Governo estimulava colonos a ocupar terras

Estrada do Cerne, “a maior rodovia de todos os tempos”, construída sem recursos do governo federal. O Oeste inteiro, onde o Estado era impedido de agir, era um só Município: Foz do Iguaçu

De mãos atadas pela ditadura do Estado Novo em suas iniciativas no Oeste, o foco do governo paranaense estava na Estrada do Cerne, iniciada em 1935 e concluída em 1940, que chegava como ligação vital ao desenvolvimento integrado do Estado.

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Seus 700 quilômetros ligavam Curitiba ao Porto Alvorada, com bifurcação para Londrina e Jacarezinho. Sem apoio do governo federal, o Estado a construiu com seus próprios recursos.

Ao final da obra, o interventor Manuel Ribas enviou carta um pouco provocativa ao ditador Vargas comunicando que havia construído “a maior rodovia de todos os tempos”.

Embora já inaugurada em 1939 no Norte, Ribas repetiu a inauguração em Curitiba, em 13 de setembro de 1940. Esse período coincide com a louvação festiva dos feitos dos governantes, de acordo com o culto à personalidade vigente no plano mundial: Stalin (Rússia), Hitler (Alemanha), Franco (Espanha), Mussolini (Itália) e Mao (China).

Ribas, personalidade forte

No Brasil, o “mito” era Getúlio Vargas. No Paraná, Manuel Ribas. Por isso mesmo a segunda inauguração da Rodovia do Cerne foi acompanhada de viagens festivas ao longo de todo o percurso.

A cada parada, comícios, discursos e filmagens – o cinema começou no Norte paranaense por obra do misto de cineasta e corretor de imóveis Hikoma Udihara (1882–1972).

Ribas causava incômodos entre os seguidores fascistas de Vargas porque mesmo após a criação do Estado Novo, em 1937, que assumiu as feições de uma ditadura de extrema-direita, o interventor do Paraná mantinha um discurso relativo à questão agrária que muitos consideravam “comunista”.

Ele justificava a distribuição de terras aos sertanejos e imigrantes pobres como forma de impedir uma insurreição no campo. Argumentava que o Paraná sofria com a sanha de “senhores feudais”, que ele se dispunha a “acabar”.

A dupla tática do Paraná

A queda de braço de Ribas com os grandes latifundiários ficou empatada no Oeste, já que o governo estadual havia traçado um projeto de colonização para as terras das antigas concessões outorgadas no período imperial, mas o bloqueio federal na faixa de fronteira embaraçava o andamento das ações nessa área.

Para contornar a proibição, o Estado tomou a iniciativa de estimular posseiros a ocupar lotes na faixa de fronteira, onde o Estado não podia agir por imposição do comando ditatorial, encastelado no Rio de Janeiro, mas contava com as pressões dos colonos em busca de infraestrutura de transportes.

Sabendo das festividades em torno da Rodovia do Cerne, os colonos que chegavam ao Oeste sonhavam em festejar a rodovia que os levaria a unir Paranaguá a Foz do Iguaçu no mesmo caminho, sem as centenas de trechos desconexos nos quais os pioneiros transitavam com muitas dificuldades.

O plano de Ribas se completava com o estímulo à formação e atração de empresas colonizadoras. As empresas paulistas faziam a propaganda da terra como propícia à cafeicultura e extração de madeira.

As gaúchas destacavam, além da fertilidade, a amplitude dos lotes, muito atrativa quando comparada com a diminuta extensão das terras retalhadas por heranças de sucessivas gerações.

Cartórios e jagunços

A valorização dos imóveis por prometidas e esperadas ferrovias e rodovias desencadeou uma intensa febre de interesses e ambições.

Bons lotes ocupados por posseiros são cobiçados por empresas colonizadoras que alargam seus territórios cartorialmente ou pela mão armada de seus funcionários – os jagunços.

Para impor disciplina a essa tendência, o plano de colonização das terras devolutas (ou seja, readquiridas por devolução) determina a fundação, na margem esquerda do Rio Piquiri, das colônias Piquiri, Cantu, Goio-Bang e Goio-Erê. À margem direita do Ivaí, as colônias Manoel Ribas, Muquilão e Mourão.

“Seguiu (o governo) planos de colonização, demarcando os lotes rurais e prevendo áreas para a instalação de núcleos urbanos. Os lotes agrícolas, nessas colônias, foram, em geral, de áreas superiores àqueles do Norte do Paraná, medindo, em média, mais de 20 alqueires” (Cecília Maria Westphallen, Brasil Pinheiro Machado e Altiva Pillati, Nota prévia ao estudo da ocupação da terra no Paraná moderno).

Selecionar colonos, a missão

Em 1939, a Companhia Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande já havia dado a volta por cima na frustrada revolução de outubro de 1930, obtendo a revalidação da concessão cassada pelo Estado do Paraná.

A empresa pretendia apenas a posse das terras às margens da estrada de ferro projetada para o Oeste do Paraná, que jamais iria construir.

Em março de 1940, por conta dessa inoperância, a rede ferroviária e as terras, que haviam sido transferidas à companhia Braviaco, seriam incorporadas ao patrimônio da União.

É uma grande extensão de terras da melhor qualidade. Prevalece nessa época a tese de que para desenvolver áreas com tão elevada qualidade produtiva era preciso selecionar colonos capacitados, tarefa que só poderia ser cumprida pelas colonizadoras, porque uma ação do Estado nesse sentido determinaria o favorecimento a uns (os “amigos do rei”) em detrimento de outros, fora das influências políticas e famílias palacianas.

As colonizadoras, por sua vez, tinham a facilidade de selecionar pelo bolso e pela origem: com índios e descendentes de escravos sem fortunas ou heranças que lhes permitissem comprar as melhores terras, as colonizadoras direcionavam a propaganda das melhores para famílias de colonos de origem europeia com algum capital familiar e experiência no trato da terra.

Guerra traz problemas ao Paraná

A eclosão da II Guerra Mundial, em 1939, vai favorecer o desenvolvimento do capitalismo no Brasil. A siderurgia brasileira, com destaque para Volta Redonda, no Rio de Janeiro, era de interesse vital para os EUA.

No início do conflito, porém, o Paraná não conseguiu nenhum benefício e seu Oeste estava paralisado.

Ao contrário, apenas contabiliza prejuízos: a indústria estadual, dada a má performance de seu principal produto – a erva-mate – reduziu sua participação na indústria nacional, que chegara ao pico de 3,4% em 1919, para 2,2% em 1939, revelando entre esses anos as taxas de crescimento mais baixas do País (Wilson Cano, Desequilíbrios regionais e concentração industrial no Brasil, 1930-1995).

A produção brasileira de algodão incrementou-se num ritmo impressionante entre 1934 e 1939: de 126 mil toneladas passou a mais de 320 mil. A pesada mão dos EUA, no entanto, derrubou os preços ao jogar seus excedentes no mercado mundial. “A preços de dumping e como parte dos programas de ajuda exterior, os excedentes se espalham pelo mundo” (Eduardo Galeano, As Veias Abertas da América Latina).

Como o algodão, outros produtos que já começam a ser produzidos no Paraná sofrem o impacto da variação de preços.

No interior do Paraná, a guerra causa mais temor de um indesejado envolvimento do Brasil no conflito que a expectativa de participar ativamente do esforço de reconstrução das regiões conflagradas.

A madeira, servindo sobretudo ao mercado interno e com encomendas restritas pelo exterior por embaraços justamente criado pela guerra, aguardava a hora de ser chamada para esse esforço. E o Oeste estava quase intacto, coberto de pinheiros.

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