Dinheiro desviado da infraestrutura paranaense

Cascavel na época do Território Federal do Iguaçu. Capa do relatório secreto do coronel Rodrigues. Caminhão Chevrolet usado nas obras da estrada

Com os estados do Paraná e de Santa Catarina desmoralizados pela perda de suas porções a Oeste para a formação do Território Federal do Iguaçu, a ditadura do Estado Novo decidiu se imiscuir no Paraguai, que tinha como grande projeto a construção de uma boa rodovia entre a capital, Assunção, e a fronteira com o Brasil.

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Com a construção da atual BR-277 ainda em pleno andamento, Getúlio Vargas atendeu a um pedido do embaixador Negrão de Lima e chamou ao Palácio do Catete, sede do governo brasileiro, no Rio de Janeiro, o chefe das obras, coronel José Rodrigues da Silva.

Vargas disse a Rodrigues que o sucessor do marechal José Félix Estigarribia (1888–1940) à frente do governo paraguaio, o futuro ditador colorado Higinio Morínigo Martínez (1897–1985), pretendia construir uma ligação rodoviária entre Assunção e Foz do Iguaçu.

O presidente brasileiro pretendia impedir que a Argentina controlasse o Paraguai. Supunha que se o nazismo vencesse, a Argentina, pró-Hitler, iria ter apoio para também conta do Brasil. Mapas foram forjados para simular uma grande Argentina que também incluía o Paraguai e o Brasil.

Vantagens sob nenhum aspecto

Negrão de Lima sustentava e Vargas se convenceu disso, que além de importante para o desenvolvimento do Paraguai, a obra seria uma homenagem ao marechal Estigarribia, que sonhava com o acesso dos produtos paraguaios ao Atlântico, mas morreu em acidente aéreo, em 7 de setembro de 1940, antes de iniciar ações concretas nesse sentido.

Mandado a estudar a obra no Paraguai, o coronel José Rodrigues da Silva a considerou a obra um mau negócio para o Brasil, mas estava sob ordens, obedeceu à determinação e deu o melhor de si para que o Paraguai tivesse a rodovia necessária para chegar no futuro ao Oceano Atlântico por meio da BR-35 (futura BR-277).

No entanto, Rodrigues, em antológico relatório secreto datado de novembro de 1944, escrito com pormenores e recursos de hábil escritor, sustenta que o Brasil não teria vantagens econômicas bancando a estrada – quem teria vantagem seria a Argentina, que absorvia 66% da produção paraguaia.

Também não teria vantagens militares, motivo pelo qual Estado Maior do Exército brasileiro era contra construir a dita estrada. A única vantagem seria espionar a região da fronteira com autorização do próprio governo paraguaio. “Só esses conhecimentos justificariam as despesas”, supunha o coronel Rodrigues.

A origem do dinheiro

No livro “Rodovias Paranaenses construídas pelo Exército”, o major Oscar Ramos Pereira relatou o rumo dos acontecimentos:

 “Entabolados os entendimentos com o general Morínigo, por intermédio do coronel José Rodrigues, para saber ao certo com que recursos entraria o Paraguai, ficou combinado que seriam feitos, em primeiro lugar, os trabalhos de campo (reconhecimento e exploração) entre Foz e Coronel Oviedo”.

Foi então organizada uma turma de exploração para os serviços, composta pelo capitão de corveta paraguaio Marcos González e pelo tenente-coronel brasileiro Othon Fragoso, que em 1945 seria substituído pelo tenente-coronel Hugo de Castro.

As despesas foram custeadas só com os recursos brasileiros, desviados da Comissão Paraná−Santa Catarina. Nos dois estados, perguntava-se porque a Comissão passava a servir ao Paraguai.

Seria justo que recursos necessários para a infraestrutura paranaense e catarinense fossem despejados no país vizinho se nem o Exército considerava a obra realmente útil para o Brasil?

Faltaram 70 quilômetros

Rodrigues, sob as ordens expressas de Vargas, ainda em 1944 levou ao Paraguai uma turma de topografia da CER-l, com todo o equipamento necessário e comandou com a máxima rapidez os trabalhos de campo (reconhecimento e exploração) entre Foz do Iguaçu e a localidade paraguaia de Coronel Oviedo, de onde já havia ligação com a capital paraguaia.

Em meados de 1944 já estavam concluídos os estudos do terreno e começou a se desenhar o traçado entre Assunção e Foz do Iguaçu. Passaria por Caaguazú, seguindo até o Porto Presidente Franco, com extensão encurtada para 135 quilômetros.

As obras começaram em fevereiro de 1945, mas depois desse início competente da Engenharia Militar brasileira, a estratégia montada pela ditadura desabou como um castelo de cartas quando os trabalhos foram paralisados por falta de recursos financeiros, em dezembro daquele ano, ainda a 70 quilômetros do Rio Paraná.

24 anos de atraso

Enquanto os recursos e pessoal técnico eram desviados ao Paraguai, o Território Federal do Iguaçu sofria com o cipoal de dificuldades para sua implantação: as obras necessárias tinham a projeção de recursos, mas iam para as gavetas do poder, sem chegar às cidades para a execução.

Em plena ditadura, o que menos interessava era respeitar leis e aguardar que a Justiça decidisse validades e competências. A pressa, a vontade do ditador, a propaganda em torno da Marcha para o Oeste e a busca pelo progresso justificavam qualquer desvio de finalidades.

Com isso, recursos destinados ao Paraná e Santa Catarina foram desviados para o Paraguai sem o retorno esperado. Arrastando-se ao longo do tempo, a BR-277 somente foi concluída em 1968, 24 anos depois que o ditador Vargas prometeu na ponte do Tibagi que iria liberar os recursos necessários para concluir a obra, então estimados em 90 milhões de cruzeiros. Apenas cinco milhões foram de fato liberados.

Enquanto esse desastre se consumava, a roda da história continuava se movendo. Historicamente obrigadas a explorar só a erva-mate, mas descaradamente tirando madeira, cuja exportação disparou após a destruição causada pela II Guerra, as obrages estabelecidas no Rio Paraná se recusavam a cumprir as leis brasileiras.

A até então poderosa Companhia Matte Laranjeira sofreu encampação ainda em 1944 pelo Serviço de Navegação da Bacia do Prata.

Mundo em mudanças

Na Europa, o 6 de junho de 1944 será para sempre lembrado como o Dia D: os Aliados desembarcavam na Normandia (França), então ocupada pelos nazistas.

Um mês depois, em 7 de julho, a Conferência de Bretton Woods é uma espécie de declaração de posse do planeta por parte dos EUA: determina-se ali como será a ordem financeira mundial no pós-guerra, pautada pelo Banco Mundial e pelo FMI.

A guerra se encaminha ao final, com vitórias incessantes dos Aliados sobre as forças do Eixo, já empurradas para uma desalentada defensiva. Em paralelo, no Brasil, a mobilização pela democracia se intensificava.

Os impactos desses acontecimentos no Paraná serão decisivos: o capitalismo avançará vitorioso por todo o interior e a geopolítica frustrada na aventura rodoviária paraguaia será compensada futuramente pela Ponte da Amizade e Itaipu.

Em 26 de janeiro de 1945, o I Congresso Brasileiro de Escritores, no Rio de Janeiro, reclamou eleições diretas para presidente. Em todo o mundo, a vitória sobre o nazifascismo estimulava os povos a derrubar governos autoritários que simpatizavam com as ideias derrotadas no conflito.

Getúlio Vargas não tinha mais como resistir. Em 28 de fevereiro um “Ato Adicional” reinstituiu as eleições para presidente e governadores, além de convocar uma Assembleia Nacional Constituinte. Negociava a entrega do poder para não sofrer uma revolução. 

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