O truque policial de Ney Braga

Ney Braga passa em revista tropa da Polícia Militar encarregada de combater conflitos de terras. No destaque, o delegado de polícia Eurides Formighieri

Uma das figuras mais importantes da história brasileira, o paranaense Ney Braga foi governador do Estado e ministro, mas começou sua ascensão favorecido pelo cunhado, o governador Bento Munhoz da Rocha Netto.

 

Nascido na Lapa, orientado para a carreira das armas e cursando a Academia Militar do Realengo (RJ), aos 22 anos, em 1938, Ney Braga se casa com Maria José, filha do ex-governador Caetano Munhoz e irmã de Bento, engenheiro que nessa época fundava a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Paraná.

Bento já se destacava de forma incomum como a grande liderança da família quando Maria José morre, em 1944. No ano seguinte, Bento foi eleito deputado federal constituinte e em 1946 se notabilizou por devolver ao Paraná o Território Federal do Iguaçu via emenda à nova Constituição.

Ney, após a perda da esposa, concentrou-se com empenho nos estudos militares, no Rio de Janeiro, travando conhecimento e sólida amizade com dois futuros presidentes da República: Humberto de Alencar Castelo Branco e Ernesto Geisel. 

De volta a Curitiba em 1949, Ney se casa em segundas núpcias com Nice Camargo Riesenberg e no ano seguinte será promovido a major. Bento, por sua vez, elege-se governador do Paraná em 1950 e nomeia Ney como integrante do Conselho Regional de Desportos do Paraná.

Não era uma posição que desse muito destaque ao cunhado, mas Ney integrava o grupo nacionalista do Clube Militar, que então tinha grande prestígio. Braga se destacou como um dos líderes nesse meio até em 1952 ser chamado pelo cunhado Bento para chefiar a polícia do Paraná.

Ney estruturou delegacias

Com a responsabilidade de dar fim aos sangrentos combates pela posse da terra no interior, Ney Braga, na altura dos 35 anos, tratou de estruturar a futura Secretaria de Estado da Segurança. 

Cascavel se tornou Município por ato de Bento. Até o nome da cidade foi um presente de Munhoz, pois se o Território Federal do Iguaçu continuasse, a cidade teria o nome de Guairacá. No entanto, a polícia local tinha instalações precárias e o mesmo efetivo de quando ainda era distrito de Foz do Iguaçu.

Com os recursos do Estado já comprometidos e escassos, a única forma de estruturar bem a polícia no interior seria contar com a ajuda das prefeituras e das populações das principais cidades.

O truque era nomear como delegados pessoas ligadas aos prefeitos, já que no interior ainda não havia deputados estaduais nem federais com força política e mobilizadora para essa tarefa. 

Foi assim que Ney Braga conseguiu nomear para a delegacia de polícia de Cascavel o comerciante de combustíveis Eurides Cezário Formighieri, irmão do prefeito José Neves Formighieri. 

A delegacia de Cascavel estava em vacância desde a eleição de Antônio Rodrigues de Almeida para a Câmara Municipal de Foz do Iguaçu, no pleito de julho de 1951.

Com família na cidade, Almeida continuou nomeado como delegado de Cascavel até que em setembro de 1953 Ney Braga designou para comandar a delegacia de Cascavel o contabilista de ofício, mas também subdelegado policial, Eurides Formighieri, irmão do prefeito.

A paralisia da II Guerra

Eurides era filho de um ex-delegado de polícia: o empreiteiro Virgílio Formighieri, que construiu trechos da futura BR-277 no Paraná, havia sido chefe do polícia no interior catarinense, em Caçador, onde ele, a irmã Regina e o cunhado Carlos Sperança eram lideranças importantes.

Embora formado em Contabilidade, Eurides foi subdelegado de polícia de Cascavel e em diversas ocasiões se viu às voltas com os jagunços. Homens armados que tomavam as terras de posseiros, eles enfrentavam a resistência dos colonos, que também se armavam para defender suas famílias. 

 Aos 35 anos, gaúcho de Lagoa Vermelha e longa vivência no interior de Santa Catarina, estendida nas obras rodoviárias pelo interior do Paraná, Eurides já havia acumulado uma densa biografia.

Eurides considerava que de todas as dificuldades pelas quais passou até chegar à nomeação como delegado de polícia de Cascavel ele só não conseguiu resolver duas. 

A primeira dificuldade insuperável foi a eclosão da II Guerra Mundial, que afetou seriamente as obras rodoviárias devido à concentração de recursos para fazer frente às consequências negativas do conflito mundial, embora sem envolvimento inicial direto do Brasil.

Quando sobreveio a guerra, a família de Eurides Formighieri estava nas cercanias do Rio Cavernoso em pleno trabalho de construção de estradas. Hoje é difícil acreditar que o trigo estivesse racionado para a população civil, mas o esforço de guerra transtornou a produção e o comércio.

O acampamento das obras contava com um armazém para fornecer alimentos aos operários. Para abastecer o armazém, as opções de Eurides eram comprar em Ponta Grossa ou se abastecer na Argentina e no Paraguai, onde obtinha produtos melhores e mais baratos. 

Pagamento negado

Com tudo parado, o único jeito era esperar até o retorno à vida normal, mas então ocorreu a segunda dificuldade que trouxe desânimo à família Formighieri, assim que a II Guerra terminou.

O governador Moysés Lupion não quis remunerar Virgílio Formighieri e filhos pelas obras. Propôs que aceitassem terras em pagamento. Os Formighieri tiveram a sorte de encontrar algumas boas áreas, recomendadas pelo amigo João Miotto, na região do Rio Centenário. 

Mesmo com a oferta de terras, o que complicou ainda mais a situação foi que Lupion não as titulou em nome dos Formighieri, mas de terceiros.

Com isso, Eurides se desgostou e decidiu se instalar na vila de Cascavel. Logo depois viria o irmão José Neves, para se tornar o primeiro prefeito municipal.

Além de participar de obras da BR-277, ao lado do pai e do irmão, Eurides ajudou a construir a estrada ligando Foz do Iguaçu às Cataratas. Foi uma forma de Lupion compensar em parte o golpe que aplicou nos Formighieri. 

Como a comunidade fronteiriça reclamava boas estradas ligando Foz às Cataratas e ao porto Meira e os Formighieri ainda contassem com o material que utilizaram em outras obras rodoviárias, foram chamados a trabalhar na fronteira.

Arranjo Estado-Município 

Eurides Cezário Formighieri foi designado para o cargo de delegado de polícia, já para o Município de Cascavel, em 2 de setembro de 1953, em ato assinado pelo então major e futuro governador, Ney Braga.

Não lhe faltaria o apoio do irmão prefeito e dos vereadores Antônio Massaneiro, Donato Matheus Antônio e Francisco Stocker, que inteirados da situação precária da delegacia local, colocaram o prefeito José Neves Formighieri diante de um fato consumado: a lei 24/53, que concedia auxílio no valor de cinco mil cruzeiros à delegacia.

Stocker, aliás, havia sido delegado distrital de Cascavel, embora residisse na Colônia Esperança. Donato, em lamentável episódio, foi assassinado por um vizinho antes que os recursos pudessem chegar às mãos dos policiais. 

O valor, felizmente, ajudou o Estado a ter em Cascavel uma delegacia de polícia mais qualificada para dar conta de suas grandes tarefas, considerando que o Município tinha uma grande extensão.   

Varridos da história 

Devido aos antagonismos políticos acirrados na década de 1960, que levariam ao golpe civil-militar de 1964, a memória dos antigos policiais foi varrida da história, para mágoa de José Neves Formighieri ao recordar o irmão Eurides por ocasião de sua morte, em 1982: 

“Ele foi primeiro delegado do Município, inclusive usava o carro dele e gasolina do bolso para atender as necessidades e ocorrências, que não eram poucas naquela época. Do Piquiri até o Iguaçu havia muitos conflitos. Em todas essas áreas era feita a cobertura policial pela delegacia de Cascavel” (entrevista a Jairo Eduardo).

Ironicamente, o mesmo Ney Braga que em 1953 reforçou a delegacia de polícia de Cascavel com o apoio da Prefeitura e da Câmara, ao se eleger para o governo do Estado, em 1961, soube que Cascavel estava sob o domínio dos grileiros e jagunços ligados a Moysés Lupion e determinou ao coronel Ítalo Conti, chefe da Polícia estadual, fazer uma limpa na delegacia.

Nem precisou: todos debandaram, restando só um policial: Aparício Lara. Conti perguntou a Lara porque não fugiu. “Eu não tinha rabo preso com ninguém”, foi a resposta. Mesmo assim, sofreu o castigo de ficar recolhido aos serviços burocráticos em Curitiba durante seis meses.

1924: 100 anos da revolução 

A situação de São Paulo em março de 1924 era de carestia elevada e os sindicatos de operários organizando greves. “Havia dificuldade na distribuição de água, no transporte de pessoas e de mercadorias, na limpeza pública, o que acabava por gerar movimentos sociais de insatisfação. Nos jornais havia protestos contra a carestia, a falta do sal, e a necessidade de barateamento do pão” (Associação Comercial de São Paulo).

No Norte do país, o bando do cangaceiro Lampião espalhava o terror, com pilhagens, assaltos e ataque. Choques entre bandos rebeldes e forças do governo não eram novidade nesse cenário. O governo tentou jogar os cangaceiros contra os revolucionários. 

Um fator que humilhou os brasileiros e abriu caminho à revolução foi a receita dada pela Missão Montagu, enviada pelos banqueiros ingleses para obrigar o Brasil a pagar a dívida externa: demitir em massa, entregar a eles o Banco do Brasil e eliminar as aposentadorias. 

Com o governo pautado pelos interesses britânicos, o desagrado dos operários e dos militares aumentou a tal ponto que a crise, a humilhação e a incapacidade do governo de satisfazer as necessidades da população resultou em rebeldia generalizada.   

Maria Bonita e Virgulino Lampião, que o governo quis contratar para combater os revolucionários

 

Fonte: Alceu Sperança

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