Monteiro e a “Brasília” oestina

Gustavo Gama Monteiro trabalhando no interior de Cascavel e as duas obras que o imortalizaram: a Avenida Brasil e a Catedral

Em 1952, como se não bastasse a divisão nas Forças Armadas entre nacionalistas e “entreguistas”, a crise econômica que afetava os trabalhadores e extratos mais pobres da população motivou uma série de greves nos centros urbanos.

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O presidente Getúlio Vargas reorganizou o ministério tentando administrar as pressões. Para acalmar os trabalhadores, nomeia o presidente nacional do PTB, João Goulart (1919–1976), um amigo próximo, para o Ministério do Trabalho. 

Embora Goulart, o Jango, fosse um típico estancieiro gaúcho encarregado de amortecer as lutas dos trabalhadores, a oposição, vinculada aos interesses estadunidenses, interpretou a escolha como viragem à esquerda e um plano para implantar um hipotético “regime sindicalista”, similar ao do presidente argentino Juán Domingo Perón (1895–1974).

Vargas merecia a suspeita, pela estrutura criptofascista montada no Estado Novo e sofreu severos ataques na imprensa e no Congresso, com o fogo centrado em seu ministro do Trabalho. 

Entra Formighieri, sai Luíse

O Brasil fervia na crise, mas Cascavel fervilhava de confiança no futuro, sem imaginar que sua posição estratégica estava para ser arruinada por uma ação do governo estadual. 

O ano de 1952 foi ótimo para os cascavelenses, com a eleição em novembro do primeiro prefeito, José Neves Formighieri, empossado em dezembro. Compadre de Goulart e partidário do PTB, mas com ligações importantes no governo federal, Formighieri se empenhou em criar a estrutura do Município, começando pela educação, ruas e estradas. 

Um acordo com o candidato derrotado, Tarquínio Joslin dos Santos, que tinha maioria na Câmara, garantiu harmonia no Município e a aprovação de todas as leis propostas. 

Já sem a necessidade de liderar comunidade, que passava a ter o prefeito e nove vereadores, o padre Luiz Luíse continuou insistindo em dirigir os rumos da cidade, como havia feito no vácuo de liderança entre a criação do Município e a posse do primeiro prefeito.

Enfrentando os interesses de madeireiros, comerciantes e burocratas do governo com ideias laicas, diferentes da vontade do padre de submeter as decisões ao crivo religioso, a insistência de Luiz Luíse em continuar comandando a cidade o levou a ser chamado de volta por seus superiores a Erechim, para onde retornou em março de 1953.

Sai Luíse, entra Monteiro

Dez anos depois, em março de 1963, quando já nem se pensava mais no padre e em sua teimosa vontade de comandar, Luiz Luíse voltava para Cascavel, agora não mais para chefiar a paróquia, entregue aos cuidados do padre Santo Pelizzer.

Ia chefiar a paróquia do Distrito de Cafelândia do Oeste, onde voltou a ser um padre-prefeito e criou a Cooperativa Consolata. 

Mais dez anos depois estava de volta a Cascavel, assumindo a igreja e paróquia do Parque São Paulo em perfeita harmonia com as lideranças locais. Morreu em 2 de novembro de 1988, em acidente automobilístico.

Padre Luiz dizia que veio cumprir missões religiosas, mas as circunstâncias o levaram a fazer muito mais. O mesmo aconteceu com o arquiteto Gustavo Gama Monteiro (1925–2005).

Ele veio encarregado de uma missão que os cascavelenses ignoravam: criar artificialmente um novo polo para a região, que anularia as vantagens geográficas da antiga Encruzilhada, destruindo assim as chances de Cascavel se tornar uma futura metrópole.

O ideal urbano-rural

Enviado pelo presidente da Fundação Paranaense de Colonização e Imigração, Djalma Rocha Al-Chueyr, Monteiro iniciou um ambicioso plano de colonização na “Colônia A”, no interior do então vasto Município de Cascavel, com terras fertilíssimas banhadas pelos rios Tourinho, Melissa e Piquiri. 

A primeira parte do projeto consistia em promover a locação das glebas, “levantando-se os espigões e os rios, para se parcelar a terra em lotes de 200 ha ou 80 alqueires, visando desenvolver nesses locais fazendas de café” (Rubens Nascimento, Histórias Venenosas). 

A segunda parte seria construir uma grande cidade-polo que tiraria de Cascavel as características que fariam dela a grande cidade do Oeste nas décadas seguintes.

Monteiro planejava construir uma “Brasília” no interior do Paraná, oito anos antes da inauguração da futura capital federal. A Cidade Governador Munhoz da Rocha era um projeto espetacular, elogiado por arquitetos e planejadores em geral.

Política liquidou as boas intenções

O gerente bancário Rubens Nascimento era amigo do arquiteto e conheceu os detalhes do projeto de criar uma cidade perfeita no Oeste paranaense, prevista para inicialmente acolher cem mil habitantes:

– Era realmente um projeto ambicioso, corajoso e inédito, e tudo corria bem, naturalmente que com grande investimento uma vez que o Estado gastou cerca de “cinquenta e três milhões de cruzeiros”, que era a moeda da época para abrir ruas e avenidas, construir galerias águas pluviais e locar 20.000 lotes, construir a rede elétrica e um campo de aviação.

O arquiteto pretendia criar um modelo de harmonia entre homem e terra: os moradores da cidade seriam as famílias dos colonos que ocupariam os lotes de uma também perfeita reforma agrária.

Tais boas intenções se perderam, porém, pelo interesse político em bajular o governador e a seu falecido pai, Caetano Munhoz da Rocha, que também governou o Paraná.

Picado pela mosca-azul da ambição de vir a ser candidato à Presidência da República se fosse também um bom ministro da Agricultura, Bento Munhoz renunciou ao governo do Paraná. 

Não imaginava que ao virar as costas para ser ministro de um governo capenga, o ex-governador Moysés Lupion voltaria ao poder no Paraná e logo varreria do mapa a ideal Cidade Munhoz da Rocha.

A vingança cascavelense 

Cascavel, a cidade que iria minguar com a “Brasília” paranaense, foi a principal beneficiada pelo desmonte: o prefeito José Neves Formighieri reuniu sua equipe, foi lá e trouxe postes, fiação, máquinas e equipamentos.

A farta coleta, deixando para trás uma cidade fantasma, área atualmente no interior de Braganey, foi de grande utilidade para estruturar a grande cidade que Cascavel veio a se tornar a partir dali. 

O sonho urbano-ecológico de Monteiro ruiu, mas o arquiteto foi adotado pelos cascavelenses, segundo Rubens Nascimento:

– No entrementes, nem por isso o amigo e arquiteto Gama deve ser considerado persona non grata pelos habitantes de Cascavel, uma vez que posteriormente passou a residir na cidade, onde muito cooperou com o seu progresso, com base ao seu vasto conhecimento sobre projetos arquitetônicos.

– Inclusive tendo sido procurado pelo prefeito Octacílio Mion para fazer o projeto urbano da cidade, e imprimindo novo conceito à Avenida Brasil ao projetá-la com 60 metros de largura com bolsões de estacionamento, jardins e rótulas de circulação de carros no meio das quadras, devidos bloqueamentos de ruas e interceptações, praticamente colocando em seus sonhos de outrora o que estamos vendo hoje.

Deduragem era aceita como verdade

Monteiro de fato apostou em Cascavel, mas dentre as propriedades que adquiriu na cidade, uma lhe deu fortes dores de cabeça: “Área de 939,23m2, destacada da Reserva II, da Comarca de Cascavel, vendida em 21 de maio de 1958, pela importância de NCr$* 50,00 a Gustavo Gama Monteiro”.

Em 15 de setembro de 1969, a ditadura militar, controlada pelos ministros da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, confiscou com base em delações aceitas em inquérito sumário contra o professor Antônio Cid, a propriedade de Gama Monteiro e muitas outras em Cascavel. 

Dentre elas bens do jogador Vevé (Vespasiano Saraiva), Julio Tozzo (vereador em Cascavel e prefeito em Corbélia) e o topógrafo Sergio Djalma Holanda. 

Apesar dos dissabores, Gama Monteiro imprimou sua marca a Cascavel, imortalizado pelo projeto final da Catedral e da Avenida Brasil. Apagou-se da memória a cidade planejada, mas perdurou até a demolição a obra que mais o divertiu durante o tempo em que morou em Cascavel: o Cine Delfim.

*NCr$: Cruzeiro Novo, padrão monetário criado para mascarar a inflação.

Placa falsa, projeto real

Monteiro cismou de trazer para o interior algo que só grandes capitais possuíam. Uma sala de espetáculos em que a modernidade estava presente desde o desenho arquitetônico até a forma cooperativa do financiamento da obra.

A diversão começou em uma rodada de cervejas no Bar Amarelinho, segundo Rubens Nascimento, “o ponto de encontro onde se discutia de tudo, e no mais das vezes a respeito de novos investimentos de interesse para a cidade de Cascavel”.

– Foi lá que começou a surgir o Cine Delfim com 10 acionistas, como vemos, inicialmente movidos pela cerveja do Amarelinho, e mais tarde até o autódromo da cidade (…), sempre com o dedinho mágico do professor Gustavo Gama Monteiro. 

Dercio Galafassi contou que na frente do cinema da cidade, onde hoje é a Caixa Econômica Federal do Calçadão, para irritar o proprietário, João Deckmann, os gozadores da cidade colocaram uma placa junto às obras de demolição do Hotel Mariluz: “Em breve aqui, cinema de luxo”.

Era só uma brincadeira para ironizar o desleixo do velho cinema, mas a cerveja e o fervilhar das ideias originaram uma sociedade que de fato construiu um cinema de luxo, segundo ainda Rubens Nascimento:

– Cascavel conseguiu construir um cinema inédito, pois foi o segundo cinerama do Brasil, sendo que o primeiro era o Comodoro de São Paulo, executado com tela parabólica, acústica perfeita, com 16 alto-falantes localizados nas laterais e um projetor de 70 mm (Vitória 8), de origem italiana e reputado como o melhor construído do mundo.

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