O mito do desenvolvimento espontâneo e casual da região é demolido a cada nova documentação e histórico familiar. As desventuras da família Formighieri depois de confiar nos contratos com o Estado, por exemplo, comprovam que em muitos casos não havia interesse das famílias em se fixar na região, mas indução governamental para a ocupação do interior.
PRINCIPAIS NOTÍCIAS PELO WHATS: ENTRE NO GRUPO. TAMBÉM ESTAMOS NO TELEGRAM: ENTRE AQUI
Os colonos se deslocavam pressionados pelo retalhamento dos minifúndios nas áreas de colonização à base de imigrantes alvejados por intensa propaganda do Paraná, cujo governo oferecia terras mediante ocupação efetiva, verificável por benfeitorias mínimas e moradia habitual.
Também, como no caso dos Formighieri, vinham com a promessa de receber em pagamento por serviços prestados ao Estado terras mais bem situadas e propícias que as áreas devolutas remotas, sem acesso às vias principais de transporte e comércio.
O governo federal bloqueou as ações do governo do Paraná na faixa de fronteira por conta da criação do Território Federal do Iguaçu, mas já havia historicamente projetos de colonização paranaenses em andamento e eles não cessaram porque o Paraná planejava recuperar seus Oeste e Sudoeste.
Cofres zerados e terras sobrando
Viajar a cavalo no geladíssimo fim de junho de 1946 foi uma tortura para o construtor de estradas José Neves Formighieri, que aos 30 anos, em sociedade com a família, já havia aberto vários trechos em Santa Catarina e pontos estratégicos da futura BR-277 da Serra do Cavernoso entre Guarapuava e Laranjeiras do Sul.
Partir de Curitiba rumo a Cascavel no conforto de um avião ou de um ônibus em uma estrada asfaltada era um sonho ainda impossível para Neves Formighieri, cuja empresa construtora prestou serviços ao Departamento do Oeste do governo do Estado e se viu em dificuldades para receber os valores contratados.
Depois de tentar sem sucesso cobrar do governo do Paraná os valores correspondentes à abertura da estrada entre Laranjeiras do Sul a Pato Branco, Formighieri ouviu do Departamento do Oeste que não havia de dinheiro, mas poderia receber em terras. A família ficou de procurar terras compatíveis ao valor devido.
Frio e pulgas
Chegando a Cascavel em 24 de junho de 1946 em companhia de dois jovens empregados — Emerson Lóris de Oliveira, gaúcho de Palmeira das Missões, e João Godinho, catarinense de Lajes —, Neves completava a última etapa da viagem do trio, que foi vencer a cavalo a distância entre Laranjeiras do Sul e Cascavel.
A árdua jornada de cinco dias só poderia ser amenizada por uma confortável estadia num dos hotéis da vila, criados para servir ao crescente número de viajantes que transitavam entre Guarapuava e os portos do Rio Paraná.
No entanto, o melhor hotel da cidade, das famílias Reis e Pompeu, estava todo ocupado pelos jogadores do Tuiuti Esporte Clube, uma virtual seleção do Paraguai que Horácio Reis, um apaixonado por futebol, contratava para servir ao clube.
A saída de Neves e seus empregados foi pernoitar no ainda improvisado Hotel Bartnik.
“Era pura pulga”, recordou Formighieri. Mas não lhe restou outra opção naquela noite gélida e tenebrosa. Chamou os empregados e estabeleceu uma estratégia de emergência para poder dormir: “Vamos varrer ao redor e jogar sal para afastar as pulgas. Só assim conseguiremos dormir”.
No Rio Centenário
Ao procurar seus contatos na vila, Neves Formighieri foi informado de que cerca de 40 a 50 famílias moravam no povoado. Nele, as pessoas mais ligadas ao governo do Estado chamavam o lugar de “Cascavel”, embora alguns não gostassem desse nome.
O povo, nas ruas, dizia estar em “Aparecida dos Portos”. Os viajantes conheciam o lugar como “Encruzilhada dos Gomes”. Até havia quem tentasse chamá-la pelo nome de “Guairacá”, imposto pelo governo territorial do Iguaçu.
O primeiro contato de Neves com moradores locais foi com o farmacêutico Antônio Alves Massaneiro, que já conhecia de Santa Catarina, e com João Miotto, que conhecia a família Formighieri desde o Rio Grande do Sul.
Miotto fez a Neves várias indicações de áreas para escolha. Acabou optando por uma área de 1.200 alqueires entre os rios Centenário e Iguaçu. O Rio Centenário era uma homenagem, aos 100 anos da Independência, completados em 1922.
Cerca de dois anos depois de sua fria chegada a Cascavel, Neves Formighieri retornaria ao lugar com a família, instalando-se na área que tinha adquirido, dando origem à localidade também denominada Centenário.
Neves morou cerca de quatro anos na região do Centenário. Fez casas, benfeitorias, abriu estradas para a circulação de veículos, iniciou a produção agrícola e a criação de gado.
Trabalhando por liberdade
O melhor plano colonizador do Oeste, desenvolvido pela companhia Maripá, só poderia ter sucesso oferecendo uma infraestrutura mínima para os compradores.
Não sendo uma área de terras livres para ocupação por posse, a colonizadora teria que oferecer atrativos convincentes a quem quisesse comprar suas terras.
A infraestrutura teria papel central nesse esforço, mas dependia de contratar mão de obra disposta a suportar os rigores da mata virgem. Alguns dos primeiros convencidos a trabalhar no projeto foram prisioneiros condenados a longas penas pela Justiça no Rio Grande do Sul.
“O terceiro grupo [de pioneiros que vieram para Toledo] chegou no dia 25 de julho de 1946, e veio a bordo do caminhão Ford, ano 46, com reduzida, e eram os seguintes: Reinaldo Arrosi, motorista; Francisco Studzinski; Ângelo Brogliato; José Bolson com família; Antônio Capelari; Domingos Zambom, carpinteiro; com mais aproximadamente dez presidiários liberados da cadeia de Farroupilha (RS) que se haviam comprometido a prestar serviços em Toledo, em troca de liberdade (Ondy Hélio Niederauer, Toledo no Paraná).
Coube a Domingos Zambom a tarefa de disciplinar o grupo de prisioneiros.
Intensa propaganda
Já se trabalhava com energia na área da antiga Fazenda Britânia quando parte do grupo que constituiu a colonizadora Maripá estabeleceu no Rio Grande do Sul a companhia colonizadora Pinho e Terras Ltda, que mais tarde teria sede em Céu Azul.
A empresa pertencia à família de Alberto Dalcanale e a Alfredo Paschoal Ruaro, que já haviam colonizado outras cidades, inclusive no Estado de Santa Catarina, e também participaram da aquisição da Britânia.
No Oeste paranaense, além de Céu Azul, a Pinho e Terras foi responsável pelo povoamento e colonização de Medianeira, Matelândia e São Miguel do Iguaçu. Todo o projeto de colonização da Rota Oeste se fez em área que pertencia à família Matte, detentora de um grande latifúndio na região.
A região passava a ser alvo de intensa propaganda das qualidades da terra e procurava atrair também operários insatisfeitos com a repressão imposta pelo governo Dutra aos movimentos populares.
Social-democracia e trabalhismo sob Vargas
Com a nova Constituição promulgada em 18 de setembro de 1946, os operários urbanos testavam o respeito aos direitos constitucionais avançando em sua organização, mesmo enfrentando as violências e arbitrariedades do governo Dutra.
O ex-ditador Vargas aproveitou a onda de efervescência operária para iniciar sua pregação baseada na ideologia conciliadora do trabalhismo, uma corrente similar à do justicialismo peronista.
O PSD de Vargas, criado para concentrar os interesses dos fazendeiros e capitalistas urbanos, tinha como contraponto nos movimentos operário e camponês o PTB.
Os dois partidos em breve serão decisivos na batalha pelo governo do Paraná. O PSD reunia fartos recursos para as campanhas eleitorais e o PTB convenceria os trabalhadores.
No Oeste do Paraná, os adeptos de Vargas se concentraram no PTB, que teria em Cascavel a liderança de Neves Formighieri e em Toledo a política empresarial de Willy Barth.
Debandada e resistência dos federais
O Território Federal do Iguaçu foi varrido do mapa pelo artigo 8º do Ato das Disposições Transitórias da nova Constituição dos Estados Unidos do Brasil, cujo nome já sinaliza à qual esfera de domínio o Brasil se insere na Guerra Fria.
O Paraná recupera, assim, os 51.452 Km² que o decreto de Getúlio Vargas lhe havia escamoteado.
Imediatamente após o anúncio da extinção do Território Federal do Iguaçu, sem que as atividades governamentais já estivessem encerradas, ocorre uma debandada de funcionários públicos federais e suas famílias, abalando a economia da cidade de Iguaçu (Laranjeiras do Sul).
O fim do Território causa transtornos à população e desagrada profundamente aos burocratas nomeados para a administração territorial. Eles recorrem à imprensa regional outrora compromissada com a ditadura para reagir à devolução do Território aos estados de origem, tentando desesperadamente manter seus empregos.
Essa movimentação não passou despercebida ao jornal Diário Popular, de Curitiba, que nos tempos da ditadura louvou Vargas por criar o TFI. Em sua edição de 30 de dezembro de 1946, o jornal noticiava as manobras com um artigo-denúncia: “Prepara-se um golpe contra o Paraná”.
Um alto funcionário do Ministério da Justiça estaria propondo a criação de uma “autarquia administrativa” para atender à área do antigo Território, que ficaria sob a tutela daquele Ministério. No mínimo, organizava um boicote contra a ação do Paraná na região.