Como conquistar duas Comarcas

Prefeitos José Neves Formighieri (Cascavel) e Guerino Viccari (Toledo). Abaixo, o advogado Antônio Gabardo e o desembargador José Munhoz de Mello

Municípios criados e instalados nas mesmas datas, Cascavel e Toledo só a partir delas desenvolveram paralelismo histórico. As duas cidades (construções sociais) e seus municípios (subdivisões administrativas) têm épocas e origens diferentes.

A cidade de Cascavel tem origem no ciclo ervateiro e começou a se formar em 1930, enquanto Toledo já surge depois, no contexto madeireiro, em 1946. No empório da vila de Cascavel, ao chegar, os primeiros toledanos compravam tudo, de suínos a combustíveis.   

Com a criação dos dois municípios, em 1951, e a instalação, em dezembro de 1952, começou o paralelismo de atividades entre Cascavel e Toledo, que agiram de formas diferentes, mas chegaram juntos, em 18 de agosto de 1953, no encaminhamento às autoridades judiciárias do Estado da proposta de criação de suas Comarcas. 

Desde 1937 os cascavelenses já pretendiam ter um fórum para a resolução dos problemas locais, que precisavam ser encaminhados a Foz do Iguaçu. 

Surgia nessa época o Cartório Civil, dirigido por Sandálio dos Santos, que dependia da criação do Distrito Judiciário, autorizado em 18 de janeiro de 1938, com a Lei 6.244.

A terra roxa e as matas cobertas de madeira de lei e pinheirais lastrearam a motivação principal da mediação judicial: os conflitos de terras, que tiveram origem na multiplicidade de títulos de propriedade. 

Influências importantes 

Tudo continuaria a ser resolvido só em Foz do Iguaçu se a ambiciosa colonizadora Maripá não quisesse dar o máximo de estrutura à sua Toledo, por ação do vereador e prefeito em exercício, Guerino Antônio Viccari. 

Com várias ideias na mala, Viccari chegou à capital do Estado em 29 de julho de 1953, acompanhado pelo vereador Rubens Stresser. Filho de tradicional família curitibana, engenheiro agrônomo responsável pela Estação Experimental da Maripá em Quatro Pontes, Stresser estudava a adaptação de variedades de sementes à região. 

Na época, Toledo não era de forma alguma cogitado para sede de Comarca, já que se tratava de Município criado recentemente. 

“Entretanto, o vereador Rubens Stresser, numa das tantas viagens que fazia à capital, onde sempre mantinha contato com o governador Bento Munhoz da Rocha Neto, políticos e amigos ligados ao mesmo, soube, através de seu tio, o jornalista Adherbal G. Stresser, que então ocupava a chefia do Cerimonial do Palácio do Governo, que a Assembleia Legislativa do Estado discutia o projeto da nova Divisão Judiciária do Paraná.

De regresso a Toledo, levou imediatamente o assunto à Câmara Municipal, à Prefeitura e à diretoria da Maripá” (Oscar Silva, Rubens

Bragagnolo e Clori Fernandes Maciel, Toledo e sua História). 

O plano de Toledo 

Prefeitura e Câmara de Toledo dirigiram-se ao presidente da Assembleia Legislativa, deputado Laertes Munhoz, conseguindo com ele uma emenda no projeto de estruturação judiciária mediado pelo advogado Dátero Alves de Oliveira, que estruturou o pedido com argumentos e dados jurídicos. 

Havia incerteza, no entanto, sobre as chances de aprovação da emenda substitutiva, que recebeu o número 49, apresentada pelo deputado José Hoffmann. Guerino Viccari deu sequência ao plano entrando em contato com o presidente do Tribunal de Justiça do Estado, desembargador José Munhoz de Mello, a quem levou um mapa mostrando a distância das outras Comarcas. 

Mello não via condições financeiras para o avanço da proposta, mas Viccari tratou de garantir casa e móveis para o funcionamento do Fórum da Comarca, restando ao tribunal exclusivamente o pagamento do juiz e do promotor. 

Como já havia ocorrido com a criação do Município, em 1951, em cujo contexto Toledo seria a sede e Cascavel apenas Distrito, as lideranças de Cascavel também se mobilizaram para evitar que a Comarca de Toledo subordinasse Cascavel. 

O plano de Cascavel 

Cascavel havia se tornado Município na mesma data que Toledo e possuía – como entroncamento rodoviário – ótimas condições estratégicas. Mas a Maripá era forte. No dia seguinte ao contato de Viccari com Munhoz de Mello a emenda n˚ 49 foi aprovada em primeira votação.

Atendendo a uma orientação de Mello, os municípios que não ofereceram instalações foram desqualificados e caberia somente a Toledo sediar sua Comarca. Cascavel, então, pôs em ação seu próprio plano.

O advogado curitibano Antônio Gabardo, amigo de Munhoz de Mello, pareceu a José Neves Formighieri o elo forte para articular a criação da Comarca de Cascavel. 

Neves pediu a Gabardo acesso ao presidente do Tribunal de Justiça para lhe comunicar diretamente o pedido. Para Neves, mandar ofício não daria em nada: o papel seria jogado numa gaveta até receber um educado “não” como resposta em alguns meses. 

Gabardo disse que aceitava intermediar o contato, mas fez uma exigência: “Você paga uma janta para mim?” Neves nem hesitou: 

– Pago! 

– Então vamos lá conversar com o presidente! 

Gabardo levou Formighieri até a residência de Munhoz de Mello. “Ele estava jantando. A relação entre os dois era de intimidade absoluta”. O advogado fez as apresentações: 

– O Neves é meu amigo e prefeito de Cascavel e quer uma coisa do senhor. 

– O que é que ele quer? 

– A Comarca de Cascavel. 

A janta decisiva

Munhoz de Mello explicou que o projeto da nova divisão judiciária já estava em votação, só dependendo de um pleno do Tribunal de Justiça para confirmar a aprovação. 

Mello não escondeu que seria difícil atender ao pedido de Cascavel. Gabardo retrucou: 

– Não tem difícil. Eu estou ganhando uma janta para resolver esse problema! 

Aí a esposa do desembargador, d. Ondina, uma pessoa simpaticíssima, segundo Neves Formighieri, entrou na conversa: 

– Dá-se um jeito. Meu pai sempre dizia que quando uma pessoa procura a gente em casa, nunca se pode dizer não.  

Neves pensou consigo mesmo: “Já arranjei mais um voto!”. 

Munhoz de Mello, frente a três pares de olhos que lhe cobravam uma decisão, bateu o martelo: 

– Amanhã às 9 e 30 você vai lá no Tribunal. Daí nós vamos ver como é que vamos fazer esse negócio. 

Pela manhã, o madrugador e ansioso Neves já estava no Tribunal de Justiça.  

– Cadê o Gabardo? – perguntou Munhoz de Mello. 

– Eu o perdi ontem à noite. Depois que jantou não vi mais. 

O desembargador abriu o mapa do Estado e perguntou a Neves: 

– Como vamos criar essa Comarca? 

Mello pretendia incluir na Comarca de Cascavel também os municípios de Guaraniaçu e Catanduvas, que seriam desmembrados da Comarca de Laranjeiras do Sul.  

Neves Formighieri pediu-lhe que não criasse uma Comarca ampla demais: 

– O senhor desmembra de Toledo e só cria a Comarca no Município de Cascavel.

Mello fez o prefeito de Cascavel prometer que daria uma casa para o juiz, outra para o promotor e construiria as instalações do fórum.  

Nesse momento, para se livrar de Neves, Munhoz de Mello chamou Edmundo Mercer, seu assistente-adjunto, e determinou: 

– Inclui aí a Comarca de Cascavel, de segunda entrância! 

O toque final

Mello perguntou a Neves se iria assistir à votação. Na verdade, o propósito do prefeito era retornar imediatamente a Cascavel, o que seria um erro. Felizmente, foi aconselhado por Munhoz de Mello a esperar: 

– Venha amanhã outra vez, às 9 e 30 aqui. Venha tomar um cafezinho, acompanhar a votação e já leva a notícia e o Diário Oficial. 

“Fui lá”, rememorou Neves. “Ele me colocou com destaque, ao lado da Tribuna de Honra. Havia gente que estava contra a criação”. 

A presença do prefeito claramente indicado como personalidade pelo desembargador Munhoz de Mello garantiu que em 14 de dezembro de 1953, com a lei estadual 1.942, entre as diversas Comarcas criadas figurasse a de Cascavel. 

Valeu pagar a janta a Gabardo e, mais ainda, foram valiosas e imprescindíveis as visitas feitas ao desembargador José Munhoz de Mello.

Neves estimou que as ações só se desequilibraram em favor de Cascavel porque foi colocado por Munhoz junto à Tribuna de Honra. 

A história de juízes, promotores, advogados e réus em Cascavel é abordada pelo Projeto Livrai-Nos! em quatro livros: Quando a Justiça Vale uma Janta, Quando a Justiça Chega a uma Terra sem Lei, Quando a Justiça Tem Graça e Quando há Risco de Injustiça (https://x.gd/nGhwX).

100 anos da revolução: Quem ganhava não levava 

Em janeiro de 1924, após as eleições para o governo da Bahia, governistas e oposição se declararam vencedores. Arlindo Leoni, da situação, impetrou habeas-corpus no STF para se empossar, enquanto a assembleia oposicionista pedia a intervenção federal. 

Com base nesse pedido, o presidente Artur Bernardes decretou o estado de sítio na Bahia por 30 dias, em março de 1924, e o comandante da região militar empossou como governador o bernardista Francisco de Góis Calmon, banqueiro e barão do açúcar.

No Rio de Janeiro, então o Distrito Federal, nas eleições para senador, Irineu Machado, adversário do presidente Bernardes, derrotou por larga margem o bernardista José Mendes Tavares. 

A derrota de Tavares foi gigantesca. Mesmo assim foi declarado vencedor: Bernardes mandou anular as urnas em que Machado venceu, validando só as seções em que seu candidato teve a maioria dos votos. 

Foi um roubo eleitoral descarado e um dos fatores que pesaram na agitação militar tenentista. 

Francisco de Góis Calmon: vencedor pelo “voto” armado do presidente Bernardes  

 

 

 

Fonte: Alceu Sperança

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