Empresários gaúchos voltam ao Sul

O Paraná em 1944 e seu contorno original, em 1853. O britânico Churchill mudou o mundo abrindo a Guerra Fria, Dutra manteve o país autoritário e Brasil Pinheiro Machado não conseguiu ser o líder que o Paraná traumatizado queria

 

O ano de 1946 começou como um sonho de progresso para os colonizadores gaúchos Alfredo Ruaro e Alberto Dalcanale, que depois de vistoriar com dificuldades a Fazenda Britânia retornaram ao RS projetando o grande empreendimento de suas vidas na antiga propriedade inglesa.

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Para o Brasil, porém, o ano novo chegava frustrando os sonhos de democracia inspirados pelo fim da guerra. A Presidência da República, em 31 de janeiro de 1946, passava às mãos do general Eurico Gaspar Dutra, que faria um governo de implacável repressão, sufocando as atividades políticas democráticas e intervindo em cerca de 500 sindicatos.

Ainda havia chances para a democracia, agora concentradas na Assembleia Nacional Constituinte, que saiu das eleições de 3 de outubro do ano anterior amplamente representativa.

Encarregada de escrever a nova Carta Magna do país, entregaria um belo texto, embora não imune a frequentes golpes antidemocráticos.

No Sul, a missão de Ruaro e Dalcanale era convencer os interessados em se associar ao empreendimento a completar os valores exigidos pelos proprietários ingleses pela transferência da Fazenda Britânia.

Sérias dificuldades para o Iguaçu

Apesar da instabilidade do país, os colonizadores estavam confiantes no potencial da nova região e na experiência já acumulada em terras gaúchas e catarinenses.

Enquanto eles faziam suas tratativas no Sul, a instabilidade também afetava o Território Federal do Iguaçu. O projeto inicial perdia fôlego dia a dia.

Com Getúlio Vargas afastado do poder, seu homem de confiança, o governador João Garcez do Nascimento, também caiu, exonerado por Eurico Dutra em 6 de fevereiro.

No dia seguinte, Dutra nomeava o major Frederico Trotta (1899–1980) para substituí-lo. Segundo governador do Iguaçu, Trotta vinha do Rio de Janeiro e trazia como assessor direto o capitão Jorge Silva e Souza, com quem selecionou cerca de duzentos funcionários para trazer da ex-capital do país.

 Já funcionavam no Território por iniciativa de Garcez diversos serviços públicos, tais como a Delegacia Regional da Capital do Iguaçu, onde ficava o comando da guarda encarregada de manter a ordem no território, além das divisões de Educação, Obras Públicas e Terras.

 Brasil mudou com a Revolução

A preocupação com o país em geral, entretanto, era maior que com os problemas do interior brasileiro. Ainda persistiam os maus costumes vindos da ditadura, como a presunção de que a repetição da mentira cria corpo como verdade na consciência do povo.

Mas o povo brasileiro formado pelos efeitos da revolução de 1930 já não era mais o iludido “Jeca Tatu” rural da Velha República.

O País percebia uma nova força na vida política nacional: se desde o Brasil Colônia até o Império e durante as duas repúblicas – a Velha e o Estado Novo – as oligarquias sempre ditaram os rumos do País, a classe média se tornara uma força poderosa desde 1930 e agora também o operariado insistia em participar das decisões.

Cem mil trabalhadores entram em greve em São Paulo contra o arrocho salarial imposto sob a alegação de “esforço de guerra”. Desde janeiro até o fim de fevereiro, cerca de 60 greves aconteceram.

 Começa a Guerra Fria

A mão pesada do governo que desce sobre as cabeças dos líderes operários se torna ainda mais agressiva a partir de 5 de março, em Fulton, no Missouri, EUA, quando o líder britânico Winston Churchill esbravejou contra a “cortina de ferro”.

Teve início ali a Guerra Fria, que abalou os esforços democratizantes no Brasil, abrindo uma era de delações e repressão a qualquer pretexto.

O governador Trotta e sua equipe assumiram o governo territorial sem perceber qualquer esforço do governo federal para satisfazer as necessidades do Iguaçu, embora a propaganda anunciasse realizações fantásticas.

Objetivamente, o governo federal não pretendia criar confusão com Paraná e Santa Catarina, que exigiam de volta os territórios a Oeste tirados por Vargas para montar o TFI.

Com o RS sempre a um passo da Revolução, depois de conferir a Luís Carlos Prestes uma consagradora eleição ao Senado, manter PR e SC apoiando a União era uma necessidade.

O Paraná também mudava – e mudava formando um novo forte elo com o RS quando, em 25 de fevereiro de 1946, o interventor Clotário de Macedo Portugal deu posse no governo do Estado ao ponta-grossense Brasil Pinheiro Machado (1907–1997).

 Referências antigas em nova realidade

 Membro de uma das mais tradicionais famílias gaúchas, o novo governador era sobrinho do senador José Gomes Pinheiro Machado (1852–1915), poderoso político da República Velha, que mandou no país até ser morto a punhaladas pelas costas no Hotel dos Estrangeiros, no Rio de Janeiro.

Advogado, professor, um dos fundadores do Colégio Regente Feijó, do qual foi diretor, Pinheiro Machado cacifou-se politicamente por ser primo de Manoel Ribas, que em 1932 o nomeou prefeito de Ponta Grossa.

Deputado constituinte de 1936, Machado perdeu o mandato com o Estado Novo, em 1937, e se transferiu para Curitiba em 1939, para assumir o cargo de procurador geral do Estado, novamente nomeado por Manoel Ribas, ali ficando até cair junto com o poderoso primo e padrinho, em 1945.

 Machado reforçou a ideia do líder máximo

Com a redemocratização do País, Brasil Pinheiro Machado é incluído em lista quádrupla enviada ao presidente Dutra, que pretendia nomear um interventor com conhecimento da região para comandar o Paraná até as eleições.

Constavam ainda da lista quádrupla o curitibano Alô Guimarães (1903–1985), o jaguariaivense Moysés Lupion (1908–1991) e o potiguar Antônio Augusto de Carvalho Chaves (1875–1949).

A bancada federal se dividiu e o professor Brasil acabou nomeado. A luta que se travou nos bastidores a seguir, com vistas às eleições para o governo do Estado, desgastou sua liderança.

Os mesmos amigos que o fizeram subir ao governo causariam sua queda, em meio a pressões fisiológicas e intrigas palacianas, reportou o historiador Túlio Vargas.

O drama de Pinheiro Machado, entretanto, alimentou uma suposta necessidade que o Paraná já vivia desde Jesuíno Marcondes, no Império: o sentimento de que só uma liderança forte e apoiada por diversas forças políticas levaria o Paraná a ser um dos principais estados do país.

Sensação de Estado mutilado

Na geografia, via-se o Paraná ao nascer, em 1853, com dimensões próximas às de São Paulo. Historicamente, deveria possuir parte do litoral paulista, a parte Oeste que tocava o RS e o Território do Iguaçu.

Teria, sem as perdas, o dobro do tamanho que tinha em 1943. A redução territorial era atribuída a governantes politicamente fracos. No Estado que se queixava amargamente das mutilações territoriais, vibrava o anseio por voltar a ter um líder como Jesuíno Marcondes, Vicente Machado ou Caetano Munhoz da Rocha, políticos ágeis e capazes de unir o Estado.

Nesse vácuo, emerge um nome de sucesso empresarial e com excelente padrinho político: Moysés Lupion, não por acaso um dos integrantes da lista quádrupla.

Quando o grupo reunido por Ruaro e Dalcanale finalmente comprou a Fazenda Britânia, o Paraná já não era mais o mesmo que haviam conhecido e o Território do Iguaçu vivia seu pleno desmonte.

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