Írio Manganelli, um marinheiro em terra firme

Leonardo Wichoski mostra onça caçada à esposa Helena e filhos. Írio Manganelli e os jagunços varridos da história pela Santa Terezinha

Um dos mais importantes marcos da formação da chamada Rota Oeste foi a vinda dos primeiros colonos de Criciúma (SC), em 1952, para o interior do Município de Foz do Iguaçu. Transcorreram dois anos entre o projeto, iniciado em 1950, e a execução, curso no qual se destacou a capacidade organizativa de Írio Manganelli.

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Nascido lá mesmo, em Criciúma, em 1922, Manganelli só não conseguiu dar o nome da cidade natal ao novo lugar porque tensas batalhas pela terra fariam prevalecer a conciliação sugerida pela medalha que Silvino Dal Bó ganhou da avó italiana, com a efígie de Santa Terezinha.

Marinheiro desde os 14 anos, Írio trabalhava no navio Cruzador Bahia I, que veio a naufragar logo depois que ele deixou o serviço na embarcação. Chamado para combater na II Guerra Mundial, por quase dois anos serviu em um navio da VI Esquadra Americana como operador de radar.

Professor de Inglês, jogador de futebol e basquete, foi chamado a trabalhar no projeto de uma empresa colonizadora de Veranópolis (RS) que tinha Silvino Dal Bó à frente (https://x.gd/BC7mq). 

Nas funções de agrimensor, Írio foi encarregado pela medição de 5,5 mil alqueires pertencentes à Colonizadora Criciúma, dando assim início à formação de Santa Terezinha de Itaipu.

A cidade começou a partir de 1º de maio de 1952, após a vinda das primeiras famílias trazidas pela Colonizadora Criciúma, determinando a abertura da picada que Írio Manganelli batizou com a data, origem da Rua 1º de Maio.

Um eficiente organizador

A medição de terras foi apenas uma das diversas tarefas que Manganelli veio a cumprir. Além de dar feição à colônia no aspecto geral, empenhou-se em criar a infraestrutura econômica e social necessária para facilitar a vida e os negócios das famílias que chegavam.

De imediato elas pediam escola para os filhos, recreação para os jovens e igreja para seus cultos. Conhecendo cada um que chegava, nas eleições de 1960 Írio se elegeu o vereador mais votado no Município de Foz do Iguaçu.

Lá, sua capacidade logo prevaleceu, levando-o à presidência da Câmara em 1962, período em que contribuiu para iniciar o asfaltamento da Avenida Brasil e viabilizar a Usina Elétrica do Ocoí, quando Itaipu sequer era um sonho.

Ter um de seus fundadores no comando do Município de Foz do Iguaçu era o ponto alto de uma comunidade que se impôs em meio a muitas dificuldades. 

A área havia sido requerida por Miguel Matte em 1925, declarando o interesse em explorar a produção de erva-mate e madeira, mas o título de posse só saiu depois da Revolução de 1930. 

Sem meios para cumprir as obrigações exigidas, em 1949 a área foi vendida ao paulista Lourenço da Silva, que dividiu a grande propriedade em lotes menores para revenda.

Um desses retalhos, de 6,5 mil alqueires “compreendidos entre as terras da Colônia Militar de Foz do Iguaçu até a Gleba Santa Maria e da Linha Telegráfica, Estrada Velha, até a Gleba Passo Cuê”, teve a escritura pública lavrada em Mafra (SC), mais tarde transcrita pela Colonizadora Criciúma no Registro de Imóveis de Foz do Iguaçu como área de 15.730.000 m².

Área com posseiros desde a Colônia Militar

A Colonizadora Criciúma dividiu a propriedade em lotes de 40 alqueires. A fórmula da venda era similar à de outros projetos: uma entrada para confirmar o interesse real em utilizar a área e o restante parcelado.

Motivadas, começavam a chegar em caravanas as famílias Dotto, Acordi, Smânia e Manente, dentre outras. Antes deles, entretanto, posseiros autorizados pela Colônia Militar do Iguaçu já haviam iniciado propriedades na região, sobretudo a partir de 1934, como os eslavos Teófilo Kukul e Adão Kultz, cada qual em uma das margens do Rio São João, autorizados pela Prefeitura.

Importantes pioneiros anteriores à chegada dos colonos de Criciúma foram ainda Bernardino Jorge Velho, famílias Arenhart e Peters, Evaldo Wandscheer, Francisco Scherloski, João Alves Amaral, João Ansoategui, Leonardo Pavlak, Luciano Jakuboski, Ludovico Kalicheski, Raymond Robert de Blasset e Leonardo Wichoski.

A família Wichoski, aliás, é uma das mais representativas da odisseia que foi a formação colonial do Oeste, destacando-se também como um dos esteios iniciais da comunidade de Cascavel.

Paz com os índios da região 

O carroceiro Leonardo e a esposa Helena Eufrásia Wichoski, recém-casados, vieram em 1928 de Itaiópolis (SC) para a região de Cascavel, cidade que ainda não existia, trazendo os filhos Vítor, Rosa, Maria e Justina.

Com seu carroção puxado por burros, Leonardo fazia o transporte dos produtos coloniais das famílias Elias/Schiels e agregados que desde 1922 já estavam instaladas em propriedade rural no Cascavel Velho. 

A família Wichoski tem ainda o mérito significativo de ter iniciado a primeira serraria cascavelense. Funcionando junto ao pequeno salto do Rio Cascavel e movida a roda d’água, já serrava madeira logo após a Revolução de 1930.

De tanto percorrer o Oeste com seu carroção, Leonardo estudava oportunidades e uma das melhores lhe apareceu em 1939, quando requereu a posse de 200 alqueires junto à nascente do atual Rio Guabiroba, onde se estabeleceu e nasceram os filhos Matilde, Ilda, Regino, Terezinha e Adão. 

Leonardo protagonizou ali, ao lado de outros 60 colonos que vieram logo em seguida, uma cena típica do velho Oeste norte-americano. Havia dezenas de índios na região da atual Santa Terezinha de Itaipu quando ele começou a ocupar a área. 

“Naquela época, era só entrar no mato adentro e ocupar a terra”, contou ele ao jornal Nosso Tempo, de Foz do Iguaçu. “Isto aqui era terra da União por ser faixa de fronteira. Muitos colonos fizeram o mesmo. Eu escolhi este lugar. Desmatei, preparei a terra e comecei a plantar”.

Ao contrário do velho “far west” dos EUA, porém, nem foi atacado nem atacou os índios. Seus dissabores viriam bem depois, com a colonização empresarial, que veio acompanhada pelo jaguncismo. 

Jagunços eram os cobradores

Com a família trabalhando a terra, Leonardo continuava eventualmente a fazer transporte de mercadorias e materiais de construção, servindo às obras do Hotel Cassino, Hotel das Cataratas e a Prefeitura Municipal de Foz do Iguaçu, por exemplo.

Quando a Colonizadora Criciúma começou a aplicar seu projeto de minifúndios, em 1952, fixando para cada posseiro 5 ou 10 alqueires para cada família, conforme a área que já haviam desmatado, com possibilidade de outro tanto a preços e condições de pagamento mais favoráveis, Wichoski e outros posseiros mais antigos não concordaram (Sebastião Francisco da Silva, Na trilha dos pioneiros). 

“O processo colonizador dessa área envolveu tanto as companhias colonizadoras, como os jagunços, posseiros, colonos e grileiros que, em muitos casos, utilizaram-se da violência física ou moral para se apossarem da terra ou defenderem suas propriedades, ou o que consideravam serem os seus domínios” (Angelo Priori et alia, História do Paraná: séculos XIX e XX).

Quando os jagunços entraram em cena, agindo como cobradores da colonizadora, muitos pequenos posseiros se assustaram. “Um dia vieram uns fiscais. Queriam cobrar a renda da ocupação da terra, pois nós éramos considerados posseiros. Começou uma demanda. A colonizadora chegou querendo tirar a gente da terra. Vieram os empregados com espingardas 12, prontos para matar os bandidos, como eles diziam (…) Havia 60 posseiros. A Criciúma botou para fora da terra 59. Só sobrou eu” (Leonardo Wichoski, depoimento ao jornal Nosso Tempo).

20% do que tinham 

Os Wichoski, muita briga depois, conseguiram manter 40 alqueires dos 200 que haviam requerido em 1939. Alguns filhos ficaram na propriedade, outros mudaram para a sede, Foz do Iguaçu. 

O filho Vítor preferiu morar em Cascavel e Matilde acompanhou o marido ao Paraguai. A mãe Helena morreu em 1981 e o pai Leonardo dez anos depois, sem jamais esquecer o que sofreu sob a pressão dos jagunços armados.

Em Santa Catarina, houve a tentativa do governo Esperidião Amin de resgatar como herói a figura do jagunço, por meio do Projeto de Identidade Catarinense, tomando como referência a resistência dos fanáticos religiosos e monarquistas do interior catarinense à força militar paranaense no caso do Contestado. 

No entanto, a negatividade do termo – a palavra “jagunço” tradicionalmente designa pessoas que portam armas ostensivamente – levou o projeto ao esquecimento. Justamente por isso, o reconhecimento de arbitrariedades cometidas por jagunços da Colonizadora Criciúma impediu que o nome dela permanecesse também como o nome da vila e da cidade que prosperaram depois, em tempos pacíficos. 

Assim, já em 1959, na criação do distrito, prevaleceu a piedosa medalhinha da família Dal Bó com a efígie de Santa Terezinha. Exatamente o nome da filha mais nova de Leonardo, nascida ali mesmo nos tempos do jaguncismo, quando o lugar ainda era conhecido como “Vila Criciúma”. 

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