Longe da guerra, a luta contra a perseguição

Igreja de São João Batista, Prelazia e Casa dos Padres. Dom Manoel Koenner em jornada pastoral pelo interior. Ao desembarcar do navio Cruz de Malta o religioso foi revistado e detido

Em novembro de 1942, o prelado (bispo) de Foz do Iguaçu, dom Manoel Koenner, regressava de viagem a Minas Gerais, onde participou de evento religioso. No porto, ao desembarcar do navio Cruz de Malta, foi revistado pela polícia da fronteira, que encontrou na bagagem uma carta escrita em alemão.

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Em tempo de guerra, e em plena ditadura, qualquer suspeita de ligação com a Alemanha ou Itália valia por uma condenação. A carta era do religioso Irmão Gregório (Paulo [ou Pedro] Backers), que viveu em Foz do Iguaçu na década de 1930 e foi transferido para Belo Horizonte. Esta endereçada a um morador na fronteira, João Jorge Roth.

Na carta, traduzida pelo engenheiro holandês Otto Trompczynski, o religioso apresentava condolências pela morte de uma pessoa da família Roth e lamentava as más condições da assistência de saúde à população (“nós estamos no Brasil, onde tudo é pesteado”), da carestia (“hoje em dia tudo é tão caro”) e da criminalidade desenfreada (“a canalhada entrou por aqui e quebrou tudo”), que a polícia considerou ofensivas ao Brasil.

Uma vida sem paz

Foi apenas o começo das dificuldades enfrentadas por Manoel Koenner. Ele e a família Roth foram convidados a se retirar da cidade. mas o religioso não acatou a ordem, por falta de motivo real para se afastar de suas atividades religiosas.

Nascido na Silésia, Alemanha, em 1885 e ordenado sacerdote em setembro de 1910, Koenner partiu para missão de Moçambique, então colônia lusa. Em 1916, durante a I Guerra, os padres alemães das colônias foram presos, libertos somente em 1919.

Depois de livre, padre Koenner se dirigiu novamente à Alemanha, de onde foi designado para atuar no Brasil, em 1921. Foi professor em Belo Horizonte (MG), onde chegou a superior provincial de sua congregação e recebeu designação para dirigir a Prelazia* de Foz do Iguaçu em dezembro de 1939, chegando à fronteira em junho do ano seguinte.

Ignorava que no depósito da Prelazia estavam caixas pertencentes a um nobre húngaro – o arquiduque Karl Albrecht de Habsburg, membro da família real austríaca – que planejava um projeto agrícola no Paraguai e se hospedou na Prelazia, que alugava quartos na ausência de bons hotéis na cidade.

*Prelazia era uma espécie de diocese católica.

O flagrante: para agricultura ou terrorismo?

Acompanhado por um químico, um médico e um aviador*, todos húngaros, o nobre austríaco se hospedou na Casa dos Padres e durante a semana ia ao Paraguai com sua equipe para estudar o solo da fazenda.

“No início de 1938 foi para a Europa, mas prometeu voltar logo neste mesmo ano. Mas quando em março de 1938 as tropas de Hitler invadiram a Áustria ele foi preso e não voltou mais” (Martinho Seitz, História da Paróquia São João Batista de Foz do Iguaçu).

Ficaram na Prelazia caixas com objetos pessoais e material de uso para trabalhos agrícolas e explorações minerais, além de fuzis, munição e alguma dinamite. Se portar uma simples carta valeu ao prelado a expulsão da cidade, esse material o levou a ser afastado das atividades religiosas e à prisão.

Na madrugada de 19 de janeiro de 1943, o delegado regional Glaucio Guiss invadiu a Prelazia e acordou o prelado anunciando diligência policial. No depósito da Prelazia, ao lavrar a prisão em flagrante do prelado, comunicou ter encontrado “máscaras contra gases asfixiantes, dois caixões contendo munição para fuzil e grande quantidade de bombas”.

“Ao interrogá-lo, o delegado ouviu que o padre desconhecia o conteúdo dos caixotes encontrados na igreja e que sabia apenas que pertencia a uma comissão austro-húngara que estivera em Foz do Iguaçu em 1937” (Micael Alvino da Silva, A Segunda Guerra Mundial e a Tríplice Fronteira).

*O aviador era o piloto da aeronave própria do arquiduque.

Três anos de prisão por guardar bombas

Até ser novamente preso, Koenner atendia a uma vasta região. A Prelazia tinha abrangência do centro do Estado até as barrancas do Rio Paraná. Em Cascavel, rezava missas na pequena capela-escola mandada construir por Jeca Silvério próximo à Encruzilhada.

Manoel Koenner andava sempre a cavalo em suas jornadas pelas capelas do interior. Usava botas altas, chapéu largo e guarda-pó, que mais tarde trocou por uma blusa de couro.

Como os religiosos do Verbo Divino vinham da Alemanha, para tirá-los da pressão em Foz do Iguaçu as autoridades religiosas decidiram transferir a Prelazia para a sua capital do território Federal do Iguaçu, Laranjeiras do Sul.

Destituído da Prelazia sem direito a defesa, em setembro de 1943 o religioso foi levado ao Rio de Janeiro, onde respondeu a processo sob liberdade vigiada, sendo condenado a três anos de prisão pela guarda de explosivos na fronteira.

No início de 1944, d. Manoel recebeu a solidariedade de personalidades descontentes com o julgamento do ano anterior. Entre os que o defenderam se encontravam o ministro da Guerra, general Eurico Gaspar Dutra*, e a Nunciatura Apostólica no Rio de Janeiro.

Motivo: a Santa Sé conseguiu uma declaração do arquiduque austríaco responsável pelo abandono de material bélico na Prelazia. Ele teria sido preso e torturado pelos nazistas e ficou sem condições de retornar às suas atividades.

*Dutra seria eleito presidente da República em 1945

O fim do pesadelo

Koenner foi absolvido em fevereiro de 1944, com seu processo arquivado por carecer de base jurídica. Como consequência, os padres afastados de Foz do Iguaçu puderam retornar e no dia 27 de fevereiro houve a celebração de missa na Igreja de São João Batista em manifestação de júbilo pela correção do erro judicial.

Koenner foi ordenado bispo em março de 1948. Mas só em 1959 d. Manoel Koenner foi totalmente reabilitado pela Nunciatura Apostólica, que admitiu haver cometido uma injustiça com o prelado por ocasião das denúncias contra ele assacadas durante a II Guerra.

Koenner morreu em 9 de dezembro de 1968, na Alemanha, reabilitado e sepulto com as honras de bispo no pequeno cemitério da Casa Missionária de Dribug.

O religioso alemão não foi o único perseguido sem direito a defesa. Cerca de 200 pessoas adultas estavam na relação dos expulsos da fronteira sem culpa formada. Em região pouco habitada, população reduzida e escassas famílias produzindo, perder 200 adultos e suas crianças comprometeu seriamente o desenvolvimento de Foz do Iguaçu e Santa Helena.

“A maioria dos retirados tinha obtido no passado suas propriedades agrícolas com os militares (Colônia Militar), enquanto outros adquiriram por meio da Companhia Espéria. Eram posses que não tinham como levar consigo e que lhes garantiam pouco mais do que a sobrevivência” (Micael Alvino da Silva, A Segunda Guerra Mundial e a Tríplice Fronteira).

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