Carroça, carroção, burro cargueiro, cavalo, raros automóveis e vários caminhões eram os meios de transporte dos pioneiros, mas os aventureiros vinham a pé. Silvino Bell’Aver contrariou o preocupado pai aos quinze anos de idade, partindo da região serrana do Rio Grande do Sul para enfrentar o desconhecido sertão oestino cercado por lendas de tesouros e riquezas.
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Como tantos outros, também veio a pé o mineiro José Araújo Prates, com uma história muito similar à de Bell’Aver. Nascido em 1936, partiu de Minas Gerais escondido dos pais até parar em um lugar paranaense com um sugestivo nome: Terra Rica.
Lá, Prates foi recrutado pela colonizadora Sinop* para meter os pés no mato e dar início a uma novo projeto da empresa, no local que depois de muito trabalho veio a se chamar Ubiratã.
Para chegar às terras escolhidas para a formação de uma futura cidade, não havia outro meio senão caminhar com os pés calçados apenas com uma precata** (chinelo).
O calçado era conhecido como “chega-já”, onomatopeia para o ruído que fazia ao caminhar quando estava molhado.
Era 1949 e Prates estava com apenas 13 anos. Para não passar fome, ia comendo o que achava no mato. Depois de abertas as primeiras clareiras, na completa ausência de estradas, a alimentação dos trabalhadores da Sinop vinha por avião. As estradas em condições para o deslocamento por automóveis ainda eram só um sonho.
*Sinop – Sociedade Imobiliária Noroeste do Paraná.
**Variação cabocla de alparcata (do árabe al-pargat, calçado com sola de corda ou borracha ajustada ao pé com tiras de couro ou pano).
Primeiras estradas
Por essa mesma época, um fiscal geral da Fundação Paranaense de Colonização e Imigração, Aldino Formighieri, primo do futuro prefeito de Cascavel, José Neves Formighieri, chegava à região de Corbélia para mais tarde abrir caminho aos primeiros colonos: as famílias de João Fridolino Dillemburg, Homero Baú e Francisco Mânica.
Ali abriram as primeiras estradas a partir das margens dos córregos Rancho Mundo e Arroio dos Porcos e do Rio Sapucaia. Formighieri tinha a missão de promover acordos com os posseiros e impedir a ação de intrusos que invadiam as terras pertencentes à Fundação de Colonização, trabalho desenvolvido com amplitude por Armando Zanato, originário de Carazinho (RS), que idealizou a cidade de Corbélia.
Formighieri tinha então vinte anos de idade e trazia a missão de promover acordos com os posseiros e impedir a ação de intrusos que invadiam as terras pertencentes à Fundação de Colonização.
Teve tão bom desempenho na expulsão de intrusos que o governador Moysés Lupion o convidou para dirigir o setor de segurança da Fundação como delegado e comandante de polícia na região.
300 famílias arruinadas
No entanto, o estrago já estava feito. As instituições do Estado foram permeabilizadas por ingerências de interesses externos, de acordo com o experiente ex-agente de terras do Estado, Alir Silva, que no Norte do Estado havia lidado até com denúncias de ataques de vampiros.
Para Silva, as tragédias de Campo Bonito começaram quando a Fundação de Colonização vendeu indiscriminadamente glebas inteiras a um só indivíduo, deixando ao desabrigo e completamente espoliados nada menos de 300 famílias.
“Muito embora a Fundação se apresente com a finalidade de praticar o minifúndio, isto é, coadjuvar a colonização através da venda de pequenas propriedades, cujas terras lhe foram cedidas pelo Governo do Estado para este fim específico, o que vem praticamente é uma verdadeira aberração, usurpando de posseiros todos os seus bens, arrancando bruscamente esses elementos que já estavam fixados à terra e, não raro, muito antes da cessão que lhes foi feita pelo Estado em 1949” (Depoimento ao jornal O Estado do Paraná, 26 de julho de 1959).
A movimentação de posseiros na área de Diamante do Sul começou em 1929, com a chegada de uma família de origem gaúcha que não suportou ficar sozinha no mato, daí porque só a partir de 1949 a região começou a ser povoada efetivamente, por imigrantes de origem italiana, vindos do Norte de Santa Catarina em um espécie de êxodo ao Paraná.
A solidão dos pioneiros
Em minucioso relato sobre a estruturação da Rota Oeste, Arlindo Mosé Cavalca contou que as ações conclusivas nesse objetivo começaram no Rio Grande do Sul com várias reuniões na residência de Celeste Dall’Oglio, seu futuro sogro.
Ali se fez a montagem de um consórcio com a finalidade de formar o grupo que constituiria futuramente a Industrial e Agrícola Bento Gonçalves Ltda, fundadora da cidade de Medianeira.
Formou-se nesse ano de 1949 uma nova caravana de associados, composta por Alfredo Ruaro, Dacir Dall’Oglio, José e Davi de Calegari e Cavalca, que já vinha para ficar em Gaúcha, origem de São Miguel do Iguaçu.
“Quando saí de Bento Gonçalves, já estava convencido que o sr. Benvenuto Verona se encontrava em Gaúcha, mas qual foi a minha surpresa, quando cheguei e soube que havia viajado para passar alguns dias no Rio Grande do Sul… Os companheiros insistiram para que eu voltasse com eles para Bento Gonçalves e não ficasse sozinho naquela selva, mas eu já havia decidido que iria enfrentar as dificuldades que aparecessem” (depoimento ao Projeto Memória de São Miguel do Iguaçu).
Aos 28 anos, Cavalca não temia nenhum desafio. Com pena de deixar Cavalca sozinho no meio do mato, Dacir Dall’Oglio o presenteou com um par de botas, “apavorado com tantos mosquitos”.
De repente, paraguaios armados
Alojado em um rancho coberto de capim, Cavalca decidiu esperar a volta de Verona enquanto ouvia a caravana seguindo rumo à futura Medianeira, cantando as habituais canções italianas obrigatórias nas reuniões de imigrantes e seus filhos.
“As vozes foram diminuindo na imensidão da floresta, o dia perdendo a intensidade, o sol mandando seus últimos raios entre a galhada verde da floresta. Na mata escurece mais depressa”.
Na solidão, sobrava tempo para lembrar os pais Alcides e a mãe Eulália Umiltá, já idosos, participantes da colonização de Bento Goncalves, a irmã Olívia e a namorada Addy, que lembrava em lágrimas na despedida.
“Mas era preciso ser forte, passar por cima das emoções. Saí para ver o céu estrelado e ouvi as vozes dos companheiros, acampados a uns três quilômetros. Eles esperavam o dia amanhecer para continuar a viagem a Medianeira porque não havia condição de andar por aquela picada a noite. As vozes dos companheiros foram aos poucos sendo abafadas pelos ruídos da mata. Foi uma noite difícil”.
Até porque, narrou, chegaram também paraguaios, armados com metralhadoras, pedindo para trabalhar como torradeiros*: “Eram fugitivos políticos que se escondiam na imensa floresta fronteiriça”.
Assim se incorporaram à colonização do Oeste guerrilheiros paraguaios que não puderam mais voltar para seu país, vivendo em 1949 as grandes agitações político-militares que deram início ao longo predomínio do Partido Colorado.
*Torradeiros: operários que derrubavam árvores para transformar em toras.
Perigos e sofrimentos
As agitações guaranis também tiveram o Oeste do Paraná como palco, como contou Amanda Fritzen a respeito da tragédia que vitimou seu marido, o alemão João Holler, na mercearia da família na Estrada das Cataratas.
Era o dia 4 de agosto de 1949. Ao entardecer, o casal tomava chimarrão na companhia dos filhos quando apareceu um cliente e João para atendê-lo abriu o bar, na frente da casa.
“Logo chegaram dois paraguaios pedindo cachaça. Percebi que estavam nervosos. Não fazia calor, mas eles suavam. Desconfiada, eu pedia em alemão ao meu marido que os mandasse embora e fechasse o bar. Ele não deu importância. De repente entrou outro paraguaio e começaram a atirar contra meu marido, que correu para fora, mas morreu em seguida. Eu corri com as crianças para o mato. Os bandidos entraram na casa, reviraram tudo e roubaram o que puderam carregar” (Gazeta do Iguaçu, 18/7/1993).
Um dos assassinos foi preso, mas Amanda ficou viúva com três filhos. Casou-se mais tarde com o sargento Bernardino Etelvino Velho, revolucionário brasileiro supostamente ligado ao MR-8 e iniciador de Santa Terezinha de Itaipu, com quem teve o filho advogado Domingos Jorge Velho.
Enquanto cuidava dos filhos, um dos quais Írio Holler, que seria diretor do Planejamento Urbano e secretário de Obras de Foz do Iguaçu, Amanda atendia aos eventuais clientes no balcão da mercearia da família e veio a fazer uma clientela ainda maior com sua habilidade na arte da costura.
“Fazia vestidos de noiva, bombacha (artigo que não se encontrava aqui e quem quisesse tinha que mandar vir do Rio Grande do Sul). A máquina de costura ficava atrás do balcão da loja. Quando não havia freguês para atender eu costurava. Muitas vezes, costurando, vi o dia amanhecer”.
O final da década de 1940, portanto, foi um período de intenso trabalho e muito perigos.
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