Entra em cena o automóvel

Nos tempos do governador Affonso Camargo, um automóvel como este Ford T só trafegava nas estradas carroçáveis com o apoio de cavaleiros que acompanhavam o veículo

Em pleno clima pré-revolucionário e apesar das três fronteiras, era fragilíssima a presença federal em Foz do Iguaçu ainda em 1919. Havia deserções nas forças militares e as vagas eram preenchidas com soldados estrangeiros (Júlio Nogueira, Do Rio ao Iguaçu e ao Guaíra).

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A estrada que viria a ser a BR-277 estará plenamente concluída de Leste a Oeste do Paraná em novembro de 1919, em ritmo acelerado e com muitos sacrifícios. Precária, com prazos forçados e trechos arruinados pelo clima, para as autoridades o mais importante não era a qualidade da obra em si, mas ficar pronta para inaugurar no 66º aniversário do Estado, em 19 de dezembro.

Foz do Iguaçu nesse fim de década é uma vila irregular, com ruas em desalinho. Pela falta de abastecimento com artigos nacionais a população se satisfaz com produtos argentinos. “As construções eram quase todas de madeira e cobertas de zinco. Apesar da limpidez e frescura dos riachos, a água potável era retirada de poços desabrigados” (Ruy Christóvam Wachowicz, Obrageros, Mensus & Colonos).

No esquecido extremo-Oeste do Paraná os fatos do Brasil ainda parecem muito distantes, mas uma revolução logo virá para fazer da terra vermelha um palco de batalhas. Com uma estrutura fronteiriça tão débil, não seria de espantar que meia dúzia de guerrilheiros chegasse e dominasse Foz do Iguaçu. É o que em breve iria acontecer.

As primeiras viagens de automóvel

O Paraná encerrava a segunda década do século XX ligando via rodoviária o litoral à fronteira. Estava oficialmente concluída a Estrada Estratégica – também chamada de Transbrasiliana, por cortar o Brasil de Leste a Oeste.

O colonizador Miguel Matte fez todo o percurso com seu automóvel em 72 horas. O prefeito de Foz do Iguaçu, coronel Jorge Schimmelpfeng, um dos construtores da estrada, também iria percorrer a Estratégica em toda a sua extensão, viajando com seu automóvel Ford desde Santa Helena até Curitiba.

Logo em seguida o governador Affonso Alves de Camargo cumpriu o percurso em uma histórica visita motorizada de inspeção aos portos do Rio Paraná, em companhia do prefeito iguaçuense.

Os viajantes embarcados em automóvel por todo o trecho da Estratégica no Oeste paranaense podiam nessa época ser contados nos dedos de apenas uma das mãos.

Com o término do governo de Affonso Camargo, em 25 de fevereiro de 1920, assume seu vice, o médico antoninense Caetano Munhoz da Rocha. Candidato único, sem riscos eleitorais, Munhoz da Rocha assumiu o governo para o quatriênio 1920/24 pela segunda vez. Na condição de vice-presidente do Estado havia governado interinamente durante as negociações do Contestado.

Os antecedentes de Cascavel

Com uma ávida busca pelo pinheiro paranaense no pós-I Guerra, logo os caminhões estarão testando a trafegabilidade da Estratégica em 1920, ano em que o Censo Demográfico iria apurar no Estado uma população de 686 mil habitantes e no Brasil cerca de 31 milhões, então com 75% de analfabetos.

No Médio-Oeste, colonos catarinenses, caboclos e poloneses começam a se fixar na região da atual Cascavel, de onde partiriam muitas carroças transportando erva-mate aos portos do Rio Paraná.

Os agricultores eslavos produziam artigos coloniais para o consumo dos administradores e empregados das obrages e seus portos.

Só o Porto Artaza, de Júlio Allica, assegurava aos colonos um mercado de consumo bastante amplo, com um número de empregados superior ao de grandes empresas sediadas em capitais. “A empresa tem a seu serviço 940 homens, dos quais muitos ali se acham definitivamente domiciliados, com família” (Júlio Nogueira).

Seguindo a trilha aberta pela Comissão Estratégica, que teria o seu leito melhorado em 1920, justificando o nome de “rodovia”, os colonos poloneses provenientes de Santa Catarina trazem importantes contribuições à agropecuária e à prestação de serviços.

São eles que introduzem no Médio-Oeste, a partir da década de 1920, a carpintaria, a marcenaria, a selaria, a sapataria e os primeiros instrumentos agrícolas.

Começam a chegar os colonos gaúchos

A publicidade das terras do Alto Paraná feita pela colonizadora Meier, Annes & Cia, sucessora da antiga Petry, Meier & Azambuja, oferecia maravilhosas colônias com cerca de 10 hectares.

Convencidas pelo rol de atrativos das terras, a começar pelo preço baixo e alta produtividade, as famílias Bortolini e Ferri partiram de Bento Gonçalves e Garibaldi, cidades do Nordeste gaúcho, numa aventura digna das epopeias pioneiras.

Embarcados em um carroção em Carlos Barbosa, cruzaram diagonalmente o Estado rumo à fronteira, em Uruguaiana. Afastavam-se ainda mais de uma linha reta rumo ao destino pretendido. Em Uruguaiana, desmontaram o carroção para seguir de trem até Posadas, na Argentina. A bordo de um navio cargueiro argentino da Companhia Rodríguez “e viajando três dias rio acima, sem parar à noite, atingiram o Porto de Santa Helena (…) Esta aventura durou mais de um mês” (Valdir Marafon, Mosaicos). Chegando a Santa Helena, remontaram o carroção para seguir até as colônias pretendidas.

O desafio rodoviário

O problema do escoamento da madeira e da erva-mate continuava. Mais coletores de matérias-primas se incorporando ao mercado de trabalho e industriais abrindo serrarias pressionavam a reduzida e sofrível malha rodoviária.

A solução para esse volume crescente de produção ficara óbvia desde o fim do tropeirismo. A melhor resposta não estava em caminhões fazendo crateras na Estrada Estratégica, de manutenção tão árdua quanto improdutiva: quando uma equipe de reparos chegava ao fim do trecho em Foz do Iguaçu, já teria que haver outra recomeçando todo o serviço em Guarapuava.

A saída para ampliar a comunicação, o escoamento de madeira e erva-mate e incentivar a colonização nas regiões Norte, Noroeste, Oeste e Sudoeste do Paraná teria, forçosamente, que ser a ferrovia.

Para estimular a construção de vias férreas, o governo paranaense contratou a Companhia Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande, oferecendo em troca dos trilhos o direito de uso sobre uma vastíssima área de 2,1 milhão de hectares.

Esse direito, que também deveria levar embutidas as obrigações referentes à construção do ramal Guarapuava-Foz do Iguaçu, foi cedido pela companhia ferroviária à colonizadora Braviaco (Companhia Brasileira de Viação e Comércio).

Ferrovia: planos frustrados

Em 18 de fevereiro de 1920, a lei estadual 1.909 atribui à Braviaco a execução da Estrada de Ferro Oeste do Paraná. Um mês depois, em 20 de março, a lei 1.939 aprova o primeiro plano de viação ferroviária do Estado e sinaliza para a valorização das terras do Oeste, que viria com a infraestrutura de transportes: a já concluída Estrada Estratégica e a prometida extensão da ferrovia.

Como sucessora da Companhia Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande, a empresa Braviaco priorizava a comercialização das terras que obtivera em troca das ferrovias projetadas. Seria muito competente e veloz na venda das terras e nada produtiva na extensão dos trilhos.

Os dados do Censo Demográfico de 1920 reafirmam que o Oeste ainda se mantinha sob domínio estrangeiro: em Foz do Iguaçu havia 4.148 habitantes estrangeiros e apenas 2.282 brasileiros. A nova onda de negócios com a terra que se desencadeia em 1920, entretanto, vai trazer mais brasileiros natos que descendentes de imigrantes.

A primeira consequência dessa onda de negócios foi o aumento de tamanho dos latifúndios. Em abril de 1920, por exemplo, Roberto Stuber adquire cerca de 50 mil hectares junto ao governo do Paraná para acrescentá-los às terras da sociedade Petry, Meier e Azambuja, integrada ao projeto de colonização de Santa Helena.

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