Em 1952, o remoto interior do Paraná sofria com o enfrentamento entre jagunços e posseiros. Na cena nacional, a frágil democracia brasileira estava em disputa entre dois grupos civis e militares – um exigia a ação nacionalista do governo e outro pretendia atrelar o Brasil aos EUA, então em disputa com a URSS pelo controle mundial.
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Em momento crucial para o destino do País, o Congresso Nacional aprovou em março polêmico Acordo Militar com os EUA, que em troca do fornecimento exclusivo de minerais estratégicos oferecia armas que sobraram da II Guerra.
A corrente nacionalista do Exército manifestou profundo desagrado com o acordo e o ministro da Guerra, general Newton Estillac Leal, pediu demissão.
Um dos líderes da corrente nacionalista, Leal viveu no Oeste do Paraná as experiências que o levaram a esta e várias outras decisões de impacto para a história brasileira.
Constatar a ausência de progresso para a população das áreas dominadas por interesses estrangeiros no Paraná marcou sua trajetória militar e política.
“Se há mais de um século proclamamos nossa independência política, é chegado o momento de construirmos com energia e firmeza a independência econômica de nosso país, quebrando os grilhões do colonialismo garroteador do nosso desenvolvimento”, disse Estillac Leal.
O estopim da Revolução de 1924
Nascido no Rio de Janeiro em 1893, filho de um oficial do Exército que chegou a marechal, Newton ingressou no Colégio Militar do RJ em 1905. Primeiro-tenente em junho de 1919, especializou-se nas armas de infantaria, cavalaria e artilharia.
Ao eclodir a revolta do forte de Copacabana em 5 de julho de 1922, cujo objetivo principal era impedir a posse do presidente eleito, Artur Bernardes, Estillac apoiou discretamente os rebeldes. Fora de suspeitas, dois meses depois, em setembro, foi promovido a capitão.
Em São Paulo, exatamente dois anos depois da derrota do tenentismo em 1922, Estillac Leal comandava ao lado de Joaquim Távora o ataque ao bloco de quartéis da Estação da Luz que deu início à Revolução Paulista de 1924.
Com a capital paulista ocupada pelos rebeldes, o presidente Bernardes, sem poupar a população civil, mandou bombardear a cidade impiedosamente.
Chefes divididos
O comandante da revolução, Isidoro Dias Lopes, decidiu abandonar a capital paulista “no desejo de poupar São Paulo de uma destruição desoladora, grosseira e infame”.
Os revolucionários, entretanto, não tinham um plano para a situação e estavam divididos. Alguns defendiam tomar o Mato Grosso, enquanto outros, como Estillac Leal, preferiam o Paraná, onde poderiam fazer junção com os revoltosos do Rio Grande do Sul, possibilitando a continuidade da revolução.
Em 25 de agosto começou a descida do Rio Paraná em direção a Guaíra, com Estillac comandando as tropas de ataque no posto de tenente-coronel.
Tomando Guaíra, o objetivo de Estillac, reforçado com destacamentos de infantaria sob o comando de Nélson de Melo, era fazer de Catanduvas o centro de resistência às tropas do governo até a chegada de Luiz Carlos Prestes e sua coluna gaúcha.
Antes de atingir Catanduvas, porém, Estillac alcançou Formiga (PR), onde, após um mês de combate, derrotou as forças federais que tentaram romper aquele setor.
Agostini, herói revolucionário
Eduardo Agostini, filho adotivo de Alípio de Souza Leal, que em 1930, ao lado de Jeca Silvério, iria iniciar a cidade de Cascavel, acabara de chegar ao Médio-Oeste em plena revolução e de imediato aderiu aos rebeldes.
Um dos fundadores de Santa Tereza do Oeste, Agostini participou das ações comandadas por Estillac Leal na condição de soldado revolucionário e fez um relato de sua participação ao jornal Hoje-Cascavel:
– O primeiro combate que nós tivemos foi na Rocinha, perto de Catanduvas. As forças legalistas de São Paulo atacaram a Rocinha mas não deixamos eles entrar. Ali foi baleado um soldado da Polícia de São Paulo e aí alguém disse: “Olha, vem um batalhão para cortar a retaguarda de vocês, comandado pelo Capitão Sarmento*”.
– Newton Estillac Leal ordenou o recuo a Catanduvas, para não sermos sitiados na Rocinha. Quando estávamos passando num lugar chamado Vinte-e-Quatro, para lá de Catanduvas, saíram o capitão Sarmento e sua tropa atrás de nós.
A derrota de Formiga preocupou seriamente o governo, que tratou de fortificar seus efetivos, agora sob as ordens do general Cândido Mariano da Silva Rondon.
*Joaquim Antônio de Moraes Sarmento, comandante do 1º Batalhão de Infantaria, criado pelo governo do Paraná
Lutas intensas e a fuga
A estratégia governista era barrar o acesso de Prestes a Catanduvas, onde a artilharia de Estillac e a infantaria de Nélson de Mello repeliam as investidas inimigas.
Prestes de fato não pôde chegar a tempo e os revolucionários se renderam em 29 de março de 1925, mas antes trataram de proteger a fuga de seus chefes.
Eduardo Agostini contou como conseguiu driblar as tropas do general Rondon para evitar a morte ou a prisão de Estillac Leal, Filinto Müller, Nélson de Mello e Juarez Távora:
– As forças do Governo estavam na Fazenda dos Gomes* e no Rio Tormenta brigando com a tropa de João Cabanas e numa noite eu e o tenente Domingos viemos de Catanduvas a pé, até o Rio Tormentinha, para ver se havia inimigos ali. Não tinha ninguém.
– Paralelamente ao Rio Tormentinha havia uma picada que saía na Linha Velha. Quando constatamos que não havia ninguém, voltamos ligeiro e avisamos o pessoal: “Vamos embora, que dá pra gente sair”. E foi isso que aconteceu: quando clareou o dia, nós saímos na Linha Velha. De lá varamos até Foz do Iguaçu.
*Família que no ciclo ervateiro formou a Encruzilhada dos Gomes, onde surgiu a vila de Cascavel.
Fora da Coluna Prestes
Estillac adoeceu na fuga e se refugiou na Argentina, deixando por isso de participar da Coluna Miguel Costa-Prestes, que se formaria logo depois, em Foz do Iguaçu, em abril de 1925.
De lá, Estillac organizou forças militares para invadir o Rio Grande do Sul, na tentativa de obrigar o governo federal a deslocar tropas, desafogando assim a pressão militar sobre a Coluna Prestes.
A resistência encontrada, porém, foi superior à capacidade ofensiva dos revolucionários. Estillac foi preso em Seival, mas conseguiu escapar, retornando à Argentina. De 1926 até 1930, Leal se dedicou a estudar o socialismo.
Na primeira hora da Revolução de 1930, em 3 de outubro, Estillac e João Alberto tomaram de assalto o morro do Menino Deus, em Porto Alegre, conquista prioritária no plano de ataque às forças governamentais.
Atravessando Santa Catarina e o Paraná ao lado de Getúlio Vargas, Estillac recebeu na divisa com São Paulo a notícia de que o presidente Washington Luís foi deposto no Rio de Janeiro.
Depois de tantas lutas e derrotas, o persistente revolucionário, já com 47 anos, obtinha a vitória que sempre desejou desde que discretamente conspirou pela primeira vez contra o governo Bernardes, em julho de 1922.
Sempre em combate
A vitória na Revolução de 1930 coroava a lenda de Newton Estillac Leal, mas havia muito mais. Promovido a major em abril de 1932 e em 1938 promovido por merecimento a coronel, Leal pronunciou então um violento discurso contra o líder nazista Adolf Hitler.
Em agosto de 1942, o Brasil iria declarar guerra aos países do Eixo. Promovido a general-de-brigada em 1943, em setembro de 1945 denunciou as conspirações militares para depor Vargas no golpe de 29 de outubro.
General-de-divisão em outubro de 1946, no primeiro ano do governo do general Dutra, em 1949 foi nomeado comandante da 5ª RM e 5ª DI, com sede em Curitiba, mas logo saiu para comandar a Zona Militar Sul, antecessora do III Exército, em Porto Alegre.
A questão do petróleo era o principal assunto da campanha presidencial com vistas às eleições marcadas para 3 de outubro de 1950. Estillac defendia abertamente o monopólio estatal, afirmando que a missão principal das Forças Armadas consistia “em defender a soberania e a independência nacional, garantindo, internamente, a legalidade constitucional em todos os seus aspectos”.
Vargas foi eleito presidente e em fevereiro de 1951 Estillac deixava o comando da Zona Militar Sul para assumir o Ministério da Guerra. Era o auge da carreira.
A morte surpreendente
Fazendo um acerto de contas com sua própria história, Estillac Leal fez uma contundente defesa da legalidade constitucional:“Quaisquer que sejam os resultados das urnas, é dever dos soldados dignos desse nome aceitá-los como expressão dessa opinião e dessa vontade”.
“Advirto, mais uma vez: qualquer golpe, astucioso ou de força, sejam quais forem as razões invocadas, poderá provocar no país perturbações imprevisíveis e possivelmente de gravíssimas consequências e, talvez mesmo, nos lançar em profundas e cruentas convulsões sociais. Estejamos atentos contra semelhante eventualidade, como paladinos – agora mais do que nunca – da legalidade democrática”.
As facções de esquerda descontentes com a candidatura de Juscelino Kubitschek às eleições presidenciais de 1955 tentaram lançar Estillac Leal como candidato à presidência da República, mas Leal morreu de súbito em 1º de maio daquele ano.
Sobreviveu a todos os confrontos militares, mudou profundamente a história do Oeste paranaense e do Brasil, mas foi abatido na luta política.
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