No centenário do Paraná, em 1953, o foco da administração foram as grandes obras dos palácios do Centro Cívico, Teatro Guaíra e a criação de dezenas municípios pelo governador Bento Munhoz da Rocha Neto. As grandiosidades curitibanas, entretanto, contrastavam com a dura realidade dos posseiros esbulhados pelos grileiros e jagunços no interior do Estado.
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O ex-governador Manoel Ribas havia prometido que os posseiros que as propriedades obtidas por eles seriam respeitadas. Na campanha eleitoral vencedora ao governo do Estado, em 1950, o ainda deputado Bento Munhoz não destoou desse compromisso. Falando aos colonos ameaçados pelos jagunços, disse: “Vós, que ocupais as glebas e que as desbravastes, sois os que tendes direito a ficar nas terras”.
Já estava em curso o movimento de posseiros em Porecatu (https://x.gd/8ALXn). Assumindo governo, o tom mudou: a solução que Bento apresentou aos colonos era inaceitável, colidindo com as promessas de Ribas e dele mesmo.
Deu-se então o Cerco de Porecatu, mobilizando a polícia do Paraná, forças de São Paulo para respaldar os latifundiários paulistas que grilavam terras na região e até soldados do Batalhão de Fronteira, em Foz do Iguaçu, deslocados para uma ação imprópria.
Cadeia para quem acreditou
No alvorecer de 17 de julho de 1951, as forças de repressão enviadas a Porecatu cercaram de surpresa a concentração de posseiros e prenderam seus líderes. A maioria não estava no perímetro do cerco e conseguiu escapar, mas os 17 líderes presos foram condenados a penas de até 14 anos.
Os posseiros, em consequência, sentiram-se totalmente traídos pelo governo. Beneficiados, os grileiros se organizaram em empresas colonizadoras que concorriam ou se associavam às já estabelecidas.
Curitiba ganhava com os festejos do centenário equipamentos que projetariam a cidade a partir daí como uma das melhores do país. Surge, além do Teatro Guaíra, a Biblioteca Pública do Paraná.
O Centro Cívico, área que passou a reunir órgãos públicos na capital, concentraria o poder do Estado a partir do Palácio Iguaçu, obsessão do governador e seu legado. Mas as vultosas e caras obras comemorativas do centenário do Paraná criaram ao mesmo tempo no interior uma forte sensação de abandono.
Os novos municípios criados não receberam a ajuda de custo prometida na Lei 790/51 e a oposição criticava o governador por pretender construir o Palácio Iguaçu, o “elefante branco” central das obras previstas para festejar o centenário.
A história de um sucesso
Nesse novo quadro, projeta-se a companhia Pinho & Terras Ltda, desmembrada da colonizadora Maripá, criada em 1946 para dar início a Toledo na antiga Fazenda Britânia.
Justamente em 1953, Rui de Castro, ligado à Pinho & Terras, adquiriu da Companhia Brasileira de Viação e Comércio (Braviaco), colonizadora que sofrera intervenção estadual no início do processo revolucionário de 1930, o direito de comercializar os 25.310 alqueires paulistas da Gleba Piquiri.
Eram cinco escrituras públicas documentadas no ofício de registros de Imóveis da Comarca de Toledo, garantia oferecida aos compradores de terras.
Não tinha como dar errado: com terras legalizadas, a P&T acumulava experiência e sucessos em projetos de colonização desenvolvidos em Ponte Serrada e São Miguel do Oeste, em Santa Catarina, e São Miguel do Iguaçu (antiga Gaúcha), Matelândia e Céu Azul, no Paraná.
Preparando o melhor dos mundos
O sucesso da P&T continuaria formando Palotina, “dividida em lotes urbanos, vastos logradouros públicos e praças, ruas completamente arborizadas, igreja, hospital, energia elétrica e até água encanada”, segundo o advogado Wilson Carlos Kuhn: “As terras rurais foram divididas em lotes de 10 alqueires paulistas e assim, transformou-se um latifúndio improdutivo em pequenas e florescentes propriedades rurais”.
O lote rural com cerca de 10 alqueires (242.000m²) era chamado de “colônia”. “Nesse projeto tais colônias eram demarcadas, de tal sorte, que todas elas, por um de seus extremos, deveriam estar supridas por uma corrente de água. As empresas procuravam com isso evitar problemas de abastecimento e assegurar seus lucros com a produtividade do solo” (Liliane da Costa Freitag, Extremo-Oeste Paranaense, https://x.gd/n9ZqC).“(A colonizadora P&T) Foi um exemplo de colonização. Abria uma gleba, loteava e dotava de infraestrutura mínima, com igreja, escola, praça, um núcleo populacional que passava a ser embrião de uma cidade. Assim surgiram Santa Terezinha de Itaipu, São Miguel do Iguaçu, Matelândia…” (João Samek, depoimento a Juvêncio Mazzarollo, Gazeta do Iguaçu, 19/7/1993).
A incapacidade dos governos prevaleceu
A essa altura, com exceção da área da antiga Fazenda Britânia, surgiram conflitos entre os novos compradores de terras e antigos posseiros. A Gleba Rio Verde, adquirida pela Sociedade Imobiliária Noroeste do Paraná (Sinop) junto ao governo do Paraná, em 1954, também foi uma aquisição legal e legítima.
Isso não impediu a empresa de enfrentar dissabores devido a ocupações anteriores em algumas áreas, promovidas por posseiros – os posseantes, como diziam os colonizadores paulistas. A Sinop considerou necessário, assim, recorrer aos “homens-segurança”, os jagunços.
“Para fazer a proteção do local, montou um acampamento principal nos Três Olhos (Estrada Olinda), onde os jagunços interceptavam todos os veículos e transeuntes que tentavam entrar no local, tendo que se identificar e dizer de onde vinham, para onde iam, fazer o quê, o local exato de suas visitas e dizer o dia exato do regresso. Se não voltassem no dia previsto, os jagunços iam atrás” (Selene de Carvalho, Alceu e Regina Sperança, Ubiratã, História e Memória).
Depoimento esclarecedor
Agentes das companhias colonizadoras, acompanhados por jagunços, visitavam os posseiros para tentar lhes vender a própria terra já ocupada. Quem não pagasse era expulso, com a destruição das moradias e lavouras pelo fogo. Se reagisse era assassinado com crueldade.
Trechos do inquérito policial com o depoimento de João Gonçalves de Oliveira, o João do Norte, ilustram o cenário dessa época no interior paranaense:
− Em 1953, quando foi a uma pescaria na barra do Jacarezinho, nas proximidades do Melissa com o Piquiri, [João do Norte se] deparou com o jagunço Barrada sentado sobre o cadáver de um posseiro.
− Tomou conhecimento de muitas mortes de posseiros, mas não sabe os nomes, que eram avisados pelos jagunços para deixar as terras e como resistiam tinham suas casas queimadas, eram mortos e jogados no Rio Piquiri ou queimados.
− Os jagunços matavam um ao outro, pois a colonizadora para não pagar os 40 alqueires que prometia mandava matá-los. Segundo seu depoimento, o único que recebeu terras foi o chefe Narcisão.
Chefe dos jagunços da colonizadora, Narcisão era genro de Manoel Ramos, proprietário da então Fazenda Tapejara, depois Fazenda São Silvestre. Ali, depois de oito anos, João do Norte acompanhou a polícia para mostrar o local onde teriam sido enterrados 18 corpos.
Varridos da história
Diferente de seu discurso prometendo soluções, Bento culpava o progresso pelo fracasso do governo: “A avalanche da onda cafeeira traz riquezas, mas é acompanhada também por multidões de desajustados e de doentes. Percebe-se a miséria que acompanha o progresso”.
Entre os miseráveis estavam as famílias dos posseiros que conseguiram sobreviver ao cerco policial e às investidas dos jagunços. Na ânsia de sobreviver, continuaram a promover ocupações a Oeste e Sudoeste.
Os vultosos negócios do café permitiram a Bento Munhoz comemorar o centenário de emancipação do Paraná com obras monumentais, transformando Curitiba em metrópole, mas enquanto ele festejava, no Oeste do Paraná o drama dos colonos de Palotina apenas começava.
Seriam muitos anos sofrendo a truculência do governador que antecedeu Bento e também o sucederia: Moysés Lupion. No interior conflitado, porém, as contradições desses governadores não foram perdoadas.
Em Cascavel, um dos Municípios que Bento criou e mais sofreu com os problemas agrários, não há sequer um beco ou rua de bairro lembrando seu nome. E a rua que homenageava Lupion é hoje a Rua Sete de Setembro.
100 anos da revolução: em maio, planos feitos
“Lotado no Regimento de Cavalaria da Força Pública, Miguel Costa participou ativamente das reuniões preparatórias do levante, realizadas em residências particulares, inclusive na sua, e em quartéis de Jundiaí, Itu e Quitaúna, no estado de São Paulo, com a presença de Newton Estillac Leal, João Francisco Pereira de Sousa, Eduardo Gomes e os irmãos Juarez e Joaquim Távora, entre outros oficiais do Exército e da Força Pública” (Jorge Miguel Mayer, biografia de Miguel Costa).
Ele forneceu as plantas dos quartéis e edifícios públicos para que Isidoro Dias Lopes e Joaquim Távora preparassem o plano de ocupação de São Paulo, apresentado aos demais conspiradores no dia 13 de maio de 1924.
Caberia a Costa iniciar as operações à frente do seu regimento, que, apoiado pelo 4º Batalhão de Caçadores, cercaria as demais unidades da Força Pública para intimá-las a aderir.
Nesse momento, os destacamentos rebelados já contariam com o apoio do 2º Grupo Independente de Artilharia Pesada, vindo de Quitaúna, e de elementos do 4º Regimento de Infantaria. Os revolucionários ocupariam o palácio do governo, o telégrafo e as estações ferroviárias.

Fonte: Alceu Sperança
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