A receita do governador paulista, Luís Mourão, para ocupar os vazios demográficos do interior do futuro Paraná tinha a finalidade de assentar na região “famílias bem instaladas e satisfeitas”. O plano de Mourão descia até os detalhes, como determinou em carta endereçada ao capitão-mor de Curitiba, Lourenço Ribeiro de Andrade, em abril de 1767:
“Mandar lançar roças (…), levar os casais a fundar a igreja em sitio seco, alegre e desembaraçado, abrir-lhe praça quadrada, cordear* as ruas muito direitas, com suas travessas, formando quadras largas, para poder nas casas haver quintais, plantar logo estações e fundar nos ângulos ou cantos das ruas as primeiras casas, que logo fique figurada a terra na sua direitura para que seja mais agradável a sua vivenda”.
Isso já era possível no litoral, em Curitiba e algumas fazendas dos Campos Gerais. Governando Curitiba por 34 anos, Andrade será considerado o pai da agricultura paranaense, além de primeiro urbanista de uma cidade-referência.
*Cordear – Alinhar, arruar.
Freguesia, a cidade pioneira
Seguindo as ordens do rei José I e de Mourão, Andrade determinou que fossem escolhidos os lugares mais bem situados, onde já havia “quinze, vinte e trinta vizinhos”, aos quais se deveriam agregar outros para estabelecer uma povoação, com circulação de mercadorias, prestação de serviços e segurança.
O plano traçado pelo governo paulista para estabelecer o domínio sobre o interior do atual Paraná, portanto, era bem preciso e minucioso. Por sua vez, Andrade o cumpriu enfrentando a resistência dos ricos fazendeiros de gado.
A estratégia de povoação orientada pelo governador paulista para ocupar o então abandonado (mas não pelos índios) interior do Paraná era, em áreas estratégicas, tais como os pousos às margens do caminho tropeiro, plantar uma igreja dotada de um amplo patrimônio a ser explorado economicamente para assim estabelecer uma população fixa no lugar: a freguesia.
Formada por moradias ao redor das igrejas, com casas de frente e amplo fundo para plantar e criar animais, a freguesia é o modelo e a origem das futuras cidades do interior.
Sobrenomes seculares
Antes que dessa orientação brotassem as primeiras belas cidades do interior, porém, seria necessária a ação militar para garantir a soberania portuguesa na região.
Assim, Mourão fez publicar, ainda em abril de 1767, um bando (proclamação) determinando que em cumprimento à vontade do rei fosse providenciado o alistamento necessário ao esforço de guerra para barrar o avanço espanhol.
Lourenço de Andrade fez melhor: além de recrutar e treinar os soldados, ele próprio os comandaria na conquista dos Campos de Guarapuava, junto a Afonso Botelho, o parente de Mourão enviado para governar o futuro Paraná.
O sobrenome Andrade, também ligado às famílias Borba e Ribas, como seria depois também com os Machado, Camargo, Munhoz e algumas outras referências, inseriu-se profundamente e por mais de dois séculos na história da construção do Paraná entre as grandes forças produtivas da Federação.
A margem esquerda do Rio Paraná
Com o amplo esforço de organização militar, os portugueses voltaram a se apoderar da margem Norte de Rio Grande, além de repelir a invasão do Mato Grosso pelo Oeste, “tentada por tropas conjugadas de Santa Cruz, Peru e Buenos Aires” (Pedro Calmon, História da Civilização Brasileira).
A ação defensiva foi chefiada por Antônio Rolim de Moura Tavares, o Conde de Azambuja, ex-governador do Mato Grosso. Por resistir e vencer os espanhóis, no final de 1767 ele assumiu as funções de vice-rei do Brasil, posição na qual assegurou novos avanços estruturais para a força militar.
O desbravamento da margem esquerda do Rio Paraná foi proposto pelo governador Luís Mourão em 1768 ao Conde de Oeiras, futuro Marquês de Pombal e primeiro-ministro de Portugal no reinado de José I, mas não foi atendido de imediato.
Rolim de Moura teve outras prioridades, como a construção do Forte Príncipe da Beira, no atual Estado de Rondônia. Pombal, por sua vez, concentrou-se em fortalecer seu poder em Lisboa, perseguir os jesuítas e cobrar impostos dos “homens-bons” das minas: a derrama, que dará origem à Inconfidência Mineira.
Sem campos, sem prioridade
A ação proposta por Mourão (Grande Projeto) teria uma dupla finalidade: prevenir o avanço dos espanhóis que tentavam reconquistar as terras perdidas depois do Tratado de Madri e expulsar os índios do caminho das tropas.
“Era pelo Oeste que ele temia realmente o avanço dos espanhóis sobre a Capitania de São Paulo. O Grande Projeto concretizou-se nas Expedições do Tibagi” (Roselys Vellozo Roderjan, A Formação de Comunidades Campeiras nos Planaltos Paranaenses e sua Expansão para o Sul).
Para os portugueses, a região mais interior – Oeste e Sudoeste – precisava ser ocupada militarmente mas não era prioridade porque a vegetação cerrada, sem campos, não favorecia a criação de gado.
Seu único atrativo eram os ervais, territórios antes controlados pelos jesuítas espanhóis que precisariam disputar com os índios.
Ordem de invasão
Quando o perigo imediato deixou de ser a Espanha, as atenções lusas se voltaram naturalmente para os índios. A ação armada na ocupação dos campos do Tibagi e de Guarapuava foi justificada por ataques indígenas reportados anteriormente pelos bandeirantes. Mourão alegou “contínuas saídas do gentio, que ocupa os grandes Sertões do Tibagi há 9 anos a esta parte, tendo morto bastantes pessoas, e achando-se já muito próximos da estrada, que vem da cidade de S. Paulo para estes Campos Gerais, e Rio Grande”.
Para ele, as muitas fazendas da região e os grandes riscos de quem passava pelo caminho das tropas exigiam do governo paulista “invadir o dito sertão e aplicar os meios mais possíveis para reduzir a estes bárbaros”.
Logo será enviada uma ampla força militar, mas os índios, conhecedores do terreno, rechaçaram todas as investidas. Algo estava faltando. Uma “arma” que já havia sido usada com sucesso na antiga República dos Guaranis: a religião.
CLIQUE AQUI e veja episódios anteriores sobre A Grande História do Oeste, narrados pelo jornalista e escritor Alceu Sperança.

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