em Cascavel, ele atuou por dois meses e fez inúmeras detenções de elementos armados. Com uma trajetória única na estrutura paranaense de segurança pública, a história de João Lapa foi recortada tanto pela ultrapassagem da ditadura Vargas como pelo início da ditadura civil-militar de 1º de abril de 1964.
Bolsos vazios, mas muita vontade
Nascido na Lapa em junho de 1910, aos 17 anos João decidiu ir a Curitiba procurar emprego em uma indústria de vidrarias na Rua Aquidaban (atual Rua Emiliano Perneta), mas a fábrica fechou.
Sem dinheiro nem vontade de voltar à roça, abordou um soldado e lhe perguntou se poderia ser aceito na Força Militar. Diante da resposta positiva, carregou sua mala até o Quartel do Comando Geral da Força Militar, onde soube que o requerimento para o ingresso voluntário custava 5 mil réis.
“João não tinha em sua carteira o suficiente. Depois de mais uma decepção, saiu do Quartel cabisbaixo e parou numa pequena venda de produtos em frente ao prédio que acabara de sair. O dono da venda percebeu pelo semblante do jovem que algo tinha dado errado. Numa breve conversa, o comerciante emprestou o dinheiro necessário para João ingressar na Força” (Renato Marchetti, O Desbravador dos Sertões Paranaenses).
Ele foi simplesmente João Rodrigues da Silva até 1928, ao iniciar a carreira na Polícia Militar. Como havia na corporação um soldado homônimo, para ser diferenciado teve a cidade natal incorporada ao sobrenome.
Metralhadoras e olho ferido
Designado para atuar na Companhia de Metralhadoras Pesadas, João passou a cabo em 1929 e foi elogiado por participar na Revolução de 1930 “pelo seu valor, disciplina, coragem e abnegação com que se portou na defesa da sagrada causa revolucionária, concorrendo para a conquista da vitória das tropas libertadoras” (Polícia Militar do Paraná, Pasta de Assentamentos Funcionais).
Na Revolução Constitucionalista de 1932 “tomou parte em violentos combates, saindo num deles gravemente ferido, demonstrando coragem e prontidão nas missões que lhe foram confiadas”.
O ferimento, no olho direito, ocorreu em 18 de setembro de 1932 no interior de São Paulo, próximo ao Rio das Almas, “proveniente de fragmento de um cartucho de guerra que explodiu fora da câmara de sua metralhadora, durante um incidente de tiro”.
Antes de vir a Cascavel em caráter emergencial ele já havia sido delegado de polícia em Pitanga e Tomazina (1945), Congoinhas (1946), Guarapuava (1946), Piraí do Sul (1948) e Campo Mourão (1949).
Ação correta, mas improdutiva
Promovido a segundo tenente antes de ser designado para atuar pela primeira vez em Cascavel, João Lapa foi promovido a capitão por conta da tarefa cumprida no Oeste.
A situação que o então tenente Lapa encontrou em sua primeira designação para pacificar a região do Rio Piquiri, ao Norte e Nordeste do Distrito de Cascavel, era já de um consolidado reconhecimento dos posseiros como agricultores familiares dedicados a uma produção diversificada, mas os temidos jagunços foram mantidos pelas colonizadoras.
Uma década depois que Lapa voltou a Curitiba, a situação havia piorado no Oeste. Ele descobriu que o problema dos posseiros não era um caso de polícia, mas de Justiça. O desdobramento do conflito dominial entre União e Estado perdurava e assim o trabalho de João Lapa foi requerido mais uma vez em 1961.
Ficando evidente a cumplicidade de policiais do Estado com o jaguncismo, a lenda do xerife João Lapa se fez quando prendeu a polícia inteira, como será resenhado em futura publicação.
Sem qualquer relação com Cascavel, “as origens dos conflitos de terras em todo o Oeste devem-se à má colonização das terras públicas, por sinal as melhores do Brasil, incentivando a vinda de grileiros profissionais que para conseguirem apoderar-se de vastas áreas contratavam elementos que se diziam pistoleiros” (Ezuel Portes, advogado de posseiros).
Olho por olho
Os jagunços oestinos, para Portes, “na realidade, não passavam de pessoas humildes, chefes de família, que na falta de outro emprego, aceitavam a incumbência de portar uma arma ostensivamente e passar por perigosos pistoleiros. Na realidade, alguns, muito poucos, eram sanguinários e cruéis, matando quase sempre à traição”.
Em 1955 João Lapa foi promovido a major, em 1958 a tenente-coronel e a coronel depois da segunda missão cumprida em Cascavel, no início dos anos 1960.
Passou maus momentos depois do golpe que derrubou o presidente constitucional João Goulart, em 1964, mas sua história na Polícia Militar, sobretudo o reconhecimento em Cascavel pela ousadia de 1961, assegurou a João Lapa uma posição entre os heróis da corporação.
A grande infelicidade de Lapa se deu justamente em 1964, quando o ex-deputado Walter Pecoits foi preso, torturado e teve um olho vazado na carceragem policial localizada onde hoje se encontra o complexo cultural de museu, teatro e feira, na Rua Duque de Caxias.
Em 1932, Lapa quase tivera um olho vazado em um acidente com munição explosiva e 32 anos depois alguém perdia um olho sob seu comando. O chefe policial aprendeu, assim, que a ação policial não resolve os problemas sociais. Só age em cima das piores consequências dos problemas não solucionados.
Hospital S/A
Por conta das aventuras na mata para abrir caminhos e cortar madeira, as picadas de cobra eram os acidentes mais corriqueiros nos tempos da colonização.
Os atritos entre posseiros e jagunços, com feridos a bala, eram menos comuns, mas tiveram as ocorrências aumentadas logo depois que João Lapa retornou a Curitiba para cumprir novas missões.
É assim que em março de 1952 vai começar a construção do primeiro hospital de Cascavel, por iniciativa do médico Wilson Joffre Soares dos Santos, irmão do advogado Ney Wadson dos Santos, conhecido defensor de posseiros da região, associado ao também célebre advogado Ezuel Portes.
Wilson e Ney nasceram em Piraquara (PR), filhos de Manoel Soares e Cecília Pereira dos Santos, mãe que perderam muito cedo, enviados pelo pai a estudar em Ponta Grossa.
Os dois desempenharam papéis importantes na história da região Oeste, Wilson como o primeiro médico radicado em Cascavel e Ney como advogado dos posseiros esbulhados na região.
Wilson Joffre atendia os pacientes de Cascavel em um quarto do Hotel Bartnik e os de Toledo no Hospital São Paulo, criado em 1950 pelo médico Ernesto Dall’Oglio.
Em março de 1952, Joffre apresentou em reunião no Tuiuti Esporte Clube a proposta de construir um hospital em Cascavel, sob sua direção, financiado por ações adquiridas pelas famílias dos madeireiros e comerciantes da cidade.
De Santa Casa para Nossa Senhora
Com madeira doada principalmente pela serraria São Domingos, por decisão de Florêncio Galafassi, a construção começou de imediato, na esquina das ruas São Paulo e Sete de Setembro.
O Hospital Nossa Senhora Aparecida, que veio puxar toda a atual estrutura médico-hospitalar de Cascavel, tornando a cidade um centro de excelência no setor de saúde, foi construído quando a “cidade” não passava de uma vila, sede de um distrito remoto pertencente ao então vastíssimo Município de Foz do Iguaçu.
A obra foi levantada em sete meses, ainda em 1952, e em setembro aconteceu a inauguração da clínica, funcionando inicialmente com o nome de Santa Casa de Misericórdia. Para agradar ao padre Luiz Luíse, Joffre resolveu homenagear a padroeira da cidade e mudou o nome da casa de saúde para “Hospital Nossa Senhora Aparecida”.
Joffre devolveu todo o dinheiro aplicado pelas famílias no hospital. Primeiro na forma de atendimento gratuito aos familiares dos acionistas. Depois, comprando as ações, uma por uma, até se tornar o único proprietário do hospital.