O misterioso sumiço do padre

Padre Luiz Luíse e a igreja de Santo Estefano, em Martellago, a cidade natal. Com representantes da Aeronáutica e da Real Aerovias, em ação pastoral e na Copacol

Em 8 de março de 1953, dez meses depois de chegar a Cascavel, o pároco Luiz Luíse pediu ao padre Francisco Schlüter que atendesse a Paróquia de Nossa Senhora Aparecida em sua ausência. Com as malas feitas, Luíse viajou imediatamente, deixando para trás interrogações que só seriam respondidas quase trinta anos depois.

AS PRINCIPAIS NOTÍCIAS PELO WHATS: ENTRE NO GRUPO. TAMBÉM ESTAMOS NO TELEGRAM: ENTRE AQUI. SIGA-NOS NO GOOGLE NEWS 

O mistério do desaparecimento do padre Luíse aparentemente durou pouco, já que alguns dias depois pessoas procedentes de Erechim (RS) informaram que o religioso foi visto por lá, ativamente empenhado em convencer as autoridades gaúchas a aceitar seus planos, aperfeiçoados durante a permanência em Cascavel.

No entanto, ele jamais informou por que foi embora, já que era amado pela população cascavelense. No vácuo entre a criação do Município e a posse do prefeito José Neves Formighieri, padre Luiz Luíse foi um prefeito em regra, mobilizando a comunidade em conquistas históricas: apoiou a Prefeitura na venda de terrenos do Patrimônio Novo e com o médico Wilson Joffre trouxe a aviação comercial para a região. Ao deixar Cascavel em 1953 para retornar ao Sul, Luíse estava com 40 anos e já definitivamente inscrito na história local, sem imaginar que sua importância tanto para o Norte gaúcho quanto para o Médio-Oeste do Paraná viria de feitos ainda mais espetaculares no futuro.

Vocação para o progresso 

 Nascido em Martellago (Veneza, Itália) em 2 de maio de 1913, esse filho de agricultores foi levado aos 14 anos para o Seminário de Pederoba, em 1927. Durante os estudos, definiu-se pela vida religiosa, recebendo o diaconato em 16 de março de 1938, em Turim, onde foi ordenado padre em junho do mesmo ano.

Permaneceu ainda alguns anos em missões pastorais na terra natal antes de ser enviado para atender às regiões pioneiras colonizadas por imigrantes do Norte italiano e seus descendentes no Brasil.

Luíse chega a São Paulo em 1º de dezembro de 1946, iniciando tarefas pastorais no ano seguinte na Paróquia Aparecida, na cidade paulista de São Manoel.

Em 1949, transferido de São Paulo para o Norte do Rio Grande do Sul, passou a oferecer assistência religiosa à comunidade de Erechim, mas em breve ele viria para o Oeste, onde começou a fazer história.

A família Biazus, que colonizava Matelândia, era procedente de Erechim e pediu ao padre Domingos Fiorina, superior geral dos padres missionários de Nossa Senhora Consoladora, que enviasse um padre para assistir espiritualmente aos colonos no Paraná. 

Estavam longe de saber que prestavam um inestimável auxílio, na verdade, a Cascavel. No início de 1952, Fiorina efetivamente enviou o padre Luiz Luíse para que fosse conhecer Matelândia e em seguida se apresentar ao prelado de Laranjeiras do Sul, d. Manoel Könner.

“Dom Manoel aceitou a presença do missionário de Nossa Senhora Consoladora na sua prelazia, mas determinou que padre Luiz fosse trabalhar em Cascavel, atendendo a insistentes pedidos da comunidade local. No dia 4 de maio padre Luiz Luíse chegava pela segunda vez a Foz do Iguaçu, onde o aguardava Florêncio Galafassi. O diretor da Industrial Madeireira conduziu o religioso a Cascavel, hospedando-o em sua residência” (Alceu A. Sperança, Cascavel, A História).

A conquista do aeroporto

Em Cascavel foi então construída a nova igreja, a casa do pastor e em 10 de junho de 1952 era criada por padre Luíse a Paróquia de Nossa Senhora Aparecida. Entre maio de 1952 e a posse do prefeito José Neves Formighieri, em dezembro, padre Luiz assumiu por sua própria conta a liderança política da comunidade.

Em setembro de 1952, após um acidente com vários feridos em uma perseguição policial, ele e o médico Wilson Joffre decidiram trazer a aviação comercial para Cascavel (https://x.gd/CGkYy).

Depois de muitas tratativas para desembaraçar o tráfego aéreo, em janeiro de 1953 a empresa Real Aerovias, agenciada pelo futuro deputado federal Lyrio Bertoli, decidiu servir Cascavel com quatro voos por semana, ligando Cascavel a São Paulo, Curitiba, Londrina, Maringá, Campo Mourão, Ponta Grossa, Palmas, Vacaria (RS) e Porto Alegre.

Partindo para Erechim em março de 1953, desta vez permaneceria no Norte gaúcho por uma década. Lá, criou o Patronato São José, que acolhia órfãos e os profissionalizava em atividades agropecuárias.

Educar para maior renda

No Patronato, Luíse começou a pensar que não bastava transformar órfãos em profissionais do campo se os agricultores eram explorados quase como escravos. 

A ideia do cooperativismo começou a fermentar em seu espírito ao ser eleito presidente da Associação Agropecuária de Erechim, na qual se aprofundou em estudar as dificuldades dos pequenos agricultores.

Já com a experiência de obter o tráfego aéreo para Cascavel, padre Luiz Luíse tentou o mesmo para Erechim. Lá, entretanto, a tarefa lhe tomou quatro anos por conta das crônicas adversidades das empresas aéreas brasileiras. Como resultado desse esforço, padre Luíse ligou o Norte gaúcho com o Oeste do Paraná e Porto Alegre.

O retorno de Luiz Luíse a Cascavel se deu em 1º de junho de 1963. Embora recebido com grandes efusões de apreço e saudade, desta vez seu destino era reger a Paróquia do Distrito de Cafelândia d’Oeste.

A primeira cooperativa do Médio-Oeste

Luíse voltou com muitas ideias e um acúmulo importante de experiências, sabendo que teria uma intensa luta para salvar os agricultores da exploração dos atravessadores, reunindo-os em uma cooperativa.

“A situação dos pobres agricultores era dura e precária. A terra de Cafelândia do Oeste em geral era muito generosa com os colonos, mas os atravessadores abusavam dos agricultores até lográ-los, sangrá-los e matá-los. Os cereais em geral e também os suínos valiam bem pouco”. 

Em julho de 1963 criou a Associação Agropecuária Cafelândia, extensão da Associação Rural de Cascavel, atacada implacavelmente por defender o cooperativismo, que radicais conservadores diziam ser “coisa de comunista”.

“Não sabendo o que fazer para salvar os colonos, escrevi um relatório ao deputado Lyrio Bertoli. Ele levou ao conhecimento do presidente do Brasil, João Goulart, os problemas dos agricultores. Foi assim que o presidente encarregou o próprio Lyrio Bertoli de chefiar e acompanhar uma missão composta do próprio chefe da Casa Civil da Presidência, um coronel e mais dois técnicos em cooperativismo do Ministério da Agricultura, para vir a Cafelândia e verificar a situação crítica dos colonos. Isto deu-se no mês de agosto de 1963”. 

Em outubro o padre reuniu no pequeno cinema distrital 32 colonos interessados em fundar a cooperativa em Cafelândia. Para elaborar os estatutos sociais de acordo com a legislação então em vigor, o Ministério da Agricultura enviou o técnico Atílio Saran.

A área de abrangência da cooperativa incluía também os municípios de Toledo, Marechal Cândido Rondon, Formosa d’Oeste, Assis Chateaubriand, Corbélia e Capitão Leônidas Marques, afora Cascavel, dedicando-se também à eletrificação rural. 

Finalmente, a Catedral

Padre Luiz permaneceu em Cafelândia por mais dez anos, até setembro de 1973, quando passou a dirigir a Paróquia de São Paulo, novamente em Cascavel, empenhando-se pela construção da igreja do Parque São Paulo e publicando dois livros (A Bíblia e Você, Ed. Paulinas, 1975, e Você é o que Pensa, Igol, 1978).

O mistério sobre a volta repentina de Luíse a Erechim em 1953 só foi desfeito completamente em 1979, quando ouviu a pergunta que os cascavelenses faziam desde 1953: por que deixou Cascavel naquele dia 8 de março?    

Cautelosamente, o religioso disse que não foi embora da cidade por qualquer desavença com os fiéis católicos, mas por divergências com alguns líderes da comunidade, a seu ver mais teimosos que ele mesmo, um turrão confesso.

Luíse pretendia construir de imediato a Catedral na parte nova da cidade, ainda praticamente desabitada, contra a vontade dos pioneiros, que a pretendiam na parte mais densamente habitada, o Patrimônio Velho. 

O acelerado desenvolvimento de Cascavel tornou sua tese vitoriosa, embora com algum atraso: a Catedral foi inaugurada em 1974, um ano depois de seu retorno definitivo a Cascavel. Luiz Luíse morreu no dia 2 de novembro de 1988 em acidente automobilístico. Ele gostava de dirigir.

100 anos da revolução: Um país de analfabetos 

Nas eleições em 17 de fevereiro de 1924 um dos assuntos mais vibrantes em debate foi o contraste entre o ensino elitizado e o analfabetismo geral da população. 

A Academia Brasileira de Letras desde 1922 promovia uma campanha pelo ensino básico no país, lançando um concurso para premiar ideias nesse sentido. Vendeu a monografia “Difusão do ensino primário no Brasil”, de Júlio Nogueira, que propunha a obrigatoriedade. 

O Senado decidiu publicar e distribuir a monografia a todas as cidades do país. O senador mato-grossense José Murtinho, que era médico e professor, defendeu a medida: 

“Da leitura de trabalhos como o do Sr. Julio Nogueira ressalta nítida uma impressão que, por amarga, não devemos esconder: se somos um país de analfabetos, devemos essa desgraça, em grande parte, aos dirigentes”.

Entre julho de 1924 e fevereiro de 1925, o ensino obrigatório foi um dos itens exigidos pelos revolucionários para depor as armas, mas o governo ignorou: preferiu o banho de sangue.

A Lei Geral da Educação, de 1827, obrigava todas as cidades a ter escolas primárias, mas um século depois elas só tinham poucos alunos

 

Fonte: Alceu Sperança

Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *