Forca, guilhotina e genocídio

Tiradentes foi enforcado e o rei francês Luís XVI guilhotinado. A rainha Maria I, que mandou executar Tiradentes, temia o mesmo destino

No Brasil, os desafiantes da rainha Maria I, a Louca, pagaram com prisão e banimento pela ousadia de tentar a libertação da colônia. Tiradentes pagou com a vida, em abril de 1792. 

Na França, foi a autoridade real que sucumbiu à força da rebeldia popular. Em 21 de janeiro de 1793 o rei Luís XVI e sua rainha Maria Antonieta, sentenciados pelo tribunal popular por “alta traição”, morrem na guilhotina. 

A rainha portuguesa também temia ser guilhotinada se continuasse na Europa, dando força ao boato de que iria se mudar para o Brasil.

Como resultado da nova realidade vigente na França (a República), a realeza de Portugal decide reagir aos ventos antimonárquicos que sopravam de Paris se unindo à Espanha na chamada Primeira Coligação, que reunia nações absolutistas na pretensão de barrar a França revolucionária. 

A guerra sustentada pela Inglaterra contra a França centralizará as atenções mundiais desde essa época.

Crise e terra indígena 

A Paz de Basileia, assinada em julho de 1795 entre a Espanha e a França, deixou Portugal de fora. 

Abandonado pela Espanha frente a uma França ávida por domínio, defendendo-se por sua própria conta e logo se inclinando a uma aliança com a Inglaterra, Portugal sofre sérios prejuízos.

“Os corsários franceses prearam mais de 200 milhões de francos de cargas levadas do Brasil” (Oliveira Lima, D. João VI no Brasil). Os acontecimentos mundiais no final do século XVIII, portanto, empurravam Portugal para uma séria crise. 

O Brasil, nessa época, despontava como a grande força comercial lusitana. “Em 1796, nove décimos das exportações portuguesas para o Reino Unido eram de procedência brasileira” (Pedro Calmon, História da Civilização Brasileira).

No interior do futuro Paraná, arrojados sertanistas promoviam ilegalmente sangrentas incursões para tentar o domínio das terras ainda controladas pelos índios, que resistiam ao assédio militar português. Era crime, mas gerar riquezas salvaria o reino. 

Índios na zoologia

Entra em voga nessa época a Corografia Brazileira, do padre Aires de Casal, primeiro livro editado no Brasil. O padre incluía os indígenas entre os animais na descrição da zoologia sul-americana.

Pretextos e provocações não faltaram para combater os índios resistentes no interior do Paraná, apesar de Portugal ser governado por uma rainha católica, religião que condenava os genocidas ao inferno.

Com o fim da gestão de Bernardo José de Lorena em 27 de junho de 1797, a Capitania de São Paulo passou ao comando de Antônio Manuel de Mello Castro e Mendonça, que tinha o apelido de Pilatos. 

Com Mendonça, o que hoje é o Paraná começou a ser mais bem conhecido e planejado. Em sua gestão, que virou o século, organizou 24 mapas com dados minuciosos sobre a população em 1800.

Um plano para a agricultura 

Os eventos preparatórios para a conquista do interior do Paraná começaram a se esboçar de fato no final do século XVIII: em 1797, ao ser promovido ao posto de sargento-mor de Milícias, Diogo Pinto de Azevedo Portugal recebe a missão de comandar o Regimento de Cavalaria de Curitiba, de onde sairá para fundar Guarapuava.

Para acalmar a crise no Paraná dessa época foi essencial a liderança do capitão-mor de Curitiba, Lourenço Ribeiro de Andrade. Ele foi o precursor da moderna agricultura que depois, com o café e a soja, faria a riqueza do Paraná. 

Andrade designou agentes para em cada bairro estimular lavouras e “a nobre profissão de Cincinato*, que no seu dizer era o primeiro móvel da felicidade do povo” (Maria Helena Cordeiro Inssa, Os Louros de Lourenço).

Havia preocupação das autoridades portuguesas com a pobreza dos paranaenses nessa época de revoluções e contágio das “ideias francesas”, ou seja, burguesas (revolucionárias e republicanas). 

* Lúcio Quíncio Cincinato (519–439a.C.) foi um general e ditador romano que se dedicou à agricultura. 

Criar gado ou pegar em armas?

O declínio da mineração e o fim das expedições para além dos Campos Gerais, bloqueadas pelos governos do Rio de Janeiro e da matriz Portugal para evitar massacres indígenas, deixaram aos jovens da região como opções apenas o negócio do gado e combater os invasores espanhóis nas frentes de luta.

Isso permitiu ao governo regional estabelecer uma estrutura agrícola que mesmo ainda reduzida conseguiu abastecer a força militar com “bastante trigo, feijão, alguma vez milho, fumo ou tabaco de corda, toicinho e a erva chamada Congonhas [mate] que a terra produz” (Romário Martins, Terra e Gente do Paraná). 

Até então, a prosperidade, no entender de Andrade, limitava-se aos os criadores “que tinham campos e exportavam bois, potros e algumas bestas” e eram os donos das principais fazendas de Paranaguá, Santos e São Paulo. Andrade manifestava preocupação com os demais cidadãos, sem tais posses: “Como ficarão?”, perguntava.

A seu ver, a opção pela agricultura se apresentava como a saída mais viável, apesar da falta de conhecimentos dos colonos, habituados a tarefas que não requeriam técnica. 

Andrade confiava que a agricultura permitiria dar sustento e aumentar a população, trazendo a esperança de melhorar suas condições até que chegasse “o tempo anunciado das grandes felicidades desta terra”.

Algodão, lã, madeira e couro

O fim da Primeira República francesa, em 9 de novembro de 1799 – o Golpe do 18 Brumário, início da Era Napoleônica – deu sequência a uma cadeia de eventos que viraram o século, como a guerra entre França e Inglaterra, cujos desdobramentos afetarão o Brasil e o futuro Paraná.

Um dos cenários avaliados pelo governo português, comandado pelo ministro Rodrigo de Sousa Coutinho, seria deslocar seu centro político para o Brasil, edificando um “vasto Império luso-brasileiro” (Ana Rosa Cloclet da Silva, Identidades Políticas Na Crise Do Antigo Regime Português). 

A definição, em breve, caberá ao príncipe João. Nesse raiar do século XIX, as atividades dos paranaenses eram ainda limitadas à sua economia interna. 

“Com o algodão que vinha da região de Sorocaba e com a lã de seus próprios carneiros, em rodas de fiar e teares, manejados pelas mulheres, fabricavam o pano de sua roupa. Com a madeira de seus capões, construíram suas casas, suas mobílias, suas cercas, seus galpões. Com o ferro em barra armazenado, reparavam seu instrumental de trabalho. Do couro de suas crias faziam os aperos de seus cavalos, os arreios, lombilhos, xergas, laços, buçais, sinchas, botas” (Brasil Pinheiro Machado, Formação da estrutura agrária tradicional dos Campos Gerais).

CLIQUE AQUI e veja episódios anteriores sobre A Grande História do Oeste, narrados pelo jornalista e escritor Alceu Sperança.

Família de cafeicultores paranaenses

 

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