Com a extinção do Território Federal do Iguaçu, em setembro de 1946, Cascavel voltava a fazer parte do Estado do Paraná e a comunidade se voltava às atividades madeireiras, que também pautavam a expansão do comércio e dos serviços.
Por sua vez, chegados recentemente, para ter influência em um Estado já tradicional em seu litoral e capital, com um Norte que se fortaleceu enquanto o Oeste patinava no Território Federal, os gaúchos da Companhia Maripá passaram a intensificar seu projeto de colonização, comércio, indústria e influência política.
No entender do advogado José Bernardo Bertoli, o projeto da Maripá era transformar a cidade de Toledo no polo regional do Oeste, iniciativa que nos primeiros anos não causou qualquer comoção em Cascavel.
Para o líder local Jeca Silvério, parentes e amigos com postos de prestação de serviços na vila e no interior, o progresso de Toledo também servia a Cascavel: os trabalhadores da Maripá já em serviço na Fazenda Britânia eram clientes de seus produtos coloniais.
A compatibilidade entre cascavelenses e toledanos se refletia também na política, já que os líderes toledanos se inclinaram a participar da mesma corrente política em que já estavam os líderes cascavelenses Horácio Reis e José Neves Formighieri: o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB).
Lupion atrapalhou a harmonia regional
No entanto, a comunidade italiana cascavelense, cujos negócios concorriam com as empresas dos mesmos ramos que se formavam em Toledo, reagiria depois às tentativas da Companhia Maripá de desviar a rodovia federal para que passasse ao Norte de Cascavel e de criar o Município de Toledo tendo a vila de Cascavel como seu distrito.
Assim, com a criação dos dois municípios e a definição da rodovia seguindo quase o mesmo traçado da atual, somente retirada mais tarde do centro histórico de Cascavel por necessidades urbanísticas, os líderes de Cascavel e Toledo caminhavam juntos, ligados ao mesmo PTB de Horácio Reis e Willy Barth, o líder toledano.
Os atritos e rivalidades entre Cascavel e Toledo só começaram quando o PTB perdeu as eleições de 1956 em Cascavel e Toledo, por pressão do novo homem forte do Paraná – Moysés Lupion, que depois de inicialmente apoiado pelo PTB optou pelo PSD, iniciando uma forte rivalidade entre os dois.
Durante uma década, porém, ainda em 1946 e anos seguintes as necessidades de Cascavel e Toledo eram exatamente as mesmas e começavam pela urgência de superar o atraso em relação ao Norte decorrente da paralisia nos três anos de vigência do Território Federal.
À espera de eleições sem ditadura
Com a estrela política ascendente de Lupion e a renúncia de Brasil Pinheiro Machado ao governo do Paraná, em 6 de outubro de 1946, caberia ao presidente Eurico Dutra nomear um novo interventor.
Para preparar o terreno até a posse do futuro indicado, assume o governo o lapeano João Cândido Ferreira Filho (1896–1992).
Secretário da Agricultura nos governos de transição de Clotário Portugal e do próprio Brasil Machado, o professor João Cândido lecionava agronomia diretamente sobre a terra, sem aulas em sala.
Era herdeiro político do médico João Cândido Ferreira, que também já havia governado o Paraná – um dos heróis da campanha da Lapa, na qual o general Gomes Carneiro tombou em defesa da República.
Dutra tirou da cartola um de seus homens de confiança: o tenente-coronel baiano Mário Gomes da Silva (1898–1894), que havia sido seu ajudante de ordens quando foi ministro da Guerra. Desde Zacarias Vasconcelos o Paraná estava acostumado a ter baianos no governo.
Revolucionário de 1924 e 1930, o tenente-coronel Mário Gomes foi a aposta do presidente Eurico Dutra para conciliar as diversas correntes políticas em disputa e evitar que o governo do Paraná caísse nas mãos da oposição, pois pelo menos desta vez as eleições seriam livres e diretas, sem a manipulação habitual feita pela ditadura, na qual a máquina de governo é usada pelo grupo dominante.
Gomes conhecia Curitiba muito bem
Em 26 de setembro de 1946 houve a intervenção federal. Gomes recebeu do presidente Dutra a missão de apaziguar a efervescente política paranaense e assumiu logo em 6 de outubro com a promessa de presidir as eleições de janeiro do ano seguinte como um magistrado.
Dutra sabia que Gomes não era um desconhecido no Paraná. Além de participar de operações na Guerra do Contestado, o novo interventor havia servido na 5ª Região Militar, em Curitiba, como subchefe de estabelecimentos de Fundos do Exército.
Ao assumir o governo do Paraná, Mário Gomes completava todo um ciclo iniciado em 1924, quando os revolucionários paulistas viram liquidado em solo araucariano o sonho de reformar um Brasil minado pela corrupção.
Participante de vários combates revolucionários, Mário Gomes da Silva representava a volta por cima dos tenentes que inflamaram o País no passado. Mas a democracia com a qual os revolucionários de 1924 haviam sonhado não foi a mesma alcançada com a vitória da revolução em 1930, que na mesma década resvalou para a ditadura.
Poucos eleitores votaram
As ilusões se esvaíram e era preciso governar com menos ideologia e mais eficiência. Nesse sentido, o coronel Mário Gomes da Silva foi cirúrgico. Ao assumir o governo do Paraná compôs um secretariado pluripartidário, representativo de diversas forças políticas.
Em novembro de 1946 ele assinava o decreto-lei 533, restaurando a autoridade paranaense nas regiões Oeste e Sudoeste, antes tomadas para compor o Território Federal do Iguaçu.
Determinando as medidas necessárias para completar a passagem das tarefas da União para o Estado, o decreto do interventor federal devolvia as comarcas e municípios de Foz do Iguaçu e Clevelândia ao Paraná.
Como Cascavel fazia parte de Foz do Iguaçu e voltava a ter seu nome original, que os chefes do Iguaçu tentaram mudar para “Guairacá”, a iniciativa foi recebida pelos líderes cascavelenses como uma espécie de decreto para a retomada do poder exercido por Jeca Silvério entre 1930 e a criação do Território do Iguaçu.
No entanto, o poder exercido por Silvério, na verdade, vinha do prefeito, sempre nomeado, de Foz do Iguaçu. Com a eleição livre de 1947 e a posse do prefeito Júlio Pasa, o poder se dividiu entre os nove vereadores eleitos.
Silvério, Pompeu, Amaral e Ruaro
Concorrendo à Câmara Municipal pelo PSD, Jeca Silvério só foi menos votado que João Camargo e o médico Dirceu Lopes, com mais votos até que Acácio Pedroso, que havia sido prefeito de Foz do Iguaçu.
No entanto, Silvério ficou na primeira suplência da Câmara porque na época nem houve campanha eleitoral. No interior, onde morava 90% da população, sequer havia urnas disponíveis. Votou quem se interessou e estava na vila no dia da eleição.
Quando havia vaga na Câmara de Foz, Silvério raramente era chamado a tempo de poder se preparar e seguir a Foz do Iguaçu em longa e penosa viagem para assumir a vereança. Para sorte de Cascavel, a família Pompeu tinha ótimas relações com Pasa, o prefeito eleito.
Quem defendia Cascavel de fato na Câmara de Foz do Iguaçu era o vereador Antônio Alves do Amaral, da UDN. Também era suplente, mas assumia sempre a cadeira e atuava por orientação do líder toledano Alfredo Ruaro, que também tinha colonizações na Rota Oeste.
Apoio do Além
Nessa época, todo o Oeste paranaense pertencia a Foz do Iguaçu, mas o novo interventor ainda tinha pouco entendimento real sobre o conjunto do Estado.
Nos papéis da mesa do interventor Gomes tudo parecia calmo e pacífico, mas no interior os colonos atacados pelos jagunços das colonizadoras sentiam a omissão do governo, cuja disputa com a União prejudicava os mais fracos, sem meios para se defender.
Gomes pretendeu assumir o perfil de um gestor de transição e se atribuiu o papel de magistrado, mas não conseguiu manter essa disposição até o fim porque o ex-interventor Brasil Pinheiro Machado, afilhado político de Manuel Ribas, com habilidade montou a própria candidatura ao governo com base no secretariado de seu sucessor.
Esbarrou, entretanto, em um forte obstáculo: o major gaúcho Fernando Flores, compromissado com o empresário Moysés Lupion e chefe de uma das alas do PSD, partido criado em julho do ano anterior.
Entre os adversários Machado e Lupion pairava o espectro de Manuel Ribas, morto no fim de janeiro. Padrinho político de Pinheiro Machado, mas nos últimos anos feito amigo íntimo de Lupion, Ribas teria dito alguns dias antes de morrer que o magnata de Jaguariaíva era “o homem ideal” para prosseguir a sua obra no Estado.
Era voz corrente que em seus últimos dias de vida Manuel Ribas abandonou o afilhado Brasil Machado para se ligar a Lupion. As provas do envolvimento do ex-chefe do Paraná com o novo rico paranaense apareciam em imagens de visitas e trocas de gentilezas.
O marketing político faz milagres. A antes provável volta de Brasil Machado ao governo virou pó. Toda essa trama política, ao beneficiar Moysés Lupion, naquele ano de 1946 praticamente o dono de Cascavel, terá consequências decisivas para o futuro do Oeste.
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